Paulo José Miranda Artes, Letras e IdeiasO homem que escrevia sobre os outros Numa entrevista nos anos 80, o escritor franco-polaco, Charles Ravinski dizia que escrevia muito sobre os outros para se proteger de escrever demasiado obre si mesmo. Outra das suas tácticas para se proteger desse pecado mortal, como lhe chamava Ravinski, era a tradução. Isso não o impediu de, aos 87 anos, já no início deste século, escrever a sua obra magna «Os Caminhos do Senhor». Neste livro, de mais de 700 páginas, a que o filósofo francês Louis Garnier chamou «a obra dos outros», Ravinski escreve só sobre os seus amigos e vizinhos. Não naquele sentido telenovelístico de espreitar para a casa do outro e descrever o que lá se passa – eventualmente trocando os nomes e por vezes as profissões – mas intercalando frases deles mesmos com pensamentos que poderiam pertencer-lhes, partindo das suas frases. Aliás, escreve à página 23: «O que pensamos nunca é nosso.» Mas veja-se como começa o livro, de modo a entendermos a operacionalidade: «Gustave chegou ao café sentou-se à minha frente e disse-me que ia morrer. Um cancro no pâncreas, detectado apenas a tempo de ordenar o que ia ficar para os outros. Perguntou-me: “Charles, queres ficar com alguma coisa lá de casa?” Quando nos separámos fiquei a pensar em quando aquela dor seria também a minha. Teria a coragem dele? Olhar para as coisas da casa, tentar entender o que deveria ser dado indiferentemente, o que deveria ser destruído e aquilo que devia ficar para os amigos. Tenho tido muita sorte com o meu corpo, com a minha vida. A situação de Gustave fez com que me lembrasse de um dos meus primeiros amigos, Jacques, que morreu aos 19 anos, num acidente de carro. E depois lembrar-me também da minha primeira mulher, Catherine, que morreu de cancro da mama aos 37 anos. Ainda oiço e palpo o sofrimento dela. E lembro-me, muito claramente, da minha incompreensão. Tenho tido muita sorte com este corpo.» Estas reflexões e discursos de Gustave – porque há mais conversas no café –, alongam-se por mais de trinta páginas. Em momento algum, nos encontros entre Charles e os seus amigos ou vizinhos aparece uma palavra que não seja derivada da situação dos outros frente a ele ou das suas próprias palavras. Nem sequer um «bom dia» ou «como está?». As recordações da sua vida são apostas ao que os outros falam, ao que lhes acontece, como se as suas memórias fossem um prolongamento dos outros e não dele. Porque, escreve Ravinski, a propósito do «Vidraças», um pedinte junto à casa de Charles, que se sentava sempre encostado aos vidros das montras a ler, com uma pequena caixa de plástico em frente, para as esmolas: «Nenhum de nós é único. Somos todos paredes contíguas de outros. De um de nós para o outro, ouve-se tudo o que dói. A vida humana é tão incompreensível que deveríamos ter outra palavra para ela. A vida não é isto que somos. É uma parte dela, não é significativa, nem sequer a melhor ou a mais importante; nem sequer a que mais sofre. Somos a parte absurda da vida. Escutamos tudo, não compreendemos nada.» Ravinski expressa o absurdo de viver para ver morrer quem se ama. Ele mesmo dizia ser uma maldição continuar a viver para além dos outros. Pensa, enquanto está sentado no café com o amigo: «Quando Gustave morrer, ficarei só no mundo. Nem mais um amigo dos tempos em que havia futuro e não se dava por viver. Mas Gustave interrompe-me os pensamentos e diz: «Lembras-te da Sara? A Sara Bronstein, uma poeta muito bonita, que se apaixonou perdidamente pelo Camus e se suicidou aos trinta e poucos anos… Nas últimas semanas não me sai da cabeça. Lembro-me continuamente de uma coisa que ela me disse: achas que alguém se vai lembrar de mim se eu morrer amanhã? Nunca lhe respondi. Nunca lhe disse nada. Ela tinha bebido bastante e julguei aquilo um disparate. Enchi-lhe o copo com um sorriso, foi tudo. Dias depois matava-se. E agora, mais de trinta anos depois, aqui estou à beira da morte a lembrar-me dela, mais do que das minhas amantes e dos meus amigos.” Fiquei em silêncio a olhar para ele e não tive coragem de lhe dizer que também eu tinha sido amante de Sara, a bela poeta suicida.» O livro está repleto de pequenas histórias a envolverem os seus amigos, alguns apenas conhecidos, intelectuais e artistas de Paris. Assim, «Os Caminhos do Senhor» torna-se um longo desfilar de mortes, de sofrimento à volta das mortes, de muitas pessoas que fizeram parte da vida de Ravinski. O livro aparece-nos como uma espécie de longa ode à memória. Porque, mais do que exaltação da vida ou da morte ou do amor ou da amizade, é a memória que surge com mais iluminação. Como diz Gustave: «Poder chegar à nossa idade lembrando tanto e ainda continuar a descobrir novas sentidos nessas memórias não deixa de ser belo, não achas Charles?» Ou já a mais de meio do livro, uma fala do seu barbeiro de décadas, pouco