Pequim vai garantir aplicação firme de “Um País, Dois Sistemas”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês sublinhou que Pequim vai garantir a aplicação “com firmeza” do princípio “um país, dois sistemas” em Hong Kong.

O Governo de Hong Kong “deve manter-se fiel a esta direcção e respeitar integralmente” aquele princípio, afirmou Xi Jinping, perante mais de dois mil convidados que assistiram, momentos antes, à cerimónia de posse da chefe do Executivo, Carrie Lam, primeira mulher a desempenhar o cargo.

Este conceito foi criado para defender a unidade do país e qualquer desafio à soberania ou apoio à oposição representa uma ruptura do princípio “um país, dois sistemas”, acrescentou Xi. “Qualquer tentativa que ponha em perigo a soberania e segurança da China, desafie o poder do Governo central e a autoridade da Lei Básica de Hong Kong ou usar Hong Kong para infiltrações ou actividades de sabotagem contra a China é um acto que passa a linha vermelha é absolutamente inadmissível”, declarou. ”. A questão da soberania, lembrou, não esteve em discussão durante as negociações com Londres.

Xi Jinping defende ainda que é importante manter a estabilidade social: “Hong Kong é uma sociedade plural.” Por isso, observou, “não surpreendem as diferentes opiniões ou mesmo grandes diferenças em questões específicas”.  Ainda assim, “fazer de tudo política, ou deliberadamente criar diferenças e provocar a confrontação, não vai resolver problemas”.

O presidente diz que o Governo Central está preparado para o diálogo com quem “ame o país, Hong Kong e que apoie, genuinamente, o princípio ‘um país, dois sistemas’, não importa a posição política” dos interlocutores.

Xi Jinping considerou que o princípio “um país, dois sistemas” foi a melhor solução para Hong Kong e que, há vinte anos, “acabou um passado de humilhação”. O respeito e aplicação do princípio “um país, dois sistemas” responde às necessidades da população de Hong Kong, de manter a prosperidade e estabilidade de Hong Kong, serve os interesses fundamentais da nação e as aspirações partilhadas de todos os chineses, disse, de acordo com a agência noticiosa chinesa Xinhua.

Mas o Governo de Hong Kong deve fazer mais para responder aos desafios colocados pela economia, habitação, segurança e aumentar a educação patriótica, considerou. Xi Jinping ofereceu a ajuda e força económica da China como “uma oportunidade” para revitalizar Hong Kong, numa altura em que o preço das habitações é incomportável para os residentes e a competitividade internacional do território diminuiu. “Criar deliberadamente divergências políticas e provocar a confrontação não vai resolver os problemas. Pelo contrário, só vai impedir gravemente o desenvolvimento económico e social de Hong Kong”, advertiu.

Ontem, o Presidente chinês terminou a sua visita de três dias a Hong Kong, com uma inspecção aos trabalhos da futura ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai, indicou a Rádio Televisão de Hong Kong (RTHK). Este mega-projecto, que se prevê ser a maior travessia do mundo sobre o mar, tem registado derrapagens orçamentais e acidentes industriais e, no mês passado, o governo de Hong Kong anunciou que a empresa contratada para realizar testes de segurança ao betão usado na ponte apresentou mais de 200 resultados falsificados.

Depois da visita à ponte, Xi dirigiu-se ao aeroporto de Chek Lap Kok, tendo deixado o território cerca da 13:00, a bordo de um avião da Air China.

 

Nova chefe do Executivo empossada

O Presidente chinês, Xi Jinping, empossou no sábado a nova chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, primeira mulher a exercer o cargo. Em seguida, os titulares dos principais cargos do governo prestaram juramento perante Carrie Lam, sob o olhar do Presidente da China. Mais de dois mil convidados assistiram à cerimónia de investidura do quinto executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong desde transferência de soberania do Reino Unido para a China, em Julho de 1997. O chefe do Executivo de Macau, Chui Sai On, estava entre os convidados oficiais.

Durante a manhã, decorreu a cerimónia do hastear das bandeiras da China e de Hong Kong, a marcar o 20.º aniversário da transferência, na praça Bauhinia, no centro da cidade.

Novos acordos económicos e culturais

Pequim e Hong Kong assinaram este fim de semana acordos sobre investimento e cooperação económica e técnica (Ecotech) no marco do Acordo de Parceria Económica entre a Parte Continental e Hong Kong (CEPA, em inglês). Segundo o acordo de investimento, a parte continental está comprometida a oferecer tratamento mais favorável a Hong Kong. Hong Kong também pode gozar de tratamento preferencial nos sectores de carga marítima, produção de aviões e exploração de energia. O acordo sobre Ecotech assinala especialmente o apoio da parte continental a Hong Kong na participação da iniciativa Uma Faixa, uma Rota.

O presidente Xi também participou da cerimónia de assinatura de um acordo de cooperação para o desenvolvimento do Museu do Palácio de Hong Kong. Segundo o acordo, a cooperação estende-se a áreas como a exibição de relíquias, formação de pessoal e trocas de pessoas. Assim, a colecção de obras de arte do Museu do Palácio será exibida no Museu do Palácio de Hong Kong.

Xi mostrou grande interesse no desenvolvimento cultural e artístico de Hong Kong, e foi informado sobre o planeamento do Distrito Cultural de Kowloon Ocidental e sobre a selecção e construção do local do Museu do Palácio de Hong Kong.

“O distrito não apenas oferecerá aos residentes locais um conveniente local cultural e de entretenimento, mas também favorecerá o desenvolvimento da indústria cultural e de inovação na RAEHK”, assinalou Xi. O presidente disse esperar que a RAEHK possa “impulsionar a cultura tradicional, desempenhar seu papel como uma plataforma que facilite as trocas culturais entre a China e o Ocidente e promover os intercâmbios e a cooperação culturais com a parte continental”.

Xi também assistiu a algumas selecções de ópera cantonense interpretadas por crianças. O presidente comentou que as formas de cultura tradicional, incluindo a ópera cantonense, apresentam novas oportunidades de desenvolvimento depois do retorno de Hong Kong à pátria. O presidente chinês incentivou ainda os actores de Hong Kong e da parte continental a realizar mais trocas e aprender uns com os outros.

Presidente inspecciona guarnição do ELP

O presidente chinês Xi Jinping inspecionou na sexta-feira a guarnição do Exército de Libertação Popular (ELP) na Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) no quartel de Shek Kong, na véspera do 20º aniversário do retorno de Hong Kong à China. Xi, também secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista da China e presidente da Comissão Militar Central, analisou as tropas com a companhia de Tan Benhong, comandante da Guarnição do ELP na RAEHK. Mais de 3100 oficiais e soldados participaram da actividade e mais de 100 equipamentos militares, incluindo mísseis de defesa aérea e helicópteros, foram exibidos. Cerca de quatro mil espectadores de todos os sectores da sociedade em Hong Kong compareceram como espectadores.

