Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasAbril [dropcap]T[/dropcap]odas a definições extremadas que o associam estão certas: as águas, a porta, o boi, o bode, o abrupto, a entrada, o ponto vernal do viril instante não nos sossega e também inquieta o mais estável de um ponto imóvel. Há um temor de que os ventos se alonguem levando cabeças, ideias, projectos, segredos, e erupções de génio passam intrépidas pelo corredor dos dias. Os telhados de vidro estilhaçam e somos nós nesta sempre imprevista arquitectura simiesca as Capelas imperfeitas. Chove-nos por cima. Tudo isto reunido, tem, claro está, o grande capricho dos elementos que se entendem para assim nos fustigar – intermitências da vida – que as da morte não parecem reunidas neste consenso. Andar tem segredos e não faltam situações de quebra de ritmo energético que toca nos mais frágeis, abalroando-os, sem vantagens aparentes, pois que a força quando actua nem sempre é direccionada. Vai andado até embater e depois desliza para os que estando de boa saúde também cambaleiam ao ritmo da Estação. Abril charneiro requer coragens olímpicas! As Páscoas tosquiam-se pois que vem aí calor- há-de vir – que em muitos momentos chega intenso para logo ir, e vem depois o frio que logo se vai, e todos, numa insanável desdita marcham à frente sem capacidade de retaliação. O que vem e o que vai é uma dança. É o instante sacrificial para nos sustermos de pé. Andar de pé, é ainda um doce mistério articular, e por isso a coluna parece doer a tantos sem sentido, também ele, muito aparente. O que dói é a projecção para o alto, a verticalidade, pudéssemos nós ter mais pés e nada destas dores aconteciam. O Boi Ápis veio do Egipto que na fuga Primaveril dos hebreus se juntou a eles e passou assim infiltrado entre as gentes que fugiam. Ora, depois de uma ausência prolongada do líder, eles mesmos reergueram a sua divindade e fizeram um bezerro. Apís-Abril. Estes infiltrados ainda vinham com bois mas, e dado que a pastorícia fazia parte integrante da vida dos fugitivos, o Carneiro estava assim mais apropriados à moldura do enfático mês. O carneiro morto com sangue pintado nas portas ajudou a salvar inocentes, mas matou outros tão inocentes quanto os primeiros, que não tendo a mancha do seu sangue, morreram no infanticídio. O sangue de Boi não opera milagres. E foi passando que a passagem se deu mesmo que fosse perto o destino dos que empreenderam tão rápida empreendimento. Abril, traz para mais perto o rebanho e deixa as gigantescas carnes bovinas em outras pastagens. Não são precisas metáforas vindouras. Abril, em todo o caso, presenteia-nos com os cornos dos ciclos começados. Avança pelo chifre! A noção do coelho é uma delonga exasperante dado que caçar não é muito Primaveril. Ainda não estão crescidas as crias e não se matam os pais, alusão ao ciclo de fertilidade que se dá quase por raspão e fontes de propagação desmesurada. Os ovos, só os de codorniz, que caíram no deserto em forma de Maná, se fosse de avestruz ou de galinha não eram coincidentes com a época em que tudo o que é pequeno se agiganta. As Páscoas tecem agora a argola dos seus princípios ritualísticos de Abril. Começar, passar, atravessar. Ficar parado agora é bem pior que nos pormos ao caminho mesmo que não se saiba para onde se vai. Vai-se! A experiência dita que o pontapé de saída é o mais difícil e também o melhor. Incrustado ficou no zodíaco como o mês chifrudo. Pois se é Carneiro, passa a Touro. O 25 de Abril é bem uma festa litúrgica mais associada ao Boi. Bela, florescente, ímpar na franqueza direcional, sensitiva do grupo que festeja o ímpeto inquebrantável de uma liberdade que molda a primeira consciência dos grupos humanos. A Festa da vida com o rubro escarlate do animal. Se não fosse assim, a volúpia não tinha alinhado com o melhor, no Inverno, por exemplo, não se fazem Revoluções, as do Outono são muito maduras, invocam princípios de civilizada análise social que não presenteia a alegria. Por isso, e na vasta tendência do nivelamento colectivo, convém não descurar esta zona de impacto que se dá nas entranhas mesmo do cadáver morto que ao ressuscitar lá para mais tarde funda ainda uma religião. O 25 de Abril é bem uma festa litúrgica mais associada ao Boi. Bela, florescente, ímpar na franqueza direcional, sensitiva do grupo que festeja o ímpeto inquebrantável de uma liberdade que molda a primeira consciência dos grupos humanos Convocar as nossas forças e ter à cintura um ramo de flores, saber que tudo passa rápido e que em muitos casos só passa uma vez, embora o que nos sele seja ímpar, e o que nos abençoa uma casualidade. Abril já quase a meio prestes a formar a saída… do Brexit? Ou de todos nós no local amargo em que nos fomos deixando estar? O que nos planteia a fúria temporal ? Mesmo assim e com tantas alterações há ainda componentes imutáveis quando o transbordo se faz por aqui. O cérebro do universo deu ao nosso essa capacidade de se repetir, e não vai ser pela desorbitada aceleração do impacto neuroidal que se muda em nosso tempo físico. Há muito por fazer, e ainda mais para recomeçar, mesmo às voltas, nada volta como já foi, é esse o sentido da construção.