Cientista chinês que modificou bebés geneticamente condenado a três anos de prisão

[dropcap]O[/dropcap] cientista chinês He Jiankui, que alega ter sido o responsável pela primeira manipulação genética de bebés em todo o mundo, foi ontem condenado a três anos de prisão pela experiência, noticiou a agência oficial chinesa.

De acordo com a Xinhua, He Jiankui foi também condenado a pagar uma multa de três milhões de renmimbis, depois de um tribunal de Shenzhen (sudeste) o ter considerado considerado culpado de modificar ilegalmente genes de embriões para fins reprodutivos.

Dois outros investigadores envolvidos no caso receberam sentenças e multas menores. Zhang Renli foi sentenciado a dois anos de prisão e multado em um milhão de renmimbis. Já Qin Jinzhou recebeu uma sentença de 18 meses, suspensa por dois anos, e uma multa de 500.000 yuans.

Em novembro do ano passado, He Jiankui surpreendeu a comunidade internacional ao afirmar que havia conseguido criar os primeiros bebés geneticamente – duas meninas gémeas – manipulados para resistir ao HIV.

O anúncio provocou um debate global sobre a ética da modificação genética.

31 Dez 2019

Investigação genética sujeita a novas regras

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais.

Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa.

Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade .

A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social.

A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

7 Mai 2019

Homo Roussus Televisionis

[dropcap]C[/dropcap]omo se chamava ele? Todos o tratavam por Jonas, mas não sei se era o seu verdadeiro nome. Não é importante. Aconteceu tudo demasiado rápido, não deve ter chegado a um ano. Jonas, viemos a saber depois, tinha 27 anos, ainda estava ali para todas as curvas da vida. Mas o que se pode fazer, acontecimentos sem explicação existem por todo o lado. O dele foi o mais surpreendente, não me lembro de ouvir ou de ler alguma coisa assim, nem num livro de ficção científica. É tão rebuscado que ninguém se iria lembrar disto. Há histórias de lobisomens e indivíduos comuns que são picados por um bicho qualquer e se transformam num ser abominável, com poderes extraordinários e mais tarde em super-heróis, se a tramóia for para vender bilhetes. Há também a história de Kafka, em que um homem acorda certa manhã metamorfoseado na figura de um monstruoso insecto, depois de uma noite agitada de pesadelos. O desgraçado do Gregor Samsa. Se calhar, o nosso amigo também se chamava Gregor, dada a firmeza com que a vida foi regurgitada por todos os poros da sua existência.

Com ele foi diferente, apesar da trajectória ter sido veloz, a acoplagem não aconteceu de repente e os sintomas não se notaram de imediato. Talvez tenha sido um tique, um movimento mais brusco do braço, em que a mão se põe a coçar a cabeça de modo irreflectido, talvez à procura de um pensamento com a ponta dos dedos, por entre a floresta do couro cabeludo. De dia para dia, eram mais nítidos esses gestos, só depois vieram as transformações físicas. Mas também aqui podia ser uma perturbação qualquer, nada fazia supor aquele desenlace. As orelhas a ficarem mais planas, o nariz mais achatado, os olhos maiores, como o lobo da avozinha. Mas foi o andar que deu o alerta, perna mais aberta, a coluna laça que o tornava mais atarracado. Teria levado uma martelada na cabeça? As palavras a irem-se, como se tivesse sob o efeito do jogo da Roleta Ruça, que na altura estava na moda. Que se passa Jonas? E ele não dizia, faltava-lhe o vocabulário, não conseguia argumentar e ia-se embora, fascinado pela natureza lá fora. Não era Alzheimer nem um AVC, isso tínhamos a certeza, mas não se sabia o que era, seria contagioso?