mais novo que Charles: «“Doutor, isto de lembrar o antigamente, tem que se lhe diga! Veja lá que ainda ontem me lembrei de quando era criança, ainda em Rheu, na região de Rennes, ter partido a cabeça ao meu irmão com uma pedrada, por estarmos a discutir por causa de uma bicicleta… E a vida toda, ou quase toda, está bem de ver, tinha a ideia de que quem lhe partiu a cabeça tinha sido o Frederique, um amigo nosso que só nos fazia mal. Uma espécie de aviso pra vida… E afinal o amigo mau fui eu. Para você ver. Como o meu irmão já morreu e da outra peste nunca mais ouvi falar, vou ficar sem saber o que realmente se passou.” Fiquei a pensar que provavelmente o irmão também não iria lembrar os acontecimentos tal como se passaram, porque talvez ao longo da vida eles tenham sido tão construídos como na realidade aconteceram. E hoje o que importa é a luz que ilumina esse dia, há mais de setenta anos. Esse dia continua iluminado, como se fosse um actor em palco, movimentando-se e dizendo as suas falas.» Os caminhos do senhor, para que o título do livro remete, tem a ver com a estreita e estranha relação entre o destino e a memória. E por destino, em Ravinski, devemos entender os caminhos que se desenrolam ao passarmos de um dia para o outro, como portas. As pessoas que são invocadas ao longo destes caminhos, quer seja o Vidraças ou o barbeiro ou a senhora da mercearia ou os amigos mais próximos, que na altura da narrativa é apenas Gustave, tornam-se criações de Ravinski através não só da reflexão, mas fundamentalmente da memória. «A memória transforma tudo. A grande diferença, entre a memória de um computador e a nossa, é que o computador é um armazém e a nossa é um negociante. A memória do computador guarda tudo como foi, a nossa negoceia tudo para que seja como foi.», diz Gustave, e continua: «“Um dia, lembrar-te-ás de mim, sim, porque tu ainda vais passar dos 100 anos, e dirás: aquele gajo era muito boa pessoa. Logo eu, que sempre fui do pior com os outros. Sem simpatia, sem compaixão, sem uma mão estendida. Tu sabes bem, Charles, que sempre quis que o outro se fodesse, não sabes?” Eu sabia, claro, já éramos amigos há mais anos do que nos lembrávamos. Mas, evidentemente, o Gustave não tinha só qualidades. De quando em quando, lá tinha uma fraqueza e fazia qualquer coisa boa. Ou será que já a minha memória a trair-me.» Neste momento do livro, damo-nos conta de que tudo pode ser uma grande invenção. De que na realidade talvez tudo não passe de uma grande invenção. Um livro que, além de belo, de nos mostrar algumas personagens icónicas de Paris, no faz pensar de um modo pertinente a acção da nossa memória. Porque no fundo, o que é a memória senão invocar os outros? Tudo o que não está aqui é outro. Ravinski sabia isso muito bem e mostrou-nos melhor ainda.
João Romão VozesTeremos sempre Paris [dropcap]A[/dropcap]gora é na Europa que passo menos do meu tempo, em visitas ocasionais, geralmente combinando afazeres profissionais com lazeres diversos. Desta vez a visita começou em Lyon, depois de fugaz passagem por um dos aeroportos de Paris, não mais que o suficiente para entrar no comboio de alta velocidade que me levaria a Lyon, a cidade do Rhone e do Saone, os dois rios que percorrem a cidade e convergem para “La Confluence”, uma renovada zona urbana que acolhe o magnífico museu onde se cruzam culturas de tempos e geografias diversas num edifício de arrojada e espetacular arquitetura contemporânea. Detenho-me nas estações e aeroportos, no entanto, que esses espaços de confluência de modos diversos de transporte e multidões mais ou menos aceleradas são também um espelho do nosso comportamento colectivo. Impressionam-me – porque já não estava habituado a este singular espetáculo – as formidáveis metralhadoras que ostentam os diligentes agentes da autoridade, esses que detém o monopólio do exercício da violência nas sociedades democráticas avançadas, em permanente demonstração de que, quando chegar a hora, estão prontos para matar. Olham com desconfiança quem passa, talvez para matar o tédio de quem transporta tão magnífico instrumento de avançada tecnologia para matanças generalizadas sem lhe dar o apropriado uso. Nas raras vezes em que os vejo em acção, dirigem-se a adolescentes transportando mochilas, provavelmente escolares. São negros, invariavelmente. Não vi nenhum a ser detido, nem nada que se parecesse. Mas é assim a França contemporânea, o país dos sonhos de Liberdade. Também as saídas das principais estações ferroviárias para as praças públicas nos revelam muito da Europa contemporânea, neste caso na versão de economia avançada e desenvolvida que a França representa. É muito diversa a composição etária ou a origem geográfica das muitas pessoas que recorrem à mendicidade, os excluídos entre os excluídos, os muito pobres que se arrastam pelas ruas sem conseguir dissimular a