Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeErro médico | Alertas para pouca transparência da comissão de perícia Vera Lúcia Raposo, ex-docente da Universidade de Macau, alerta para a pouca transparência na comissão de perícia do erro médico. A falta de dados e informação em relação ao número de processos, ao que é decidido nas reuniões e aos critérios adoptados são algumas das críticas feitas pela académica A comissão de perícia do erro médico é pouco transparente ao não divulgar dados relativos ao número de processos que tem em curso ou informações sobre as reuniões, que não são abertas ao público. Esta é uma das conclusões que Vera Lúcia Raposo, professora universitária, coloca no seu mais recente artigo, “Medical Liability in Macao” [A responsabilidade médica em Macau], que faz parte do livro “Medical Liability in Asia and Australasia”, coordenado em colaboração com Roy Beran, da Universidade de New South Wales, na Austrália. “A lei cria um órgão que supostamente deveria ser muito útil, porque é multidisciplinar, e poderia auxiliar o tribunal. Mas na vida real ninguém sabe o que se passa nas reuniões. Não há qualquer transparência sobre o que se está a decidir e com que critérios”, frisou ao HM. Vera Lúcia Raposo, que foi docente na Universidade de Macau e que actualmente é professora na Universidade de Coimbra, diz que pediu informações a colegas que dominam a língua chinesa, que também não tiveram sucesso. Também não foi possível aceder a dados online. “Qualquer académico lamenta quando não tem material de estudo que seja de fácil acesso. Não estão em causa dados pessoais. Esta matéria deveria ser sujeita a escrutínio do público”, acrescentou. Apontar o dedo Outro dos pontos destacados por Vera Lúcia Raposo prende-se com o sistema de notificação dos efeitos adversos, ou seja, de erros, falhas ou outro tipo de ocorrências, por parte dos profissionais de saúde. “Fazendo uma interpretação da lei, parece que [estes] são obrigados a reportar incidentes que se tenham passado consigo ou com colegas. Mas pessoas com responsabilidade no sector da saúde disseram-me que as coisas não se passam bem assim, mas nunca me explicaram como é na prática.” A autora alerta para a possibilidade da existência de um sistema à margem da legislação. “A lei diz que se os profissionais não reportarem [estas questões] podem ser sancionados. Se não estão a ser, óptimo, porque não é suposto que sejam, mas não é isso que resulta da lei.” Para Vera Lúcia Raposo, seria importante abandonar este modelo “bastante semelhante ao que é usado na China”, que se baseia na crítica e não na busca de soluções. “Apontar o dedo e sancionar não deve ser o modus operandi nestas actividades onde a vida das pessoas está em risco. Deve-se evitar os erros e aprender com eles”, rematou.
João Santos Filipe Manchete SociedadeErro Médico | Lei criticada por não incentivar prevenção [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] jurista Vera Lúcia Raposo critica a Lei do Erro Médico, aprovada em Agosto do ano passado, por considerar que o documento não procura evitar os erros, mas que se limita a procurar culpados. A Lei do Erro Médico foi elaborada com o objectivo de procurar um culpado para trazer a público, sem pensar em prevenir essas ocorrências. A opinião foi expressa, ontem, pela jurista Vera Lúcia Raposo, durante uma conferência na Fundação Rui Cunha, com o tema A Lei do Erro Médico. “Não é uma lei preocupada em prevenir ou evitar erros médicos. Não está preocupada com isso, está preocupada em encontrar um médico culpado e apontar-lhe o dedo: ‘foi este que fez’”, afirmou Vera Lúcia Raposo. “Como paciente não me preocupo nada com isso, quero é que as coisas corram bem. Não quero que haja os erros provocados pelo sistema, que podem ser prevenidos. Mas só podem ser prevenidos se forem primeiro conhecidos, e depois estudados. A lei não quer saber disso”, considerou. Um dos pontos mais focado pelos oradores, que incluíram também os jurista Paulo Cardinal, Rui Cascão, Mang Ten Iong e Luís Pessanha, foi o sistema de notificação. Este sistema obriga os médicos a reportarem o seus erros e dos colegas. “Se fosse profissional de saúde, em vez de estar mais preocupada em saber se estou a tratar do meu paciente como deve ser, ia estar a olhar por cima do ombro para ver se algum colega me está a ver a mim. E também a ver o que o colega fez, porque da forma como o regime aparece na lei, parece que a obrigação de notificar não diz respeito apenas ao que eu faço de errado, mas ao que o vizinho do lado faz”, apontou. “O regime está implantado de uma forma que temos médicos a vigiar médicos. Big Brother