Hoje Macau EventosNobel da Literatura, inédito de Silvina Ocampo e novo de Itamar Vieira Junior chegam em 2022 O mais recente Nobel da Literatura, um romance de Frederico Lourenço, inéditos de Silvina Ocampo e novos livros de Itamar Vieira Júnior, Bernardine Evaristo e Angela Davis são algumas das novidades que as editoras portuguesas pretendem lançar em 2022. Para o próximo ano, os grupos editoriais prometem várias novidades, desde logo a publicação de vários romances do escritor Abdulrazak Gurnah, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2021, a começar pelo mais recente, “Vidas seguintes” (de 2020), que será publicado em fevereiro pela Cavalo de Ferro. Esta chancela, que agora pertence ao grupo Penguin Random House, em consequência da fusão deste com o grupo 2020, editará seguidamente “Paraíso”, em maio, e prevê publicar “By the Sea” em setembro. Outras novidades da Cavalo de Ferro são “A porta estreita” e “O imoralista”, de André Gide, duas das obras mais representativas do universo literário deste autor francês, bem como novos livros de Julio Cortázar (“Um certo Lucas”), de Antonio di Benedetto (“Os suicidas”), e de Ray Bradbury (“O homem ilustrado”), autores de quem a editora tem vindo a publicar a obra. Outros destaques desta chancela são um novo livro de ensaios da croata Dubravka Ugrešić, intitulado “A idade da pele”, uma das mais conhecidas novelas de Ludmila Ulitskaya, “Sonechka”, sobre o papel da mulher na esfera doméstica e familiar, e ainda o romance “Divorcing”, de Susane Taubes. A Elsinore, chancela do mesmo grupo, publicará “A cláusula familiar”, de Jonas Hassen Khemiri, romance vencedor do Prémio Médicis 2021 e finalista do National Book Award 2021, o primeiro romance autobiográfico de Édouard Louis, “Para acabar de vez com Eddie Bellegeule”, e os premiados romances de Alejandro Zambra, “Poeta chileno”, e de Olga Ravn, “Os empregados”. Pela mesma editora chegarão às livrarias novos livros de Cláudia Andrade, autora de “Quartos de final” e “Caronte à espera”, e de Bernardine Evaristo, escritora britânica vencedora do Prémio Booker com “Rapariga Mulher Outra”, que agora publica “Mr. Loverman”, um romance que explora a diversidade étnica e cultural da sociedade europeia. No âmbito da não-ficção, um dos principais destaques do grupo editorial é a biografia de Susan Sontag, escrita por Benjamin Moser (autor da biografia de Clarice Lispector), com o título “Sontag, vida e obra”. Para o próximo ano, a Alfaguara promete várias novidades, sobretudo relacionadas com autores de sucesso já publicados nesta chancela, como é o caso da franco-marroquina Leila Slimani, de quem se publicará “O perfume das flores à noite”. A editora prosseguirá com a publicação da obra de Manuel Vilas, autor de “Em tudo havia beleza”, que lançou um novo romance intitulado “Os beijos”, de Colson Whitehead, com o seu mais recente romance, “Harlem Shuffle”, de Michel Houellebecq, que tem um novo romance, “Aniquilação”, e de Elizabeth Strout, que traz de volta a protagonista de “O meu nome é Lucy Barton” para o seu novo romance “Oh William”. A Alfaguara aposta ainda num “clássico redescoberto” que se revelou um “romance surpreendente”, “As primas”, da argentina Aurora Venturini, comparada com autoras como Clarice Lispector, Lucia Berlin ou Otessa Moshfegh. Na Companhia das Letras sairão novos romances de João Tordo, “Naufrágio”, e de Yara Monteiro, o segundo da autora de origem angolana, depois da sua estreia em 2018 com “Essa dama bate bué”, bem como uma biografia de José Saramago, no centenário do seu nascimento, da autoria de Miguel Real e Filomena Oliveira, intitulada “As sete vidas de Saramago”. A escritora Silvina Ocampo terá publicado pela primeira vez em Portugal o livro de contos “Las invitadas”, pela Antígona, que recentemente editou também “A fúria”. Um destaque desta editora para 2022 é a publicação da “violenta e angustiante” autobiografia da infância do cineasta cambojano Rithy Pahn, sobrevivente do massacre levado a cabo pelos Khmers Vermelhos, que regressou à terra natal 30 anos depois da queda do regime de Pol Pot para “confrontar os seus carrascos”. O resultado é “A eliminação”, uma autobiografia entrecortada pelos diálogos que travou