Cultura do Rio Azul

A maioria das culturas e civilizações começaram nas imediações de cursos de água e devido a ser este Elemento essencial, tanto para a vida biológica como ao quotidiano estar, aprendeu o Ser Humano a usá-lo como via de comunicação.

Na China, nas margens dos seus dois mais importantes rios, começou uma gloriosa História de Civilização, a legar grandes e bons inventos ao Mundo, assim como a perpetuar uma acausal maneira de pensar.

Dividida em três diferentes zonas geográficas, as culturas nelas germinadas desenvolveram-se paralelamente e ao serem absorvidas formaram um orgânico corpo cultural, cujos avanços no reconhecimento dos povos entre si, tanto da Planície Central, como do Vale de Sichuan e na Região de Lingnan, tornaram-se pólos irradiadores da Civilização Chinesa. Estava-se no período Neolítico, entre 8 mil a 2 mil a.n.E., quando se deu início à Agricultura e nas férteis áreas entre os rios Amarelo e o Yangzi a civilização chinesa rapidamente se desenvolveu.

A Norte, a cultura do milho desenrolou-se à volta do Rio Amarelo e no centro-Sul a do arroz, cultivado em torno do Changjiang (rio Azul, ou Yangzi), num período de grande avanço nas técnicas agrícolas e métodos de cultivo.

Segundo a História, ainda a mim contada, a Civilização da China nascera no rio Amarelo e afluentes, e nas margens do seu curso médio e baixo ocorreu, devido ao saber e conhecimento do Imperador Amarelo (2704-2595 a.n.E.), a união de muitas das tribos, englobadas inicialmente nos Huaxia. Huangdi (Imperador Amarelo) foi o primeiro chefe patriarcal, pois do social retirou o domínio matriarcal a reinar havia 45 mil anos. Os Huaxia mais tarde passaram a ser o povo Han. As tribos que se recusaram a integrar esse povo, como parte dos Dongyi, migraram e vamos encontrá-los noutras paragens, divididos entre Miao, Qiang e Yi.

Nas margens do rio Amarelo e seus afluentes muitas das primeiras dinastias fizeram as capitais. Agora, ao longo dos anos foram-se descobrindo as culturas neolíticas do Changjiang (rio Longo, ou Yangtzé), a permitir perceber no vale desse rio a herança de há 5 mil anos iniciada por intercâmbios das culturas Majiabang e Liangzhu e da mesma altura com a cultura Shu (2800-800 a.n.E.), proveniente da província de Sichuan a abarcar os povos Ba e Qiao. Abria-se assim um azul estar a escoar o espírito da cultura Wu Zhu (巫祝) do povo Shu pelo Changjiang até à foz.

Nesse longo curso de água, também conhecido por rio Azul, Laozi em contemplação banhou-se no Dao de onde respira a energia do Universo e em alta avaliação do momento teorizou a Filosofia do Dao, ligada ao animismo da una idade Celeste (天, Tian), deixando-nos escrito o Dao De Jing (道德经, A Via da Virtude do Universo). Sichuan era também a porta para os caminhos do Sudoeste, de montanhas e rios até à Ásia Central e Índia, de onde provinham muitas novidades e novos produtos das outras Civilizações, a indiana e a egípcia.

Para a trindade de consciência, simbolizada nas três cores primárias, se o rio Amarelo tem a cor imperial do Soberano, o rio Azul conecta a contemplação no momento do estar e existe ainda a complementar o rio Vermelho (红河, Honghe), com 1150 km de comprimento. Nasce nas montanhas Hengduan, em Yunnan na China, e já no Vietname segue por Hanói para desaguar no Golfo de Tongkin, enquanto o Lancangjiang (澜沧江, rio Mekong, com 4350 km), proveniente do planalto Qinghai-Tibete, passa a Oeste da nascente do rio Vermelho em Yunnan e tem a foz a Sul do Vietname.

Devido à expansão para Sul da dinastia Qin, o Changjing tornou-se o rio a dividir Zhongguo (中国, País do Meio, China), ficando a via fluvial do centro, pois o território chinês passou a estender-se para Sul até meio do Vietname. Nessa zona corre o rio Vermelho habitada por nómadas tribos, conhecidas por as Cem Tribos Yue (BaiYue, 百越), descendentes da migração saída do Corno de África há 100 mil anos, e apareceu na China como Homo sapiens Denisovans, os Neandertalensis da Ásia, já com feições do homem moderno chinês.

Na caminhada desses grupos para Norte, em Yunnan foram os primeiros a desviar por o rio Vermelho para Leste até ao mar. Os últimos dessa peregrinação, antes de chegar ao gelo das estepes do Norte, seguiram por o curso do rio Amarelo, no actual Gansu, de onde há cinco mil anos os saberes de Fuxi, o primeiro Ancestral da Civilização Chinesa, se transmitiram para Leste.
Na província de Jiangsu, situada a Sul do rio Yangzi está a zona de Jiangnan, densamente povoada devido a ser privilegiada em lugares bafejados de Vento e Água (Fengshui) e por isso, favoravelmente escolhida por a riqueza do viver.