is watching you [O Grande Irmão está a ver-te]”, acrescentou. Insultos aos deputados Por sua vez, Paulo Cardinal, jurista da Assembleia Legislativa, recordou que quando o diploma chegou pela primeira vez ao órgão legislativo, que continha diversas falhas. “Demoraram 12 anos a estudar esta proposta de lei. A proposta de lei, tal como entrou na Assembleia Legislativa, estava prenha de situações negativas, de regimes que não se entendiam, de soluções que inclusive colocavam em causa os tribunais”, começou por dizer o jurista. “Não é uma lei boa, ainda tem muitos erros, mas infelizmente o ponto de partida era absolutamente negativo, em diversos aspectos essenciais”, acrescentou. Entre as críticas apontadas ao documento original, Cardinal sublinhou duas situações: a ausência de referências à saúde do foro psíquico e o facto de só poder haver erro médico devido a acções e não a omissões dos médicos. Estas foram situações corrigidas, e Cardinal elogiou o papel do presidente da comissão que tratou do documento, o ex-deputado Cheang Chi Keong: “Foi uma pessoa que nunca baixou os braços e que fez sempre questão de tentar conseguir o melhor possível para o ordenamento jurídico de Macau, para os pacientes e para os médicos”, apontou. “É uma lei claramente melhor do que resultaria se a proposta tivesse sido aprovada de uma maneira acrítica, sem intervenção, apoio da sociedade”, sublinhou. No entanto, o jurista frisou que pela primeira vez uma comissão foi insultada na imprensa chinesa. Questões sobre ausência de médicos e juristas portugueses [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]urante a conferência, Paulo Cardinal levantou questões sobre a ausência de médicos e juristas portuguesas da Comissão de Perícia do Erro Médico. Cardinal questionou se não haverá pessoas capazes com nacionalidade portuguesa para integrarem a comissão. “Espantadamente vejo que na Comissão de Perícia do Erro Médico não há lugar para nenhum médico português. Presumo que serão todos não-peritos. Não percebo, pessoas com grande experiência médica, formação médica que se têm dedicado a estas questões não foram atendidas para estarem presentes na Comissão de Perícia do Erro Médico, do ponto de vista médico”, sublinhou o jurista. “Então a nível dos juristas, se há especialistas em Direito Médico em Macau, estão aqui nesta mesa, do meu lado esquerdo. Também não encontraram o caminho para poderem estar na comissão de perícia”, frisou. O presidente da Comissão de Perícia é médico legista O Heng Wa, responsável pelas autópsias do jovem português Luís Amorim, que foi encontrado morto em 2007, e de Lai Man Wa, antiga directora-geral dos Serviços de Alfândega, encontrada morta em 2015.
Andreia Sofia Silva PolíticaAMCM acusada de não prestar informações sobre erro médico [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá implementado, desde Fevereiro, o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional dos prestadores de cuidados de saúde, mas os sectores da saúde e das companhias de seguros parecem continuar a ter muitas dúvidas sobre o funcionamento da nova legislação. O problema é levantado numa interpelação escrita assinada pelo deputado Leong Veng Chai, onde este acusa a Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) de não prestar as devidas informações. “A AMCM não tomou uma postura profissional durante o processo preparativo para a vigência do novo regulamento referido”, escreveu o deputado. “A AMCM esteve sempre a adiar a divulgação dos detalhes desse regulamento”, disse ainda. Na prática, tal “levou a muitas preocupações para os dois sectores em causa”, uma vez que “as instituições médicas que precisam de renovar o seguro não sabem qual é o valor que devem comprar, e o sector dos seguros também não consegue disponibilizar a respectiva referência ao sector da saúde, pois não recebeu nenhuma informação concreta por parte da AMCM”. Perante essa situação, Leong Veng Chai considera que “os dois sectores têm-se sentido bastante desamparados”. O deputado faz ainda referência ao cancelamento de duas sessões de esclarecimento em cima da hora. “Segundo algumas pessoas do sector dos seguros, a AMCM devia ter realizado duas sessões de esclarecimento, mas só no período da manhã do próprio dia é que [a entidade] telefonou aos participantes para os informar sobre o cancelamento das conferências, tendo estes ficado muito embaraçados”, escreve. Leong Veng Chai alerta para a “incapacidade por parte da entidade pública responsável pelo assunto”, o que levou a “preocupações nos sectores dos seguros e da saúde, durante o período transitório, e a dificuldades na celebração dos contratos”.