3 Jul 2017

Hong Kong | Protesto pede direitos humanos, democracia e liberdade para Liu Xiaobo

“Não queremos ser Macau”

Milhares de pessoas juntaram-se no Victoria Park para mostrar que não lutam apenas pelo sufrágio universal. Nas ruas viram-se cartazes a apelar à libertação de Liu Xiaobo, Nobel da Paz, sem esquecer a necessidade de uma maior garantia dos direitos humanos e melhor distribuição da riqueza

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m pai a segurar o carrinho da filha que não conseguiu ter lugar num jardim-de-infância. Ambos têm ascendência indiana, mas assumem-se como naturais de Hong Kong. Uma criança com menos de dez anos que veste uma t-shirt que diz “Fight for Hong Kong” (lutar por Hong Kong). Uma mulher que segura um cartaz a pedir a protecção da ilha de Lantau contra o investimento chinês.

O protesto realizado no vigésimo aniversário da transferência de soberania de Hong Kong para a China teve várias vozes e diferentes rostos. Foram defendidos os ideais da democracia e do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo, mas nas ruas houve outros pedidos que provam que, afinal, não está tudo bem no território.

Foto: Sofia Margarida Mota

Quem participou no protesto de sábado está longe de concordar com o discurso oficial de Xi Jinping, que defendeu uma implementação bem sucedida da política “Um País, Dois Sistemas” nos últimos 20 anos.

Para Griffith Jones, membro do partido Socialist Action, a desigualdade social nunca foi tão gritante. Britânico, a viver em Hong Kong há 21 anos, Jones tece duras críticas à actual situação social e política que se vive em Hong Kong. “Temos visto uma grande quebra do respeito pelos direitos humanos nos últimos anos. Não somos localistas, não temos ilusões de que as coisas vão ficar melhores. A liberdade de expressão tem sofrido muitos ataques”, disse ao HM.

Em Causeway Bay, os cartazes do Socialist Action chamavam a atenção para a necessidade de salários mais justos para todos, sem discriminação. Griffith Scott alertou que, em Hong Kong, um cidadão demora 20 anos a poupar dinheiro para a entrada de uma casa.

“As possibilidades de termos um emprego estável, com bom salário, estão a diminuir. O sistema político tem sido dominado pelos grandes investidores do mercado imobiliário, com ligação ao próprio Executivo. Nos últimos 20 anos aconteceu exactamente o contrário daquilo que Xi Jinping disse, porque a protecção e a existência de relações próximas entre o Governo e esses investidores não mudou. Tudo está pior”, disse, desiludido.

Hong Kong é, aos seus olhos, uma sociedade marcada pela discrepância. “Estamos a transformarmo-nos numa das sociedades mais desiguais do mundo. A liderança chinesa gosta de Hong Kong porque existe esta desigualdade, onde os ricos controlam tudo”, acrescentou o membro do partido.

Joshua de regresso

O protesto partiu do Victoria Park quando passavam poucos minutos das três da tarde. Uma hora antes, já a saída do metro, em Causeway Bay, estava totalmente congestionada, com a polícia a tentar manter a ordem.

Joshua Wong, que foi colocado em liberdade na noite anterior, após a detenção de quarta-feira, subiu ao palanque e atraiu multidões.

Adultos e até crianças, ajudados pelos pais, passavam e iam deixando notas de 200 e 500 dólares de Hong Kong na caixa de donativos do partido que fundou, o Demosisto. Idosos agarravam as suas mãos, como se a democracia de Hong Kong dependesse exclusivamente da sua acção.

Ao HM, Isaac Cheng, um dos membros do partido, defendeu que a detenção do líder dos localistas “não teve razão de ser” e deixou um recado a Xi Jinping: “as pessoas de Hong Kong são racionais, só queremos lutar por um sistema mais democrático, em vez de ouvirmos apenas os líderes de Pequim. Somos racionais o suficiente”.

As afirmações foram feitas em respostas às declarações do presidente, no dia anterior, em que apelava a mais racionalidade para a resolução dos problemas locais.

Apesar do fracasso do movimento dos guarda-chuvas, em 2014, e da saída de dois deputados do LegCo (depois de terem ganho as eleições), não se notou uma diminuição da influência dos localistas no protesto de sábado.

Foto: Sofia Margarida Mota

Ainda assim, Griffith Jones acredita que o grupo tem uma certa “imaturidade política” de quem poderia ter sido mais influente, mas que deitou tudo a perder. “Isso resultou nalguma frustração. Mas o mais importante, além desse comportamento algo infantil, foi o número de votos que obtiveram no seu distrito, o que mostra a vontade de muitas pessoas.”

“Não queremos ser Macau”

Todos os grupos que participaram no protesto de sábado vendiam t-shirts e guarda-chuvas com fortes mensagens políticas. Todos eles aproveitavam para recolher dinheiro das pessoas que passavam, para garantir o seu próprio financiamento.

Um membro do partido People Power gritava, de microfone em punho, que Xi Jinping não passa de um “grande, grande mentiroso”. Para ele, “o Governo chinês domina Macau e mudou o território em quase tudo. Por isso é que não queremos que Hong Kong seja como Macau no futuro”, frisou.

Em Hong Kong há quem lute pela independência, enquanto outros querem que tudo fique como está, mas com a plena garantia da autonomia do território face à China, tal qual ficou decidido aquando da assinatura da Declaração Conjunta, em 1985.

Raymond Chan Chi-chen, deputado do Conselho Legislativo (LegCo) pelo People Power, deixou isso bem claro. “Nós não queremos a independência, queremos sim mais autonomia”, disse ao HM. “Não tenho expectativas quanto ao novo mandato de Carrie Lam, porque não vai fazer nada que vá contra aquilo que o Governo Central quer.”

A liberdade está ameaçada e, de acordo com Raymond Chan Chi-chen, a situação tem vindo a piorar. “Xi Jinping disse que a situação de Hong Kong é hoje melhor do que há 20 anos, mas não é isso que nós pensamos. A liberdade das pessoas diminuiu muito com o governo de CY Leung. Queremos uma autonomia plena, genuína. Nos últimos anos os valores básicos de Hong Kong foram quebrados”, apontou ainda.

O Nobel e a libertação

Em Victoria Park, Jim Kuok protestou ao lado do grupo que pedia a libertação do Nobel da Paz, Liu Xiaobo. Enquanto ajudava a levar um enorme cartaz preto, Jim, de 70 anos, disse gostar de Hong Kong e, por isso, estar ali para defender a liberdade. 

Os cartazes com os rostos de Liu Xiaobo e a esposa foram, aliás, uma constante ao longo do percurso, que só terminou junto ao LegCo. Lam Wing-kee, um dos cinco livreiros que, em 2015, desapareceram em condições misteriosas, usou da palavra no Victoria Park para pedir a liberdade de Liu Xiaobo, tendo apelado aos manifestantes para não desistirem de lutar pela democracia.

A Civil Human Rigthts Front [Frente Civil dos Direitos Humanos], que todos os anos organiza o protesto, estimou o número de participantes em mais de 60.000, enquanto a polícia referiu 14.500, segundo a imprensa local.

