Joana Freitas Manchete SociedadeII Guerra | Macau comemora 70 anos. Investigadores divididos com feriado Macau comemorou ontem os 70 anos do final da Segunda Guerra com uma mensagem dirigida aos idosos e aos jovens. Wong Sio Chak assegura que é importante que se perceba a história para valorizar Macau como é, mas especialistas dividem-se sobre a implementação deste dia como feriado [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s 70 anos do fim da II Guerra Mundial foram ontem assinalados na China (ver página 12) e Macau não escapou às celebrações. Por cá, há muito que se faz anunciar a data que, em 2014, se tornou feriado para comemorar o Dia Nacional da Vitória da China na Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa, sendo que numa das praças principais da cidade, o Leal Senado, enormes cartazes celebram “a vitória do povo chinês na guerra contra a Japão” e a “vitória mundial contra o fascismo”. Para Wong Sio Chak, Secretário para a Segurança, o dia foi também marcado em Macau para “endereçar aos soldados e ao povo da Pátria o maior reconhecimento pela excelência dos históricos contributos e heróicos sacrifícios que protagonizaram”, bem como para relembrar os compatriotas “inocentes que pereceram” e apresentar aos mais velhos cidadãos de Macau agradecimentos pela prestação do apoio e da ajuda aos soldados na Guerra contra o Japão. Provas irrefutáveis No discurso da cerimónia, Wong Sio Chak disse que, apesar de terem passado 70 anos, as provas dos actos violentos dos agressores são irrefutáveis e incontestáveis e relembrou que, por cá, a constituição de grupos de apoio ao continente foi algo bastante comum. “Durante a Guerra, para ajudar aos compatriotas da China continental submetidos aos sofrimentos extremos, os cidadãos de Macau participaram activamente no ensejo de salvação da Pátria, estabelecendo [por vontade própria] associações aglutinadoras do amor à Pátria e desencadeando acções de grande envergadura para a sua salvação. Todo o povo, independentemente do seu extracto social, dedicou-se e contribuiu generosamente para o financiamento da guerra e muitos jovens, que ao tempo viviam uma vida caracterizada por uma estabilidade raramente encontradas nessa época, regressaram à China continental e correram para a linha da frente para servir e participar naquela contenda bélica, acontecendo que muitos deles resultaram gloriosamente feridos ou morreram heroicamente.” Wong Sio Chak disse ainda esperar, através das comemorações, que os jovens possam retirar lições. “Temos de aproveitar este dia comemorativo para veicular, ano após ano, aos nossos descendentes, as humilhações e sofrimentos a que foram submetidos os antepassados há 70 anos, sendo que não nos move o ódio, mas sim a missão de lhes lembrar as lições que podemos retirar desta guerra, para que aprendam com a história e jamais permitam que tal volte a acontecer”, frisou o Secretário, explicando que a ideia não é “hipervalorizar a história mas sim para que os jovens sintam o ambiente de estabilidade, paz e desenvolvimento em que vivemos”. Estranho, mas entranhado Apesar de Macau ter sido neutro, recebeu meio milhão de refugiados e atravessou um período de grande dificuldade em que muitos passaram fome. No entanto, foi também um território povoado por “milícias pró-japonesas”, responsáveis pelos conflitos e maus-tratos que o exército nipónico não podia realizar, como explica à agência Lusa o jornalista e investigador João Guedes. A contradição de sentimentos em relação à proclamação deste feriado, tanto na China, como em Hong Kong e Macau, é salientada por quatro especialistas ouvidos pela Lusa. Se por um lado, explicam, persiste uma memória dolorosa acerca da presença japonesa em todo o território chinês, por outro, esta conflitua com a atracção dos chineses pelo Japão contemporâneo, cultura, produtos e gastronomia. “Ninguém do Governo disse que [a criação deste feriado] está relacionada com as tensões actuais. Dizem que tem que ver com a importância de lembrar a história. Claro que fazer este tipo de declaração é já uma indicação de que está, sim, relacionado com tensões actuais”, comenta Barry Sautman, académico da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, que investiga questões relacionadas com o nacionalismo chinês. “Quando se tem uma grande parada militar e centenas de milhares de espectadores a assistir é uma grande oportunidade de passar uma mensagem política”, comenta. You Ji, académico da Universidade de Macau especializado em política externa chinesa, é um entusiasta do feriado: “Ele existe para se lembrar que se mataram pessoas a sangue frio. Acho que é uma boa lição sobre o certo e o errado. Mesmo que as pessoas não leiam livros, nem participem nas actividades, acabam por pensar nestas coisas”. O investigador acredita que, tal como defende o Governo chinês, o Japão não efectuou um “sincero e adequado” pedido de desculpas pelas “atrocidades” da guerra, e que é por isso que a China “não consegue virar a página”, ao contrário da Europa.