vergonha e a humilhação, os jovens e velhos, casais e solitários, africanos ou europeus, por vezes sentados no chão, em colchões encardidos, ou até em tendas de campismo. É também assim a França actual, o país dos sonhos de Igualdade, que foram morrendo perante uma indiferença mais ou menos generalizada: afinal a pobreza não toca a todos, não toca sequer a essa maioria que afinal ainda beneficia de uma vida cómoda e agradável. É a França, país dos sonhos de Fraternidade. Saído da estação a um domingo de manhã dirijo-me para o eléctrico, compro o bilhete e espero, ao sol, por falta de protecção adequada. Espero demasiado, com o desconforto de quem fez durante toda a noite uma longa viagem e agora suporta o confronto diretco com a exposição solar a mais de 30 graus. Resolvo que mais de 15 minutos é um despropósito e dirijo-me aos vários painéis informativos afixados na paragem. Lá está: num pequeno papel precariamente afixado informa-se, em francês, que o eléctrico não está a funcionar. Paciência. E paciência também para quem comprou o bilhete, que a máquina de venda, essa sim, continua a funcionar. Sempre vou informando as restantes pessoas que vieram ao mesmo engano e que não sabem ler francês. Afinal, seria só o primeiro de vários incidentes com a falta de informação durante a minha estadia entre Lyon e Paris. Falha a informação mas sobram as obras: pó e ruído por todo o lado, cidades em permanente arranjo – nada de grandes obras visíveis mas um grande número de pequenas intervenções que acabam por fazer do espaço público um improvisado estaleiro, mais ou menos desagradável consoante a nossa disposição para conviver com o barulho e as estruturas temporárias que ocupam um espaço público que até parecia desenhado para proporcionar agradáveis momentos de lazer, ou pelo menos garantir uma agradável circulação e mobilidade nas cidades. Também é generalizadamente precária a prestação dos mais variados serviços, incluindo naturalmente os da hotelaria, com os quais convivo mais regularmente durante a estadia: são muitos menos do que os que deveriam ser os trabalhadores envolvidos, é visível o esforço que fazem para que tudo funcione, mas falta gente, a avidez do lucro e a evidente exploração do trabalho estão também aqui, em todo o lado, em toda a evidência, para quem visita a França, uma das mais desenvolvidas economias europeias. Há, no entanto, muito que ainda funciona, eventualmente pior do que seria desejável, mas ainda assim com suficiente eficácia para que se possa disfrutar da magnífica arquitectura e estrutura urbana das cidades, da importância cultural dos museus ou do prazer dos cafés, das esplanadas e da vida na rua. E da comida, certamente da comida, sempre excelente, frequentemente inovadora, à procura de novas recombinações, a fusão de culturas que a Europa devia representar manifesta-se, pelo menos, à mesa. Entre deliciosas misturas de ingredientes e técnicas da América Latina, da Ásia, do Médio Oriente, da África ou de várias zonas da Europa, a comida em França continua a ser tratada como a arte que deve ser. Mas não para usufruto de todos, evidentemente. Os restaurantes estão sistematicamente cheios e há uma imensa maioria de residentes locais e turistas ocasionais que os frequenta. Mas logo ao lado estão os sem-abrigo, os mendigos, os pobres os excluídos da rica civilização europeia, os que têm direito a pouco mais do que nada. Mais do que nunca, os tempos que correm parecem mostrar que teremos sempre Paris, para nos lembrar como a selvajaria do capitalismo contemporâneo destruiu as utopias perdidas da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, para recuperar a repressão, a estratificação e a indiferença.
Hoje Macau InternacionalParis | Mundo em choque perante o incêndio na catedral de Notre-Dame A icónica Catedral de Notre-Dame, em Paris, ardeu parcialmente na madrugada de segunda para terça-feira, comprometendo a estrutura do edifício. A extensão total dos danos ainda não é conhecida, mas Emmanuel Macron prometeu reconstruir a catedral. As mensagens de solidariedade têm surgido de todo o mundo e o fogo foi extinto depois de 12 horas de incêndio [dropcap]O[/dropcap] Presidente da França, Emmanuel Macron, fez uma declaração em frente à Catedral de Notre-Dame enquanto os bombeiros ainda se esforçavam para controlar o incêndio que deflagrava no histórico monumento, pedindo aos franceses união e anunciando a abertura de uma subscrição nacional para recolher fundos. Aos franceses, Macron disse que “o que aconteceu nesta catedral é uma terrível tragédia”, agradecendo a “extrema coragem, profissionalismo e determinação” de “quase 500 bombeiros” mobilizados para combater o fogo que começou por volta das 18h50 locais (1h50 de ontem em Macau) e atingiu toda a estrutura da Catedral de Notre-Dame de Paris. Pelo seu trabalho, o Presidente quis agradecer “em nome