Justiça | TUI nega recurso à defesa dos irmãos Pereira Coutinho

Benjamim e Alexandre Pereira Coutinho foram condenados no Tribunal Judicial de Base a 8 anos e seis meses de prisão efectiva por tráfico de drogas. O recurso avançou para a Segunda Instância onde o provimento foi negado. Ontem foi dada a conhecer a decisão do recurso enviado para o Tribunal de Última Instância que também negou provimento ao recurso. Os filhos do deputado José Pereira Coutinho vão ter de cumprir a pena que lhes foi aplicada

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) negou provimento ao recurso pedido pelos irmãos Pereira Coutinho. Condenados a 17 de Outubro, pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes a uma pena de oito anos e seis messes de prisão efectiva, Alexandre e Benjamim Coutinho viram ser-lhe negado o último recurso de que dispunham.

De acordo com o acórdão emitido ontem pelo TUI, o tribunal entendeu que a actividade criminosa, ou seja a expedição de uma encomenda de canábis do Canadá para Hong Kong, com Macau como destino último, começou a partir deste acto em que o produto entrou em circulação.

O argumento dos arguidos de falta de correspondência temporal na remessa dos estupefacientes não foi considerado válido. A defesa alegou que no dia em que a encomenda contendo droga foi expedida, Benjamim Coutinho já não se encontrava no Canadá.

Por outro lado, os registos das conversas telefónicas, nomeadamente através do WeChat e do Whatsapp, feitas entre os dois recorrentes sobre a mesma encomenda, “revelam, sem dúvida”, que o pacote foi mandado por Benjamim Coutinho a Alexandre Coutinho, com a colaboração de um terceiro elemento, Wong, que foi condenado a sete anos e três meses de prisão efectiva.

Medida justa

Quanto ao argumento relativo ao excesso de medida de pena, o TUI considera que “o crime pelo qual foram condenados os dois recorrentes é punível com uma pena de 3 a 15 anos de prisão, e dos autos não resultam quaisquer circunstâncias que militem a favor dos recorrentes, com excepção de o recorrente Alexandre Coutinho ser delinquente primário”, lê-se no acórdão.

Ainda de acordo com o TUI, “o crime de tráfico de drogas é sempre frequente em Macau e põe em risco a saúde pública e a paz social”, pelo que são prementes as exigências de prevenção geral. A agravar a situação está o carácter transfronteiriço deste crime. “Pelo exposto, o TUI não entendeu excessiva a pena de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada aos recorrentes”, remata o TUI.

7 Mai 2018

Justiça | Ex-chefe do Departamento da Capitania dos Portos condenado

[dropcap style=’circle’] O [/dropcap] Tribunal Judicial de Base deu como provado que o ex-chefe do Departamento de Apoio Técnico Marítimo da Capitania dos Portos, Ip Va Hong, cometeu um crime de corrupção passiva para acto ilícito e um crime de abuso de poder. Foi condenado com uma pena de dois anos e seis meses.

O ex-chefe do Departamento de Apoio Técnico Marítimo da Capitania dos Portos, Ip Va Hong, foi condenado com uma pena efectiva de dois anos e seis meses, devido à prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e por um crime de abuso de poder. A decisão foi proferida ontem à tarde, no Tribunal Judicial de Base, e foca actos praticados por Ip Va Hong durante o desempenho das suas funções, entre 2012 e 2015.

“Muitas vezes, na qualidade de chefe do departamento exigiu benefícios para que fizesse tarefas que faziam parte das suas obrigações. Também no desempenhar dos serviços relacionados com o terminal [marítimo da Taipa] causou prejuízos à RAEM”, afirmou a juíza Ka Cheng Ha, durante a leitura da sentença.

“Consideramos que exigiu a terceiros benefícios e que alterou documentos para que a companhia [Cotai Chu Kong] vencesse concursos públicos. Fez com que a Capitania dos Portos tivesse confiança naquela companhia e continuasse a escolhê-la nos concursos”, ficou referido na sentença.

Em tribunal ficou ainda provado que Ip Va Hong ajudou uma empresa a conseguir um contrato de prestação de serviços no terminal marítimo, mesmo quando as regras exigiam que nenhuma parte dos serviços prestados pudesse ser subadjudicada. Segundo o tribunal, Ip foi fundamental para que a empresa ganhasse o concurso, apesar de subadjudicar serviços de segurança.

Em relação ao crime de abuso de poder, Ip foi considerado culpado por ter tido a intenção de pedir à STDM a reserva de alguns espaços no terminal marítimo, como lojas ou farmácias, para arrendar a uma amiga. O arrendamento nunca foi feito, mas o ex-chefe do Departamento de Apoio Técnico Marítimo da Capitania dos Portos foi considerado culpado. “As lojas não foram arrendadas mas o abuso de poder é um crime de dolo. Logo, havendo a intenção, existe o crime”, justificou Ka Cheng Ha, que é casada com o deputado e advogado Chan Wa Keong.

