Wong Sio Chak vê “problemas” em órgão independente que receba queixas contra agentes

[dropcap]O[/dropcap] secretário para a Segurança defendeu que um eventual órgão independente dedicado em exclusivo ao tratamento de queixas e à aplicação de sanções disciplinares dos agentes, proposto pelos pró-democratas, acarretaria “problemas”. Wong Sio Chak identificou três: grande volume de trabalho, esvaziamento do papel dos dirigentes e até prejuízos para os direitos dos agentes ao ficarem limitados apenas à possibilidade de recurso para os tribunais.

“Se for esta entidade a receber especial e exclusivamente as queixas vão haver alterações de fundo ao regime e isso implica a revisão da lei”, começou por argumentar, em resposta ao deputado Ng Kuok Cheong, advertindo que “o volume de trabalho seria muito para alcançar esse fim”. Em segundo lugar, apontou, “os dirigentes das forças de segurança deixariam de conseguir controlar bem os seus agentes”, isto quando “a maior parte da gestão tem a ver com a disciplina”. “Se os dirigentes não têm este poder de intentar uma acção disciplinar e controlar os subordinados isto em nada facilita a gestão”, argumentou.

Em terceiro lugar, alertou, coloca-se a hipótese de violar direitos dos agentes, uma vez que face a uma comissão independente estes poderiam perder a possibilidade de recorrer administrativamente. “Se não há recurso hierárquico ou impugnação administrativa como se resolve o problema? Só reclamando directamente para o tribunal”, sustentou Wong Sio Chak. “No ano passado, tratámos 278 casos relacionados com disciplina e 295 pessoas foram sancionadas. Se contarmos que metade recorre, não vai acarretar muito trabalho para os órgãos [judiciais]? Temos de pensar bem”.

O tema veio a propósito dos apelos para uma maior fiscalização em conformidade com o alargamento de competências na tutela, com vários deputados a voltarem a falar da Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau (CFD), órgão criado em 2005 sem competências para averiguação disciplinar que, no ano passado, recebeu 121 queixas, a esmagadora maioria das quais contra agentes da PSP. O alargamento de poderes da CFD tem vindo a ser pedido recorrentemente, tendo Wong Sio Chak afirmado, por diversas vezes no passado, ter “uma atitude de abertura”.

3 Dez 2018

Wong Sio Chak leva alargamento de escutas às novas tecnologias a consulta pública

Foi lançada ontem a consulta pública sobre o Regime Jurídico da Intercepção e Protecção das Comunicações. A lei avulsa vem alargar o âmbito das escutas às novas tecnologias e o leque de crimes a que são aplicáveis

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] evolução dos tempos assim o ditou. As escutas vão deixar de estar circunscritas às tradicionais chamadas telefónicas, passando a incluir todos os símbolos, palavras, imagens, sons, desenhos ou comunicações e troca de informações de qualquer natureza emitidos, transmitidos ou recebidos com recursos às telecomunicações. É o que prevê o documento submetido a consulta pública, apresentado ontem pelo secretário para a Segurança, Wong Sio Chak.

O regime de escutas telefónicas encontra-se previsto no Código de Processo Penal (CPP), em vigor há mais de 20 anos, pelo que “as normas deixaram de se adequar à realidade da actual tecnologia de comunicações”. Aquando da revisão do CCP, em 2013, o Governo propôs alterações, concluindo que “a forma mais adequada” seria avançar antes com uma lei avulsa. À luz do Regime de Jurídico da Intercepção e Protecção das Comunicações, mantêm-se três pressupostos essenciais. A saber: a intercepção das comunicações só pode ser efectuada mediante ordem ou autorização prévia do juiz; se houver razões para crer que a diligência revelar-se-á de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova; e tem de obedecer a todos os requisitos e condições sob pena de nulidade. Inalterada permanece também a moldura penal que permite o recurso às escutas. Ou seja, o recurso a este meio de obtenção de prova apenas pode ter lugar quando estejam em causa crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos.

 

Mais crimes e mais meios

No entanto, como explicou o director da Polícia Judiciária (PJ), Sit Chong Meng, o novo regime vem praticamente duplicar o tipo de crimes em que a intercepção ou gravação de conversações ou comunicações pode ser realizada, passando a contemplar os relativos à criminalidade organizada, ao branqueamento de capitais, ao terrorismo, ao tráfico de pessoas, à ameaça à segurança do Estado e crimes informáticos. Isto além dos crimes relativos ao tráfico de estupefacientes, a armas proibidas ou engenhos/matérias explosivos ou análogos, e de injúrias, de ameaças de coacção e de intromissão na vida privada, bem como de violação de domicílio quando cometidos através das telecomunicações. Já o contrabando cai, dado que deixou de existir na actual legislação.