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasAno Cão embrenhado numa montanha de problemas [dropcap]N[/dropcap]o próximo Domingo, 4 de Fevereiro, celebra-se a Festa da Primavera (Li Chun, 立春, Princípio da Primavera), que para os geomantes do Feng Shui é o dia da mudança na regência do signo do ano, quando termina o do Galo Solitário e se dá início ao do Cão na Montanha. Em 2018, pelo calendário lunar, na China o primeiro dia da primeira Lua do ano será a 16 de Fevereiro e assim começará o ano do Cão na Montanha ainda sem ter ocorrido a celebração do Ano Novo Chinês. No último dia da décima segunda Lua, a 15 de Fevereiro, dar-se-á um eclipse solar. No ciclo de 60 anos (60 Jia Zi, 六十甲子), encontro do Céu com a Terra, este ano Cão na Montanha terá o número 35 e o nome Wu Xi (戊戌), pois corresponde ao Caule Celeste Wu (戊, associado ao elemento yang da terra) conjugado com o Ramo Terrestre Xu (戌 representado no carácter do animal Cão). Sendo Xu (戌) sempre terra e o Caule Celeste corresponde este ano a Wu, elemento Terra yang, teremos para 2018 terra sobre Terra, o que levará a ampliar os dois elementos a si associados: o fogo que cria a terra e a água que é cortada pela terra (pelos elementos água e fogo se criou a Terra). O fogo do Verão, alimentado pela madeira na Primavera, sem água para o cortar, amplia a terra e coloca-nos num dos extremos previstos para ocorrer este ano. Nesse período haverá tremores de terra e os vulcões expelirão magma, terra fortalecida que corta a água e, com esta seca, facilmente se dá a ignição, originando grandes incêndios. Com o fogo a criar mais terra, irá esta ocupar o lugar da água, mas com o metal no Outono a sulcar a terra, a água no Inverno provocará grandes inundações. Calamitosas condições a originar também doenças, epidemias e distúrbios na mente humana, que a poderão levar a enlouquecer. Organizada no caos, já sem compreender as imagens mentais que controlam a intervenção humana, está a mente predisposta a insanos extremismos, com apologia à descriminação e à guerra. Quando pelo semelhante, o desequilíbrio é levado a atitudes trazidas por fundamentalistas razões criadas pelas individuais verdades. Devido à liberdade de escolher que temos dentro da forma do pensar, cremos serem essas verdades produto do nosso pensamento. Alia-se a isso uma ciência positivista que, enquanto Religião, escolheu como modelo a máquina e assim realiza-se no Deus do Imperfeito. A conjugação de todos estes elementos torna-se um vulcão pronto a expelir a terra que tem dentro de si e serão os efeitos dessas catástrofes a dar folga à mente para vislumbrar de novo o Espírito da Terra. Desde esse Espaço, que dá os significados à matéria, consegue-se reflectir o subconsciente com que materialmente formatamos as realidades, podendo conseguir assim limpar as poeiras projectadas no espelho. Individual ou do Universo. Terra sobre terra Ano que vai ser de extremos: ocorrerão grandes mudanças com variações entre boas e más situações, consoante a Visão de cada um. É pelas bordas da História que consciencializamos e reconhecemos o lugar por nós ocupado. Por isso, quem olha as realidades, sem necessidade de nelas se impor, e pelo envolvente espaço se coloca como meio, vê-se a ganhar consciência das imagens mentais com que criamos o Universo e o ano servirá de grande aprendizagem e agudeza sobre o que viemos ao mundo fazer. Para quem parte já com verdades, pois ao entrar na realidade logo pela memória se projecta nas materiais formas que alimentam o seu observar subconsciente, não dá espaço ao que fora de si está e o envolve num todo e, por isso, apenas se irá encontrar pelo individual pensar, mantendo-se assim num ano embrulhado em caos e ruído. Prevê-se com um grande segurança, e todos inconscientemente sentimos, que não será um ano fácil, pois não haverá meio-termo. Tudo acontecerá de repente e, descontrolando a mente, valerão essas calamidades para acalmar a loucura propícia ao brotar do vulcão que é a mente humana. Esta, educada no cartesiano sistema de projecção, com o Erro de Perspectiva a empurrá-la para o caos, sem a consciência na