Hoje Macau Vozes30º Aniversário da Promulgação da Lei Básica da RAEM A implementação correcta e precisa da Lei Básica é a garantia da manutenção da estabilidade e prosperidade de Macau Por Oriana Pun, advogada No dia 31 de Março celebra-se o 30.º aniversário da promulgação da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau. Com o decorrer do tempo e a prova de factos, podemos concluir que a aplicação da Lei Básica foi bem sucedida, continuando a ser uma lei viva, que resiste ao teste do tempo. O sucesso da Lei Básica revela-se, nomeadamente, nos seguintes aspectos: Após o retorno de Macau à Pátria, a China retomou o exercício do poder de soberania no território de Macau. Por um lado, o Governo Central, no cumprimento da responsabilidade constitucional em relação à RAEM, concretizou o poder pleno de governação sobre Macau, dando conteúdo ao pressuposto “Um país”. Por outro lado, segundo os princípios de “Macau administrado pelas suas gentes” e “Alto grau de autonomia” afirmados na Lei Básica, a RAEM é dotada de um sistema liderado pelo executivo, e os órgãos administrativo, legislativo e judicial, por seu turno, exercem as suas competências segundo a Lei Básica, e em todos eles se tem verificado bom funcionamento ao longo dos anos. Acresce que a maneira de viver dos residentes da RAEM se manteve inalterada, em todos os aspectos; entre eles, os usos e costumes, a cultura e a religião mereceram respeito e protecção, tendo Macau obtido um desenvolvimento satisfatório, com baixa taxa de desemprego, e proporcionando aos residentes viverem numa sociedade harmoniosa e estável, dando dessa forma cabal conteúdo ao pressuposto “dois sistemas”. Além disso, a Lei Básica garante o gozo dos direitos e liberdades dos residentes. Estipula a Lei Básica que os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves. A RAEM foi estabelecida de acordo com a “Constituição da República Popular da China”, e a Lei Básica de Macau foi elaborada de acordo com a Constituição, sendo necessária e indubitável a aplicação da Constituição na RAEM, não obstante aqui vigorar um sistema diferente do que vigora na Mãe Pátria. A Constituição é a lei suprema do Estado, com eficácia suprema, e vigora em toda a China. É a própria Constituição da República Popular da China que permite que em determinadas regiões do seu vasto Território se aplique sistema distinto do resto do País. Caso paradigmático, mas não único, o de Macau, onde não se vigora o sistema socialista, no entanto, apesar disso, Macau assume a obrigação de respeitar a Constituição Nacional, bem como, a de respeitar o sistema socialista que vigora no Interior da China. A Constituição prevalece sobre a Lei Básica, e em conjunto constituem a fundação constitucional de Macau, pelo que, em Macau não só temos de conhecer a Lei Básica, mas também conhecer e compreender a Constituição. O princípio “Um país, dois sistemas” está assegurado mas também vinculado pela Constituição, na sua implementação correcta e precisa, a qual exige que se tenha sempre em conta a Constituição o que, em conjunto com a Lei Básica, constitui a linha mestra dessa mesma implementação. É na Lei Básica que se encontram afirmados os princípios fundamentais do sistema da RAEM: “Um país, dois sistemas”, “Alto grau de autonomia”, “Macau governado pelas suas gentes”, “Macau governado por patriotas”, “Garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos”, “Manutenção do sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes durante 50 anos”. Ao longo dos últimos 23 anos, quer o Governo quer diversos sectores da sociedade, empenharam-se na divulgação da Lei Básica, cujo conteúdo é matéria de ensino nas escolas. Em particular, na advocacia, a Lei Básica constitui matéria de estudo e exames nos cursos ministrados na Associação dos Advogados de Macau. Porém, não obstante a Lei Básica ter merecido conhecimento geral da população, e obtido resultados muito satisfatórios, continua a ser necessário reforçar a sua divulgação, nomeadamente aos jovens e aos funcionários públicos, a fim de afirmar os princípios, valores e interesses assegurados na Lei Básica. Entrando no período pós pandemia, e tendo em conta a conjuntural internacional sempre em mudança, Macau enfrenta grandes desafios, mas ao mesmo tempo também surgem novas oportunidades. É nossa missão reforçar a divulgação da Lei Básica e da Constituição, defender o princípio “Um país, dois sistemas”, promover a governação de Macau conforme a lei, fornecendo protecção legal para o desenvolvimento económico diversificado e adequado de Macau, nomeadamente