Os números foram inferiores aos do ano passado, com a organização a estimar cerca de 110.000 participantes e a polícia 19.300.

À medida que o protesto começava, vários grupos de empregadas domésticas da Indonésia gozavam o seu dia de folga nas ruas, como é habitual. Não quiseram comentar o protesto que acontecia mesmo ali ao lado, como se fizessem parte de outro mundo.

 

 

A China e a bandeira de Taiwan

A meio do percurso surgiram dois grupos pró-China que, junto ao passeio, atiraram palavras de ataque aos milhares que seguiam na estrada. Jenny, nascida em Macau, foi para Hong Kong muito jovem. Hoje, acredita que a China não deve ser deixada de lado, porque a integração regional é fundamental. “A China é um importante aliado”, disse ao HM. Sobre os outros, disse apenas: “estão a ser influenciados pelos americanos”. No meio do protesto foram empenhadas várias bandeiras de Taiwan.

Foto: Sofia Margarida Mota

 

Os saudosistas pré-1997

As bandeiras do Reino Unido voltaram a ver-se 20 anos depois da transferência de soberania. Steven, com apenas 28 anos, referiu ao HM que o período da administração inglesa do território foi bem melhor do que o actual Executivo. Um cartaz estendido no chão chamava a atenção para o 119º aniversário da extensão da administração inglesa à zona dos Novos Territórios, enquanto apontava que o Governo Central não tem respeitado a Declaração Conjunta. Mais à frente, duas raparigas chinesas levavam duas pequenas bandeiras inglesas nas mãos.

Foto: Sofia Margarida Mota

 

Nove activistas detidos e libertados

Pelo menos nove activistas pró-democracia de Hong Kong foram hoje detidos após confrontos com manifestantes pró-China, no centro da cidade, onde decorrem as cerimónias do 20.º aniversário da transferência de soberania. Joshua Wong, líder pró-democracia e dos protestos de 2014, foi detido pela segunda vez esta semana, indicou a agência noticiosa espanhola Efe. Na quarta-feira, Wong tinha sido detido, juntamente com 25 ativistas, durante uma concentração realizada na praça Bauhinia, no centro da cidade.

No sábado, Wong voltou a ser detido, juntamente com quatro membros do partido que lidera, Demosisto, e cinco elementos da Liga dos Sociais-Democratas de Hong Kong, disseram fontes do Demosisto. As detenções aconteceram quando os activistas se preparavam para iniciar uma marcha até ao centro de convenções de Hong Kong, onde decorreram as comemorações do 20.º aniversário da transferência de soberania do Reino Unido para a China, com a presença do Presidente chinês, Xi Jinping.

Ao local onde se concentraram os militantes pró-democracia chegaram centenas de manifestantes pró-China, com bandeiras do país, que rodearam os activistas. De acordo com testemunhas, um manifestante pró-China destruiu um dos cartazes do grupo pró-democracia, o que deu início aos confrontos.

Depois de alguns minutos, a polícia efectuou as detenções de pelo menos nove activistas pró-democracia que foram conduzidos para os veículos policiais. Wong foi algemado, acrescentou a EfE. Não há indicação de detenções entre os activistas pró-China.

Contudo, os activistas foram quase de imediato libertados, estando presentes na manifestação de Vitoria Park.

3 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Quase 200 mil pessoas residem em fracções subdivididas

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em menos de sete metros quadrados o espaço a que Wong chama de casa. Localizado num prédio do bairro mais pobre de Hong Kong, reflecte as condições miseráveis em que milhares sobrevivem num dos territórios mais ricos da Ásia.

Wong, de 55 anos, subiu as escadas sem perder o fôlego, habituada que está à rotina de viver num quinto andar sem elevador de um prédio antigo de Sham Shui Po. À boa maneira chinesa, deixa o calçado à porta do minúsculo espaço pelo qual paga 3200 dólares de Hong Kong por mês.

O beliche ocupa boa parte dos aproximadamente 6,5 metros quadrados da fracção subdividida onde mora. A parte inferior serve para dormir, a superior para guardar os poucos pertences: volumosos sacos pretos quase tapam os lençóis sobre os quais pousam ainda utensílios do dia-a-dia, produtos de higiene ou um rádio.

Ao lado do beliche encontra-se um frigorífico, com um microondas por cima, defronte para um móvel de gavetas de plástico onde está uma televisão. Por cima, funciona quase ininterruptamente uma ventoinha fixa na parede que ajuda a suportar o calor. Existe uma pequena janela, mas nunca se abre, porque lá fora há “apenas lixo”, diz Wong à Agência Lusa.

Do outro lado, a casa de banho e a cozinha formam uma ‘divisão’, ainda que sem porta, onde cabe uma pessoa. A sanita encontra-se ao lado da bancada e o lava-loiça e o lavatório são uma e a mesma coisa, expondo “problemas de higiene” que Wong reconhece, sem ter como os solucionar.

Wong, que é empregada de limpeza, cozinha quase sempre, embora “não seja fácil”, “porque o espaço é muito pequeno”.

Diz ser rara a vez em que vai buscar ‘tapau’, optando por regressar a casa nas duas horas que tem de almoço. A refeição é feita sobre uma pequena mesa, sentada numa cadeira, ambas desdobráveis, que quando abertas tomam todo o espaço livre entre o beliche e a parede.

Já do tecto brotam peças de roupa penduradas em cruzetas engatadas em pregos, depois de terem sido lavadas à mão numa bacia colocada sobre a tampa da sanita, custando “dores de costas” à simpática Wong.

O único dia de descanso usa-o principalmente para duas coisas: dormir e ir à rua fazer compras. Também vai uma vez por semana à igreja pentecostal à qual pertence, como denuncia um autocolante na porta.

O contrato da chamada unidade subdividida – cujo modelo pode ser adquirido numa papelaria – expira em Fevereiro do próximo ano. Pese embora as condições, Wong não deseja mudar, não só pelo “pesado fardo financeiro” que será pagar um depósito e renda extra, mas porque sabe à partida da dificuldade de encontrar um lugar melhor, compatível com as suas possibilidades.

Wong tem um rendimento mensal de 8900 dólares de Hong Kong, pelo que praticamente metade vai para as despesas relacionadas com a habitação, incluindo água e electricidade.

A morar há quatro anos em Sham Shui Po, só conhece fracções subdivididas desde então. A anterior, onde foi surpreendida com um despejo, era maior, mas igualmente degradada, descreve.

Um elevador faria a “grande diferença” para Wong que se queixa também do “barulho frequente de obras” e “da chatice” de morar no espaço que fica logo à entrada do apartamento subdividido – que tem mais três espaços idênticos – porque, às vezes, os vizinhos acordam-na.

Habitação social não chega

A vida de Wong – chinesa nascida na Indonésia que se mudou para Hong Kong em 1989 e casou, no ano seguinte, com um residente da então colónia britânica – nem sempre esteve confinada a um cubículo.