com um dos maiores responsáveis pelo genocídio, Kang Kek Iev, conhecido como camarada Duch, líder dos Khmers Vermelhos e diretor do campo de extermínio S-21, na cela onde este se encontrava preso a cumprir pena de prisão perpétua. O clássico feminista “Malina”, da escritora austríaca Ingeborg Bachmann, e “Comboios rigorosamente vigiados”, do autor checo Bohumil Hrabal, serão publicados também por esta editora, que aposta ainda em mais um livro da ativista negra norte-americana Angela Davis – com o título provisório “As prisões estão obsoletas?” -, de quem publicou “A liberdade é uma luta constante”. “A fábrica do absoluto”, de Karel Capek, autor de “A guerra das salamandras”, e “Assim lhes fazemos a guerra”, de Joseph Andras, são outras novidades da Antígona. A Bertrand Editora chega a 2022 com Margaret Atwood em dose dupla, publicando “MaddAddam”, o encerrar do seu épico de ficção especulativa (depois de “Órix e Crex” e de “O Ano do Dilúvio”), e “Burning Questions”, uma coleção de ensaio escrita entre 2004 e 2021. A Quetzal vai lançar um romance de Frederico Lourenço, “Pode um desejo imenso”, e a versão portuguesa da biografia de Fernando Pessoa por Richard Zenith. Serão publicados ainda livros de Susan Sontag, “Renascer”, de Jorge Luis Borges, “O Livro de Areia”, de Roberto Bolaño, “Chamadas Telefónicas”, de Patrícia Müller, “A rainha e a bastarda”, de Mario Vargas Llosa e Rúben Galo, “Conversas em Princeton”, de Can Xue, “Amor no Novo Milénio”, e de Julian Barnes, “Elizabeth Finch”. A mesma editora será responsável pelo lançamento em Portugal do mais recente vencedor do Prémio Goncourt, “A Mais Secreta Memória dos Homens”, do senegalês Mohamed Mbougar Sarr. Quanto às apostas da D. Quixote, contam-se um novo livro de contos de Itamar Vieira Junior, escritor brasileiro que em 2018 venceu o Prémio Leya com “Torto arado”, um romance de Isabel Rio Novo, que ganhou o prémio literário João Gaspar Simões, “Madalena”, o romance de Nana Ekvtimishvili finalista do Prémio Booker Internacional 2021, “Onde as peras caem”, ou o novo de Fernando Aramburu, “Los vencejos”, depois do sucesso mundial de “Pátria”. Quanto à Casa das Letras, lançará “Absolutely on music”, de Haruki Murakami, um livro que resulta de uma conversa pessoal e íntima entre o escritor e Seiji Ozawa, seu amigo e ex-maestro da Orquestra Sinfónica de Boston, sobre a música e a escrita. Em lançamento mundial, a Porto Editora publica no dia 25 de janeiro “Violeta”, de Isabel Allende, a comemorar 40 anos desde “A casa dos espíritos”, o seu primeiro livro. Entre os principais livros a sair pela Relógio d’Água no próximo ano contam-se “As margens e a escrita”, de Elena Ferrante, “Obras escolhidas”, de Ana Teresa Pereira, a “Correspondência amorosa” entre Virginia Woolf e Vita Sackville-West, “Casa”, de Marilynne Robinson, e “Pradarias”, de Louise Gluck. Quanto à Tinta-da-China, um dos destaques é “Poetas de Dante”, a resposta de 34 poetas portugueses aos 34 cantos que compõem a primeira parte de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, dedicada ao “Inferno”. A primeira antologia poética de João Pedro Grabato Dias e a reunião dos ensaios literários de David Mourão-Ferreira, são outras novidades da editora. No âmbito das questões raciais, a Tinta-da-China vai lançar “A Afirmação Negra e a Questão Colonial. Textos, 1919-1929”, de Mário Domingues, “O Pensamento Branco”, do ex-jogador de futebol Lilian Thuram, e “Pour une histoire politique de la race”, de Jean-Frédéric Schaub, considerado um livro estrutural para quem estuda e pensa as questões da raça.
Hoje Macau EventosLivraria Portuguesa | Livro “Macau. Novas Leituras” apresentado amanhã A obra “Macau.Novas Leituras”, editado pela Tinta da China em Portugal, será apresentada amanhã na Livraria Portuguesa entre as 18h30 e as 20h. A sessão será transmitida online em simultâneo em Portugal, no horário entre as 11h30 e as 13h, via Facebook. A moderação estará a cargo de Ricardo Pinto, gestor da Livraria Portuguesa, e Marta Pacheco Pinto. A sessão conta ainda com as participações de Ana Paula Laborinho, co-organizadora da obra, Inês Hugon, da Tinta da China e Gonçalo Cordeiro, outro co-organizador do livro. Seguem-se apresentações