de toda a nação”. O Presidente francês mencionou que “o pior foi evitado, ainda que a batalha não tenha sido vencida”, referindo-se à confirmação dos bombeiros do salvamento da estrutura principal, incluindo o campanário norte, que esteve em risco de colapsar. “A Notre-Dame de Paris é a nossa história, a nossa literatura. É o epicentro da nossa vida”, caracterizou Macron, dizendo-a “de todos os franceses, mesmo daqueles que nunca aqui vieram”. Querendo deixar uma “nota de esperança”, o Presidente lembrou que o edifício foi construído há 800 anos e que o povo francês “soube como construí-la e, ao longo dos séculos, como fazê-la crescer e melhorá-la”. “Vamos apelar aos maiores talentos e vamos reconstruir Notre-Dame, porque é aquilo que os franceses esperam, porque é o que a nossa história merece, porque é o nosso profundo destino”, disse, antes de anunciar a abertura de uma subscrição nacional para recolher fundos para a recuperação, deixando o apelo: “Juntos vamos reconstruir Notre-Dame”. Este incêndio levou o líder francês a adiar a comunicação que faria sobre um pacote de medidas em relação às reivindicações dos ‘coletes amarelos’, devido ao “terrível incêndio que devasta a Catedral de Notre-Dame de Paris”, anunciou a presidência francesa. Num momento anterior, Macron publicou na sua conta oficial do Twitter uma mensagem de pesar pelos acontecimentos: “Emoção de toda uma nação. Os meus pensamentos estão com todos os católicos e todos os franceses. Como todos os nossos compatriotas, estou triste por ver arder esta parte de nós”. Os apelos de subscrições nacionais de fundos têm-se somado ao longo da tarde. Segundo o Le Figaro, a “La Fondation du patrimoine”, uma organização privada dedicada à salvaguarda e preservação do património francês, lançou ontem uma “coleta nacional”, tendo um dos websites onde se podem fazer doações sofrido uma enchente de visitas. De Lisboa ao Vaticano Hermano Sanches Ruivo, vereador da Câmara de Paris para os Assuntos Europeus, disse à Lusa que todos os processos foram “respeitados” e, por isso, não há feridos a lamentar. “Há muitas coisas que vão ser ditas, mas há processos que estão estabelecidos em relação à Notre-Dame. A primeira preocupação são as pessoas. Não temos indicação de nenhum desrespeito pelos processos, os processos foram respeitados e não ficou nenhuma pessoa ferida”, afirmou o eleito lusodescendente local, em declarações à agência Lusa, relembrando que o monumento é o mais visitado de Paris e começou a arder quando ainda decorriam visitas. O chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou ontem um “abraço sentido” numa mensagem ao Presidente francês, Emmanuel Macron, em que lamenta o incêndio na Catedral de Notre-Dame de Paris. “Caro Presidente Macron, meu Amigo: Uma dor que nos trespassa o olhar e logo nos marca a alma, Paris sempre Paris ferida na sua Catedral em chamas, um símbolo maior do imaginário colectivo a arder, uma tragédia francesa, europeia e mundial”, lê-se na mensagem, divulgada no portal da Presidência da República na Internet. Marcelo Rebelo de Sousa despede-se de Macron enviando-lhe “de Lisboa um abraço sentido”. Também a directora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) manifestou solidariedade com França na salvaguarda e restauro do património histórico, na sequência do incêndio. Numa mensagem publicada no ‘Twitter’, Audrey Azoulay diz que a agência das Nações Unidas está “ao lado de França para salvaguardar e reabilitar esse património inestimável”. O Vaticano também exprimiu a sua “incredulidade” e “tristeza” quando um incêndio continuava a devastar a catedral Notre-Dame de Paris, “símbolo da cristandade, na França e no mundo”. “Exprimimos a nossa proximidade com os católicos franceses e com a população parisiense. Rezamos pelos bombeiros e por todos os que fazem o possível para enfrentar esta situação dramática”, acrescentou em comunicado o porta-voz do Vaticano. Em Jerusalém, a Igreja católica da Terra Santa também exprimiu a sua solidariedade com a Igreja de França. “Exprimimos a nossa solidariedade com a Igreja de França neste período da semana santa e desejamos o melhor para essa igreja e para os seus fiéis”, indicou a Igreja católica da Terra Santa através de um comunicado divulgado em Jerusalém. Donald Trump, muito ao seu jeito e através do Twitter, reagiu a pronto com uma sugestão que se tornou alvo de algum gozo nas redes sociais. O Presidente norte-americano sugeriu o uso de meios aéreos para combater as chamas que deflagravam na catedral. “É preciso agir rapidamente”, acrescentou. Uma hora depois, a Protecção Civil francesa respondeu referindo que a “descarga de água por um avião neste tipo de edifício poderia levar ao colapso de toda a estrutura”, que poderia desabar em cima dos bombeiros que se encontravam a combater as chamas. Força no esqueleto O secretário de Estado