[quote_box_right]“Temos de aproveitar este dia comemorativo para veicular, ano após ano, aos nossos descendentes, as humilhações e sofrimentos a que foram submetidos os antepassados há 70 anos”, Wong Sio Chak, Secretário para a Segurança[/quote_box_right] A parafernália comemorativa – cujos cartazes foram fotografados e reproduzidos nas redes sociais – gerou, em Macau, alguma estranheza, em parte devido à linguagem utilizada. You Ji admite o seu “potencial” de desconforto, mas considera, no entanto, que é “difícil condenar que se use este tipo de linguagem porque nos corações [dos chineses] há feridas que ainda não foram curadas”. Bill Chou, politólogo do Instituto de Educação de Hong Kong e antigo docente da Universidade de Macau – de onde saiu depois de acusar a instituição de perseguição política – lembra que “estas comemorações não são um plano do Governo de Macau, que está apenas a organizar um programa de uma autoridade superior”. O investigador alerta para o facto de a história ser pouco debatida em Macau, algo que não é tão gritante no território vizinho: “A maioria das pessoas de Macau nasceu na China, é de uma geração que não foi educada com factos históricos, mas apenas com propaganda”. “Ao nível civil [em Macau], acho que as pessoas não estão realmente comprometidas com isto, o que se verifica pela forte presença nos restaurantes japoneses e pelo interesse pela cultura japonesa”, comenta Bill Chou. You Jia discorda: “Temos de distinguir os dois fenómenos. As pessoas de Macau, e até da China, não detestam os japoneses, basta olhar para os números do turismo. Distinguem a história do presente”. O Japão ocupou uma parte da China, desde 1931 até ao fim da guerra. Razões históricas e disputas territoriais têm intensificado o nacionalismo nos últimos anos. Pequim e Tóquio disputam, por exemplo, a soberania das ilhas Diaoyu ou Senkaku, no Mar da China Oriental. O evento de ontem contou com a presença de cerca de 440 personalidades, entre as quais o sub-director do Gabinete de Ligação do Governo Central da RPC na RAEM, Yao Jin, sub-comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros na RAEM e Cai Siping, director do departamento político de Guarnição em Macau do Exército de Libertação do Povo Chinês, Zhang Jian.
Hoje Macau China / ÁsiaJapão pede investigação de espionagem [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, pediu ontem ao Presidente norte-americano, Barack Obama, para investigar a suposta espionagem por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) ao Governo de Tóquio e a várias entidades e empresas nipónicas. Abe transmitiu o pedido a Obama durante uma conversa ao telefone mantida ontem, informou o ministro porta-voz do Executivo japonês, Yoshihide Suga, em conferência de imprensa. O primeiro-ministro também solicitou ao Presidente dos Estados Unidos que tome “acções apropriadas” sobre a suposta espionagem, enquanto Obama manifestou as suas desculpas relativamente ao caso, disse Suga. “Se for verdade, a nossa relação de confiança pode sair danificada”, disse o ministro porta-voz em declarações reproduzidas pela agência Kyodo. No final de julho, o portal WikiLeaks publicou uma série de documentos em que assegura que a NSA espiou o Governo e várias empresas do país asiático. Além de relatórios, o portal fundado por Julian Assange compilou uma lista de 35 alvos japoneses de “alta prioridade” para interceptar telefonicamente, da qual figuram o Governo, o Banco do Japão, vários ministérios e grandes grupos como a Mitsubishi. Segundo o Wikileaks, as escutas remontam até 2006, altura em que o actual primeiro-ministro, Shinzo Abe, governava pela primeira vez. As informações obtidas “demonstram um conhecimento pormenorizado de decisões internas do Japão sobre questões como as importações de produtos agrícolas e os diferendos comerciais, as posições japonesas no ciclo de negociações multilaterais de Doha da Organização Mundial de Comércio, sobre energia nuclear e emissões de gases com efeito de estufa”, de acordo com o Wikileaks.