de personalidades como Fernanda Gil Costa, Dora Nunes Gago, Maria do Carmo Piçarra e Carlos André. Serão feitas também algumas leituras de autores como Carlos Morais José, Yao Jingming e Joe Tang. “Macau. Novas Leituras” é um livro que “assinala os 20 anos da transferência da administração portuguesa de Macau para a República Popular da China, celebrados em 2019 e também eles marcando o fim do ciclo colonial português”. Com esta edição “propõe-se uma reflexão abrangente sobre alguma da produção literária e cultural mais relevante dedicada a Macau desde a transferência, privilegiando a escrita em língua portuguesa, mas sem descurar outras vozes e tradições literárias”.
Andreia Sofia Silva EventosTinta-da-China edita em Portugal obra sobre literatura de Macau A editora portuguesa Tinta-da-China acaba de lançar a obra “Macau – Novas Leituras”, que reúne textos de autores como Fernanda Gil Costa, Jorge Arrimar ou Yao Feng. Ana Paula Laborinho, uma das coordenadoras da obra, fala de um livro que pretende, sobretudo, trazer uma visão mais abrangente sobre aquilo que é a literatura de Macau Chama-se “Macau – Novas Leituras” e é o mais recente livro lançado pela editora portuguesa Tinta da China. Trata-se de uma obra que reúne vários escritos sobre a literatura de Macau e que tem coordenação de Ana Paula Laborinho, Gonçalo Cordeiro, Marta Pacheco Pinto e Ariadne Nunes. Ao HM, Ana Paula Laborinho, explicou que este livro nasce das várias comemorações realizadas em 2019 por ocasião dos 20 anos da transferência de soberania de Macau. Uma das iniciativas aconteceu na Fundação Oriente (FO) e foi organizada pelo Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa, com o nome “Literatura de Macau Pós-1999”. Também um centro de investigação da Universidade de Paris-Nanterre, em parceria com o Instituto Camões, organizou a palestra “Macau em Perspectiva: 1999-2019”. O livro conta, portanto, com “algumas participações interessantes, de pessoas que passaram por Macau ou que ainda se encontram lá”, dedicando-se não apenas à literatura de e sobre Macau e à questão da língua portuguesa. Autores como Fernanda Dias, Jorge Arrimar, Duarte Drummond Braga, Fernanda Gil Costa ou Yao Feng compôem as páginas deste livro. Lembrar Estima de Oliveira Ana Paula Laborinho explica que, com esta obra editada pela Tinta da China, se pretendeu também “fazer uma pequena reflexão de poesia recente” editada sobre Macau. “Temos poetas que ainda têm uma relação estreita com Macau, destacando um que já nos deixou, e que consideramos que merece uma justa homenagem, que é o Alberto Estima de Oliveira que viveu muitos anos em Macau e que tem uma obra quase toda editada lá, de grande interesse e substância.” É também feita uma análise da presença de Macau no cinema, sem esquecer a literatura sobre Macau em inglês. “Não há dúvida que existe uma literatura de Macau que se faz em várias línguas, o que significa que há uma maior consciência desses cruzamentos que são da própria história de Macau.” O objectivo, com esta edição, é “apresentar Macau como objecto de estudo, olhado com a distância que estes 20 anos trouxeram, uma distância crítica que é fundamental”. Fazer “uma reflexão sobre o que é a literatura e de que maneira as suas características estão presentes na escrita”, adiantou Ana Paula Laborinho. A ex-directora do Instituto Português do Oriente e ex-presidente do Instituto Camões destaca ainda o facto de, nos dias de hoje, a literatura de e sobre Macau ser mais ampla. “Cheguei em Macau em 1988 e havia um preconceito em relação à literatura de Macau, porque considerava-se que era apenas escrita por macaenses. E o macaense também tinha uma definição muito restrita, o cruzamento de ocidente e China. Os escritores macaenses não chegavam a uma mão cheia. Ao longo de décadas foi feito um trabalho importante de que escrever Macau é muito mais do que a identificação dos seus autores como tendo ou não nascendo no território.” Nesse sentido, “este livro traz um olhar muito mais abrangente sobre o que é Macau e a sua escrita”, rematou.