Geometria Sagrada da Natureza, só vinga formalmente pela autoridade estatutária. Estruturada num caminho rectilíneo e uniforme, tudo começa e acaba no Eu individual, que é o fim, sem espelho no ondulatório criar ciclos, para alimentar as imagens mentais. Caótico labirinto, sem enredo para levar à saída do subconsciente e, nesse estado Superior de adulto, por que julgamos ser, somos juízes das verdades adquiridas no ouvir dizer e nas narrativas relatadas até à exaustão como notícias, acompanhadas por imagens de televisão que, qual S. Tomé, se tornam verdades. Do vazio, as fontes de informação e educação estruturam o espaço das nossas imagens mentais, transfigurando-as em formais Verdades, pelas quais cegamente lutamos. Veja-se o valor para as nossas vidas que as máquinas têm e lhes damos. A luz da máquina de encontro aos nossos olhos, poderosamente coloca na mente as verdades do ter visto. Com o suporte a receber a luz do meio ambiente, permite reflectir o que os nossos olhos vêem: espaço entre os objectos e a mente. É perante esta balança que o ano vai oscilar, sendo por isso diferente consoante o espaço dado. Em reflexão pelo nosso interior ou no continuar a esquecer o Erro da Perspectiva, crendo conseguir viver sem estar e a projectar, observa-se de fora revertido ao ponto de fuga. Por que se julga, com o estatutário poder do ser, fazemos o julgamento. Sabe-se pela História, a existência de personagens que, pela autoridade natural e do saber, conseguiram resolver difíceis problemas surgidos e evitaram guerras. São milénios a usarmos a Natureza, sem lhe dar o respeito ao que dela retiramos pois, se somos nós a finalidade, é pelas nossas verdades que a tomamos. Vale ser o cão um animal fiel e emocionalmente sentir o tratamento ético que lhe é dado por quem com ele coabita, entregando-lhe com amor a sua fidelidade. Terá sido o primeiro animal que se deixou domesticar pelos humanos, o que ocorreu há 17 mil anos. Só a partir do vazio se volta a criar ordem, para conseguir sair desse fosso onde já há dois milénios estamos atulhados, sem a ancestralidade proveniente do inconsciente Céu. O fogo controla a terra e esta, aumentando, será inundada pela água; catástrofes poderosas, provocadas pela Natureza que, descontrolando a mente, poderão levar alguns dirigentes a entrar na loucura, valendo a grande neve ou os enormes incêndios para os acalmar. Assim, o poder é entregue naturalmente à solidariedade das pessoas para juntas enfrentem as adversidades. O que temos a esperar para este ano, positivo ou negativo, está na vontade ou desejos colocados por cada um. No Próprio do Todo Um onde nos encontramos inseridos ou, individualmente, no cada um por si.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemBarcos Dragão | O lado amador de uma competição tradicional Nas regatas internacionais dos barcos dragão há equipas amadoras a competir ao lado de equipas profissionais. Têm o apoio de empresas locais ou de serviços públicos de Macau e de Hong Kong e os atletas são funcionários que vão ao rio por amor à camisola. Muitos treinam nas horas vagas, sem uma preparação profissional [dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] beira do rio o sol intenso não atrapalha os braços que estão prestes a entrar em mais uma competição. Sentados à sombra, os atletas das equipas que participam nas regatas dos barcos dragão esperam pelo momento em que vão entrar nas embarcações. Os atletas da equipa da Sociedade de Jogos de Macau (SJM) envergam as cores verde e amarela. Ao lado os atletas da equipa do MGM gritam as iniciais que dão nome à concessionária de jogo, mas nem isso demove o espírito da equipa treinada por Junrey Daymat, filipino, trabalhador na SJM. “A última vez que competimos foi em 2015, e o ano passado não nos deixaram competir porque não permitiram uma equipa só com atletas filipinos. Este ano temos uma equipa com atletas novos, que começaram há cerca de três meses, e tentamos o melhor para os ensinar.” Ser atleta da equipa da SJM nas regatas dos barcos dragão é treinar e competir sem receber nada em troca. Este caso não é único: todos os anos várias empresas apoiam e incentivam a constituição de equipas para participar, sem esquecer alguns serviços públicos de Macau e até de Hong Kong. Há equipas tão diversas como a da “Rede de Serviços Dom Bosco”, “Clube Internacional de Senhoras de Macau” ou a “Associação Desportiva Badas”. Clubes como o Ka I ou o Monte Carlo também têm as suas equipas. Os atletas são empregados e funcionários destas empresas ou associações e treinam depois do horário de trabalho, nas horas vagas. Ao lado destas equipas amadoras, estão as equipas