Paradise Lost

O apolíneo mês de Agosto não é o tempo certo para se levar na bagagem um livro desta dimensão, que a noção de paraíso pode não coincidir com milhares de linhas de versos organizados em doze livros, que o tempo apela a ele, ao paraíso, mas convém salvaguardar outras componentes mais. Esta cisão entre paraísos, aliás, foi sentida por múltiplos autores levando a grandes teorias, discussões, interpretações e debates, naquilo que viria a ser conhecido por crítica miltoniana já no século XX, que a primeira versão da obra, essa fora publicada em 1667. Por tudo isto haverá ainda e sempre gente que se afoite e homens que se arrojem.

O estilo épico não deve desmorecer quem se quer adentrar pela folhagem deste paraíso, o verso em branco de que está munido é uma espécie de verso livre que tem que ver com a complexidade sintática das descrições que requerem grande flexibilidade numa rede consecutiva entre o clássico e o bíblico. Há muitos acrósticos, o que torna o poema uma iniciação àquilo que viria a ser mais tarde a poesia visual. Duas colunas estão aqui delineadas: Lúcifer, Adão e Eva, depois as guerras angélicas e os arcanjos numa batalha de três dias em que banidos os rebeldes, Deus cria o Mundo. A história prossegue num intrincado desfile acerca do livre arbítrio, que deslizando na queda, Lúcifer acaba próximo e transformado em face das duas criaturas que Deus criou para um desígnio diferente do que vem a acontecer.

Os problemas no paraíso não são muitas vezes de carácter factual, mas quase sempre, simbólico, se entre a rede das bênçãos existir aquele que vai trair o movimento harmónico para o qual qualquer paraíso é criado, o olho de Deus que tudo vê, toma foro de justiça e se distância. William Blake afirmou: «a razão que levou Milton a escrever acorrentado quando o fez sobre os Anjos e Deus, e em liberdade quando escreveu sobre Demónios e Inferno, é porque era um verdadeiro poeta e fazia parte do partido do Diabo sem saber.”

O romantismo inglês viu isto em Milton. Giovanni Papini não teria sido mais loquaz.

No quente paraíso do Verão este não será desmerecedor de uma paragem menos rotineira, e poder-se-á ainda pensar que paraísos há muitos mas não tantos como o que aqui se menciona. Milton ficou cego e ditou o seu poema, o que já de si nos diz muito acerca da actividade de escriba, aqui, onde há sempre salvação para os derrotados. Nós iremos ler o Livro IV como lemos o Canto IX dos Lusíadas, que é nele que nos aparecem Adão e Eva, mas um anjo mau escapa do abismo para transformar os amantes em futuros mártires – e ainda Gabriel o mais comovente anjo dos céus- ele aparece sempre para salvar amantes, anunciar gestações, unir as tribos abraâmicas. Ele aparece. [ Ao sono embalam-nos Rouxinóis, e nos dois nus chovem rosas do tecto em flor que a alva repõe. Dorme par feliz…768]

A primeira tradução em português é em 1789, outras mais se lhe seguiriam num espaço público reduzido como são afinal os paraísos.

13 Ago 2025

IFFAM | “Lost Paradise”, de Tracy Choi, aborda assédio sexual

A secção “Industry Hub” da 3ª Edição do Festival Internacional de Cinema de Macau seleccionou 14 projectos para serem apresentados às produtoras e distribuidoras internacionais que marcam presença no evento. De Macau foram escolhidos os filmes “Lost Paradise” de Tracy Choi e “Wonderland” de Wang Chao Koi. Além dos três prémios monetários a ser atribuídos por esta secção, este ano há mais uma recompensa dedicada ao filme que melhor retrate o espírito de Macau

A redenção

[dropcap]O[/dropcap] assédio sexual é o tema central de “Lost Paradise”, a terceira longa metragem da realizadora local Tracy Choi. De acordo com a cineasta o objectivo “não é abordar o acto de assédio em si ou fazer uma perseguição a quem o faz”, mas antes trazer ao ecrã “a forma como as vítimas sobrevivem após terem sido sujeitas a assédio ou mesmo a violação”.

A escolha do tema deve-se a uma razão pessoal. “Tenho uma amiga que já foi violada e sinto-me responsável por não ter evitado a situação”, conta a realizadora ao HM. “Não éramos muito próximas, mas na noite em que foi violada eu estive com ela. Saímos para nos divertir. No final da noite fui-me embora e ela ficou com outras pessoas. Sinto-me sempre muito culpada por a ter deixado sozinha e não ter ficado com ela naquela noite”, explica.

No entanto, o período subsequente também não foi fácil para a vítima. “As pessoas sentem-se envergonhadas, tendem a não falar e a viver mais isoladas”, acrescenta Choi, salientando que é um filme de redenção e alerta para esta problemática.

Festival promissor

Acerca do festival de cinema que decorre em Macau até o dia 14, a cineasta confessa que, ao contrário do que se esperava depois de uma primeira edição marcada por muitos percalços, o evento tem tido um desenvolvimento assinalável.

Por outro lado, o destaque dado aos filmes locais é cada vez mais evidente. “Recordo que na primeira edição, e mesmo no ano passado, os filmes de Macau eram projectados em horários menos nobres, em que as pessoas normalmente não tinham disponibilidade para ir ver. Este ano não é assim, os filmes locais estão agendados para a noite e esta é também uma forma de promover o cinema que por cá se faz”, aponta.

Também na secção da indústria, o cinema local tem vindo a ser aceite, sendo que “no primeiro ano não foi seleccionado nenhum projecto de Macau, no ano passado já houve a presença de um e este ano estão dois realizadores a apresentar os filmes para financiamento e distribuição”, sublinha com entusiasmo.
Recorde-se que a primeira longa metragem de Tracy Choi, “Sisterhood”, foi a vencedora do prémio do júri na edição de estreia do maior evento local dedicado à sétima arte.

11 Dez 2018