Nunca tinha ouvido falar na Roleta Ruça, não acreditei que fosse possível. Pus-me a pensar se seria perigoso, pelo menos não tanto como a outra em que se enfia uma bala no tambor de um revólver e se roda o cilindro. E é azar se o projéctil sai à velocidade do som e nos estoira os miolos, porque há mais probabilidades de o disparo sair em seco. Aqui não, aqui ninguém morre, mas o resultado é de igual requinte. O feitiço é sempre o mesmo, joga-se pelo fascinante desafio. Aposta-se a fala. A cada nível, mantemos ou perdemos vocábulos, até ao extremo de ficarmos sem o conhecimento de todas as palavras. É um jogo, o mais certo é sairmos derrotados, e quanto mais fundo caímos mais sentimos o direito de recuperar esse bem precioso que é o acto de falar. Verbo após verbo, tudo cai na corda do esquecimento. O tambor tange o som do oblívio. Poder-se-á dizer que é uma experiência científica? Talvez seja apenas isso. No início, ligamos o cérebro a um capacete cheio de propulsores eléctricos, cada um com a sua função estimulando zonas distintas da nossa mente. Como um motor de busca, o aparelho pesquisa as palavras armazenadas em cada uma das gavetas da memória e retira-as, eliminando o seu registo. Perdemos a noção do termo, do seu significado e da sua existência. De palavra em palavra vamos ficando vazios, sem nada para dizer. Não conseguimos articular uma fala, a partir deste ponto tudo se apaga, é o fim da vida em sociedade. E não é um sonho agitado, o resultado é idêntico ao de premir o gatilho com a bala a entrar por uma têmpora e a sair pela outra, deixando um rasto de destruição. O rastilho de um homem perdido.

Mas o sistema não é infalível e ao fim de alguns dias a memória é assaltada pela configuração anterior e em pouco tempo a nossa linguagem é restabelecida. E quando damos por isso desatamos às gargalhadas como quando aspiramos um balão de hélio e falamos. É incompreensível. Mas com o Jonas não foi possível mudar os fusíveis, o seu mal foi progressivo e sem retorno.

A sua família assustou-se e tentou encontrar especialistas, do ramo da neurologia ao esoterismo. Fizeram-lhe exames, passou por todas as ressonâncias e aparelhos de rádio. Deitou-se com todo o tipo de marquesas. Consultaram osteopatas, médiuns que captam a energia das estrelas de olhos fechados e as canalizam para o corpo do paciente. Foram à maior sumidade de acupunctura da cidade, guinchou quando lhe espetaram agulhas na nuca. Um homem no Alentejo pôs-lhe as mãos em cima para lhe sentir os males, não encontrou nada. Afagou-o no final e deu-lhe uns pozinhos para tomar em casa. Por fim, uma análise ao DNA revelou drásticas mutações genéticas. Jonas estava a transformar-se num homem das cavernas. Os genes participavam numa orgia. Ninguém acreditou, claro.

Chegado à fase de Neandertal, começou a acalmar e a sentar-se com os pés em cima do sofá para ver os programas da manhã na TV. Babava-se. Olhos arregalados, as narinas cada vez mais largas, onde podia inserir o controlo remoto para retirar algum monco.

No entanto, a comunidade científica começou a interessar-se pelo caso e não o deixou expirar. Estudiosos de todos os quadrantes ventilavam teorias absurdas, uma após outra. Comentadores de fim-de-semana dissertavam as suas sentenças sobre os braços mais compridos desta criatura, agora quase a arrastar no chão, numa desorientação curvilínea. Os pelos que lhe cobriam o corpo, a pele mais escura. Teria sido alguma coisa que comeu? A oposição usou-o como arma de arremesso para criticar o governo, que simbolizava o estado do país. Não foi preciso rodar o revólver. O assunto estava na ordem do dia e os esclarecimentos plausíveis eram nulos. Ainda se pensava que podia contagiar e aparecer novos casos. Para despistar características hereditárias foi feito um rastreio à sua família, mas Jonas permaneceu em casa.

Chegado à fase de Neandertal, começou a acalmar e a sentar-se com os pés em cima do sofá para ver os programas da manhã na TV. Babava-se. Olhos arregalados, as narinas cada vez mais largas, onde podia inserir o controlo remoto para retirar algum monco. Isto chegou aos ouvidos de uma das estrelas que liderava as audiências, a Cristina Pinheiro, por quem Jonas suspirava o maior pasmo, que o quis levar ao seu programa. Tinha uma equipa de médicos e cientistas que iam explicar o caso em directo, nesta altura já mundialmente conhecido. O país parou para assistir a este triste espectáculo. Contra a sugestão da equipa de produção, a anfitriã deixou o seu interlocutor à solta, porque não era natural, mas sobretudo porque queria reverter o andamento da enfermidade, encenando uma voz doce e segurando a mão de Jonas. “Me, Jane. You, Tarzan!”