para o desenvolvimento de alta qualidade. Só com a implementação correcta e precisa da Lei Básica, é garantida a estabilidade e prosperidade a longo prazo de Macau; no pressuposto da salvaguarda da unidade nacional e integridade territorial da China, bem como da defesa nacional, com o apoio grande e incessante da China, Macau poderá integrar-se na conjuntura geral do desenvolvimento do País, participar na construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, e desenvolver a Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin. Sempre sem se esquecer, as nossas especificidades e características, factores que constituem as qualidades e vantagens de Macau. Só assim, conseguiremos superar as dificuldades e avançar para um futuro melhor.
João Santos Filipe Manchete SociedadeJustiça | John Mo tenta evitar condenação de seis anos de prisão A defesa de John Mo, ex-director da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, apresentou recurso para o Tribunal de Última Instância da condenação pelo crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência. A informação foi avançada ao HM por Oriana Pun, advogada de defesa de John Mo, condenado pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) a seis anos de prisão efectiva. Em Junho de 2018, John Mo foi detido preventivamente, depois de ter sido acusado de violação por uma aluna de mestrado de outra instituição. Como consequência, o contrato do então director da Faculdade de Direito da UM foi imediatamente declarado extinto. Segundo a acusação, a violação teria acontecido dentro de uma sala de karaoke, e o acto teria sido assistido por outras duas pessoas, uma delas Lei Iok Pui, membro do Conselho da Juventude, por escolha do Governo e que tinha sido tinha candidato não-eleito nas legislativas pela lista do deputado Si Ka Lon. O académico acabou por estar em prisão preventiva até ao julgamento, que terminou em Fevereiro 2019, e foi considerado inocente pelo Tribunal Judicial de Base. Na altura, o caso ficou gravado pela videovigilância e após visionar as imagens, o colectivo de juízes liderado por Leong Ieng Ha considerou que a queixosa nunca tentou impedir os avanços sexuais de John Mo. “Ficou deitada [na sala de karaoke], mas o indivíduo não a prendeu [quando avançou]. A ofendida podia movimentar os braços. E ela mexeu-se, aparentemente para facilitar a introdução [do dedo]. Tinha as mãos livres, mas não bateu no arguido. Bastava que tivesse feito qualquer gesto de oposição como, por exemplo, puxar os cabelos do arguido, para mostrar que recusava. Não o fez”, foi apontado na altura. “A pessoa ofendida foi ao WC com a terceira arguida. Mas depois regressou para a sala do karaoke. Se não queria beijos porque não fugiu quando foi à casa-de-banho? Não havia uma relação de poder entre os dois. Ela poderia ter deixado o local. Mas regressou e sentou-se ao colo do arguido”, foi igualmente argumentado na primeira decisão. À segunda Apesar da absolvição, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Segunda Instância, que condenou John Mo, não pelo crime de violação, mas antes por abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, assim como ao pagamento de 100 mil patacas à ofendida. A sentença, que apenas foi disponibilizada em chinês, condenou ainda Lei Iok Pui a uma pena de prisão de cinco meses, suspensa por três anos, devido ao crime de omissão de auxílio.
João Santos Filipe Manchete SociedadeOriana Pun e Bruno Nunes deixam direcção da Associação de Advogados de Macau Oriana Pun recusou ter havido uma única razão para a saída e diz que se vai focar mais na actividade profissional. Já Bruno Nunes diz que foi uma saída “normal”, mas recusou divulgar os motivos. Para os seus lugares, entraram Luís Cavaleiro Ferreira e Wong Pou Ngai [dropcap]O[/dropcap] desgaste causado pelo tempo e a vontade de focar-se mais na actividade profissional, depois de se ter tornado notária privada no ano passado, levaram Oriana Inácio Pun a deixar a direcção da Associação dos Advogados de Macau. As explicações foram avançadas no dia em que foi tornado público que também Bruno Nunes, colega da direcção, seguiu o mesmo caminho. Sobre a saída, Oriana Pun sublinhou estar sempre disponível para contribuir a classe e para a AAM, mesmo fora da direcção. “Não se pode falar que esta saída esteja relacionada apenas com um caso. Não posso dizer que há uma razão, um descontentamento que foi só por este motivo ou aquele”, afirmou ao HM, sem entrar em pormenores. “Um casal também não se divorcia por uma única discussão”, acrescentou. Oriana Pun negou