profissionais, compostas por atletas que treinam durante todo o ano. Muitos dos que competem nunca pegaram num remo na vida, e começam a treinar sem ter uma formação física própria para este tipo de desporto. É um passatempo, misturado de espírito de equipa e até de diversão. O treinador da equipa da SJM explicou que não há quaisquer incentivos monetários, mas a empresa garante que a equipa tem tempo para realizar treinos regulares. “A empresa deu-nos um tempo para treinarmos, sem trabalhar, durante dois meses. Só para que tivéssemos um bom treino. A empresa apenas nos dá apoio para treinar a equipa, para que os atletas fiquem mais fortes. Esta é uma competição muito importante e todos têm de participar todos os anos”, disse. Junrey Damat já fazia corridas de barcos dragão nas Filipinas e, como ele, são poucos os atletas que já praticavam esta actividade. O treino foi feito aos poucos, com espírito de sacrifício e uma boa gestão do tempo. Foto: Instituto do Desporto “Alguns de nós somos profissionais, mas outros não, são só empregados da empresa. A participação é importante, e para a própria companhia é importante estar nas competições dos barcos dragão”, apontou. “Não é para ganhar” O lado amador das corridas anuais dos barcos dragão significa correr por gosto e entretenimento. A iniciativa parte, na maioria, das empresas, que querem estar representadas numa das práticas desportivas mais tradicionais de Macau. O chamamento para fazer parte de uma equipa faz-se, muitas vezes, de boca a boca, em que os amigos são convidados para fazer parte do grupo, para que se possa concluir a inscrição no Instituto do Desporto. A CESL-Ásia é outra das empresas de Macau que todos os anos coloca uma equipa com o seu nome a concorrer no lago Nam Van. António Trindade, CEO da empresa, assume que “não temos uma formação para ganhar, mas sim para desenvolver o espírito de equipa”. “O processo de competição dura vários meses. Temos de juntar os participantes, que trabalham em grupo durante quase seis ou sete meses, uma equipa de quase 30 pessoas. Há treinos várias vezes por semana e é assim que se desenvolve o trabalho da equipa e o conhecimento das pessoas dentro da empresa. É algo que junta os colegas e até as próprias famílias”, defendeu. Trindade explica, assim, que participar nas regatas dos barcos dragão visa unir mais os empregados. “Ter esta equipa faz parte das actividades da empresa. As empresas têm uma componente orgânica e social, onde são promovidas as relações entre as pessoas.” O lado voluntário deste tipo de iniciativas acaba por acarretar alguns riscos ao nível da constituição das equipas. “As pessoas assumem compromissos de vários meses, e há pessoas que, por motivos familiares ou de trabalho, não podem participar em todas as actividades.” Durante os treinos há sempre um apoio a nível técnico para que os atletas sem experiência possam aprender a remar um barco deste género. “Os organizadores indicam o treinador para que as pessoas conheçam as técnicas para remar e do próprio funcionamento do barco”, referiu António Trindade. Macaenses de fora As equipas não profissionais participam em provas específicas para as suas categorias, ao lado daqueles que estão habituados a remar para ganhar. Há provas para todos os gostos, como o open em pequenas embarcações, pequenas embarcações das entidades públicas, regata universitária em pequenas embarcações (categoria open), pequenas embarcações para funcionários públicos de Macau por convites, grandes embarcações (categorias open e senhoras), regata universitária por convite em grandes embarcações (categoria open) ou ainda a regata internacional por convite em grandes embarcações (categorias open e senhoras). As distâncias a percorrer variam consoante a prova, existindo provas de 200 e 500 metros. O lado amador leva à falta de participantes, o que muitas vezes condiciona a inscrição de uma equipa. Foi o que aconteceu este ano com a Associação dos Jovens Macaenses (AJM), que não inscreveu nenhum grupo no ID, ao contrário do aconteceu no ano passado. “Várias pessoas já tinham entrado em algumas competições e o ano passado houve essa vontade de participar e fazer uma equipa. Só que este ano houve vários contratempos. Os que mais estavam interessados tinham questões pessoais que não permitiram a sua colaboração. Participar implica que, pelo menos durante dois meses, se comece a treinar todas as semanas. Chega a ser normal treinar três dias por semana”, explicou o presidente da AJM, Jorge Neto Valente. Já em criança o empresário costumava ver as regatas. “É um evento que não é apenas desportivo, mas tem muita importância em termos dos