Andreia Sofia Silva Perfil PessoasYujin Katsube, jornalista: “Interessa-me o futuro desenvolvimento de Macau” [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m 1997 ficou para a história a visita oficial da Princesa Diana a Angola, para conhecer de perto o drama das minas de guerra e as vítimas feitas ao longo destes anos. Na sua casa, em Quioto, a visita também ficaria para sempre na mente de Yujin Katsube. Este jornalista japonês, residente em Macau, já então queria escrever histórias e ajudar as pessoas, mas a visita da “Princesa do Povo” acabaria por ser determinante na sua escolha do percurso. Actualmente residente em Macau, Yujin Katsube é editor do órgão de informação “The Macau Shimbun”, virado para o público japonês que quer conhecer mais sobre Macau. Actualmnte sente-se a concretizar o sonho de uma vida, mas não esquece o momento em que, no final da década de 90, se decidiu pelo estudo da língua portuguesa. Hoje, com um sorriso tímido, lá vai dizendo algumas palavras da língua de Camões, depois de ter esquecido muitas outras. “Os japoneses sentem-se muito próximos à língua portuguesa, porque mantemos uma longa amizade desde os tempos dos Descobrimentos. Quando andava na escola secundária na minha cidade, Quioto, já sonhava em ser jornalista. Para aumentar os meus conhecimentos decidi aprender uma língua e cultura estrangeira. Quioto é a antiga capital do Japão e mantém um estilo de vida mais tradicional e conservador, então senti que seria muito difícil concretizar os sonhos lá. Decidi ir viver para Tóquio e tirar o meu curso superior”, conta ao HM. A decisão de aprender português teve muito a ver com o seu pai, professor e auto-didacta da cultura pop dos Estados Unidos. “Perguntei-lhe que línguas é que deveria aprender, e ele recomendou-me as românicas. Disse-me que o inglês era muito popular e que não era nada de especial, e eu estava muito interessado na história portuguesa, especialmente a época dos Descobrimentos e o futebol, então pensei que se aprendesse português teria mais oportunidades de me tornar jornalista.” Estudou na Universidade Sofia, fundada pelos jesuítas, onde aprendeu o idioma com professores de Portugal e do Brasil. Assim que acabou o curso começou a trabalhar na área editorial, a editar uma revista e a coordenar um conjunto de guias de viagem, que incluíam viagens a Macau e a Hong Kong. A paixão por Macau foi imediata. Visitou o território em 2006 e não mais o largou. Hoje é casado com uma residente local e tem um filho, que já domina o cantonês. “Tornei-me um grande fã de Macau e quis conhecer mais sobre a cidade. Em 2007, a empresa onde trabalhava planeou o lançamento de uma nova revista em Macau, Hong Kong e China. Procuravam alguém que coordenasse o projecto, tive muita sorte.” No “The Macau Shimbun”, Yujin Katsube garante que não escreve apenas sobre o sector do jogo, “mas também do turismo e da cultura de Macau, para que o público japonês tenha mais interesse. Através do meu trabalho penso que posso construir uma ponte entre Macau e o Japão.” “Enquanto jornalista interessa-me o futuro desenvolvimento de Macau e quero ver com os meus próprios olhos o desenvolvimento dos actuais projectos que estão a ser feitos no Cotai. Também me interessa o que a China espera de Macau enquanto plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. É um papel único que Macau pode fazer”, conta ao HM. O filho de Yujin acabou de entrar na escola e Macau é o lugar onde se sente em casa. Os pais preferem a pequenez do território ao frenesim constante de Hong Kong, mas já tomaram a decisão de ir ficando, consoante a vontade do filho. “Espero que o meu filho possa ter amigos e oportunidades para ficar mais ligado à cultura portuguesa. Estou à procura de uma equipa de futebol onde ele possa jogar. Os jogadores portugueses sempre atraíram a atenção dos japoneses e se o meu filho jogar à bola com eles, vou ficar muito feliz”, remata.