Pela prática do crime de corrupção passiva para acto ilício, Ip Va Hong foi condenado a dois anos e três meses, pelo crime de abuso de poder a nove meses, o que dá um cúmulo jurídico de dois anos e seis meses.

A juíza condenou o ex-chefe com uma pena efectiva, mas como a defesa de Ip decidiu recorrer da sentença, o arguido vai ficar em liberdade até haver uma decisão do Tribunal de Segunda Instância.

 

Mais condenações

Os outros dois arguidos do processo foram igualmente condenados. Li Mianxiong, de 52 anos, foi condenado com a pena de um ano, pela prática de um crime de corrupção activa. “Ofereceu bilhetes de barco, refeições, entre outros, ao primeiro arguido [Ip] para que fosse ajudado a alterar documentos e pudesse obter contratos”, justificou a juíza. Neste caso, também foi uma condenação com pena efectiva, mas o arguido encontra-se em parte incerta.

Já o terceiro arguido, Yang Xing, de 25 anos, foi condenado por um crime de falso testemunho com uma pena de nove meses de prisão, suspensa durante 18 meses. Em causa esteve o facto de Yang ter negado conhecer Ip Va Hong, quando foi chamado a prestar declarações no Comissariado Contra a Corrupção. Apesar de ter sido advertido pelas autoridades, Yang Xing, que é irmão da mãe de um dos filhos de Ip Va Hong, negou sempre conhecer o ex-funcionário público. Também Yang se encontra em parte incerta.

 

24 Abr 2018

Ho Chio Meng condenado a 21 anos de prisão efectiva

Pôde ele bem. O antigo procurador não foi o primeiro da história judicial da RAEM a ser condenado em primeira instância sem possibilidade de apelo. Mas agora, que não tem a hipótese de ver revista a pena de 21 anos que lhe foi aplicada, invocou o direito a recurso. Foi tarde demais

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-procurador Ho Chio Meng foi condenado na sexta-feira a 21 anos de prisão por vários crimes, incluindo burla qualificada, branqueamento de capitais agravado e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria.

Ho Chio Meng, que liderou o Ministério Público (MP) entre 1999 e 2014, conheceu a decisão do colectivo de juízes do Tribunal de Última Instância (TUI), liderado por Sam Hou Fai, sete meses depois do início do julgamento, a 9 de Dezembro de 2016.

No final da sentença lida pela juíza Song Man Lei, durante quase duas horas, Ho Chio Meng gritou de braço no ar que era inocente, que não tinha recebido dinheiro indevidamente e que queria ter direito a recurso.

Em prisão preventiva desde Fevereiro do ano passado, depois de ter sido detido por suspeita de corrupção na adjudicação de obras e serviços no exercício das funções no MP, Ho Chio Meng estava acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos, que estão a ser julgados no Tribunal Judicial de Base.

“Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 21 anos de prisão”, indica o acórdão do TUI. Ho Chio Meng foi condenado por 11 tipos de crimes: peculato e peculato de uso, burla simples, burla qualificada de valor elevado, burla qualificada de valor consideravelmente elevado, destruição de objectos colocados sob o poder público, promoção ou fundação de associação criminosa, participação económica em negócio, branqueamento de capitais agravado, inexactidão dos elementos da declaração de rendimentos e riqueza injustificada.

De acordo com o acórdão, 24 dos crimes de que o antigo procurador estava acusado prescreveram, incluindo um dos crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado, três dos crimes de burla simples e 20 dos crimes de abuso de poder.

O colectivo de juízes decidiu também absolver Ho Chio Meng de dois crimes de burla simples, de um dos crimes de abuso de poder e de sete dos crimes de branqueamento de capitais agravado.

Além da pena de prisão, Ho Chio Meng foi ainda condenado a pagar sozinho ao gabinete do procurador uma indemnização de 18,4 milhões de patacas. O tribunal condenou ainda o ex-procurador a pagar sozinho ou com outros arguidos, num caso conexo, mais de 57,5 milhões de patacas, acrescidos de juros até à data do pagamento integral.

Foram declarados perdidos a favor do território um total de 1,2 milhões de patacas em benefícios ilegais, assim como o património possuído pelo arguido e mulher no valor de 12,1 milhões de patacas. O dinheiro apreendido nos autos, no montante de 331 mil dólares de Hong Kong, foi igualmente declarado perdido a favor de Macau.

Impossibilidades e outros percalços

O TUI é a única instância que, em Macau, é chamada a decidir sobre processos que envolvem titulares ou ex-titulares de cargos públicos. Daí Ho Chio Meng não ter direito a recurso, apesar de ter sido julgado em primeira instância.