costumes chineses.” O lado desportivo conta, mas há muito mais para além disso, assegura. “Os departamentos dentro de um casino têm as suas equipas, quem participa, seja atleta ou espectador, sabe que é uma prova que tem muita piada. A pessoa vai antes e depois da prova, para ver as competições e fazer claque”, concluiu. As corridas dos barcos dragão terão começado quando o poeta e conselheiro do imperador do reino de Chu, chamado Qu Yuan, decidiu tomar uma decisão radical por não conseguir pôr um fim à corrupção no seio da corte imperial. Acabou por se atirar para um rio. Foi aí que os aldeões foram à procura do corpo dentro de um barco, enquanto batiam nos tambores e atiravam bolos de arroz à água. Isso serviria para impedir os peixes de comerem os restos mortais do poeta. Amanhã, feriado, é a final da competição, celebrando-se o dia do festival do dragão. Durante o fim-de-semana, foram decorrendo diversas provas no lago Nam Van. A cerimónia da entrega dos prémios será às 16h00.
Isabel Castro Eventos MancheteDocLisboa | O Chá Gordo de Catarina Cortesão Terra e Tomé Quadros Fazem documentários sobre Macau porque é neste exercício onde a realidade toca a ficção que vão, também eles, pensando na cidade onde vivem. Catarina Cortesão e Tomé Quadros encontraram no chá gordo a formação de uma comunidade de fusão, o tempo do território. Para que a memória, que ainda existe, se viva já. [dropcap]“C[/dropcap]há Gordo de Memórias” é apresentado hoje ao final da tarde no âmbito da extensão a Macau do DocLisboa, uma iniciativa organizada pelo Instituto Português do Oriente. Não é o vosso trabalho mais recente. Catarina Cortesão (C.C.) – Não, não é. Este documentário foi feito no âmbito do Macau DocPower, com o apoio do Centro Cultural, em 2013/2014. Pelo facto de haver tempos muito curtos para a apresentação da ideia, filmagem e edição, dentro dessas limitações e do apoio que nos deram, iniciámos o projecto sobre o chá gordo. Começámos a fazer a nossa pesquisa, começámos a falar com vários intervenientes da comunidade macaense para nos informarmos sobre quem eram os grandes cozinheiros. Munimo-nos do nosso conselheiro, Fernando Sales Lopes, que estuda a gastronomia macaense há vários anos – tem uma tese de mestrado, é um investigador ligado a essa área, na vertente da gastronomia macaense como sinal identitário da própria comunidade. Tivemos várias conversas com ele, foi-nos apontando caminhos, também construímos os nossos. Fomos vendo quem eram os cozinheiros mais emblemáticos – Aida de Jesus, Graça Pacheco Jorge, Rita Cabral, Carlos Cabral, Cíntia Conceição Serro. Destas conversas que fomos tendo, mais questões foram surgindo em relação à gastronomia macaense e o projecto cresceu. E cresceu numa determinada direcção. E que direcção foi essa? C.C. – Não queríamos fazer uma mera peça jornalística, esclarecedora do que é o chá gordo dentro da gastronomia macaense – pelo contrário, queríamos fazer uma narrativa fílmica a partir da mesa do chá gordo, onde estão os principais pratos da gastronomia macaense. Olhamos para a mesa do chá gordo, que é extensa, e nela vemos definidos não só o percurso e o que é a comunidade macaense, mas também o percurso dos portugueses até chegarem a Macau. Verifica-se o uso de ingredientes de Malaca, de Goa, de Angola, de Moçambique, e modos de confecção que, por sua vez, reflectem a aliança entre a cultura portuguesa gastronómica com a cultura chinesa, que também é bastante marítima. Daqui nasceu a primeira gastronomia de fusão, que é a gastronomia macaense. Dizia que, quando se olha para a mesa do chá gordo, vê-se a comunidade. C.C. – Vê-se a comunidade e a história de Macau dos últimos 300 ou 400 anos. Isso é muito notório logo na primeira percepção e mais ainda quando se tenta saber de onde vêm os pratos e se fala com as cozinheiras, quando elas apresentam os livros de receitas. São autênticos tesouros, na medida em que vão circulando entre as melhores cozinheiras ou são cedidos às pessoas da família com mais apetência para continuar esse espólio e dar bom nome à família através dessa mesa. Quando as pessoas achavam que não havia alguém que pudesse continuar com esse testemunho de uma forma destacada na comunidade macaense, levavam os livros de cozinha para a cova. Ou seja, não transmitiam as receitas, não as partilhavam. Há receitas da Graça Pacheco Jorge, do livro que era da tia, em que está escrito em baixo ‘não partilhar esta receita com qualquer pessoa’. Como é que se faz uma abordagem mais cinematográfica a um tema que facilmente pode cair, em termos de tratamento, num documentário do género jornalístico? Tomé Quadros (T.Q.) – Procuramos, de