do interior francês declarou ontem que, uma vez afastado o “perigo do fogo” na catedral de Notre-Dame de Paris, a questão fundamental é, a partir de agora, saber “como vai resistir a estrutura”. “O perigo do fogo já foi afastado, a questão agora é o edifício: como é que a estrutura vai resistir ao incêndio da noite passada”, afirmou Laurent Nuñez, em declarações à imprensa ao início da manhã de ontem. “Haverá, portanto, uma reunião às 08h (15h em Macau) com especialistas e arquitectos para tentar determinar se a estrutura é estável, e se os bombeiros podem permanecer dentro do edifício para continuar a missão”, acrescentou. Cerca de 400 bombeiros lutaram durante quase 12 horas contra as chamas que destruíram um dos edifícios icónicos de Paris e da arte gótica, apesar do fogo ter sido dado como “parcialmente extinto” e “completamente contido” pelas autoridades. Neste momento, cerca de uma centena de bombeiros continua no local. “O telhado inteiro está danificado, toda a estrutura ficou destruída, parte da abóboda caiu”, disse Gabriel Plus, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Paris, ao início da manhã de ontem. No entanto, “os dois campanários foram salvos”, bem como “todas as obras de arte” pertencentes ao ‘tesouro’ da catedral, incluindo a coroa de espinhos e a túnica de São Luís, indicou. A Procuradoria de Paris tinha já afirmado que os investigadores estavam a considerar o incêndio como um acidente, referindo que a polícia vai avançar com uma investigação por “destruição involuntária causada pelo fogo”. “Majestoso e sublime edifício”, como escreveu em 1831 o escritor francês Victor Hugo no seu romance “Notre-Dame de Paris”, a catedral foi construída em 1163 e iniciou a função religiosa em 1182.
José Navarro de Andrade h | Artes, Letras e IdeiasParis blues [dropcap]P[/dropcap]ara o jazz, Paris era uma constante Primavera. Um sentimento de aconchego e desprendimento insuflava nos músicos ali chegados em digressão, fosse do bulício dos boulevards, da joie de vivre que pairava na atmosfera, da comida mais sápida e das refeições demoradas, da elegância blasé efluída de todas as coisas, ou mesmo das francesas, que olhavam sem subterfúgios e galanteavam sem acanhamento. O céu dos outros é sempre menos turvo do que nosso, mas esta sensação de limpidez e desafogo tinha causa tangíveis. Em Paris os músicos de jazz apanhavam-se longe da pressão em partes iguais de dealers, agentes, promotores e editores. Usufruíam por uma vez de um abrandamento que lhes instilava o gosto raro da liberdade – tudo ali lhes corria com folga e gentileza. Outra razão mais incisiva e pungente os encantava em Paris; resumiu-a Miles Davis. “Aqui não me tratam como um grande artista negro, apenas como um grande artista.” Aos 22 anos e ainda com tudo por fazer, porque toda a criação que o perpetuaria veio depois, Miles Davis já impressionava quem o escutasse e ninguém duvidou que era estelar o seu brilho. Foi em 1949 que pela primeira vez levantou voo de solo americano e pela primeira vez abriu asas em Paris. Ao cabo de um par de concertos de sala cheia Miles foi acolhido por Boris Vian e Jean-Paul Sartre que nele exultaram o artista informal porém veemente, sofisticado mas livre de sofismas, que se afirmava a contracorrente sem ser adversativo, desmarcado do sistema contudo isento das complacências da marginalidade. Estigmatizados por uma espécie de complexo de Caim viram em Miles um alter-ego. Vian e Sartre professavam o inconformismo como norma, todavia em vez de se verem expulsos do Éden académico, assim legitimando a sua rebeldia, tão-só haviam arrombado uma porta aberta e ficaram com as chaves do meio intelectual na mão. Miles Davis ostentava, portanto, uma integridade original que eles haviam institucionalizado e da qual tinham saudades. E se Miles nunca ouvira falar de Sartre e Vian de imediato percebeu a envergadura e o alcance deles. Arrastaram-no para os círculos da boémia de Saint Germain e apresentaram-no, por exemplo, a Picasso, também ele interessado em conhecê-lo. Nas longas e animadas conversas até altas horas da madrugada Miles escutava e era ouvido sem que por uma vez se lembrasse, ou alguém o lembrasse, que era um negro entre brancos. Em 1949 as úlceras da ocupação ainda segregavam pus, a França oscilava entre a vingança e o recalcamento, numa espécie de guerra civil em banho-maria. Mal supurada a cicatriz ficaria para sempre, mas na Paris desse tempo ninguém sabendo que cartas se escondiam em que mãos, o jogo estava em aberto e tudo era possível. Que mais poderia acontecer a Miles Davis em Paris senão apaixonar-se?Mesmo que só mais tarde o cognominassem de “Prince of darkness” já então Miles irradiava reputação de bera e mercurial. A velha história: arreganha os dentes para que não te ponham o pé em cima. E já entendia, por experiência própria, que vida e a música, o