Hoje Macau Grande PlanoChina ainda pouco recetiva a autores lusófonos contemporâneos, dizem especialistas Especialistas na área da tradução disseram à Lusa que a literatura contemporânea em língua portuguesa gera pouco interesse na China comparativamente com os clássicos e, no caso de Portugal, a solução pode passar por mais investimento de Lisboa. Fernando Pessoa, Eça de Queirós e José Saramago estão entre os autores portugueses mais traduzidos na China continental, de acordo com um catálogo elaborado pela Embaixada de Portugal em Pequim. Excluindo nomes da literatura infantojuvenil portuguesa, com presença bastante expressiva na China, Pessoa é o escritor com mais trabalho passado para o chinês, estando presente em 9% (22 obras) de toda a bibliografia (246) traduzida ou que estava prevista traduzir na China até 2022. Min Xuefei assinou em 2013 um desses trabalhos, a primeira tradução chinesa dos poemas e ensaios de Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Pessoa. A académica, professora na Universidade de Pequim, com doutoramento em Literatura de Língua Portuguesa na Universidade de Coimbra, observa o desinteresse por nomes da atualidade: “Recomendei Dulce Maria Cardoso a vários editores e também tradutores”. Até ao momento, porém, a autora de romances como “Retorno” e “Eliete” ainda não chegou às livrarias do país asiático. No restante universo lusófono, o cenário é idêntico. A maioria dos títulos traduzidos por esta natural de Shenyang, no norte chinês, “são todos clássicos”, isto é, de “autores que já morreram”, diz à Lusa, quando se assinala o Dia Internacional da Tradução. Além de José Saramago (“O Silêncio da Água”), Min também converteu para a língua materna os brasileiros Machado de Assis (“Contos Selecionados”) e Clarice Lispector (“A Hora da Estrela” e “Felicidade Clandestina”). A exceção é o moçambicano Mia Couto (“Terra Sonâmbula”). “A literatura contemporânea também é muito importante, mas é muito difícil de introduzir no mercado chinês”, nota Min. Jovens autores “ainda sem reconhecimento internacional” convencem menos leitores, justifica. Ao longo dos dois anos que lecionou na Universidade Normal de Fujian, no leste chinês, Nuno Rocha, especialista em tradução chinês-português, identificou esta mesma tendência. O entusiasmo da população por clássicos chineses, analisa agora, motiva a “entrada mais fácil” deste tipo de literatura em língua portuguesa. “Lembro-me de encontrar facilmente os grandes clássicos da literatura europeia, em versões bilingues, quando estudei na China em 2010”, lembra Rocha, atualmente professor na Universidade de São José, em Macau. Por outro lado, sublinha, não se sabe “até que ponto os autores contemporâneos também são dados a conhecer aos alunos” pelos próprios educadores no país asiático. Rocha avança que um “plano específico de divulgação da literatura contemporânea portuguesa na China” podia solucionar o impasse, embora isso implicasse “um investimento elevado”. “E no caso português especificamente, infelizmente, a cultura nunca é prioridade”, lamentou. A intervenção por parte de Lisboa na promoção autoral, em colaboração com revistas literárias e editoras chinesas, é uma das propostas deixadas por Min Xuefei: “Podemos, por exemplo, traduzir um conto ou um excerto de um capítulo do romance dos autores e publicar numa revista literária chinesa”. Já no sentido inverso, “a literatura chinesa moderna e contemporânea ainda é relativamente nova no mercado de livros em língua portuguesa”, aponta, por sua vez, a académica Lidia Zhou Mengyuan, do departamento de Tradução da Universidade Chinesa de Hong Kong. “As pessoas estão cada vez mais abertas a explorar novos sabores literários”, constata a professora, com investigação na área da tradução e receção da literatura chinesa contemporânea nos países de língua portuguesa desde 2000, notando ainda que, em geral, a diversidade da oferta literária portuguesa na China “é mais ampla do que a sua contraparte”. “Apesar do progresso feito nas últimas duas décadas em termos de diversidade de autores, géneros e livros traduzidos para português, ainda há espaço significativo para desenvolvimento adicional”, ressalva. Foi a partir de 2008 que contemporâneos chineses, incluindo Su Tong, Yu Hua e Yan Lianke, chegaram ao mercado livreiro em língua portuguesa, tanto em Portugal quanto no Brasil, explica Zhou Mengyuan, notando que “é provável que o seu reconhecimento internacional tenha contribuído” para isso acontecer. Os “estereótipos em relação à China no Ocidente” podem ainda estar a condicionar a vida das letras chinesas na lusofonia, admite Zhou, para quem um intercâmbio “mais frequente e direto é a chave para superar esses estereótipos”.
Andreia Sofia Silva EventosRota das Letras | Obras de Chen Yu, sobre poetas portugueses, integram festival [dropcap style≠’circle’]Y[/dropcap]ao Jingming será o curador de uma exposição do pintor Chen Yu, que retratou em papel de arroz, e com recurso a tinta da china, vários poetas e escritores portugueses, desde Luís de Camões a Fernando Pessoa, passando pelo Nobel Saramago. A exposição, a acontecer na Casa Garden, integra o festival literário Rota das Letras. Chen Yu, pintor a residir em Pequim, será um dos convidados do festival literário Rota das Letras para inaugurar, pela primeira vez em Macau, uma exposição da sua autoria. O professor Yao Jingming, actualmente director do departamento de português da Universidade de Macau, será o curador de uma iniciativa que liga nomes sonantes da literatura portuguesa à pintura. A organização está a ser feita em parceria com a Fundação Oriente, adiantou Yao Jingming ao HM. “A exposição terá como tema principal os poetas portugueses mas os quadros serão acompanhados por textos dos escritores e também de outros escritores estrangeiros. São retratos feitos com tinta da china e em papel de arroz, uma técnica usada por este artista chinês.” Chen Yu já aceitou o convite e está ainda a trabalhar em alguns quadros, sempre em estreita comunicação com Yao Jingming, que o tem apoiado no envio de textos e na explicação do contexto literário de cada um dos poetas ou escritores retratados nas telas. “O artista aceitou o meu convite e estou à espera que ele possa fazer mais retratos de escritores portugueses. Já enviei algumas imagens para ele fazer textos e poemas e ler e ficar com uma ideia mais forte sobre os escritores e poetas portugueses.” Um dos autores mais difíceis de retratar, na óptica de Yao Jingming, é o poeta Fernando Pessoa. “Disse-lhe que se trata de um poeta muito complicado, com uma escrita muito complexa. Então veremos se é capaz de expressar o mundo literário deste poeta. Acho que é difícil retratar isso através de um trabalho artístico, mas então ele está a fazer um esforço para abordar essa questão. Ontem enviou-me um trabalho no qual o Pessoa, ele próprio, encarna noutros três heterónimos”, adiantou o também poeta, que escreve com o pseudónimo de Yao Feng. Esta comunicação com Chen Yu tem como objectivo fazer com que “a exposição possa ficar mais interessante para o público português”. Recital integrado na exposição Na cabeça de Yao Jingming existem outras ideias para este evento, apesar de muitos detalhes ainda estarem por decidir. Uma dessas ideias passa pela visita à gruta dedicada ao poeta Luís de Camões, localizada no jardim com o mesmo nome. Há também a intenção de realizar um recital de poesia na Casa Garden. “São duas coisas que vão complementar-se mutuamente. Vamos escolher poemas em português e chinês para fazer um serão poético num espaço bonito e agradável”, adiantou Yao Jingming. No total, a exposição terá entre 30 a 40 peças do pintor chinês.