alguma forma, seguir a máxima de John Grierson, quando diz que o documentário deve ser abordado de uma forma criativa – isto dito no final da década de 20 do século passado. Significa que pretendemos fugir do documentário como uma peça jornalística e encará-la como narrativa fílmica tout-court. Procuramos com isso introduzir mecanismos da ficção no documentário, procuramos dirigir os nossos entrevistados, na medida do possível, como se de actores se tratassem, procuramos ter um cuidado estético bastante grande – e não só, em termos de continuidade, de racord também –, para que tudo faça sentido. Desta forma, introduzimos um narrador presente – a Nair Cardoso, uma jovem macaense – que, no fundo, conduz o espectador pelas diferentes estórias que fecham este todo que é a narrativa fílmica acerca do chá gordo. Temos um fio condutor, uma história, que coincide com a realidade: a Nair regressa a Macau passados alguns anos de ter ido para Portugal e vem à procura de um livro de receitas que era do avô macaense. O livro tinha sido escrito pela avó chinesa, que tinha aprendido para que toda esta gastronomia macaense existisse em casa. Há um dia em que encontra este livro no sótão da casa e guarda-o. Vai procurar, através do livro, as raízes da identidade, memória e cultura macaenses. Claro que houve uma transformação muito grande da simbiose homem-cidade, mas essa memória, a cultura e a identidade perduram. É um documentário para memória futura? T.Q. – No fundo, o que procurámos com o documentário é que sirva como um espelho, que a própria comunidade se veja ao espelho. Por exemplo, na questão das receitas, é muito complicado ter acesso e foi um dos maiores obstáculos, mais do que até ganhar confiança da parte dos intervenientes. Assistimos a um momento talvez único: a Cíntia Conceição Serro cedeu aos arquivos do Instituto Cultural todo o espólio que tinha herdado em termos de receitas e manuscritos escritos. Temos isso no documentário. É interessante ver que também há uma tomada de consciência por parte dos intervenientes, de que afinal esta memória deve ser mantida. Não são realizadores profissionais, na medida em que têm outras ocupações. Há vários anos que fazem documentários sobre a cultura de Macau. Como é que conseguem ir trabalhando nesta área, que exige todo um processo de pesquisa? Sentem muitas dificuldades? C.C. – Temos bastantes dificuldades pelo facto de sermos uma equipa muito pequena. Eu e o Tomé fazemos 80 por cento do trabalho. Depois contamos com o Daniel Saraiva para o som e agora temos uma nova pessoa que nos está a ajudar, o João Cordeiro. Temos ajuda nas filmagens e coloração. Nestes processos temos arranjado sempre alguém que nos ajuda por ser especialista na matéria. É muito difícil porque temos vidas profissionais exigentes e as nossas famílias. Isso faz com que exista alguma pressão, e de alguma forma, o tempo nos escape. O tempo que é dado aos projectos no Centro Cultural é muito pequeno, em seis meses temos de fazer tudo, o que cria muita pressão, mas são opções que fazemos. Temos de gerir muito bem o tempo. Somos bastante curiosos e gostamos de ter a percepção daquilo que acontece. Em Macau ainda não existe essa memória construída em termos de narrativas fílmicas. Sobre o chá gordo não há nada, apenas alguns episódios em que as pessoas descrevem o que poderá ser, mas algo muito insípido. O grande desafio é que adoramos filmar e editar, e apreciamos o produto final. Depois de estar feito, passamos para outro, porque queremos fazer cada vez mais. Já estou a pensar no projecto seguinte. T.Q. – O cinema foi o lugar que nos deu a conhecer um ao outro e foi onde a memória futura teve lugar. A Catarina tinha alguma formação e trabalho feito em fotografia, com uma grande base no teatro, e com grande desejo de desenvolver algo na área do cinema. Partilhávamos o mesmo olhar e as mesmas preocupações, e procurávamos fazer cinema em conjunto. Eu trazia a formação da Escola das Artes do Porto, em som e imagem. Se calhar trazia um olhar mais formatado e menos livre, e a simbiose com um olhar mais livre e outro mais técnico resultou. O documentário surgiu como o modelo de pensar o cinema mais apropriado porque nós, além da questão do cinema, tínhamos a vontade muito própria de falar de Macau, que nos apaixona. Sentimos que havia um vazio por preencher. Havia que começar a trabalhar sobre a memória, cultura e identidade de Macau, e encontrámos o formato certo. Já estão a pensar no próximo documentário? T.Q. – Temos o “Time of Bamboo”, que está quase terminado, foi o projecto deste ano, que vem na sequência da memória de Macau. Há um paralelismo com o