génio e o valor, o reconhecimento e o respeito, não cresciam juntos. Na sua atitude, porém, não havia máscara mas armadura. De modo que na Paris fervilhante de 1949 o existencialismo que então pulsava nos espíritos e corações acometeu Miles de modo subcutâneo e não apenas como uma volúptia epidérmica. E por quem haveria este príncipe das trevas de se apaixonar senão pela musa dos caveaux, a feiticeira da nova chanson, sempre de vestida preto, Juliette Greco? Arrebatadamente usufruíram de todas as prendas que os amantes cobram de Paris: passeios de mão dada ao entardecer pela margem esquerda do Sena, jantares íntimos num bistrot à luz das velas, confidências e beijos num banco do Jardim do Luxemburgo. Haveria nisto a puerilidade e a diminuição do cliché se não estivessem eles precisamente a instaurá-lo (a célebre foto de Doisneau, “Le Baiser de l’Hôtel de Ville” é de 1950) e sobretudo se fosse minimizado que ninguém virava a cara ao ver um negro retinto e uma branca muito pálida a trocarem carícias em público. Quanto ao resto que é sólito verificar-se entre namorados, Greco, que jurou em canção de tudo se lembrar, admitiu numa entrevista, guardando recato nas palavras mas escapando-lhe um sorriso de plenitude, que ambos estiveram à altura das tórridas promessas. Revelando uma insólita vocação para padrinho Sartre perguntou-lhes de boa-fé porque não se casavam. Miles poderia ter redarguido com escrúpulo: “porque nos EUA vivo com Irene Cawthon de quem tenho dois filhos” ou respondido com lucidez: “o que se passa em Paris fica em Paris.” Preferiu a verdade: “Se casássemos Juliette nunca seria considerada nos EUA uma grande artista, mas apenas a minha ‘white bitch’”. E assim foi que Miles Davis provou o travo amaro da renúncia, que nem a graça do altruísmo mitiga. Quem sabe se desta inacabada paixão, agora lendária, remanesceram os indícios de cepticismo e retraimento que ecoam no timbre da sua música.
Hoje Macau InternacionalAutarca de Paris lamenta “cenas de caos” e aponta “danos incomensuráveis” na capital [dropcap]A[/dropcap]presidente de câmara socialista de Paris, Anne Hidalgo, lamentou ontem “as cenas de caos” na capital francesa e os “danos incomensuráveis” para a economia e a imagem da cidade, depois dos protestos do movimento “coletes amarelos”. “Ao lado dos parisienses que viveram ao longo do dia estas cenas de caos”, escreveu a autarca num ‘tweet’, na rede social Twitter. “Dezenas de comerciantes foram vítimas de desordeiros em muitos bairros… Mais uma vez… É deplorável”, afirmou. Num outro ‘tweet’ acrescentou: “Centenas de lojas e instalações públicas foram impedidas de abrir, a degradação em muitos distritos, uma vida cultural e económica paralisada, uma imagem internacional para restaurar: os danos são incomensuráveis. É inimaginável que revivamos isto”. Anne Hidalgo agradeceu às forças de ordem, “que asseguraram a segurança dos parisienses e dos manifestantes” em condições difíceis. Os confrontos com a polícia ocorreram em várias partes da capital, nomeadamente nos Campos Elísios e na praça da República. No início da noite, o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, pediu a manutenção da “vigilância” em Paris e em algumas cidades do interior. Os protestos dos “coletes amarelos” reuniram ontem 125.000 pessoas em toda a França, dos quais 10.000 em Paris, e as autoridades fizeram 1.385 detenções, de acordo com o ministro do Interior. Ainda segundo o ministro do Interior, 135 pessoas ficaram feridas nos protestos, incluindo 17 polícias.
Hoje Macau China / ÁsiaGrupo português investe 150 milhões num mega-shopping chinês O maior investimento de uma empresa portuguesa em Paris, nos últimos anos, junta os interesses de Portugal, da China e de França num gigantesco centro comercial, com cerca de 1000 lojas de retalho e outros serviços como hotéis e restauração [dropcap]C[/dropcap]om 400 lojas, uma área equivalente a 10 campos de futebol e um investimento de cerca de 150 milhões de euros, a construtora Alves Ribeiro inaugurou ontem o Silk Road Paris, o seu centro de venda a retalho nas imediações da capital francesa dedicado especialmente a produtos chineses. O Silk Road Paris, que se situa junto ao aeroporto Charles de Gaulle, quer ser o centro de retalho de paragem obrigatória para os negócios da Europa com a China na área do vestuário, acessórios de moda e decoração, colocando retalhistas, maioritariamente de origem chinesa e radicados em França, em contacto directo com os compradores europeus. Este é o primeiro investimento da Alves Ribeiro em França e a inauguração contou com a presença de altas figuras da política francesa, incluindo o antigo primeiro-ministro francês, Jean-Pierre Raffarin. Raffarin é o actual conselheiro especial do Governo francês para os assuntos chineses e é apelidado “Monsieur Chine” pela sua vasta experiência nas relações com este