A separação levou-a a deixar a habitação pública em Ma On Shan, nos Novos Territórios, onde residia com o marido e três filhos, hoje com idades entre 20 e 28 anos, com os quais não mantém contacto. “Nunca me ajudaram, nunca me deram um único dólar”, lamenta.

O seu sonho é voltar a viver numa habitação pública. Contudo, a lista de candidatos é extensa e a espera longa. Além disso, para formalizar o pedido tem de primeiro oficializar o divórcio, um processo em curso graças à ajuda legal que a Society for Community Organization arranjou, explica Gordon Chick, assistente social que a acompanha e que serve como intérprete-tradutor.

Wong foi referenciada pela organização não-governamental há aproximadamente um ano, altura em que foi despejada da anterior fracção subdividida e a ajudaram a arranjar dinheiro para suportar os custos inerentes à mudança. Já Wong destaca antes, com especial carinho, quando lhe consertaram a televisão que se avariara.

Não obstante as duras condições, as suas expectativas são “muito simples”, à imagem e semelhança da sua vida: “Manter o emprego e ter saúde”.

Pelo menos 200 mil pessoas vivem em habitações inadequadas em Hong Kong, em fracções subdivididas de variadas formas, em cubículos ou gaiolas, muitas com condições precárias que constituem um “insulto à dignidade humana”, na descrição da ONU.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Entrevista | Larry So, académico: “Há muitas pessoas a falar dos velhos tempos”

Larry So não é saudosista, embora agradeça a educação que teve. Nascido e criado em Hong Kong, o académico conta que a geração a que pertence se sente desiludida com duas décadas que podiam ter sido muito melhores. As expectativas eram grandes e os sucessivos Governos da RAEHK não deram conta do recado. O analista explica ainda porque é que os que nasceram depois também não se conformam

Em termos gerais, estes 20 anos de Hong Kong enquanto região administrativa especial da China vão ao encontro do que estava à espera?

De uma forma geral, sim. Mas também há muitos aspectos que não correspondem às expectativas. Sou da área dos serviços sociais. Eu e os meus amigos desta área estávamos à espera de que houvesse uma melhoria significativa neste aspecto. Hong Kong era uma colónia britânica e, com esse estatuto, não se esperava que houvesse um grande investimento, pelo que havia a esperança de um desenvolvimento dos serviços sociais. Claro que houve algumas melhorias, mas ficaram aquém das expectativas. Tínhamos, na altura, entre 40 a 50 anos e pensávamos que poderíamos ter uma reforma, por exemplo. Mas em Hong Kong, à semelhança de Macau, o sistema de previdência é terrível. 

Estamos a falar de um centro financeiro internacional, mas também de uma cidade onde existem muitas pessoas em situação de pobreza extrema – e os números aumentam nos últimos anos. Estas duas décadas não serviram para se trabalhar para a igualdade social.

Os ricos ficaram mais ricos e os pobres passaram a ter cada vez menos, como aliás demonstra o Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade. Este coeficiente aumentou quase um ponto desde 1997. É uma medida objectiva.

Qual é a explicação para este fenómeno?

Quando Hong Kong voltou para a China, a política prioritária da região administrativa especial foi a manutenção da estabilidade económica. Partiu-se da ideia de que se houvesse mais dinheiro no topo, chegaria a todos e que a população sairia beneficiada. Mas parece que houve uma concentração excessiva das políticas na dimensão económica: tentou-se arranjar terras para que houvesse mais construção, mas não se investiu em habitação pública. Deram mais terrenos aos magnatas, que puderam aumentar os seus investimentos. Este tipo de política funcionou em certa medida, mas foi um erro pensar-se que o dinheiro iria chegar às pessoas comuns. Se olharmos para os níveis de qualidade de vida e os problemas políticos com que Hong Kong se depara, chegamos à conclusão de que a aposta na economia só beneficiou uma pequena parte da população.

Podemos falar em falhanço no que toca à qualidade de vida dos residentes de Hong Kong? A cidade é muitas vezes retratada como o local onde milhares de pessoas vivem em cubículos.

No tempo em que Hong Kong era uma colónia britânica, a habitação pública tinha muita importância em termos de apoio social. A Administração construiu apartamentos que disponibilizava a preços baixos. Metade da população vivia em habitação pública. Neste momento, temos pouco mais de 40 por cento da população a residir neste tipo de habitação. É um tipo de apoio muito importante porque um terço dos rendimentos das famílias é gasto nas rendas. É muito complicado. A Administração britânica lançou, na altura, medidas que considero muito boas, porque permitiram combater a pobreza. Mas este tipo de políticas não beneficia os magnatas ou os investidores do sector imobiliário, porque quantas mais fracções públicas houver, menos gente irá comprar no mercado privado. Neste momento, falta habitação pública e o preço do imobiliário continua a aumentar. De cada vez que se pensa que não pode subir mais, há um novo pico. Neste momento, o pé quadrado custa em média 20 mil dólares de Hong Kong.

O primeiro Chefe do Executivo de Hong Kong, Tung Chee-hwa, não foi propriamente popular.

O Governo Central tinha de escolher alguém em quem pudesse confiar. Essa pessoa tinha de ter uma ligação a Pequim e à Administração britânica. Não digo que fosse a única escolha mas, nessa altura, era a melhor. 

Eram anos complicados, que foram pouco tempo depois dificultados pela tentativa falhada de legislar o Artigo 23.o da Lei Básica. E aí começámos a ver milhares de pessoas nas ruas.

Sim, isso foi um problema. Tung Chee-hwa forçou essa questão demasiado depressa, subestimando o facto de, ao contrário dele, nem toda a gente estar satisfeita com o regresso à China. Muitas pessoas da classe média e da classe baixa-média não pensam dessa forma. Na altura, não teve sorte, na medida em que a situação económica também não era uma vantagem. Tentou disponibilizar mais habitação pública, mas a resistência dos promotores do mercado imobiliário foi tão forte que se viraram para o Governo Central. Foram directamente a Pequim e o Governo Central, que tinha de arranjar um equilíbrio, decidiu que não ia haver habitação pública. Os magnatas opuseram-se.

Tung Chee-hwa estava de mãos atadas?

Ambas as mãos, não foi apenas uma. Uma delas com a questão das condições de vida da população e a outra com os magnatas a dizerem ‘não’.

Portanto, não teve suficiente força política.

Não, na altura não teve. Se nos lembrarmos dessa altura, a economia não era uma vantagem.

Tinha rebentado a crise financeira asiática de 1997.

Sim. A economia num estado complicado, ele a tentar levar por diante o projecto de habitação pública e os magnatas a dizerem que não. Tentou desviar as atenções com o Artigo 23.o, e foi o que se viu.

E ainda houve o surto de pneumonia atípica, em 2002 e 2003. Morreram quase 300 pessoas em Hong Kong.

Foi outra coisa terrível. Diria que Hong Kong enquanto região administrativa especial não teve um bom início. Havia muitas pessoas que esperavam uma série de coisas positivas depois do retorno à China, mas toda esta situação não ajudou.