a existência de motivos familiares na resolução e revelou que a decisão já tinha sido tomada há várias semanas. No entanto, o facto de ter algumas tarefas para concluir fizeram com que só ontem fosse anunciado o abandono. “A decisão já estava tomada há algumas semanas, não se pode dizer que é uma coisa de hoje [ontem], até porque eu já tinha metido o papel [com a demissão] há um ou dois meses”, indicou. Oriana Inácio Pun tinha sido membro da direcção da AAM, que é presidida desde 2002 por Neto Valente, de forma ininterrupta entre 2005 e 2012. Em 2017, voltou a fazer parte da direcção até este mês. A saída, acontece numa altura em que falta pouco mais de sete meses para o final do mandato e num ano em que deverá haver eleições para os órgãos sociais. Disponível para cooperar Além do desgaste directivo, Oriana Pun explicou que nesta fase está muito focada na actividade profissional, agora com uma área de acção mais alargada, depois de ter concluído o curso de notária privada. No entanto, a causídica está disponível para continuar a contribuir para a AAM e para os colegas do sector. “Neste momento saí da direcção. Não sei se no futuro poderei voltar, com estas pessoas ou com outras… Acho que nunca sabemos o futuro. Mas, mesmo sem este cargo, se o meu contributo for preciso e tiver valor eu vou estar disponível”, clarificou. “Estou sempre disponível para contribuir para a classe. Se for possível acrescentar valor com a minha ajuda, estou disponível. Gosto de ajudar os meus colegas de profissão”, complementou. Por sua vez, Bruno Nunes recusou comentar os motivos da saída, apenas afirmou que a mesma aconteceu em condições “normais”. Contudo, fechou a porta à possibilidade de voltar a integrar a direcção da associação. “Já cooperei durante muitos anos com a Associação dos Advogados de Macau. Não farei parte de lista alguma [no futuro]”, disse o causídico, ao HM. Bruno Nunes foi eleito em 2015 como vogal da Assembleia Geral da AAM, tendo em 2017 sido eleito vogal da direcção, posição que ocupou até este mês. Entram Wong e Luís Ferreira Após terem sido confirmadas as saídas, a Associação dos Advogados de Macau emitiu um comunicado a agradecer “publicamente” a Oriana Pun e a Bruno Nunes, ao mesmo tempo que anunciou que as vagas na direcção foram preenchidas pela advogada Wong Pou Ngai e por Luís Cavaleiro Ferreira. “A direcção aproveita para agradecer publicamente aos colegas que a deixam o trabalho por eles desenvolvido, e expressa aos novos membros o seu reconhecimento por terem aceite a sua designação para servir a AAM, a bem da advocacia da RAEM”, pode ler-se na missiva revelada ontem. Após as alterações, Neto Valente mantém-se como presidente e Paulino Comandate como secretário-geral. Os vogais são agora Álvaro Rodrigues, Lee Kam Iut, Regina Ng, Luís Cavaleiro Ferreira e Wong Pou Ngai.
João Santos Filipe Entrevista MancheteOriana Inácio Pun, advogada: “Caso Ho Chio Meng não foi agradável nem dignificou a Justiça” Começou a carreira como intérprete nos tribunais, mas com o tempo decidiu vestir a toga de advogada. Em Março do ano passado fez as manchetes locais, quando assumiu a defesa do ex-Procurador Ho Chio Meng. Em entrevista ao HM, Oriana Pun avalia a situação da Justiça, olha para as leis locais e recorda o julgamento da década [dropcap]C[/dropcap]elebram-se 25 anos da promulgação da Lei Básica. Considera que está a ser cumprida? Não verifico grandes problemas. À medida que nos vamos aproximar dos 50 anos após a transição vai haver uma maior aproximação ao sistema e à sociedade do Interior da China. Parece-me inevitável. A aproximação poderá causar divergências, mas desde que haja bom-senso e as medidas não sejam prejudiciais para Macau nem para a China, e se mantenha o respeito pelo espírito da Lei Básica, tudo poderá ser ultrapassado. Nos últimos tempos há quem acuse as autoridades de fazer interpretações legais com implicações e restrições a nível dos direitos individuais. Sente essa realidade nos tribunais? Se a lei confere um poder discricionário e a administração, que é a entidade máxima que pode exercer esse poder discricionário, o aplica de uma forma mais restrita, eu não discordo. Mas considero que os portugueses foram sempre mais tolerantes, mais humanos. Eu sou chinesa e tenho colegas chineses e portugueses e há uma diferença cultural. FOTO: Sofia Mota Que diferença? Por exemplo, nas aulas os alunos dizem que se esqueceram dos trabalhos de casa, arranjam uma justificação e os professores tem tendência para aceitá-la. São situações em que, com frequência, impera o bom-senso. Claro