Num grande plano, enquanto a apresentadora tentava ordenhar uma lágrima, pudemos observar a transmutação para australopiteco e depois para mais longe ainda, num retrocesso de milhões de anos. Já ninguém sabia definir exactamente o termo certo para a espécie, aquele nível era demasiado alto. Os cientistas boquiabertos, sem conseguirem articular uma palavra. Os homo camera com os tambores a ruçarem-lhes as têmporas. A bala a perder-se no motor de busca. No oblívio. Miolos espalhados nas lentes.

Mas o que aconteceu é que perante a figura maior da sua devoção, o nosso ânthropos não se conteve e devorou a dondoca que tinha à sua frente. Não me perguntem como a devorou, porque não vou dizer. De seguida, como quem abandona uma conversa que não lhe agrada, escapuliu-se por entre os seguranças e desapareceu. Saiu a guinchar e já em completa postura primata. Supostamente, deverá ter zarpado para a selva. Patrulhas policiais seguiram-no a todo o gás, com helicópteros e um dispositivo militar numeroso em seu alcance. Iam à procura de um chimpanzé, mas a velocidade do projéctil era tal que o mais certo foi ter-se transformado de imediato num girino, ou num fóssil de dinossauro. Quem sabe, na costela de algum Adão.

25 Abr 2019

A grande beleza

[dropcap]T[/dropcap]enho amigos e amigas detestáveis pelos quais o tempo parece não passar. Normalmente são pessoas cujo estilo de vida privilegia a conservação de um estado de funcionamento razoável do corpo, seja pela alimentação, pela prática de desporto, pela recusa do álcool e do tabaco ou, mais geralmente, pela combinação de uma multiplicidade de hábitos saudáveis. Na verdade, a mera descontinuação de um hábito negativo e a adopção de um contraponto positivo parece ser suficiente para operar um deslocamento do centro de gravidade dos preceitos de vida; o sujeito que deixa de fumar descobre-se passado pouco tempo no ioga e apreciando torções de coluna que, em tempos idos, o deixariam num estado pré-paraplégico. Não parece possível – ou de todo o modo provável – ser saudável às fatias.

Somos tendencialmente atraídos por polos ao redor dos quais gravitam uma constelação de elementos com graus distintos de afinidade. É assim, por exemplo, com as pessoas com as quais nos relacionamos a diferentes níveis. Por terem uma determinada profissão, por exemplo, esperamos deles um certo gosto musical, uma certa orientação política, um certo estilo de roupa. Os intervalos nos quais a diversidade de manifestações de cada característica acaba por não nos surpreender não são alvo de racionalização ou de inspeção prévia. A surpresa acontece sempre a montante da conceptualização. Na surpresa descobrimo-nos sempre no momento imediatamente posterior a derrocada de uma pré-concepção. “Mas como é que podes ser de direita sendo actor?”; a nossa compreensão do mundo é, como Nietzsche não se cansava de dizer, preguiçosa. Funcionamos por anotações gerais e vagas. O ponto de vista é essencialmente mandrião. E não se cansa, por isso mesmo, de ser apanhado em contrapé.

Nunca tive particular fascínio por me ver ao espelho. Nunca tive, aliás, razões para isso. Mas houve uma altura, até há dez anos, na qual a coisa era modicamente suportável. Lembro-me muitas vezes de Charles “o outro lado da lua” Bukowski e do seu repúdio por espelhos. As pernas eram a sua única medalha estética. Não se cansava de repetir a Jane, o seu grande amor, “look at my legs, baby, I’ve got great legs”. Cada um se ocupa de promover e gabar o si-próprio na montra como pode e sabe.

Li há uns dias uma peça entre a sociologia e a curiosidade, como soi escrever-se nestes dias, uma coisa com aparente validade científica e ainda assim leve, o fast-food servido no porão da ciência que sempre desbloqueia uma conversa num jantar de colegas em que ninguém quer lá estar. A peça era sobre pessoas consensualmente bonitas – era esta a ideia que passava – e as suas experiências em entrevistas de emprego. Enquanto que o comum mortal com rosto de anonimato se tenta escapar como pode ao pisoteamento em que se transformaram a maioria das entrevistas de emprego, às iterações de Adónis ou de Helenas pergunta-se-lhes apenas quando podem começar. A impressão decorrente da beleza, sobretudo da beleza que parece engrandecer e simultaneamente esmagar tudo em seu redor, deixa-nos numa posição de extrema vulnerabilidade: a pessoa diante de nós, por um motivo que não racionalizamos mas que intuímos imediatamente, é muito maior do que somos. A beleza é uma espécie de passaporte diplomático: o seu portador pertence a uma elite de acesso privilegiado nas mais diversas situações sociais.