Depois Donald Tsang assumiu o poder. Há analistas que consideram que foi o único Chefe do Executivo capaz de congregar diferentes sectores e interesses. Foram anos de alguma acalmia.

Teve sorte logo no início, em termos políticos e no contexto económico. Teve pelo menos dois ou três anos de estabilidade. Era muito diferente de todos os outros. Era um funcionário público, um burocrata. O modo britânico de treinar os funcionários da Administração fazia com que as pessoas não estivessem sempre nos mesmos cargos. Tinham determinadas funções durante um par de anos e depois mudavam de departamento. 

Donald Tsang beneficiou dessa formação.

Sem dúvida alguma. Toda esta geração de funcionários públicos passou por esta experiência e Donald Tsang tinha a vantagem de perceber de finanças.

C.Y. Leung, que deixa agora o cargo, foi bastante menos popular. Teve um mandato com dias muito difíceis, com o movimento Occupy. Mais recentemente, surgiu uma nova palavra na política de Hong Kong: independência. Há estudos que apontam para um reforço do sentimento de pertença a Hong Kong, por oposição à China, nos últimos anos. Confirma esta ideia?

Sim, isso é um dado adquirido. O movimento Occupy não teve na origem qualquer vontade independentista – as pessoas pediam o sufrágio universal. Era este o pedido da maioria dos jovens. Mas o Governo Central apoiou o pulso forte de C.Y. Leung, o método que ele utiliza. De facto, ele hostilizou os jovens.

Quando olhamos para o Occupy e outras manifestações que têm acontecido em Hong Kong, deparamo-nos com líderes que, se já eram nascidos em 1997, eram ainda demasiado novos para perceberem onde estavam. Compreende-se que pessoas de gerações anteriores possam estabelecer paralelismos com os tempos da colónia britânica, mas estes jovens não podem fazê-lo. De onde vem toda esta vontade de oposição? Como é que se explica que não queiram fazer parte da China?

Não estavam em Hong Kong antes de 1997, mas ouviram muito e leram muito acerca do passado. Percebem o espírito antigo de Hong Kong, em que muitas pessoas vinham das classes baixas, lutavam por vidas melhores, entreajudavam-se e conseguiam um nível de vida melhor. As gerações mais novas não viveram isto, mas sabem do que estão a falar. Por outro lado, nas escolas secundárias e universidades leccionam professores que, em 1997, tinham 20 ou 30 anos. São pessoas que nutrem certos sentimentos em relação aos tempos da colónia britânica, sobretudo quando comparam C.Y. Leung com a Administração britânica. Alguns deles dizem: ‘Nos velhos tempos, pelo menos o Governo iria ouvir-vos. Não vos iria dar tudo, mas vinha, sentava-se e falava com vocês. Talvez vos desse um bocadinho do que querem. C.Y. Leung, com o pulso forte que tem, não vos dá nada’.

O passado continua demasiado presente em Hong Kong?

Diria que sim, há muitas pessoas que voltaram a falar dos velhos tempos. E os velhos tempos não significam necessariamente que a Administração britânica era boa. Mas o modo e a qualidade de vida, em termos comparativos, eram muito melhores. Em termos económicos, no que toca à performance do Governo, encontramos diferenças antes e depois de 1997.

As pessoas sentem-se traídas, na medida em que havia expectativas no retorno à pátria que saíram defraudadas?

Na minha geração, sim. As pessoas que nasceram depois de 1997 não tiveram essa experiência, mas comparam estes três Chefes do Executivo e encontram diferenças. Dos três, C.Y. Leung foi o pior. Em termos económicos, estes últimos cinco anos foram melhores do que a recta final de Tung Chee-hwa. Mas não é a economia que interessa. É o modo como o Governo lida com as pessoas e, sobretudo, a forma como defende as políticas que implementa. C.Y. Leung não defende as suas políticas; limita-se a dizer que são as soluções possíveis e que o que está a fazer é o melhor. Há muitas coisas que foi dizendo que levam as pessoas a perguntar ‘mas o que é que ele está a dizer?’.

Falando agora do futuro. Carrie Lam toma posse amanhã. Quando foi eleita, vários analistas consideraram que se trata de mais do mesmo.

Sim. Carrie Lam tem uma carreira como funcionária pública, o que é uma vantagem em relação a C.Y. Leung, porque conhece a Administração. Mas isto não significa que esteja numa posição tão vantajosa como a que Donald Tsang teve, porque ele não se rodeou do mesmo tipo de pessoas. Todos sabemos que Carrie Lam fez muitas promessas ao regime para poder estar no poder. Tem de pagar todos os favores. Uma das formas passa pela nomeação de pessoas para a sua equipa. A maioria delas não corresponde às preferências da população. 

Não podemos esperar, então, melhorias no ambiente social e político de Hong Kong.

Não. É algo que posso afirmar com certeza. Ela poderá não ter o mesmo pulso forte de C.Y. Leung, pode ser ligeiramente mais diplomática, mas não acredito que consiga dialogar com as diferentes forças políticas. Teremos mais ou menos o mesmo tipo de situação.

Tem saudades da Hong Kong anterior à transferência?

Não exactamente porque, quando era jovem, era uma espécie de anti-colonialista. Mas posso dizer que valorizo muito a educação que Hong Kong me deu.

 

Patten, lágrimas, entusiasmo

Partiu para o Canadá, passou uns anos nos Estados Unidos, mas antes de embarcar garantiu que, a 1 de Julho de 1997, estaria em Hong Kong. A promessa, feita ao seu grupo de amigos, foi cumprida. No momento em que nascia a primeira das duas regiões administrativas especiais da China, Larry So estava em Hong Kong, a assistir às cerimónias pela televisão, em casa de um amigo. “Chovia muito”, recorda.

“Estávamos todos muito entusiasmados. Chris Patten [o ultimo Governador de Hong Kong] estava emocionado, com lágrimas nos olhos”, conta. Foi uma imagem que o marcou. Assim como “ver a polícia a mudar os distintivos, substituir a coroa pelo logótipo da região administrativa especial”.

Foi uma noite em que se falou muito. O futuro era uma incerteza. “Havia muita especulação. Entre os meus amigos, alguns tinham passaporte do Canadá e do Reino Unido. Todos decidiram ficar por algum tempo, para ver o que ia acontecer”, explica Larry So. O que aconteceu não correspondeu às expectativas da generalidade.

Nascido e criado em Hong Kong, o académico da área dos Serviços Sociais acabou por partir mais uma vez, em 2002, mas para um destino mais próximo: Macau. É por cá que tem estado desde então, sempre atento ao outro lado do Delta.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Aumentam pedidos de passaportes britânicos

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cada vez mais residentes de Hong Kong a tentarem assegurar passaportes estrangeiros como garantia para o futuro, conta a Reuters. São pessoas que temem o aumento dos conflitos sociais ou uma rápida erosão das liberdades.