INUNDAÇÕES DO VALE DO YANGZI

As águas do Changjiang, das nascentes descem abruptamente cinco mil metros em altitude e correndo entre estreitas e altas paredes montanhosas durante milhares de quilómetros, encontram-se em Hukou (Jiujiang) no início dos 938 km do Curso Baixo do Changjiang (长江下游). De zonas planas com um sem número de lagos, conhecida por as “Infindáveis Terras Alagadiças”, aí as águas do rio amansam e tornam-se mais lentas, mas na altura dos degelos, em finais da Primavera e durante o Verão, com as imensas chuvas da monção a ajudar, as cheias são uma constante, varrendo tudo à frente.

No historial das inundações do vale do Yangzi regista-se as maiores de sempre há 4 mil anos. Entre 7000 e 2000 a.n.E., a cada quinhentos anos havia uma grande inundação e catastróficas foram sete entre 8000 e 1300 a.n.E..
Da Yu, fundador em 2070 a.n.E. da dinastia Xia, já como rei veio ao vale do Changjiang tentar controlar as cheias do rio no lugar das Três Gargantas, conseguindo, com ajuda das divindades, desobstruir as águas ao abrir um furo no monte de Wu(shan), voltando elas a escoar até ao mar.

Desde a dinastia Han até à Qing, durante dois mil anos houve à volta de duzentas inundações na bacia do Yangzi, ocorrendo uma a cada dez anos, ficando registada a de 160 a.n.E., mas especialmente grandes foram duas, em 1860 e 1870. No século seguinte, devido às cheias, em 1931 morreram 145 mil pessoas, em 1935 sucumbiram 142 mil e em 1954 faleceram 33 mil. Quando por aí viajamos, assistimos em 1991 a uma grande cheia.

ATÉ SHANGHAI

Regressados a Nanjing, daí embarcamos para a última parte do percurso a levar-nos até Shanghai, numa viagem de 18 horas, tendo o ponto de interesse focado no cruzamento do Grande Canal com o rio cujo nome junto a Yangzhou é Jiang Yangzi. Estamos na província de Jiangsu e pouco tempo depois de deixar Nanjing aparece na mesma margem esquerda Yangzhou e no lado oposto do rio está Zhenjiang, cidades onde as águas do Grande Canal se misturam às do Changjiang, conectando-as.

De barco fizera a viagem por o Grande Canal, de Sul para Norte, de Hangzhou a Suzhou, mas por ser já noite pouco deu para perceber como as suas águas se cruzavam com as do rio. Sentiu-se uma maior ondulação e a mudança de direcção ao navegar um pouco num estreito canal junto à margem paralelo ao Yangzi, até verdadeiramente ser confrontado na travessia com a corrente de Oeste para Leste a baloiçar o barco. A calma voltou ao chegar à margem esquerda do rio e retomar o Grande Canal a Leste de Shiqiao, a Sul da cidade de Yangzhou.

Na parte final do Curso Baixo do Changjiang encontra-se na margem direita Jianbi, cidade ligada à metalurgia pesada pertencente à prefeitura de Zhenjiang, por onde passam os barcos no Grande Canal a caminho de Hangzhou.

Segue-se, ainda em Jiangsu, já no delta do Changjiang a ilha ocupada por a cidade de Yangzhong, aparecendo para Leste, na outra margem, Binjiang em Taixing, administrada por Taizhou. Continuando rio abaixo, na margem esquerda Jingjiang e no outro lado Jiangyin, cidade administrada por Wuxi e muito importante como porto de mercadorias.

Por fim Nantong, na margem esquerda quase no final de um dos ramos do Yangzi, pois este rio termina em delta. A embarcação navegou durante uma hora no mar da China, entrando depois no rio Huangpu, que banha Shanghai, até atracar no cais em frente ao Peace Hotel.

Olhando para o outro lado, terrenos áridos a serem terraplanados onde está planeado construir Pudong, o pólo financeiro de Shanghai. Há quatro anos ocupados por velhas fábricas a cair, prepara-se agora para aí nascer uma nova e dinâmica cidade. Dois prédios de uns vinte andares ali vão sendo construídos e no lugar ainda sobrevivem dois casebres, com horta em frente. Tão longe estamos de imaginar o que virá a acontecer àqueles vastos terrenos naquela ilha.

De Shanghai, a embarcação essencialmente de mercadorias, tinha duas cabines de dois beliches abertas para turistas, fazendo a viagem duas vezes por semana por mar, passando por Xiamen e chegou ao porto de Guangzhou após navegar à noite no Zhujiang. Regressamos a Macau também de barco e no rio Xi aportamos no Porto Interior, alvorecia o dia.

8 Ago 2024