país. “O comércio é a melhor maneira de as pessoas se entenderem. E é por isto que este centro faz sentido. Este é um investimento português significativo porque se trata de um povo de comerciantes. E, tal como os chineses, são também bons interlocutores e bons trabalhadores. Estas são capacidades que nem sempre temos aqui em França”, afirmou o antigo primeiro-ministro. Na inauguração esteve também presente o embaixador de Portugal em Paris, Jorge Torres Pereira, relembrando que, antes de assumir o posto em Paris, foi diplomata em Pequim, tendo acompanhado de perto o interesse da China em construir uma nova Rota da Seda e uma nova Rota Marítima da Seda no século XXI – ideia lançada pelo Presidente chinês Xi Jinping. “Este investimento faz todo o sentido no laço comercial entre a China e a Europa. Portugal foi o primeiro país a fazer a rota marítima da porcelana e, por isso, esta é a continuação da nossa tradição de ligar os dois continentes”, disse Jorge Torres Pereira, reforçando que se trata de “um dos investimentos mais importantes dos últimos anos” de uma empresa portuguesa em França. Yuanyuan Gao, conselheira económica da Embaixada da China em França, acompanha este investimento desde o primeiro momento e não faltou à cerimónia. “Segui sempre este investimento porque se encaixa na construção conjunta desta nova rota da Seda, acabando por ser um projecto trilateral entre a França, a China e Portugal”, sublinhou a diplomata chinesa em declarações à Lusa. Centro ocupado O centro conta já com cerca de 30% das lojas ocupadas, maioritariamente pela comunidade chinesa. Segurança e melhores condições são as principais razões da mudança para este novo centro logístico. “Antes estávamos em Aubervilliers e viemos aqui para investir e também porque onde estávamos era cada vez mais caro. As condições aqui são melhores, é mais agradável, é mais seguro e há melhores acessos para os nossos clientes”, referiu Julian, retalhista de origem chinesa de lingerie que já tem a sua loja instalada no Silk Road Paris. Mas também as empresas portuguesas estão interessadas neste novo espaço. O Crédito Agrícola já tem um espaço neste centro para ceder às empresas portuguesas que queiram expor os seus produtos na capital francesa e apostar na internacionalização. “Adquirimos aqui um espaço e vamos disponibilizar este espaço para os nossos clientes virem aqui expor os seus produtos e dinamizarem a sua actividade internacional”, disse João Barata Lima, director de Negócio Internacional do Crédito Agrícola. Esta é a primeira fase do empreendimento da Alvez Ribeiro, que conta com mais duas parcelas de terreno adquiridas à volta do aeroporto Charles de Gaulle. Mediante o sucesso do complexo Silk Road, a empresa portuguesa quer acrescentar mais lojas – num total de 1000 lojas de retalho – e outros serviços como hotéis e mais restauração.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasBoémio macaense suicida-se em Paris [dropcap]C[/dropcap]om um tal título, penso não faltarem leitores interessados na história, hoje aqui com o seu início, mas não se apresse a concluir que tal aconteceu há pouco tempo. Não, o suicídio de Albino Francisco de Paiva de Araújo ocorreu a 8 de Novembro de 1872 e irá servir-nos para mais tarde podermos introduzir algumas famílias macaenses do século XVIII e XIX. Neste artigo, ainda não iremos focar esta personagem, que em Paris se suicidou, carregado de dívidas e rechaçado pela sua esposa, Madame Paiva. Nascera ele em Macau a 19 de Maio de 1824, segundo o Padre Manuel Teixeira, sendo filho único de um português nascido no Brasil e a mãe, proveniente de uma família rica macaense. Esta história mereceu a atenção de alguns escritores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato em ‘Memórias’, Dr. José de Campos e Sousa no opúsculo ‘O marido de Madame de Paiva’, Pinto de Carvalho em ‘Lisboa de Outros Tempos’ e do historiador Padre Manuel Teixeira, que se focou mais na mãe de Albino Francisco de Paiva de Araújo. Não faltaram ainda estrangeiros, caso de Voltaire, que levado pelo Fr., o crê frade saído da sua comunidade religiosa e lhe chama Fr. Araújo de Paiva. Também jornais estrangeiros sobre ele e a esposa escreveram fantasiosas histórias, assim como muitos são os livros que tratam acerca da vida de Mad. Paiva. Camilo Castelo Branco usou este título, Mad. Paiva, na crónica que dá início ao livro Boémia do Espírito. Pelas palavras deste grande escritor português, nascido em 1825 na antiga freguesia dos Mártires, actual Santa Maria Maior em Lisboa e se suicidou no ano de 1900 em S. Miguel de Seide, hoje freguesia de Seide, concelho de V. N. de Famalicão, ficamos a saber sobre a atenção com que foi seguindo a vida de Branca Lachmann. A tal Madame Paiva, marquesa, mais tarde, após o terceiro casamento, condessa Henckel de Donnesmark e que fora casada em segundas núpcias