Outra novidade do diploma são os meios de intercepção, que também aumentam. Hoje em dia encontram-se previstas apenas duas formas de escutas – intercepção ou gravação de voz. Ora, à luz do novo regime, à intercepção e gravação (não apenas de voz) junta-se a escuta, a transcrição, a cópia (de voz ou imagem), bem como “outros meios legais e necessários para a investigação criminal fixados no despacho pelo juiz”.

O novo regime também introduz ajustes no prazo de duração da intercepção de comunicações que, à luz da lei vigente, é fixado pelo juiz no despacho de autorização das escutas. Assim, propõe-se que a duração, a fixar pelo juiz, seja no máximo de três meses. Um prazo que pode ser renovado até ao mesmo período de tempo, mediante pedido submetido ao juiz desde que os requisitos para a intercepção persistam. Como confirmou o secretário para a Segurança, à semelhança de outras jurisdições, como Portugal, não há um limite para as renovações.

 

Novas regras e sanções

Para “uma maior eficácia na investigação e obtenção de prova”, o diploma consagra novas disposições relativamente à consulta e extracção do conteúdo de comunicações armazenado. À luz do diploma, “quando houver fundadas razões” para crer que o conteúdo das comunicações armazenado – em suporte físico apreendido (disco rígido móvel, por exemplo) ou virtual (em nuvem) – é “susceptível de se revelar de grande interesse para a descoberta da verdade”, o juiz pode “ordenar ao proprietário ou possuidor desse material ou suporte que proceda a abertura ou desbloqueio do mesmo e que preste auxílio na consulta e recolha dos dados nele guardado”.

Ora, quem recusar colaborar ou demorar, sem razão legítima, em fazê-lo incorre no crime de desobediência qualificada, punido com pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias.

O diploma também estabelece deveres para os operadores de telecomunicações e para os prestadores de serviços de comunicações em rede. Os deveres são dois: o de colaboração e o de conservação. À luz do documento, têm de prestar “a colaboração e o apoio técnico necessários à entidade competente, não podendo recusar ou demorar, sem razão legítima”, sob pena de incorrerem também no crime de desobediência qualificada, e de conservar os registos das comunicações durante um ano e na RAEM, com o incumprimento a ser classificado como infracção administrativa. Se o infractor for uma pessoa singular será sancionado com uma multa de 20 mil a 200 mil patacas; enquanto se for uma pessoa colectiva arrisca uma multa de 150 mil a 500 mil patacas.

Os registos das comunicações conservados “não incluem qualquer conteúdo das comunicações”, indicando apenas, segundo o documento, “os dados produzidos pela utilização dos serviços de comunicação”.

 

Violação do sigilo

De modo a que “não haja abusos”, o diploma propõe que seja classificada como crime (público) a intercepção de comunicações sem ordem ou autorização do juiz, a violação do dever de sigilo e a utilização indevida das informações obtidas. Caso não haja pena mais pesada prevista noutras leis, sugere-se pena de prisão até três anos ou pena de multa. Se esses actos forem praticados por pessoas colectivas, prevê-se uma pena de multa de 100 a 1.000 dias, num valor diário entre 500 e 20 mil patacas, as quais podem ser acompanhadas de penas acessórias, como a privação do direito a subsídios ou subvenções.

À luz do proposto, o Regime Jurídico da Intercepção e Protecção das Comunicações – que vai estar em consulta pública até 9 de Novembro – entrará em vigor 90 dias após a publicação, estando previsto um período de transição de um ano para o dever de conservação por parte dos operadores de telecomunicações e prestadores de serviços de comunicações em rede.

 

“Símbolo de sociedade democrática”

O secretário para a Segurança afirmou ontem que a série de diplomas que têm sido apresentadas pela sua tutela ao longo dos últimos meses, como a da cibersegurança, da protecção civil ou agora a da intercepção e protecção das comunicações, constituem “um símbolo de uma sociedade de democrática, de Estado do Direito”. A afirmação surge na sequência da opinião do presidente da Associação dos Advogados, Jorge Neto Valente, de que a sociedade está a ser alvo de “uma onda securitária”. Wong Sio Chak argumentou ainda que esse trabalho não se encontra circunscrito à pasta que dirige. “Todo o Governo está [a trabalhar] para aperfeiçoar a legislação”, afirmou, defendendo que se trata de uma “responsabilidade”.

27 Set 2018