que também há abusos. Os chineses tendem a ser mais rigorosos. As pessoas que agora estão à frente de Macau consideram que se houver muitas excepções e um poder mais compreensivo que talvez isso não seja o mais adequado para Macau. Não posso discordar da abordagem. Porquê? A China tem uma população muito grande. Somos 1,3 mil milhões de pessoas e é difícil governar tanta gente. Também a nível cívico nem sempre é tão estável. Nesses casos, uma aplicação mais restritiva justifica-se, desde que seja sempre dentro do espírito do direito legado. O Governo vai alterar a Lei de Bases de Organização Judiciária e espera-se que os titulares de altos cargos possam recorrer de decisões dos tribunais em primeira instância. Como vê a mudança? Faz todo o sentido. Qualquer pessoa pode estar naquela posição e o direito de recurso é fundamental. Toda a gente deve ter a mesma oportunidade de ver as questões ponderadas mais do que uma vez. Como advogada do ex-Procurador Ho Chio Meng viu o recurso que apresentou ao Tribunal de Última Instância recusado. Como se sentiu? Não posso dizer que fiquei chocada, porque já estávamos à espera. Tínhamos de manifestar o nosso ponto de vista. Foi o que fizemos. O tribunal não aceitou o recurso. Mas mesmo com a recusa, fizemos um requerimento a manifestar a nossa posição. Infelizmente, não havia mais nada a fazer. Considero que qualquer pessoa devia ter a oportunidade de recorrer das decisões, pelo menos uma vez. Quando a nova lei for aprovada vai ver se há margem para recorrer da decisão? Ainda não se sabe como vai ser a nova lei e se vai haver uma aplicação retroactiva. No plano teórico, posso dizer que vamos estudar a possibilidade. O recurso já foi interposto, o tribunal é que não o aceitou. Vamos ver se haverá alguma possibilidade e se o Dr. Ho pretende reagir. Falando do julgamento de Ho Chio Meng. Assumiu o processo depois do primeiro advogado, Leong Wen Pun, considerar que não tinha condições para defender o arguido, face à postura do tribunal. Acreditava que era possível absolver o seu cliente? Na primeira vez que me reuni com o Dr. Ho trocámos opiniões e fiquei logo com a noção do estado do processo, do que era possível fazer e do que íamos tentar. Ele insistiu que fossemos nós a representá-lo. Também troquei opiniões com os colegas que estavam com o caso e eles consideraram que o Dr. Ho ficaria bem representado. Acredita que o seu colega tomou a decisão na sessão em que foi impedido de discutir uma prova, ou já havia aquele pensamento antes da sessão? Eles já estavam com o processo há mais de um ano. Como advogados, lutamos e temos de enfrentar várias derrotas e talvez eles tenham considerado que era altura de colocar um ponto final na situação. Foi uma decisão tomada com o consentimento do cliente. Agora, não sei se foi uma decisão tomada naquele momento. Acho que o pensamento de desistir já deveria ter sido abordado antes dessa sessão. Como se preparou? Era um processo mesmo muito longo. Tivemos de ir ao tribunal tirar fotocópias, consultar os processos, trabalhar aos sábados e domingos. Assim como os funcionários do TUI, que também precisaram de estar lá durante o fim-de-semana. Como o julgamento já estava numa fase bastante avançada, num primeiro momento preparamo-nos para as testemunhas que iam ser ouvidas. Foi nessas matérias que nos concentrámos primeiro. E depois? Fomos ouvir as audiências anteriores e fazer os nossos apontamentos para as sessões seguintes e alegações finais. Eu, basicamente, vi todos os papéis e os apensos, assim como os meus colegas. Foram muitas horas extra? Foram. Como advogados, os caso não nos saem da cabeça. Antes de adormecermos há sempre uma ideia que surge, quando estamos a tomar banho lembramo-nos de outra. Estamos sempre a ver e a tentar arranjar provas ou contra provas para ajudar o nosso cliente. Foram meses intensos? É um envolvimento muito grande, quase não tinha vida familiar. Algumas vez se tinha imaginado no caso que pode ser considerado o julgamento da década em Macau? Nunca tinha pensado nisso. Como profissionais queremos lidar com casos que nos desafiam. Trabalhei nos tribunais como intérprete, durante oito anos, assisti a julgamentos, fiz traduções, estive no julgamento de Pan Nga Koi e em outros processos cíveis e criminais. Como advogada, estagiei três anos e faço agora 13 anos de profissão. Estou quase há 20 anos nos tribunais. Espero que não haja casos graves em Macau, mas se houver gostava de estar envolvida. São desafios que nos fazem crescer e evoluir. O mediatismo do julgamento de Ho Chio Meng acrescentou