O único revés da beleza – o seu fardo, se assim o quisermos colocar – é o facto de esta ser muitas vezes um factor de intimidação alheia. E quando não o é, é fonte de desconfiança: aquele que é belo vê a beleza como uma coisa entre outras na constelação de atributos através dos quais se pensa. Por isso nunca tem a certeza de que os outros – aqueles pelos quais este se interessa – se interessam por ele pela expressão de uma afinidade que ultrapassa os limites da pele ou apenas para serem co-portadores, ainda que que a fingir, da luz herdada na lotaria genética.

1 Mar 2019

Manipulação genética

[dropcap]N[/dropcap]o dia 26 de Novembro, He Jiankui, Professor Associado da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen, anunciou que tinha manipulado com sucesso os genes dos embriões de duas gémeas, Lulu e Nana, de forma a torná-las imunes ao vírus da Sida. Esta notícia teve grande impacto a nível mundial, mas também levantou uma onda de indignação.

A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen emitiu de imediato um comunicado, onde deixou claro que He Jiankui realizou esta investigação sem o conhecimento da Direcção. O comunicado salientava ainda que, a manipulação genética e a sua aplicação a embriões humanos é contrária às normas do Comité Académico do Departamento de Biologia da Universidade. A Direcção da Universidade exige que toda a investigação científica esteja de acordo com as normas e a legislação nacionais. He Jiankui encontra-se suspenso das suas funções desde 1 de Fevereiro de 2018.

Embora a Universidade tenha emitido o comunicado a declarar o seu desconhecimento sobre as experiências do Professor, podemos ver no website de He Jiankui, a cópia de um formulário comprovativo do finaciamento da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen à sua investigação. O objectivo deste estudo era principalmente produzir imunidade ao HIV. Os casais que participassem na experência receberiam uma soma de 280.000 yuans. Então quem é que está a falar verdade? É preciso aguardar por mais esclarecimentos, para responder a esta pergunta .

É sabido que este é o primeiro caso de manipulação genética de embriões destinados a nascer, em todo o mundo. No entanto a experiência não foi bem recebida, antes pelo contrário foi bastante criticada. E a que se devem as critícas? A resposta está na “eugenia”, ou seja, no conjunto de métodos que visam melhorar o património genético dos grupos humanos. Se permitirmos que os genes humanos sejam alterados para prevenir doenças, então, de futuro, poderemos abrir caminho ao “aperfeiçoamento” da espécie e abrir também uma caixa de Pandora. Os seres humanos “modificados” poderiam entrar em conflito com os seres humanos “originais”, já para não falar no facto de a modificação genética ser uma carta fechada, com consequências imprevisíveis. É portanto um assunto muto problemático. A manipulação genética iria ser fonte de uma série infindável de conflitos.

Mas existe ainda uma outra questão. Se for possível manipular os genes de forma a criar seres humanos “perfeitos”, quem irá resistir à tentação da perfeição? Se os investigadores tiverem possibilidade de prosseguir com este tipo de expeiências, não virão a sentir-se uma espécie de deuses? Continuarão a sentir-se obrigados a obedecer à lei, tendo em conta que este tipo de experimentação infringe a moralidade?

É imperativo promulgar urgentemente legislação que impeça a modificação genética de embriões humanos e as experiências científicas não éticas. Na China, foram promulgadas, em 2003, as “Linhas Mestras para a Investigação às Células Estaminais do Embrião Humano”. Segundo estas directrizes, os cientistas apenas podem fazer experiências em embriões, in vitro, até 14 dias de fertilização.

Em Hong Kong, a secção 16 do Normativo das Tecnologias de Reprodução Humana, Cap. 561, da Lei de Hong Kong, estabelece que estão proibidas todas as trocas comerciais que tenham por finalidade o recurso a tecnologias reprodutivas. A pesquisa embrionária e a sub-rogação estão também interditas.

O que a lei estipula é certamente uma questão, mas o problema mais urgente está, agora, perante os nossos olhos. Como é que vamos lidar com estas crianças geneticamente modificadas e que acabaram de nascer?

