Dating the city

[dropcap]N[/dropcap]a verdade o espaço de todos os dias sob o olhar do outro que invade o quarto. As roupas, como se delas se fizesse a clareza com que a vida flui em visibilidade no outro. O que somos do outro. As roupas. As peças desmembradas e amorfas num curto espaço de quinze minutos de pressa para sair como se de tudo isso dependesse o sentido da vida a revelar ao outro olhar e àquele olhar que se enviesa desconfiado e acutilante na indecisão ou no desafio a rasar o espelho, também ele falível. Os espelhos antigos são deformadores por excelência. Há que procurar a zona de clareza por oposição à zona de deformação. Das proporções. Mas para o corpo, esquecendo o rosto, passa discreta a deformação e o que sobra é a ideia geral. Sai. Detrás do espelho. Que já não é tempo de confundir a estética com o amor. A questão das roupas passa também pela evidência da cor. Como tudo.

As roupas, como animais abandonados sem dono sobre a cama. Outras vezes sobre o chão sem tempo para mais esmero. Despir rápido ou lento, ritual. Às vezes de desejo. As roupas esvaziadas porque neste dia não servem nem se lhes reconhece alguém. Estranheza em cada peça descartada. Esta não. Não hoje. Não ontem mas sim num dia outro qualquer. A identificação. Ali sim, pareço ser. As que ficam coladas e ancoradas ao corpo até ao fim do dia. Provamos como se roupas e máscaras inteiramente desconhecidas.

Esta roupa ontem servia e hoje não serve. Não se reconhece. E os sapatos fazem as pernas curtas onde ontem se dispunham generosos e repunham as proporções. O arquivador doméstico como se do seio familiar. Esta tia hoje não me responde, esta não me reconhece e esta outra é como se eu não a conhecesse.

Não me conhecesse – digo – E assim. O tempo a escoar-se no limbo da roupa interior já ultrapassada como etapa. No provador. Doméstico. Revestido de um olhar como se do outro. Um curto momento de visita entalado entre o passado e o nada que antecederia o futuro indiferente.

Entro e subo escadas entupidas de restos e poeiras e escuridão. Um primeiro andar adivinhado na entrada do prédio com pequenas montras esguias ao logo do átrio de entrada. As montras do que é mais acima adivinhando o tema íntimo da roupa a experimentar. Noutros tempos. Antes do pó e da derrocada de tudo. Materiais em desvario e fechaduras de exígua privacidade ou segurança, agora. Entra-se nos restos de um passado mais lento. De uma atenção mais cúmplice. Afinal falamos de roupa interior, a derradeira fronteira da intimidade. Se esquecermos a pele e tudo o mais de misterioso. Tudo devoluto, hoje. As noções e os espaços.

Anúncios de colorido vintage. Um charme estilizado. Uma pose para o olhar do outro Para a sedução. Ali ao Chiado. A derrocada completa no interior prestes a requalificar. Um provador íntimo e recatado e dois espelhos de moldura metálica naquele ângulo específico para ver e ao mesmo tempo ver.

Haveria um balcão de madeira nobre e quente com espaço para desvendar caixas de cartão baixas e quadrangulares, de onde se desnudavam gradações de rendas e tonalidades. Das mais finas às mais barrocas e das mais suaves às mais intensas. Em papel de seda. Com gestos delicados a acumulá-las umas sobre as outras em escadinha. Para escolher calmamente.

Uma porta, um espaço silencioso, uma banqueta para sentar o corpo em exposição dupla. Roupa interior e um olhar de si e de outro. Como se as duas coisas pudessem ser simultâneas. E não alternadas. Ainda ali está o prédio. Na esquina como uma esquina teria sido cada corpo que ali se interrogou. Entre um olhar de si e um olhar exterior a si. A ver se ficava bem. No quase somente corpo, a pele fina de rendas delicadas. Era uma divisão, anteriormente assoalhada, talvez, pequena e aconchegante, um provador de espelhos posicionados como na vida, com um ângulo particular. Molduras em metal de perfil fino. O olhar não carece de moldura, já é. É em si suficientemente abrangente. Esse olhar do outro. Mesmo ali. Sento-me calmamente em roupa interior. Como se fosse. Outro tempo. Observo e relembro como se tivesse olhado com esse olhar de ali estar pousando sobre a banqueta e de olhar no espelho sobre um corpo em roupa interior. Interior é mais ainda para dentro mas não para além desse olhar no momento, sobre o olhar do outro. Visto-me, ponho a máscara, por cima da roupa interior. Essa fica. Como nos filmes.

Quando é que alguém deixa de escolher, com essa duplicidade no olhar e dois espelhos em ângulo? Quando é que se abandona um sorriso secreto? Talvez voltando a Schopenhauer, e como sempre a propósito de uma outra coisa, revirar a frase sobre si própria a ver se serve. Como roupa interior. “Sentimos a dor mas não a sua ausência”. Quando deixa de existir a hipótese de ausência da dor, de intimidade? Esse nada. Que é desinteresse. Ou indiferença ou esquecimento ou abandono ou idade. Sento-me sentindo-me no provador, ante espelhos. Que fazer na ausência desse olhar? Que vem depois de antes. Quando ainda “todo o fruto delicioso amadurece lentamente”. Como a intimidade.

22 Nov 2020

Angela Leong alerta para dificuldades na recolha de resíduos

A deputada Angela Leong alertou ontem para o impacto da recente proibição da importação de resíduos sólidos por parte da China, pedindo ao Governo que ajude o sector da recolha de lixo a ultrapassar as dificuldades.

“Isto afectou, sem dúvida, o sector de reciclagem de Macau, já com dificuldades”, afirmou, na sua intervenção antes da ordem do dia na Assembleia Legislativa, referindo-se à proibição na China da “importação de resíduos de plástico e papel não tratado, entre outros 24 tipos de materiais”, em vigor desde 01 de janeiro.

Angela Leong deu conta de que, no ano passado, foram transmitidos os “elevados custos com a exploração”, mas que o Governo “apenas respondeu que ia ponderar definir medidas para apoiar”.

Apesar de, posteriormente, ter avançado com um plano de apoio financeiro à aquisição de equipamentos para a indústria de recolha de resíduos, o sector criticou “a falta de efeitos” do mesmo e apontou que a Direção dos Serviços de Proteção Ambiental (DSPA) “não percebe as dificuldades” que enfrentam e que “políticas gerais para promover o desenvolvimento” do setor se afiguram mais necessárias, afirmou.

“Os apoios concedidos pelas autoridades ao sector da reciclagem são insuficientes”, pelo que “tem vindo gradualmente a diminuir face a diversos tipos de pressão”, disse a deputada, instando o Governo a proceder a “uma análise” sobre o seu funcionamento e a “definir, quanto antes, políticas para responder às suas exigências”.

Angela Leong exortou também o executivo a “reforçar os apoios relativos aos trabalhos de protecção ambiental”, bem como a “ponderar as necessidades do sector ao nível de terrenos, aquando do planeamento dos mesmos a longo prazo”.

17 Jan 2018