Andreia Sofia Silva SociedadeSaúde | Tratamentos médicos no exterior vão manter-se sem alterações Os Serviços de Saúde esclarecem que não há redução de tratamentos fora de Macau para doentes oncológicos devido a cortes orçamentais ou à entrada em vigor da Lei do Erro Médico [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s tratamentos feitos por doentes de Macau em hospitais estrangeiros não irão sofrer quaisquer alterações ou eventuais reduções. É o que afirma um comunicado ontem emitido pelos Serviços de Saúde (SS). O esclarecimento surge após terem sido “expressas algumas opiniões públicas aludindo ao facto de que, devido a eventuais cortes orçamentais e à entrada em vigor da Lei do Erro Médico, os pacientes oncológicos, que se encontram em reabilitação no exterior, tinham visto os seus tratamentos cancelados”. Os SS esclarecem assim que cabe à avaliação dos médicos de Macau a decisão do doente continuar ou não a ter consultas fora do território, pelo que “a questão não está relacionada com o orçamento”. “Quer as despesas, quer os locais de tratamento, não irão sofrer a influência das mudanças sócio-económicas”, aponta o mesmo comunicado. Os Serviços de Saúde explicaram ainda que casos antigos de erro médico ocorridos antes da entrada em vigor da lei podem ser analisados no Centro de Mediação de Litígios Médicos, criado recentemente. Este centro tem como responsabilidade a mediação ao nível dos valores de indemnização, sendo que “a apresentação de litígios ao centro tem carácter voluntário e o procedimento de mediação é gratuito para as partes”. Tal pedido não “suspende qualquer prazo de recurso” aos tribunais, e também não impede os intervenientes de recorrerem para as instâncias judiciais para verem o caso resolvido. Expectativas e rigor Para os SS, o facto da Lei do Erro Médico já estar em vigor “não impede que situações já passadas e relacionadas com eventuais erros médicos voltem a ser discutidas em público”. Isto apesar de “em algumas situações, já existirem decisões judiciais e que são respeitadas pelos SS”. Segundo os Serviços, “é compreensível que os pacientes tenham expectativas de que os tratamentos possam ‘curar’ as situações clínicas, mas os médicos apenas prestam o apoio e diagnosticam o tratamento mais adequado ao paciente”. “Estes diagnósticos podem não corresponder à expectativa criada pelos doentes originando, eventualmente, insatisfação nos utentes provocando, por vezes inevitavelmente litígios médicos”, afirma ainda a entidade dirigida por Lei Chin Ion. Ainda sobre a Comissão de Perícia do Erro Médico, os SS dizem que a nomeação dos seus membros “foi efectuada de forma rigorosa, de acordo com as suas qualificações”, por forma a “garantir o funcionamento independente da Comissão”. Esta “não se encontra sujeita a qualquer ordem, instrução ou interferência, de forma a garantir a justiça e a imparcialidade”.
Flora Fong PolíticaCirurgia Plástica | Pedida regulamentação e integração na Lei do Erro Médico [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Centro da Política da Sabedoria de Macau (CWPC, na sigla inglesa) critica a Lei do Erro Médico por considerar que esta não tem em conta os riscos que a cirurgia plástica envolve. De acordo com os dados de um relatório da responsabilidade do CWPC, publicado na passada quarta-feira, 65% dos inquiridos não estavam bem esclarecidos sobre os risco da cirurgia plástica. Segundo o Jornal do Cidadão, os subdirectores do CWPC, a deputada Wong Kit Cheng e Sam Io Cheong, publicaram um relatório baseado num estudo sobre a regulamentação da desta área. O inquérito mostra que a maioria dos 1127 inquiridos, com idades compreendidas entre os 26 e os 40 anos, relaciona a cirurgia plástica meramente à beleza, sem esquecer que se trata de uma operação com eventuais complicações na mesma. Cerca de 60% dos questionados não compreende o risco que existe neste sector da Medicina antes de fazerem tratamentos como terapia por laser, lipoaspiração e uma cirurgia. Sem qualificação Sam Io Cheong explicou que foram verificadas, nos últimos anos, várias mortes relacionadas com cirurgias de estética, não esquecendo os prejuízos que podem ter lugar em locais expostos do corpo da vítima. O inquérito compara a legislação da China continental, de Taiwan, de Hong Kong, de Singapura e de Macau, concluindo que, em geral, os estabelecimentos de beleza da RAEM não estão devidamente qualificados para oferecer determinados serviços, como tratamentos com medicação, injecções ou intervenções cirúrgicas, que devem contar com a participação de pessoal devidamente experiente. A deputada Wong Kit Cheng, que já tem vindo a defender a inclusão deste tipo de medicina na Lei do Erro Médico, apontou também que a legislação actualmente em vigor não obriga à realização de qualquer exame para o regime de credenciação de profissionais, fazendo com que os funcionários deste sector tenham níveis de experiência e qualidade divergentes. “A maioria dos cirurgiões só sabe mexer nas máquinas, não aceita a formação de conhecimento ou prática, mas a isso junta-se a falta de supervisão dos estabelecimento, pelo que o ambiente pode até ser pouco higiénico, desconhecendo-se se os equipamentos estão devidamente desinfectados”, opinou a deputada. A CWPC sugere que os regulamentos que regem este sector sejam ajustados, nomeadamente ao nível da supervisão, inspecção e emissão de licenças do estabelecimento. O Centro pede ainda que a esta especialidade de Medicina seja incluída na proposta de Lei do Erro Médico, que terminou a discussão em especialidade e aguarda agora a versão final do Governo. Ou seja, sendo ainda passível de alterações.