A agência combinou dados oficiais, informações de fontes diplomáticas e testemunhos de vários residentes para fazer aquilo que diz ser “o retrato de uma ansiedade crescente em relação ao futuro”. Sobretudo entre a nova geração, a influência cada vez maior de Pequim é encarada como uma sombra.

A procura de passaportes estrangeiros cresceu a partir do momento em que a sociedade se fragmentou, na sequência do movimento Occupy de 2014. O facto de haver quem peça a independência – uma linha vermelha que o Governo Central não deixa pisar – contribuiu para o aumento dos receios, assim como o episódio do desaparecimento de vários editores e livreiros de Hong Kong.

“Em 2047, acaba o período da transição e não sabemos o que irá acontecer. Estou a preparar-me para o pior”, conta Dennis Ngan, um jovem de 25 anos. À semelhança de vários amigos, vai renovar o seu BN(O) – o passaporte britânico especial dado aos permanentes residentes antes de 1997. No ano passado, foram emitidos mais de 37.500 documentos deste género, um aumento de 44 por cento em relação a 2015 e o número mais elevado da última década.

O BN(O) não dá direito à residência no Reino Unido, mas os seus titulares podem permanecer seis meses e têm garantida protecção consular britânica. As autoridades do Reino Unido não forneceram à Reuters dados sobre os passaportes emitidos este ano, nem o número de pessoas que pediram a cidadania. No entanto, fontes diplomáticas da agência garantiram que houve “uma corrida aos pedidos de cidadania”, um fenómeno que justificam com as preocupações sobre o futuro do território.

Outras possibilidades

Há quem prefira olhar para o Canadá: o número de residentes de Hong Kong com passaporte do país cresceu substancialmente entre 2005 e 2015. Também Taiwan é visto como uma possível saída. Só no ano passado, 1086 pessoas de Hong Kong passaram a ser residentes da ilha, o valor mais elevado da última década.

Em 2015, o número de cidadãos da RAEHK que pediu residência permanente na Coreia do Sul foi sete vezes superior ao registado em 2007. Os vistos concedidos pelos Estados Unidos aumentaram 22 por cento de 2015 para 2016.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Primeira geração pós-97 não se identifica com a China

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu no ano da transferência de soberania. Chau Ho-oi tem hoje 20 anos e houve uma altura em que sentia um orgulho imenso em pertencer a um território que faz parte da Grande China. Em entrevista à Reuters, a jovem recorda um desses momentos: os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, em que a selecção nacional conquistou 48 medalhas de ouro, mais do que qualquer outro país. Chan tinha 11 anos.

“Achava que a China era óptima. Se me perguntassem, na altura, se me sentia chinesa, dizia imediatamente que sim”, conta. Nove anos depois, a forma como lida com o país modificou-se. E não é a única: a primeira geração pós-transferência está, cada vez mais, a virar as costas ao Continente.

De acordo com um estudo da Universidade de Hong Kong publicado na semana passada, apenas 3,12 por cento dos 120 jovens entrevistados consideram ser “chineses”. Os inquiridos têm entre 18 e 29 anos. Há duas décadas, quando o estudo começou a ser feito, 31 por cento diziam ter um sentimento de pertença à China.

A Reuters conversou com dez jovens nascidos em 1997. Todos eles, incluindo um migrante da China Continental a viver na antiga colónia britânica, afirmaram que se identificam como “Hong Kongers”. E acrescentaram que a lealdade que sentem é para com a cidade.

Para esta forma de estar contribuíram em muito vários acontecimentos percepcionados pelos residentes como manobras de Pequim para controlar o território. Em 2012, o então adolescente de 15 anos Joshua Wong arrastou milhares de pessoas para as ruas em protesto contra um novo currículo nacional obrigatório, entendido como uma “lavagem cerebral” aos estudantes, que tinha como objectivo promover o patriotismo. O currículo acabou por ser engavetado.

Dois anos depois, aconteceu o movimento “Occupy”, mais uma vez com Joshua Wong ao leme. Foram 79 dias de protestos nas ruas numa tentativa – falhada – de pressionar Pequim a autorizar o sufrágio directo universal para a eleição do Chefe do Executivo.

O desaparecimento de vários editores de Hong Kong e os esforços de Pequim para que dois jovens deputados eleitos, ambos pró-independentistas, fossem afastados do Conselho Legislativo também abalaram a confiança no princípio “Um país, dois sistemas”.

O medo invisível

Vinte anos depois da transferência de soberania, as perspectivas não são animadoras. A estudante Candy Lau tem receio de que a vida em Hong Kong seja cada vez mais controlada. A jovem teme que “a vigilância massiva da China Continental” chegue a Hong Kong, que deixará de ser “uma cidade segura”. “É um medo invisível”, diz.

Há cada vez mais jovens a lutarem pela autonomia do território e, nos últimos anos, surgiu uma palavra nova no léxico político local: a independência, ideia que é, obviamente, afastada por Pequim com veemência.

No mês passado, o número três da hierarquia chinesa, Zhang Dejiang, responsável pelos assuntos de Hong Kong, vincou que é necessário “reforçar a educação nacional junto da juventude de Hong Kong e desenvolver conceitos correctos acerca do país desde tenra idade”, para que a população mais nova possa “amar a pátria”.

Carrie Lam, que toma amanhã posse como Chefe do Executivo, não perdeu tempo: em declarações à Agência Xinhua, prometeu que vai cultivar o conceito “Eu sou chinês” desde as creches.

A agência oficial chinesa deu conta da participação de 120 mil jovens de Hong Kong em programas de intercâmbio com o Continente, no âmbito do 20.o aniversário da transferência. Para os entrevistados da Reuters, estes esforços podem ser contraproducentes.

“Como é que o Governo não percebe que quanto mais obriga as pessoas de Hong Kong a amar a China, mais força dá à oposição?”, pergunta o jovem Jojo Wong.

A importância da cultura

Até mesmo os estudantes mais moderados, que dizem não ter qualquer posicionamento político – como é o caso de Felix Wu –, preferem identificar-se primeiro como sendo “Hong Kongers” e só depois fazem referência ao facto de serem da etnia Han.

“A China é um mercado muito grande e Hong Kong tem necessidade de se integrar neste mercado”, afirma Wu. “Mas politicamente prometeram que nada iria mudar durante 50 anos. Acho que estão a faltar um pouco à palavra.”

Ludovic Chan, um estudante de Gestão que quer ser funcionário público, também diz ser um “Hong Konger”, mas não vê como é que o seu sentimento de pertença conflitua com o facto de ser chinês. “As duas culturas diferentes podem coexistir. Não deviam estar sempre a dizer que Hong Kong e a China têm de estar integrados. Mas os dois lados deviam tentar um entendimento mútuo.”

Há estudantes do Continente a viverem na antiga colónia britânica que olham para a questão de uma forma mais optimista. “Vinte anos são apenas o início”, lança Yoshi Yue, a viver na RAEHK há três anos. “Irão lentamente desenvolver um sentimento de pertença. Vem da cultura, não da política.”

