CCCM | Pintura de Marciano Baptista e Nuno Barreto em análise

De uma “Macau em vias de extinção” retratada nos quadros de Marciano António Baptista, datados dos finais do século XIX, passamos para as telas de Nuno Barreto que reflectem um estilo mais ocidental e um período de enorme mudança no território, quando a administração passou a ser chinesa. A investigadora Maria João Castro, da Universidade Nova de Lisboa, abordou o tema numa conferência do Centro Científico e Cultural de Macau

 

As pinturas de Macau da autoria de Marciano António Baptista e de Nuno Barreto apresentam duas visões completamente diferentes do território em períodos distintos, nos finais do século XIX e nos anos 90 do século XX. A investigadora Maria João Castro, da Universidade Nova de Lisboa, abordou o tema no último ciclo de conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) dedicado a Macau.

“As características mais marcantes destes dois artistas relacionam-se com a estética da sua obra e reflectem, de diferentes modos, duas visões da colónia do império português”, começa por dizer a académica ao HM. No caso de Marciano António Baptista, que viveu entre 1826 e 1896 e foi aluno do pintor inglês George Chinnery, acabou por desenvolver “técnicas e feições próprias”.

“Os seus esboços e aguarelas são especialmente precisos no que concerne ao detalhe e carregam a marca do seu mestre. A sua pincelada mostra-se de cunho claramente chinês, mas em combinação com técnicas ocidentais de perspectiva linear e coloração”, acrescenta Maria João Castro.

Com as pinturas de Marciano António Baptista olhamos “uma Macau em vias de extinção”, do tempo em que existiam “pagodes, fortalezas e juncos de diferentes tipos”, mas onde também se avistavam “navios a vapor, simbolizando o século XX que se aproximava”.

Nas telas observa-se “uma Macau idealizada, exótica, pitoresca, cujas telas condensam uma pincelada orientalizante de um território em extinção, devolvendo o olhar nostálgico de um território cuja vivência anunciava novos ventos”.

Outro imaginário

Relativamente à obra de Nuno Barreto, pintor nascido em 1941 e falecido em 2009, podemos observar uma “atmosfera e envolvência completamente distintas”. “O pintor viveu em Macau durante duas décadas, tendo pintado uma Macau já distante da idealização da província do extremo oriente do império português de Marciano [António Baptista], ou seja, a pintura macaense de Barreto reflecte o seu tempo: a passagem da administração do território para as autoridades chinesas e um traço de cunho nitidamente ocidental”, frisou.

Para a investigadora, “esta particularidade faz com as suas obras mais marcantes e emblemáticas retratem não só o fim do império português como uma visão pós-colonialista de vincado cunho global”.

“A Macau de Nuno Barreto é uma província moderna, uma cidade plena do século XX e que o artista pinta frequentemente de modo abstracto ou numa figuração muito própria que tem em atenção uma plasticidade profundamente ocidental. De certa forma, os seus quadros também reflectem o fim de um tempo, constituindo alegorias ao fim da administração portuguesa do território.”

Neste momento, está patente no Museu do Oriente, em Lisboa uma exposição dedicada às obras de Nuno Barreto, intitulada “Beber da Água do Lilau”. Maria João Castro denota que só agora é que a obra deste pintor “começa a ecoar pelos espaços culturais transnacionais”.

Além disso, “a obra de Marciano António Baptista só quase um século depois foi estudada e mostrada convenientemente”.

Maria João Castro considera que “as autoridades de Macau têm patrocinado a divulgação pontual da cultura sino-lusa no território, mostrando não a obra dos artistas desaparecidos como promovendo a viagem de artistas portugueses contemporâneos para expor no antigo território português, ou patrocinando pequenas residências”. “Isto parece-me importante e significativo”, notou.

Além destes dois pintores, Maria João Castro destaca o trabalho de Fausto Sampaio, que deixou “testemunhos de um olhar cruzado entre Oriente e Ocidente numa produção pictórica profundamente rica e diversa”.
Maria João Castro é doutorada em História da Arte Contemporânea e investigadora integrada do Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

15 Mar 2022

Mais de 200 obras de Nuno Barreto numa retrospectiva sobre vivência em Macau

Mais de 200 obras sobre a vivência e transformação artística de Nuno Barreto, em Macau, vão estar reunidas na retrospectiva “Beber da Água do Lilau”, que é inaugurada na sexta-feira no Museu do Oriente, em Lisboa.

Acrílicos, guaches, serigrafias, cadernos de desenhos, esboços, apontamentos, revistas, livros, catálogos e fotografias fazem parte desta exposição com base no espólio pessoal de Nuno Barreto, que procura captar o espírito do lugar e das gentes que povoam a cidade de Macau.

A exposição, que é inaugurada na sexta-feira, às 18:30, e ficará patente até 26 de junho, faz uma viagem de ordem cronológica – de 1963 a 2009 – pelo percurso artístico de Nuno Barreto, marcado pela pintura abstrata e figurativa.

O título é retirado de uma popular frase local: “Aquele que beber da água do Lilau, jamais esquecerá Macau”, referindo-se a uma fonte de água de nascente do território.

As peças selecionadas procuram captar a trajetória do artista, aliando as suas várias facetas enquanto pintor, artista plástico, pedagogo e intelectual, inicialmente fortemente abstrata, mas que se deixa cativar pela vertente figurativa para representar pessoas, lugares e vivências deste território, refere a organização, num texto sobre a mostra.

Entre as peças encontra-se “Embarque no Pátria” (1999), “que assinala em tom caricatural a despedida portuguesa da administração de Macau com a ironia transversal ao conjunto das obras figurativas” de Nuno Barreto, a par de “Mesa Comum”, onde retábulos chineses apenas permitem vistas parciais.

Nuno Barreto fez a sua formação académica na Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1966, de onde seguiu para uma pós-graduação na Saint Martin’s School of Art, em Londres.

Foi professor auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e, posteriormente, convidado pelo Governo de Macau a preparar o projeto da Academia de Artes Visuais do Instituto Cultural de Macau, que dirigiu desde a sua fundação em 1988.

Posteriormente, ocupou o cargo de diretor da Escola de Artes Visuais do Instituto Politécnico de Macau, de 1993 a 1997.

O percurso artístico de Nuno Barreto foi fortemente influenciado pelo contacto com a cultura chinesa, que tentou conhecer nas suas várias vertentes, incluindo a História, salienta o Museu do Oriente.

8 Mar 2022