chá gordo em termos do conhecimento que passa de geração em geração. Não há um livro do saber do bambu, como as estruturas são calculadas. Tentamos fazer uma ponte entre o legado e aquilo que pode vir a ser o futuro do bambu. C.C. – Em relação a projectos de futuro, ando interessada sobre a questão linguística. Ando a reflectir porque é que é difícil ao estrangeiro falar chinês e as crianças não têm acesso à aprendizagem da língua. Não são apenas os portugueses, mas os estrangeiros em geral. Porque é que isso não acontece nas escolas? Qual é a questão, o problema? Tem que ver com uma questão de vivência? Acho que seria um tema interessante para fazer um documentário. Apetece-me fazer um documentário sobre crianças e jovens dentro dessa questão linguística, das diferenças das línguas, o ‘lost in translation’. Comecei a escrever um guião, embora seja para uma curta-metragem, que reflecte essa faixa etária. Mas é uma história que tem algumas aventuras, à volta dos portugueses, chineses e macaenses. É sempre esse o meu ponto de reflexão.
António Graça de Abreu Diário (secreto) de Pequim h | Artes, Letras e IdeiasPequim, 11 de Novembro de 1978 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s chineses são mestres no fabrico e manipulação de todo o tipo de materiais. Hoje foi dia de visita a uma das muitas fábricas de artesanato de Pequim, oportunidade para ver e entender como se criam excepcionais peças artísticas. A fábrica, no sul da cidade, é pequena e os artesãos são maioritariamente mulheres, 56% do total. Têm umas mãos a quem os deuses concederam o privilégio de cerzir e lapidar pequenas e grandes maravilhas. Esculpem o jade e o marfim, mas quando não há marfim trabalham o osso de búfalo ou de iaque. Fiquei a saber que o marfim é raro e muito caro, proveniente da Tanzânia custa entre 400 a 500 yuans por quilo. Mais acessível e capaz de satisfazer qualquer gosto é o cloisonné, típico de Pequim. Trata-se, no essencial, de jarras de cobre e latão cobertas cuidadosamente de esmalte vidrado, de diferentes cores, segundo o desenho saliente de um rendilhado de flores e figuras que é colado na jarra e depois cheio com o esmalte, utilizando o artífice uma espécie de pipeta. Em seguida, a jarra vai ao forno e no fim é polida. Uma espectacular obra de arte! Também as mini-pinturas no interior dos pequenos frescos de vidro, teoricamente para guardar rapé, são um hino ao engenho destes artífices que usam um pequeníssimo pincel dobrado introduzido pelo gargalo do frasco e criam paisagens ou desenhos de animais, dragões, temas mitológicos e beldades de espantar. Os operários, os artesãos têm apenas o 1º. ou o 2º. ciclo de escolaridade. Os veteranos ensinam os mais jovens e os melhores de todos conseguem uma graduação pelo Instituto Central do Artesanato Industrial. O salário mais baixo é 40 yuans, mas os artesãos veteranos podem ganhar 250 yuans por mês. Há uma creche e uma clínica destinada aos artesãos e suas famílias. Tudo muito pobre, mas funcional. Pequim, 15 de Novembro de 1978 Há dias, aqui em Pequim, dizia-me o Gonçalo César de Sá, jornalista da Anop a trabalhar em Macau, de visita à China: “Hoje convidaram-me a conhecer a redacção e as oficinas do ‘Diário do Povo’ (Renmin Ribao). Quase tudo aquilo me pareceu velho e desactualizado, a precisar de urgente modernização”. O Gonçalo tinha razão. Não é apenas o maior diário chinês que precisa de se modernizar, é toda a enorme China que, nos últimos anos, por múltiplas e complexas razões, se deixou atrasar e quase ia perdendo o comboio do progresso. As gentes desta terra parecem voltadas para o futuro e ninguém lhes poderá levar a mal por pretenderam aproveitar e desenvolver as suas enormes potencialidades. A China é um país rico. Possui jazidas de petróleo, ferro, carvão, estanho, bauxite, ouro, prata, etc. Com uma população laboriosa de quase mil milhões de pessoas consegue, graças aos esforços gigantescos dos seus camponeses, com 1/17 do solo arável existente no globo alimentar quase 1/5 da população mundial. Mas a China é também um país pobre. A população é predominantemente camponesa e continua agarrada à terra onde vai buscar o arroz de cada dia; os recursos naturais estão pouco explorados, a indústria é muitas vezes incipiente, faltam técnicos e pessoal especializado, a mão-de-obra está muito longe de ser plenamente aproveitada, o rendimento per capita é muito baixo. Após os enormes sobressaltos da Revolução Cultural, a morte em 1976 dos seus três maiores dirigentes, Mao Zedong, Zhu Enlai e Zhu De, a China, agora com Deng Xiaoping, procura a estabilidade e a modernização. A estabilidade é sempre relativa num país