Quando eu queria ser um senhor

Quando tinha 15 anos queria intimamente ser um homem de setenta anos. Todas as pessoas que me eram apresentadas como sábias tinham essa característica. Eram sempre homens e, geralmente, idosos. A esta distância consigo ainda recordar o que era acordar todos os dias com vontade de ser um homem idoso. Não estava minimamente conectada à minha feminidade. Ser uma jovem mulher era o oposto daquilo que eu queria alcançar. Eu queria ser mais ou menos, o meu professor de sociologia, homem sábio com as suas grandes barbas como um Lao Zi ou um Aristóteles. Eu queria contribuir para o campo da psicologia como Freud, escrever como Eça, ter ideias como Sócrates. Era também uma altura em que não queria pertencer à minha linha cronológica. Nada que fosse contemporâneo me parecia inspirador. Tinha de voltar ao tempo de Salieri e ser um Mozart, voltar ao tempo de Verlaine e ser um rapaz homossexual que despertou algo de inexistente na poesia. Lembro-me de receber como elogio um comentário de um amigo poeta “tu escreves como um homem”. Eu, enquanto mulher, enquanto jovem, não tinha representatividade na ideia que me era passada de pessoa sábia e intelectual. Tive uma professora de português exímia que nos falava de Natália Correia mas foi só num programa de doutoramento que estudei Hanna Arendt. Antes disso, tinha amigos poetas que me chamavam Sylvia Plath ou na versão nacional Florbela Espanca. Ainda assim, todos os jovens aspirantes a poetas eram Rimbauds, podia ser um Rimbaud feminino ou masculino mas eram Rimbauds. Hoje em dia, dou por mim rodeada de um grande número de mulheres intelectuais. Há mais professoras no ensino superior do que professores e há um número impressionante de poetas portuguesas que atraem diversidade. Recentemente fui publicada numa revista grega acompanhada por poetas como Miguel Manso, Nuno Brito, Tiago Patricio, Luis Felicio. Mas também estou acompanhada por Beatriz Hierro Lopez, Andreia Faria, Tatiana Faia, Raquel Nobre Guerra e Filipa Leal. Para aumentar a diversidade e pluralidade poderíamos integrar autoras como Gisela Casimiro, Raquel Lima, Golgona Anghel, Luiza Nilo Nunes ou Lígia Reyes. A lista seria enorme de jovens poetas provenientes de diferentes contextos e o que importa realçar é a inspiração que essas mulheres são, não só para outras mulheres jovens ou menos jovens – porque não nos interessa o panegírico da juventude, tão embutido nesta realidade mercantilista – mas para a sociedade em geral. Um amigo em Pequim perguntava-me, no seu podcast, que conselhos poderia dar como escritora a um jovem homem neste momento. Segundo ele, muitos homens também se sentem desvalorizados em relação à sua representação entre meios essencialmente mais feministas. Falava-me de problemas como o sentimento de “invisibilidade” numa sociedade que prefere uma figura feminino como adorno. “Um homem nunca é motivo de atenção.” ou o facto do homem ser representado frequentemente como “perigoso” neste discurso. “Quando caminho na rua à noite, vejo mulheres que atravessam a rua, só pelo facto de eu ser homem”. Obviamente, não posso deixar de concordar com aquilo que ele reportava. Também nós já nos sentimos invisíveis quando queríamos ser algo que era, geralmente, um homem. Também nós éramos perigosas e por isso não podíamos votar. Nunca é demais exercitarmos a alteridade. Sem dúvida que uma educação para o humanismo e contra o medo deve sempre estar a par de lutas perfeitamente legitimas. Enquanto as mulheres oprimidas têm uma causa que lhes dá propósito, o homem contemporâneo sente um vazio existencial, tão sintomático do privilégio. Como sempre, disse-lhe, “o mais difícil é ser-se moderado(a)”.

19 Mar 2021