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Aproximação à China com impacto no modo de vida

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] historiador Jason Wordie considera que as maiores mudanças dos últimos 20 anos em Hong Kong estão relacionadas com o aumento de turistas e residentes da China continental.

O fluxo de gente vinda do outro lado da fronteira teve um efeito quase transversal: o comércio passou a estar subordinado aos seus interesses, alterando a fisionomia de grandes partes da cidade, e o excesso de gente em quase todos os espaços públicos gerou uma tensão que explica, pelo menos em parte, a contestação política actual.

“Há 150 mil pessoas por dia a vir da China. Desde a transferência, mais de um milhão passou a residir em Hong Kong”, salienta o britânico, a viver na cidade há três décadas.

Dados oficiais indicam que dos 7,3 milhões de habitantes de Hong Kong 2,2 milhões nasceram na China Continental, em Macau ou em Taiwan. Em 2016, mais de 56 milhões de turistas visitaram a cidade, a maioria da China.

“Há 20 anos não havia o fluxo de turismo da China. Em algumas zonas vemos que o comércio mudou. Locais onde originalmente as pessoas comuns viviam, tornaram-se áreas de comércio para os ‘mainlanders’. Sítios que costumavam ser cafés, bancas de jornais, agora vendem cosméticos ou produtos de leite ou alguma coisa que os chineses querem”, aponta.

Isto veio alterar o ambiente de vastas partes da cidade, onde “é preciso andar muito para se encontrar uma papelaria”. Segundo Wordie, há um sentimento de que a cidade foi, de alguma forma, sequestrada.

O historiador lembra um protesto numa zona pacata, Yuen Long, que considerou compreensível, perante o cenário de fim-de-semana, em que “as pessoas comuns não conseguem atravessar a rua porque toda aquela gente está lá, com malas de viagem, a comprar coisas”. O mesmo se passa na piscina pública, onde grupos turísticos terminam as visitas, e subitamente “estão lá mais 300 pessoas”.

“Os residentes sentem: Esta é a minha cidade, é o meu dia de folga e não consigo entrar num café, ir ao cinema”, explica.

Wordie destaca que o volume chama a atenção para a origem, que noutra situação não seria problemática. “As pessoas sentem-se pressionadas. Além disso, os que vêm de fora têm um nível cultural diferente e há choques. Quando subitamente são 18h e o metro está a abarrotar, há pessoas a empurrar… Isso enfatiza a diferença. Quando as pessoas são fisicamente confrontadas com outras faz com que digam: Nós não somos como eles”, comenta.

O número de visitantes da China começou a aumentar em 2003, depois de serem lançadas medidas para facilitar a entrada, após um surto de pneumonia atípica. No entanto, foi a partir de 2008 que “os números aceleraram muito” e isso deu “um grande empurrão à situação política”, de grande contestação.

A presença dos chamados ‘mainlanders’ aliou-se se a outros factores que fazem com que hoje Hong Kong seja “mais como a China”. “Ouve-se mais mandarim, o Governo parece-se mais com o da China, é mais burocrático”, exemplifica.

O valor do antigo

No topo das cidades mais caras do mundo, Hong Kong esticou as pernas nas últimas duas décadas: tem um novo aeroporto, os aterros permitiram-lhe crescer, tem novas pontes, mais linhas de metro, mais construção em altura. Mas este ímpeto de modernização gerou a vontade de proteger as primeiras vítimas do desenvolvimento desenfreado, os edifícios.

“Há uma lojinha em processo de ser preservada, tem 130 anos, uma arquitectura interessante, é uma sobrevivente, mas ouvindo alguns dos activistas até parece que é o Coliseu de Roma”, ironiza o autor de três livros sobre a história de Hong Kong, admitindo que esse tipo de movimentação “é sinal que as pessoas sentem que tudo está a mudar e têm de se agarrar a algo”.

“As pessoas precisam de alguns edifícios velhos”, que carregam a memória e a identidade do espaço.

Há 114 edifícios protegidos em Hong Kong (considerados monumentos) e outros mil classificados como tendo algum valor histórico. No entanto, nem todos os imóveis com valor estão nas mãos do Governo e os elevadíssimos preços fazem com que não seja viável a aquisição dos que estão na mão de privados.

“O promotor imobiliário vai dizer ‘Isto não é histórico, é só velho e posso ganhar dez mil milhões de dólares [de Hong Kong] com ele’”, aponta Wordie.

O historiador, que organiza passeios históricos pela cidade orientados para residentes, entende que entre 2003 e 2014 “gerou-se uma verdadeira consciencialização em Hong Kong sobre questões de património, ambientais, de igualdade, por melhores políticas sociais”.

“As pessoas sentiam-se com poder”, principalmente depois de meio milhão de ter saído à rua, para rejeitar a adopção da legislação sobre o Artigo 23.o – e ter conseguido. “Nos últimos cinco anos isso acabou.”

“As pessoas olham em volta e dizem: ‘Qual é o objectivo? Não está a funcionar, ninguém está a ouvir, estou a perder tempo’. Muitos juntaram as peças e perceberam que vai tudo dar à política”, afirma.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Êxodo de expatriados nos sectores bancário e financeiro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ai um, entra outro. Sai um estrangeiro, entra um oriundo da China Continental. É este o fenómeno que se tem vindo a verificar nos sectores bancário e financeiro de Hong Kong, uma movimentação que chamou a atenção das agências internacionais de notícias e que pode resultar na descaracterização de uma das principais praças de negócios do mundo.

“Houve um influxo de profissionais da China em Hong Kong, mais visível no sector financeiro”, explica ao HM Diana Pires, uma gestora luso-britânica que trabalha na RAEHK, no sector financeiro. “Olhando para trás, há apenas dois anos os expatriados teriam várias ofertas de emprego a qualquer momento. Isso mudou drasticamente.”

De acordo com dados oficiais, o aumento de pessoas oriundas do Continente regista-se sobretudo em bancos de investimento, onde 80 por cento dos funcionários são oriundos do outro lado da fronteira.

Um dos gestores do BOCOM International contou à Reuters por que decidiu trocar a capital pela região administrativa especial: “O ambiente é muito melhor do que o de Pequim, onde costumava trabalhar”. Hong Hao vive em Hong Kong há já cinco anos. “A comida é boa e os impostos também.”

Diana Pires confirma a impressão transmitida por Hong Hao. “Os profissionais da China são cada vez mais atraídos pelo estilo de vida de Hong Kong”, diz. Esta procura pela região é “impulsionada principalmente pelo sistema fiscal atractivo que aqui temos”. Os impostos na RAEHK variam entre 15 e 17 por cento; no Continente podem chegar aos 45 por cento do valor do vencimento.

O mercado da língua

As ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla inglesa) chinesas dominam o mercado de Hong Kong. No ano passado, era o maior do mundo em termos de IPO, com 80 por cento das novas empresas listadas a surgirem da China Continental. Os serviços financeiros representam neste momento 18 por cento da economia do território, uma subida significativa quando comparando com os 10,4 por cento de 1997.