Independentemente das mudanças que venham a ocorrer nesta área, devemos prestar atenção ao facto de que o estudo da modificação genética encerrar em si uma grande probabilidade de violação da lei e da moralidade e que, por isso, deve ser tratado com todo o cuidado.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

4 Dez 2018

China | Cientista que terá criado bebés geneticamente manipulados suspende experiências

O cientista chinês que anunciou ter modificado geneticamente o ADN de duas gémeas para que se tornassem imunes ao vírus da Sida, anunciou que iria interromper temporariamente os ensaios clínicos. A experiência já foi condenada por vários cientistas, um pouco por todo o mundo

 

[dropcap]O[/dropcap] cientista chinês que alega ter criado os primeiros bebés geneticamente manipulados no mundo anunciou ontem que vai fazer uma “pausa” nas suas experiências, após as reações da comunidade científica internacional.

“Vai realizar-se uma pausa nos ensaios clínicos, dada a situação actual”, disse ontem He Jiankui durante uma conferência de especialistas em Hong Kong, na qual reiterou a sua declaração de segunda-feira, em como era responsável pelo nascimento de gémeas cujo ADN foi manipulado para as tornar resistentes ao vírus da Sida.

Na mesma conferência internacional, um antigo prémio Nobel, David Baltimore, afirmou que o trabalho do cientista chinês mostrou uma falha de auto-regulação entre os cientistas.

Baltimore sublinhou que o trabalho de Jiankui “seria considerado irresponsável” porque não atendia a critérios com os quais muitos cientistas concordaram há vários anos, antes que a manipulação genética pudesse sequer ser considerada.

David Baltimore falava numa conferência internacional em Hong Kong, onde o cientista chinês He Jiankui, de Shenzhen, fez as suas primeiras declarações públicas desde que o seu trabalho foi revelado.
Jiankui disse que as gémeas nasceram este mês e que foram concebidas de forma a que pudessem resistir a possíveis futuras infecções pelo vírus da Sida.

Baltimore adiantou que os membros que formam a comissão da conferência vão reunir-se e divulgar uma declaração na quinta-feira sobre o futuro neste campo científico.

Outro proeminente cientista norte-americano que discursou na conferência, o reitor da Escola de Medicina de Harvard, George Daley, alertou contra uma reação adversa à alegação de He.

Daley argumentou que seria lamentável se um passo em falso com um primeiro caso levasse cientistas e órgãos reguladores a rejeitar o bem que poderia advir da alteração do ADN para tratar ou prevenir doenças.
Ainda não há confirmação independente da alegação do cientista chinês, mas cientistas e reguladores foram rápidos em condenar a experiência como antiética e não-científica.

A Comissão Nacional de Saúde ordenou que as autoridades locais na província chinesa de Guangdong investigassem as acções de He Jiankui, enquanto o seu empregador, a Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, anunciou também que abriu um inquérito.

Novo mapa

Na segunda-feira, o cientista chinês afirmou ter ajudado a criar os primeiros bebés geneticamente manipulados do mundo, gémeas cujo ADN He Jiankui disse ter alterado com tecnologia capaz de reescrever o ‘mapa da vida’.

O cientista, He Jiankui, da cidade de Shenzhen, disse que alterou os embriões durante os tratamentos de fertilidade de sete casais, tendo resultado numa gravidez até agora.

Jiankui afirmou que o objectivo não é curar ou prevenir uma doença hereditária, mas tentar criar uma capacidade de resistência a uma possível infecção futura de VIH-Sida.

Nos últimos anos, os cientistas descobriram uma maneira relativamente fácil de manipular genes. A ferramenta, chamada de CRISPR-cas9, torna possível alterar o ADN para fornecer um gene necessário ou desactivar um que esteja a causar problemas.

Jiankui estudou nas universidades de Rice e Stanford nos Estados Unidos antes de regressar à terra de origem para abrir um laboratório na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzhen, onde também tem duas empresas de genética.

Um cientista norte-americano garantiu ter trabalhado com Jiankui nesse projecto. Trata-se de um professor de física e bioengenharia, Michael Deem, que foi seu conselheiro na Universidade de Rice, em Houston. Deem também detém “uma pequena participação” nas duas empresas de Jiankui, disse.

Todos os homens do projecto tinham VIH, enquanto que todas as mulheres não, mas a manipulação genética não visava evitar o pequeno risco de transmissão, explicou.