Esta característica do sistema judicial tem sido criticada por diversos sectores. O caso de Ho Chio Meng é o segundo a confrontar o sistema com esta questão. O primeiro foi o do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, detido há mais de dez anos, a 6 de Dezembro de 2006.

Apesar de essa impossibilidade de recurso ter sido contestada na sequência do caso Ao Man Long, e não obstante os apelos para ser alterada a Lei de Bases da Organização Judiciária, o cenário repetiu-se, dado que a prometida revisão da lei se encontra “em curso” há anos.

O caso do ex-procurador fez também renascer o debate em Macau em torno do estatuto dos magistrados e da falta de um instrumento de fiscalização da sua actividade.

O julgamento de Ho Chio Meng começou a 9 de Dezembro do ano passado, depois de a primeira audiência ter sido adiada na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do ex-procurador que pedia o afastamento do presidente do TUI, Sam Hou Fai, onde foi julgado. O pedido foi recusado pelo tribunal.

O caso ficou marcado pela desistência do processo do primeiro advogado de defesa de Ho Chio Meng, Leong Weng Pun, que abandonou o caso em Março, dizendo que o tribunal não tratava a defesa e acusação de forma igualitária.

Nascido em Macau em 1955, Ho Chio Meng assumiu aos 44 anos o cargo de procurador do Ministério Público de Macau, a 20 de dezembro de 1999, aquando da transferência de administração, depois de ter sido adjunto do Alto Comissariado Contra a Corrupção e Ilegalidade Administrativa.

Em 2009, chegou a ser apontado como o possível sucessor de Edmund Ho. No início desse ano, a chamada ala jovem do Partido Comunista Chinês demonstrou inequivocamente o seu apoio ao então procurador da RAEM, ao publicar, na sua revista, um artigo longo sobre Ho Chio Meng e as características que faziam dele o melhor candidato a Chefe do Executivo.

 

O sol e o desinfectante

O Ministério Público (MP) não tardou a reagir à condenação do seu antigo líder. Pouco antes das 19h de sexta-feira, emitiu um comunicado em que defendeu que a condenação a 21 anos de prisão “é justa e imparcial”.

“O julgamento do processo criminal respeitante ao ex-procurador Ho Chio Meng foi levado a cabo pelo Tribunal de Última Instância (TUI) nos termos da lei processual, e o MP respeita a decisão desse processo que, tal como outras decisões proferidas pelo TUI, é justa e imparcial”, anunciou o Gabinete do Procurador.

Na mesma nota, o Gabinete do Procurador recorre a metáforas para falar do caso. “Sendo a luz do sol o melhor desinfectante, o MP, que é um órgão judiciário, executa as funções de procuradoria de acordo com os princípios da legalidade e da objectividade, pelo que, partindo do princípio fundamental de que as pessoas são iguais perante a lei, o MP, no caso de Ho Chio Meng, deduziu a respectiva acusação e submeteu o caso ao julgamento do TUI, de acordo com a lei”, refere o comunicado.

Também acrescenta que, “com o fim do julgamento do caso de ex-procurador no Tribunal de Última Instância, o Ministério Público vai continuar a reforçar a gestão do instituto interno, executando rigorosamente as suas funções de procuradoria relativas à fiscalização da aplicação da lei, definidas na Lei Básica” de Macau.

 

A desilusão da defesa

A advogada de Ho Chio Meng disse estar “desiludida” com os 21 anos de prisão e com o tipo de crimes a que foi condenado o seu cliente, discordando da punição por associação criminosa e branqueamento de capitais.

“Temos primeiro de ver a sentença, os fundamentos, para podermos ver o que é que podemos fazer, mas com certeza ficamos um bocado desiludidos não só pela pena única que foi aplicada, mas também pelos crimes a que foi condenado”, disse Oriana Pun aos jornalistas à saída do tribunal. “Sempre defendemos que não há associação criminosa e também não houve o branqueamento de capitais”, acrescentou.

Oriana Pun pronunciou-se ainda sobre a questão da impossibilidade de apelo, ao dizer que qualquer pessoa deve ter direito a recurso. “Acho que o problema do recurso, tal como antes já tinha sido suscitado, é um problema do nosso sistema judiciário (…). [No entanto], é um direito básico em qualquer parte do mundo. Para nós, uma decisão sem recurso não é uma decisão última”, disse.

Apesar da impossibilidade legal de recurso, a advogada disse que a equipa de defesa tem “algumas ideias”, sem especificar quais. “Temos algumas ideias, mas também temos de estudar. Temos de ver qual é a pretensão do nosso cliente, só depois é que podemos dizer”, afirmou.

17 Jul 2017