José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasProcurador subordinado ao Governador [dropcap]D[/dropcap]urante a Primeira Guerra do Ópio ocorrida na China de 1839 a 1842, em Macau era Governador Adrião Acácio da Silveira Pinto. Exerceu o cargo de 1837 a 3 de Outubro de 1843. Depois, foi nomeado conselheiro por o novo Governador José Gregório Pegado para ir numa missão a Cantão negociar com o Vice-rei Ki-ing novos privilégios para Macau, perante os alcançados por os ingleses em Hong Kong. Recebido a 4 de Novembro de 1843 pelo Comissário Imperial, após a entrevista o enviado português com a sua comitiva foi residir no consulado de França, onde durante dez dias teve repetidas conferências com um segundo delegado chinês. O resultado da missão apareceu na chapa datada de 26 da 2.ª lua do 24.º ano de Tau-duang (13 de Abril de 1844) onde as autoridades de Cantão participavam ao Procurador de Macau o despacho dado pelo Imperador aos pedidos do enviado. Ki, alto-comissário, segundo tutor do príncipe imperial, Presidente do Conselho da Guerra, Vice-Rei dos Kiang, e membro da casa imperial, Chum, por comissão imperial, Vice-presidente do Conselho de Guerra, e Vice-Rei interino das províncias do Kuang-tung e Kuang-si, Cham, por comissão imperial, Soto-Vice-Rei de Cantão e Vice-presidente do Conselho da Guerra, e Ven, por comissão imperial, Administrador Geral das Alfândegas de Cantão, Beatriz Basto da Silva resume, “A missão não conseguiu da China que fosse relevado o foro pago pela colónia, a demarcação do limite para fora dos muros do Campo de St.º António; o aumento do número de navios desta praça; a permissão para construções a fazer fora dos muros de St.º António; e o reconhecimento dum ministro plenipotenciário. Quanto ao pedido do reconhecimento de um ministro plenipotenciário, . Os chineses anuíram, porém, à igualdade de tratamento na correspondência oficial entre as autoridades portuguesas de Macau e as chinesas do distrito, mas aos altos funcionários da capital da província convém que se dirijam por cham (requerimento) ou pân (representação ou ofício de inferior para superior); ao idêntico pagamento dos direitos de ancoragem dos navios estrangeiros em Huangpu, com redução para os 25 navios portugueses de Macau; à livre construção de edifícios e barcos e à livre compra de materiais e livre emprego de operários nativos destinados para esse fim, mas dentro do limite dos muros de St.º António [sem poder de motu-próprio construir edifícios fora dos muros de Santo António, para que não haja novas desinteligências]; e à permissão para os navios portugueses poderem também comerciar nos portos de Cantão, Amoy, Fu-chau, Ning-pó e Shang-hai” [abertos ao comércio dos estrangeiros contra a vontade da China pelo Tratado de Nanjing, que encerrou a I Guerra do Ópio]. Quanto ao porto de Fuzhou, como ainda se não acha aberto, nem há negociante algum estrangeiro ali estabelecido, também não poderá ser visitado por navios mercantes portugueses, e assim esperarão até este ser franqueado ao comércio europeu. Governador nomeado de Lisboa A 20 de Setembro de 1844, por Decreto do Governador da Índia José Ferreira Pestana, o Governo de Macau, que tinha na sua dependência Timor e desde Dezembro de 1836 Solor, separou-se de Goa, deixando de estar sob a jurisdição do Governo do Estado da Índia. Assim se formou uma província com os territórios de Macau, Timor e Solor, ficando o governador da província a residir em Macau e em Timor, um governador seu subalterno. Esse Decreto instituía ainda uma Junta de Fazenda, tirando ao Leal Senado a administração financeira e política da cidade; mas determinou no seu artigo 7.º que o mesmo Leal Senado continuasse em todas as suas regalias que não eram alteradas por esse decreto [confirmado mais tarde pela portaria régia de 27 de Maio de 1865]. O Governador da nova e independente Província de Macau, Timor e Solor passava a residir em Macau, enquanto Timor tinha um governador seu subalterno a superintender Solor. A 21 de Abril de 1846, o Conselheiro e Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral tornou-se o primeiro Governador-Geral de Macau não nomeado por Goa e “para remediar a precária situação financeira, impôs uma taxa às embarcações de passagem e de carga, denominadas faitiões (barcos ligeiros)”, segundo o padre Manuel Teixeira. Logo ocorreu a revolta dos marítimos dos faitiões com o apoio dos chineses da terra, que a 8 de Outubro foi prontamente sufocada. Numa posição de poder perante a destroçada China, o Governador tomou posse das terras para além das muralhas, que envolviam o fanfang cristão português. Macau na altura era constituída por dois bairros muito distintos: a cidade cristã, confinada por a muralha e onde se encontravam as freguesias da Sé, S. Lourenço e Santo António, e o Bazar, “um emaranhado de ruas estreitas, imundas, sem condições higiénicas, e apinhado de casas de má aparência e pouco salubres, habitado exclusivamente por chineses”, segundo Ana Maria Amaro, “A partir da política de Ferreira do Amaral verificou-se uma maior aproximação entre os chineses do Bazar e os portugueses da cidade cristã.” “Por decreto n.º 526 de 20 de Agosto de 1847 foi determinado que a Procuratura do Leal Senado (então com o Procurador Lourenço Marques, que o foi consecutivamente até 1855, assim como de 1858 a 1862 e por fim no período de 1869 a 1871) ficasse anexa à Secretaria do Governo no que respeitava a negócios sínicos, não sendo o Procurador responsável para com o Senado, senão nos assuntos puramente municipais”, refere o padre Manuel Teixeira. Em 1847, o Procurador da Cidade passou também a ser remunerado e subordinado ao Governador, então nomeado por Lisboa.
Carlos Morais José VozesMacau vs Hong Kong II [dropcap]O[/dropcap]utro aspecto interessante das diferenças entre as duas cidades prende-se com facto de Hong Kong mergulhar as suas raízes na violência, na guerra, na humilhação de uma das partes em confronto. Já Macau, pelo luso lado, resulta de um encontro, de uma combinação, de uma partilha de interesses, de uma curiosidade inevitável. Ali ao lado usou-se a persuasão das armas, por aqui, as armas eram outras. Assim, assistimos ao longo da curta história de Hong Kong (um mero século e meio) ao irromper cíclico de episódios violentos, de algum modo normais numa cidade que foi construída sobre os despojos de uma das mais ignóbeis guerras que a humanidade assistiu, a saber: a Guerra do Ópio. Sim, a democrática Inglaterra impôs à China a compra compulsiva do famoso estupefaciente e perante a recusa bombardeou Cantão até à capitulação chinesa e a assinatura dos tratados iníquos. Nesse movimento, ganhou Hong Kong. Quanto a Macau, a conversa procedeu por caminhos muito diferentes. Outros tempos, outros modos, outra gente. Mas, durante os quatro séculos e meio de presença portuguesa, só muito esporadicamente ocorreram actos violentos entre as duas principais comunidades. E sempre motivados por agentes exteriores a Macau, incluindo influência de Hong Kong. Fez bem a Air Macau ao escolher uma pomba para o logotipo. Por seu lado, a Cathay Pacific escolheu um dragão. Também fez bem.