com Albino Francisco de Araújo. Refere Camilo, “Eu conhecia dos escritores de há vinte e cinco anos a opulência de mad. Paiva.” O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna Eug. Palletan na sua Nouvelle Babylone, derivando com falsa dedução a magnificência das meretrizes em sorte da corrupção de Paris, cita como exemplo a escada de onix do palácio de mad. de Paiva na praça de S. Jorge. Arséne Houssaye, em um dos tomos das Courtisanes du Monde, diz, com estas ou equivalentes palavras, que as senhoras honestas paravam deslumbradas quando viam passar no seu break mad. de Paiva, ao sol de Bois, faiscando as suas constelações de brilhantes. Ele, como era sua visita, disfarçava-se com um pseudónimo. Certo jornal conta que os seus palácios eram o confluente dos homens mais celebrados em artes e letras, velhos e moços, o bibliófilo Jacob, Emile Girardin, Theophilo Gautier, etc.. Não sei se algum destes era um dos grisalhos académicos que bebiam champanhe da tina em que ela se lavava. Não admiro. O asceta Lamennais beijava as plantas de G. Sand, e parece que ela, agradecida, descalçava as meias de seda neste acto devoto.” A madame Paiva Camilo Castelo Branco, na crónica Mad. Paiva publicada pela primeira vez no Jornal da Manhã de 13 de Julho de 1885, inicia-a, “A imprensa jornalística parisiense, menos atarefada nos assuntos grávidos da política, da indústria e da sã moral, comemorou, há dias, o trespasse de uma mad. de Paiva, marquesa de seu apelido, e em terceiras núpcias condessa Henckel de Donnesmark. Condensando a necrologia encarvoada de sujos episódios, dizem que esta dama Branca Lachmann, polaca de nascimento, deixara em Moscovo o marido, um alfaiate discreto que lá se ficou na sua terra alinhavando fundilhos de astrakan, enquanto a esposa airada, em Paris, penetrava nas opulências da vida dissoluta pela porta da miséria, que desculpa muitas dissoluções. Ligada primeiro a Herz, pianista célebre, sob a falsa estampilha de esposa, chegou a sentar-se entre as duquesas nos saraus de Luís Filipe. Depois, desvelado o segredo da sua concubinagem, foi expulsa afrontosamente dos círculos também falsamente carimbados de honestidade, e fugiu para Londres, deixando ou levando o pianista. Aqui, ameaçada por uma segunda catequese de fome, ajuntou a sua fulminante formosura um vestuário de espaventos, sentou-se langorosamente num camarote de Covent-Garden, e fez que o rio Pactolo, representado por alguns milords, lhe lambesse os pés com as suas ondas de ouro. Enquanto a onda não fazia a ressaca do costume, deixando-lhe sobre os pés as suas salsugens (N. detritos que flutuam próximo dos portos) imundas, a aventureira de New York regressou a Paris, aí por 1850, e, no ano seguinte, matrimoniou-se, já viúva do alfaiate, com um marquês da primeira fidalguia portuguesa, Fr. Araújo de Paiva, diz o Voltaire. Este marquês que pelo Fr. parece também ser egresso, suicidou-se daí a pouco, afirma outro jornal. A viúva, 40 vezes milionária, casou em terceiras núpcias com o conde Donnesmark, em 1875, ano que saiu de Paris para o seu castelo na Silésia, onde morreu, há dias, com 72 anos, dizem uns, e com 58, diz o marido.” Quem era Branca Lachmann? Com este título o Padre Manuel Teixeira refere, “O romancista encontra-se aqui de mãos dadas com o historiador. Que diz a história sobre esta aventureira? Branca Lachmann era filha bastarda do Grão-duque Constantino, da Rússia, sendo uma judia polaca. Foi favorita do Sultão de Constantinopla, espia da Alemanha e veio a casar com o alfaiate Francisco Hyacinthe Villoing. Abandonando o marido, amancebou-se com o célebre pianista Herz, começando então a frequentar a corte de Luís Filipe. Descoberta a sua mancebia, refugiou-se em Londres, onde a sua beleza fascinou os nababos britânicos, que lhe fizeram a corte, entre os quais o famoso Stanley. Tendo falecido o seu marido Francisco Villoing, Branca consorciou-se religiosamente, na capela dos Irmãos da Doutrina Cristão, em Passy, em Paris, com Albino Francisco de Paiva de Araújo, a quem ela apresentava como Marquês de Paiva. Alegava que este gentil-homem, decaído do seu primeiro esplendor de melhor aristocracia portuguesa, a procurara no Palácio de Pont Chartin. O facto é que Paiva de Araújo era de família rica e com esta polaca e outras como ela dissipou toda a sua fortuna. O casal de boémios desfez-se. Tendo obtido do Santo Ofício a anulação do seu casamento com o <Marquês> de Paiva a aventureira consorciou-se pela terceira vez com o Conde Henckel de Donnesmark, rei do cobre da Silésia.” Esperamos ter despertado a curiosidade para o próximo artigo e até lá uma boa semana. Para quem quiser aproveitar e ler o livro Boémia do Espírito (Porto, 1886) de Camilo Castelo Branco, saiba existir apenas um exemplar nas bibliotecas de Macau e esse encontra-se na do Leal Senado e pertenceu ao antigo Liceu de Macau.