Evan Zhang, um jovem de 26 anos natural da província de Guangdong, é uma das novas contratações da CITIC Securities International e olha para o aumento do capital chinês em Hong Kong como uma oportunidade pessoal, por poder “desempenhar um papel” nestas transacções.

Num mundo de negócios cada vez mais em língua chinesa, os profissionais do Continente têm uma vantagem em relação a muitos expatriados: o domínio do idioma. “Não estamos a ver apenas um aumento significativo nos executivos da China Continental. O conjunto de habilidades também mudou. As línguas tornaram-se um requisito, seja cantonês ou mandarim, ou então ambos os idiomas”, aponta Diana Pires. “É uma habilidade que muitos expatriados não têm.”

O aumento dos negócios da China está a ser acompanhado por algum desinvestimento de multinacionais com sede no Ocidente, que procuram deslocar os seus serviços para cidades menos dispendiosas.

Numa cidade com um custo de vida elevado, as condições que se oferecem aos expatriados têm vindo a cair. O valor médio dos salários oferecidos a gestores com alguns anos de carreira diminuiu dois por cento nos últimos cinco anos; os benefícios desceram cinco por cento, apontam as consultoras internacionais.

“Há uma enorme mudança no panorama de expatriados e naquilo que lhes é oferecido para trabalharem aqui”, constatou à Reuters a gestora Christine Davis, a viver em Hong Kong desde 2011, depois de ter residido na cidade entre 1999 e 2001.

Diana Pires destaca que a facilidade em se contratar profissionais na China faz com que as empresas invistam menos no recrutamento de estrangeiros. “É por isso que existe um êxodo de expatriados. Os pacotes não são tão atraentes e a concorrência da China é feroz.”

No sector bancário, os jovens chineses ganham entre menos 20 a 30 por cento do que os colegas expatriados. Na lista de benefícios não constam, por exemplo, a habitação e as propinas das escolas dos filhos.

Outros impactos

A Reuters assinala que esta mudança demográfica na indústria financeira tem reflexos na economia local. Os restaurantes de comida chinesa congratulam-se com os resultados obtidos. O mesmo acontece com as empresas que têm apartamentos prontos a arrendar a executivos sem famílias e os centros que oferecem cursos de Inglês. Há ainda um aumento de Audis nas estradas, uma vez que se trata de uma marca de carros muito popular entre os chineses.

Esta alteração na demografia tem impacto junto de restaurantes ocidentais de certas zonas da cidade e, noutra perspectiva, poderá significar uma mudança no modo como Hong Kong tem vivido e se tem apresentado ao mundo. “Sem ocidentais em Hong Kong ou chineses ocidentalizados, os chineses [do Continente] têm pouca visão sobre a condução dos negócios ocidentais”, afirma Diana Pires. “E esse foi essencialmente um dos muitos papéis de Hong Kong.”

2 Jul 2017

Filmes de Portugal e Brasil em festival de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, de João Botelho, e “Colo”, de Teresa Villaverde, integram o Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, com os brasileiros “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, e “Corpo Eléctrico”, de Marcelo Caetano.

Mais de 230 filmes, incluindo cinco estreias mundiais, oito internacionais e 56 asiáticas, de 65 países e territórios, vão ser exibidos durante o Festival Internacional de Cinema de Hong Kong (HKIFF, na sigla inglesa), que vai decorrer entre 11 e 25 de Abril.

O documentário “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, no qual o realizador João Botelho revela a admiração pela obra e a relação com o cineasta, vai ser exibido a 16 e 21 de Abril, depois de se ter estreado nas salas de cinema em Outubro, e de ter marcado presença no festival IndieLisboa e em Locarno.

O cinema sobre Manoel Oliveira, que faleceu em 2015 aos 106 anos, parece cativar o HKIFF que, na edição do ano passado, incluiu “Visita ou Memórias e Confissões”, um filme biográfico que o cineasta rodou nos anos 1980 e pediu para só ser mostrado após a sua morte.

“Colo”, de Teresa Villaverde, um filme sobre uma geração desamparada que não soube reagir à crise, que se estreou, em Fevereiro, no festival de Berlim, vai ser exibido a 13 e 19 de Abril.

A presença portuguesa completa-se com a realizadora Salomé Lamas, seleccionada para a competição de curtas-metragens do HKIFF com “Coup de Grâce”, que esteve na ‘luta’ pelo Urso de Ouro da categoria no Festival de Cinema de Berlim. Na mesma secção participa “A moça que dançou com o diabo”, do realizador brasileiro João Paulo Miranda Maria.

Na edição anterior do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, o prémio de melhor curta-metragem foi atribuído a “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles.

Do Brasil, destaque para o filme “Aquarius”, que o realizador Kléber Mendonça Filho filmou com a actriz Sônia Braga sobre memória, persistência e vida na cidade, que, aliás, se estreou ontem nas salas de cinemas portuguesas.

O cinema brasileiro está ainda representado por “Corpo Eléctrico”, de Marcelo Caetano, com exibições a 13 e 24 de Abril, e por “Rifle”, a primeira longa-metragem de ficção de Davi Pretto, a 17 e 25 do próximo mês.

Na programação do HKIFF figura ainda “Porto”, longa-metragem do realizador brasileiro Gabe Klinger, rodada em 2015 e co-produzida por Portugal, e o filme “A Morte de Luís XIV”, do espanhol Albert Serra, também rodado em Portugal.

Edição de números redondos

O 41.º Festival Internacional de Cinema de Hong Kong abre com o filme “Love off the Cuff”, do cineasta de Hong Kong Pang Ho-Cheung, e encerra com a película “mon mon mon Monsters!”, do taiwanês Giddens Ko, ambos em estreia mundial.

Pang Ho-Cheung realizou “Isabella”, um filme que decorre no período da transferência de administração de Portugal para a China, em 1999, cuja banda sonora – influenciada pela música portuguesa, particularmente pelo fado – recebeu o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim em 2006.

O HKIFF vai assinalar o 20.º aniversário da transferência de Hong Kong do Reino Unido para a China com um programa especial, com entrada livre, intitulado “Mudança de Paradigma: O Cinema de Hong Kong no pós-1997”, que inclui a exibição de 20 filmes considerados representativos do cinema local das últimas duas décadas.

O 10.º aniversário da morte do realizador chinês Edward Yang também não vai passar em branco, estando prevista uma retrospectiva de sete filmes, com a exibição a ser acompanhada pela presença da sua mulher, Kaili Peng, e do seu parceiro criativo de longa data, Hsiao Yeh.

Vários realizadores reputados internacionalmente vão visitar Hong Kong, como Olivier Assayas, vencedor do prémio de melhor realizador no Festival de Cannes do ano passado, que irá apresentar “Personal Shopper”, ou a realizadora polaca Agnieszka Holland, premiada em Berlim com o filme “Spoor”.

Fundado em 1976, o HKIFF é o mais antigo festival de cinema da Ásia.

17 Mar 2017