Rita Taborda Duarte h | Artes, Letras e IdeiasUma respiração sustenta-se [dropcap]A[/dropcap]onde ides nessa lesta ligeireza? Ainda agora aqui estáveis, mas em piscando os olhos, já vos ides? Vinde cá, meu tão certo secretário, que não vos faço testemunha de queixumes ou lamentos, outras penas, mas desta admiração franca que sempre aqui venho escrevendo. Vinde cá, papel, em que as minhas leituras desafogo, para que vos diga que o livro se chama «Um quarto em Atenas» e que o escreveu Tatiana Faia; sim, meu tão certo secretário: é bem a prova de que a poesia encarrilha em regras próprias, muito suas, nem sempre facilmente apreensíveis. Encarreira em percursos que nem sonhais, quando faz do «mapa do mundo» «a sua miniatura». Tal como se diz da personagem/mulher que habita um dos mais fortes e densos poemas do livro (e por que não dizer belo, se de impressões de leitura, somente, aqui se trata?) intitulado «Cinco Visões de Paraíso», torna-se, também, ao correr do livro, indistinta «a fronteira entre a mente e o corpo», quando nos poemas se anota, a cada verso, «a distância/ entre lacuna e entendimento». São estas as manhas da grande poesia: provocar tensão entre o nosso modo de reconhecimento e a percepção da linguagem do poema, dos mundos que ele resgata e recupera, num mapeamento de percursos, em profunda irrequietude. No final de «Um quarto em Atenas», num texto dedicado a agradecimentos que se tornam numa arte poética, breve, desinteressada, diz-nos Tatiana: «Nunca se sabe bem onde um poema começa, a barreira entre pensar sobre literatura e escrever é sem dúvida uma ténue parede através da qual se pode conversar.». Assim também ler: há certos poemas cuja leitura torna indivisa a barreira entre ler e pensar sobre que coisa é um poema; de que modo produz a poesia os seus significados, melhor, o seu assombramento: aquela força quase física de uma tensão que começa a balancear o texto e que abala o leitor, o perturba, desinquieta. É equilibrado na barreira ténue entre «lacuna e entendimento» que o leitor reconhece, estranhando, os espaços do poema (uns físicos, outros mentais), as referências, os autores convocados, poemas, filmes, pessoas, personagens, tempos que se perpassam. E, essencialmente, um ponto de vista: os sítios de onde se olha («esses lugares todos/onde para lá do acidente convergimos») para o lugar que se olha. Este é um livro feito de territórios, locais de vigia sobre o mundo: janelas, afinal, para outros lugares, que se observa, com a nostalgia irónica de quem analisa em distância e explode nas suas inquietações e nervosismos. Um processo em tudo similar ao que se diz do grito de Munch, que, afinal, não representa, simplesmente, um homem a gritar, mas «um homem a tentar conter/como as barreiras de um rio/ o grito de tudo o que o rodeia». Será isto. A tensão do grito desta poesia resiste na busca de contenção de tudo o que a rodeia, também.Sim, meu tão certo secretário, tendes razão: estou a roubar versos, tão somente, para dizer dos poemas aquilo que quereria dizer; uma forma, eu sei, de os canibalizar. Mas canibalizar o verso alheio é o mínimo que podemos fazer a um poema, deformando-o, torcendo-o, até que ele nos diga aquilo, meu secretário, que gostaríamos de ter dito. Que mais podemos fazer com os poemas, se não isso: usar-lhes os versos, como um canivete suiço, para esventrarmos um pouco o caroço do nosso próprio pensamento de leitura? Nesse texto no final do livro, Tatiana diz que uma vez tentou «explicar a um crítico que [mantinha] o hábito questionável de usar pessoas que são parte da [sua] vida para escrever.». Enumera-as e são várias; assim como as diversas referências, modernas atravessando as clássicas, que falam nestes poemas sempre longos, a desafiar a tensão que pode atingir a língua de um poema; escrever assim é canibalizar, incorporar, absorver pessoas, textos, vidas. Até os locais e datas (paratexto que acompanha muitos dos poemas) se tornam, no livro, itinerários, não dos lugares onde a autora esteve, e onde escreveu (isso pouco nos interessa), mas dos ângulos de onde se olha a parte do mundo em que não se está, sublinhando a errância — nostalgicamente irónica –, como um fio condutor destes poemas. Como se diz, a dado momento: «a mais absoluta nostalgia/tem determinado todos os poemas.». Duas referências assombram o livro, acima de todas as outras: Jorge de Sena e