extremamente diversificado, com uma superfície cento e dez maior do que a de Portugal e com as chagas de vários conflitos políticos ainda não cicatrizadas. Mas os chineses procuram uma acalmia na luta política. O fulcro é hoje a modernização da China. Um dos aspectos que mais seduzia certos ocidentais que visitavam a China nas décadas de cinquenta e sessenta eram encontrarem um povo com as necessidades primárias quase todas resolvidas, a alimentação, a saúde, a habitação, o ensino, mas que permanecia pobre e aparentemente feliz. Ora o mundo evoluiu. Até há poucos anos atrás, era fácil comparar a Nova China com um passado tenebroso de morte e miséria, anterior a 1949 que estava na retina de tanta gente. Hoje, os chineses, sem esquecer esse passado, fazem sobretudo comparações com os países mais avançados do mundo, reconhecem o seu atraso e vêem que têm muita coisa a aprender com o estrangeiro. Recentemente, no Diário do Povo” fazia-se a seguinte pergunta: “Será que é muito revolucionário viajar de mula enquanto no estrangeiro viajam em jactos supersónicos? Será que enquanto os outros usam computadores, nós vamos continuar a utilizar o ábaco”? Havia muito gente na China que defendia um tipo de vida género “pobrezinho mas honesto”. Ora se as pessoas podem deixar de ser pobres – a honestidade é um conceito muito complexo e relativo, sobretudo no mundo chinês — o que há de mau em procurar viver melhor? Socialismo não pode ser sinónimo de pobreza. Socialismo não pode ser continuarem a viver indefinidamente seis pessoas numa única assoalhada, como ainda acontece em muitas grandes cidades da China. Quando existem neste país meios para se construir uma casa decente para toda a gente, como se compreende que situações como esta não caminhem para uma solução? Há dias, no Congresso dos Sindicatos da China, Ni Zhifu, membro do Burô Político do Comité Central do Partido Comunista da China, disse, tal como vem no boletim diário da agência Xinhua, a Nova China: “Se o socialismo não permite aos trabalhadores uma vida sossegada e feliz através de um considerável desenvolvimento das forças produtivas, mas se significa que o país deve permanecer pobre e que o povo deve ter uma vida muito difícil, que espécie de socialismo é este?” Para se modernizar, a China está a recorrer à tecnologia e aos empréstimos estrangeiros. Há quem veja associado a isto a importação de ideias do mundo capitalista e o abandono da política de “contar com as próprias forças”. É capaz de ser verdade. Em finais de 1977, visitei o complexo petroquímico de Pequim que engloba uma cidade com 110 mil habitantes, situada cinquenta quilómetros a sul da capital. Aí funcionam cinco grandes refinarias, uma delas integralmente importada do Japão. É ultramoderna, controlada por computadores e foi instalada em 1975 e 1976. Em dois anos de laboração já produziu quase o suficiente para pagar a sua instalação e continua a refinar petróleo que se destina principalmente ao Japão. Existe um provérbio chinês que diz: “Nunca nos devemos meter no casulo como o bicho-da-seda”. A China saiu do “casulo” e trabalha para, modernizando-se, garantir a melhoria das condições de vida deste povo que tanto tem sofrido e bem merece uma existência mais feliz. Pode experimentar-se simpatia, cepticismo ou receio face à China actual, pode concordar-se ou não com o sistema político chinês, mas é preciso estar atento e tentar conhecer o que de facto vai acontecendo cá pelas bandas do Extremo-Oriente. Porque uma China poderosa e moderna pesará como chumbo nos destinos da Humanidade. Pequim, 25 de Novembro de 1978 O meu filho Sérgio, de três anos, quase só fala chinês, com o sotaque nasalizado e arredondado de Pequim. O português começa a ser para ele uma língua difícil. Hoje perguntei-lhe: “Se não falas português, quando chegares a Portugal como vais falar com a avó?” Resposta imediata: “A avó fala chinês.” Aos três anos de idade, pela língua, o entendimento o mundo chinês plasma-se na mente do menino de Lisboa. E não há nada a fazer, para ele é fácil, toda a gente do mundo fala chinês… Pequim, 7 de Dezembro de 1978 A lanterna do desânimo acende-se por vezes num dos muitos recantos de mim. Ilumina este sentir azedo de quem anda amiúde pontapeando a lua com sapatos de papelão. Sei de coisas grandes que olhos pequenos raramente vêem, de palavras bonitas e acções bem feias, do desaforo de gente mascarada que traz orquídeas nos dedos e cultiva cardos no coração. Falo cada vez menos. Acentua-se este pendor para uma quase misantopia, não inata, adquirida ao longo dos sinuosos caminhos que conduziram à decepção e à tristeza diante de tanta vilania humana.