mais pressão? Certamente que torna as coisas diferentes. Foi a minha primeira experiência num caso tão mediático. Já tinha tido casos cíveis complicados, mas em termos de ter de enfrentar a imprensa foi uma experiência nova. O mediatismo fez com que fosse muito abordada? Aconteceu muito. Mesmo os amigos comentavam o casos e houve muitos que me disseram que tinha sido corajosa por ter aceitado defender Ho Chio Meng naquelas condições. Ouvimos comentários a favor e contra. Também vemos as notícias, aqui, em Hong Kong, e por vezes consideramos que o que está escrito ou é noticiado não corresponde bem à realidade. São coisas com que nos temos de habituar a lidar. A imagem da Justiça de Macau ficou a ganhar com o julgamento de Ho Chio Meng? O caso Ho Chio Meng não foi agradável nem dignificou a Justiça. Primeiro tratou-se do julgamento de um procurador, também pelo decorrer do julgamento a que as pessoas puderam assistir. Mostrou situações que podem ser melhoradas e considero que ninguém ficou a ganhar com a situação. Independentemente de ter sido ou não condenado, para o Ministério Público, para os tribunais e para as pessoas de Macau foi uma situação triste. Há muitos ensinamentos a retirar do caso? Sim, se as pessoas quiserem aprender vão conseguir fazê-lo. Além do processo jurídico, do direito ao recurso, o processo levantou questões sobre procedimentos administrativos. Há sinais que o legislador devia ter em mente. Que sinais? Há práticas antigas que foram sempre repetidas e tentativas de acelerar os procedimentos internos dos serviços públicos que podem resultar em infracções nos processos de contratação de pessoal e adjudicações. As coisas sempre foram feitas de uma maneira, até que alguém notou que afinal continham ilegalidades… Isto merece uma reflexão. Não podemos só dizer: ele fez mal, vamos condená-lo. Temos de ser justos e perceber as situações, porque também houve outros casos ligados à contratação de pessoal e adjudicações em outros serviços. Casos em que não há intenção de cometer ilegalidades? Sim. Ouvi falar de casos de ilegalidades internas em que os procedimentos tinham sido analisados pelos próprios juristas dos departamentos. Se a situação se mantiver, a máquina dos serviços não trabalha. A questão deixa as pessoas com duas escolhas: ou arriscam cometer ilegalidades, ou não fazem nada. O governo está a trabalhar numa proposta de lei sobre as adjudicações… Sim, sim. Mas a proposta é urgente. E é preciso ouvir as pessoas no terreno, que conhecem as limitações e que sabem que procedimentos podem atrasar os trabalhos. Regressando à reforma da lei de bases judiciária. O Governo quer afastar os juízes estrangeiros dos casos que envolvem a segurança nacional. Concorda? Não vejo grandes problemas. Estamos a falar da segurança nacional e não sabemos com que níveis de sigilo se vai lidar. Talvez seja melhor colocar os juízes chineses com estas questões. Acredito que os portugueses não vão colocar o sigilo em causa, mas compreendo a opção. Desde que os juízes chineses sejam escolhidos seguindo as práticas normais, com sorteio, não vejo problemas. Sente que juízes portugueses são menos competentes do que os chineses? Não, não sinto. Os juízes portugueses que normalmente vêm de Portugal já têm alguma experiência de julgamento de casos. Por exemplo, eu aprendi e continuo a aprender imenso com os juízes nos julgamentos dos factos. Como eles já têm uma experiência longa em Portugal, a maneira como fazem as perguntas, a forma como chegam a conclusões… Aprendi e aprendo muito com eles. Mas não há um risco de diferenciação? As pessoas que lidam com os tribunais e que conhecem os juízes e os advogados sabem normalmente as pessoas que são mais competentes. Não me parece que o facto de haver juízes afastados desses processos vá fazer com que sejam encarados como menos profissionais ou com menor qualidade. Outra questão recente foi a utilização da língua chinesa para notificar um residente local que tinha pedido para ser notificado em português. É uma questão que não é nova, como encara estas situações? A língua não devia ser um problema em Macau. Tanto o português, como o chinês são línguas oficiais. Um chinês não devia ter de se queixar que foi notificado em português e vice-versa. Existe o decreto-lei n.º 101/1999, que permite escolher o idioma em que as pessoas podem pedir a notificação. Mas a própria lei não define sanções. Em princípio a administração e o tribunal deviam tentar satisfazer os requerimentos. Mas admito que pode haver justificações razoáveis para que estes casos aconteçam.