Ruy Belo assomam não só como autores citados, expressamente ou camuflados ou aglutinados, mas essencialmente como um ângulo de visão, um ponto de vista: o ponto de vista da distância, seja nas perspectivas sobre o tempo detergente (sempre o nosso), onde nunca foi possível o puro pássaro, seja pela ditosa pátria amada, em que ninguém merece ter nascido. O longo poema «Retorno, 2016», de que cito o final, é bem o exemplo desta errância de onde se olha, por exemplo, para o país: […] « e um poeta com menos discernimento neste país tão europeu que se enche de painéis de publicidade em inglês como selvas se enchem de vegetação e certos quadros da renascença italiana se enchem de cabeças cortadas alinharia aqui os três fs e concluiria que não tem sido fácil calcular a distância certa que nos pode salvar do orgulho de estar sós sem grande artifício há no coração desta bela cidade uma enorme praça de touros a ternura desarmante e sem dentes de todos os empregados de mesa um falo gigante num dos parques principais e a ruína esfomeada de tudo o que cresce ou não cresce à volta e o poeta que esta noite fechar a sua janela sobre o tejo sabe que só é preciso fechar os olhos a metade ou mesmo olhar para tudo com um olho a menos para poder continuar a amar em paz o resto Este prima de onde se olha para a realidade, como se se estivesse à janela de um quarto distante também absorve a visão crítica e irónica sobre o acto de escrita e o papel (não tu, meu tão certo secretário, outro) tão amarrotado, já, do poeta, bem evidente em textos como «Como reconhecer o seu autor feliz», «O grande fardo de palha do poeta comprometido» ou «Literatura para Falcões», imenso poema. É de esguelha, de vários cantos, num percurso nómada, que se vê Europa como espaço e tempo e os seus horrores, presentes e passados (a perseguição acossada do nazismo é uma sombra do livro ainda, como uma memória de que se quer ainda sentir a culpa): «sábio/ deve ser só quem se consegue lembrar/depois de tudo roubado/do dever da própria memória», lê-se no poema, justamente intitulado « O filho de Saul». Ler «Um quarto em Atena» é tentar a decifração de espanto a cada verso; espécie de vertigem, que sente as palavras em tensão. Não é a língua, a história literária ou cultural que nos dá o melhor diapasão para avaliarmos um livro de poesia. Não, meu tão certo secretário. É como vos digo: as leis da física oferecem instrumentos bem mais adequados. Um bom poema é aquele que põe a língua, as certezas, os leitores, a lógica do discurso, as referências, o dizer, num equilíbrio tenso, em tensão: esta medida de grandeza que avalia a força de tracção a um objecto. Ou ele se quebra ou se deforma ou volta ao seu intacto estado inicial (quase nunca). Sim, meu tão certo secretário, é esta tensão, sem mais explicações, que parece definir a poesia de Tatiana Faia; a expectativa, o espanto, de ver algo a quebrar-se no poema, ou simplesmente ( e não é de somenos) assistir à força, à velocidade, à inquietação de sentir as palavras da poesia retomarem a forma original. No texto final de «Agradecimentos», a poeta lembra de passagem Ruy Belo, «autor de poemas longos e inesperados, […] onde se pode sublinhar muitos versos». É o que se espera de um leitor perante um bom livro de poesia: que lhe sublinhe os versos, tomando-os para si, levando-os no bolso, que há-de surgir o dia em que esses versos nos possam valer. É, no fundo, meu tão certo secretário, esta certeza que fica da escrita de Tatiana Faia: «enquanto ela escrevinhar/uma respiração sustenta-se e é tudo». Tatiana Faia, Um quarto em Atenas, Lisboa, Tinta da China, 2019</h4
Hoje Macau EventosBiografia de Leonard Cohen e segundo volume de “Eliete” nas novidades da editora Tinta-da-China [dropcap]U[/dropcap]ma biografia de Leonard Cohen, ilustrada com fotografias e documentos, uma edição fac-similada da revista “Persona”, dedicada a Fernando Pessoa, e a segunda parte do romance “Eliete”, de Dulce Maria Cardoso, marcam as novidades da editora portuguesa Tinta-da-China para este ano. A editora vai lançar uma caixa de colecção, reunindo edições fac-similadas dos 12 números da mítica revista publicada entre 1977 e 1985, dedicada a Fernando Pessoa, que inclui textos de autores como Eugénio de Andrade, Agustina Bessa Luís, Eduardo Prado Coelho, Ana Hatherly, Eduardo Lourenço, Vasco Graça Moura, Jorge de Sena e Mário Cesariny. Esta edição, que é uma parceria com a Casa Fernando Pessoa, inclui ainda um caderno original, com textos de Arnaldo Saraiva e Jerónimo Pizarro. Outra das novidades da Tinta-da-China é o lançamento de “I’m Your Man: A vida de Leonard Cohen”, por Sylvie Simmons, “a monumental biografia, profusamente ilustrada com fotografias e documentos, do músico e poeta de culto desaparecido em 2016”, segundo a editora. A Tinta-da-China vai ainda publicar “Mapas”, de John Freeman, o primeiro livro de poesia deste norte-americano, que foi editor da Granta em língua inglesa durante vários anos e responsável pela revitalização da revista literária. Na Colecção de Poesia dirigida por Pedro Mexia, os destaques da editora vão para “A Musa Irregular – Edição aumentada”, de Fernando Assis Pacheco, que reúne toda a sua produção poética, “Retratos com Erro”, novo livro de Eucanaã Ferraz, considerado um dos maiores poetas contemporâneos da língua portuguesa, publicado imediatamente após a edição brasileira, e “Câmera Lenta e Outros Poemas”, de Marília Garcia, que lhe valeu o Prémio Oceanos 2018 e que estava apenas publicado no Brasil. Na mesma colecção será ainda lançado “Ideas of Order” (no título original), uma das obras seminais de Wallace Stevens, poeta de língua inglesa, traduzido por Pedro Mexia. No que respeita à ficção, a Tinta-da-China prepara-se para publicar a segunda parte da história de Eliete, de Dulce Maria Cardoso, cujo primeiro volume foi lançado em 2018, e uma antologia de contos de Sérgio Sant’Anna, organizada pelo escritor Gustavo Pacheco, a partir dos vários livros do autor, e nunca antes publicada. Outra novidade na área do romance é o início da publicação da obra de Emmanuel Carrère, que se inicia com a reedição, em nova tradução, de “O adversário”, obra que consagrou o autor, a que se seguirá “o monumental” “O Reino”. Durante este ano será também editado um volume de contos do autor catalão que a Tinta-da-china tem vindo a publicar desde 2007, Jaume Cabré, intitulado “Quando a penumbra vem”. Na Colecção Pessoa, dirigida por Jerónimo Pizarro, será publicada a primeira biografia inglesa de Fernando Pessoa, com o título “Fernando Pessoa, the Poet with Many Faces: a biography and anthology”, de Hubert D. Jenings. “Escrito na década de 1970, o livro deveria ter sido impresso em 1974, mas a Revolução dos Cravos interrompeu os planos editoriais. O datiloscrito, encontrado numa garagem em Joanesburgo, na África do Sul, e colocado à guarda da Universidade de Brown (EUA), é agora enfim publicado, numa edição de Carlos Pittella, que selecionou os poemas que compõem a antologia apensa”, explica a Tinta-da-China. Na Coleção de Literatura de Viagens, dirigida por Carlos Vaz Marques, destacam-se “Cinco travessias do inferno”, de Martha Gellhorn, correspondente de guerra, que partilha as suas cinco “melhores viagens de terror”, e “O Uso do Mundo” (título provisório), obra de Nicolas Bouvier, que relata uma viagem de longos meses entre os Balcãs e o Afeganistão, nos anos 50. Ainda no âmbito da literatura de viagens, a editora publicará “Uma Estranha no Comboio” (título provisório), de Jenny Diski, no qual a escritora britânica, nunca antes publicada em Portugal, parte da sua longa viagem de comboio pelos Estados Unidos para contar todo o tipo de episódios insólitos que viveu e encontros que teve com figuras bizarras. Relativamente a ensaios, a Tinta-da-China vai apostar num livro sobre a história da expansão portuguesa “contada às avessas”: não do ponto de vista da metrópole, mas sim do ponto de vista daqueles que partiram e se instalaram nas margens do império português. Intitulado “Filhos da Terra: Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa” é escrito pelo historiador António Hespanha. O outro ensaio a ser publicado é assinado por Fernando Rosas e, sob o título “Salazar e os Fascismos”, debruça-se sobre os fascismos que têm vindo a recair sobre o mundo, examinando e comparando os vários fascismos que grassaram na Europa ao longo do século passado e as ameaças que se fazem sentir no século XXI.