29 Nov 2018

Cientista chinês alega ter criado primeiros bebés geneticamente manipulados

[dropcap]U[/dropcap]m cientista chinês afirmou hoje que ajudou a criar os primeiros bebés geneticamente manipulados do mundo, gémeas cujo ADN He Jiankui disse ter alterado com tecnologia capaz de reescrever o ‘mapa da vida’.

A revelação foi feita pelo próprio em Hong Kong a um dos organizadores de uma conferência internacional sobre manipulação de genes que deve começar na terça-feira e, anteriormente, em entrevistas exclusivas à agência de notícias Associated Press (AP). “A sociedade decidirá o que fazer a seguir”, argumentou na entrevista.

O cientista He Jiankui, da cidade de Shenzhen, disse que alterou os embriões durante os tratamentos de fertilidade de sete casais, tendo resultado numa gravidez até agora. Jiankui afirmou que o objectivo não é curar ou prevenir uma doença hereditária, mas tentar criar uma capacidade de resistência a uma possível infecção futura de VIH-Sida.

O cientista adiantou que os pais envolvidos não quiseram ser identificados ou entrevistados e não disse onde estes moram ou onde o trabalho foi realizado.

Não há confirmação independente da reivindicação de He Jiankui, que tão pouco foi publicada ou examinada por outros especialistas. Alguns cientistas ficaram espantados ao terem conhecimento da alegação e condenaram-na com veemência.

É “inconcebível… uma experiência em seres humanos que não é moralmente ou eticamente defensável”, criticou um especialista em manipulação de genes da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), Kiran Musunuru, e editor de uma revista de genética.

“Isso é prematuro demais”, declarou o diretor do Scripps Research Translational Institute (estado norte-americano da Califórnia), Eric Topol.

No entanto, um famoso geneticista, George Church, da Universidade de Harvard (estado norte-americano do Massachusetts), defendeu a manipulação de genes para combater o vírus do VIH-Sida, que apelidou de “uma grande e crescente ameaça à saúde pública”. “Acho que isso é justificável”, defendeu Church.

Nos últimos anos, os cientistas descobriram uma maneira relativamente fácil de manipular genes. A ferramenta, chamada de CRISPR-cas9, torna possível alterar o ADN para fornecer um gene necessário ou desativar um que esteja a causar problemas.

Só recentemente foi tentado em adultos para tratar doenças mortais, mas as mudanças estão confinadas a essa pessoa. A manipulação de espermatozóides, óvulos ou embriões é diferente, já que as alterações podem ser herdadas. A China proíbe a clonagem humana, mas não especificamente a manipulação de genes.

Jiankui estudou nas universidades de Rice e Stanford nos Estados Unidos antes de regressar à terra de origem para abrir um laboratório na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzhen, onde também tem duas empresas de genética.

Um cientista norte-americano garantiu ter trabalhado com Jiankui nesse projecto. Trata-se de um professor de física e bioengenharia, Michael Deem, que foi seu conselheiro na Universidade de Rice, em Houston. Deem também detém “uma pequena participação” nas duas empresas de Jiankui, disse.

O investigador chinês referiu que praticava a manipulação genética de ratos, macacos e embriões humanos no laboratório há vários anos e solicitou patentes sobre a sua metodologia.

He Jiankui acrescentou que optou por testar a manipulação genética de embriões para o VIH, porque o vírus é um grande problema na China. O cientista tentou desactivar um gene chamado CCR5, que forma uma porta proteica que permite que o VIH, o vírus que causa a Sida, entre numa célula.

Todos os homens do projecto tinham VIH, enquanto que todas as mulheres não, mas a manipulação genética não visava evitar o pequeno risco de transmissão, explicou.

Os pais tiveram as suas infecções profundamente reprimidas por medicamentos padrão para o VIH e existem maneiras simples de evitar que infectem descendentes que não envolvem a alteração de genes.

Em vez disso, a intenção era oferecer aos casais afectados pelo VIH a hipóteses de terem um filho que pudesse ser protegido de um destino semelhante.

He Jiankui recrutou casais através de um grupo de defesa de casos relacionados com o vírus da Sida, Baihualin, que tem a sua sede em Pequim.

O seu líder, conhecido pelo pseudónimo “Bai Hua”, afirmou à AP que não é incomum na China que pessoas com VIH percam empregos ou que tenham problemas para obter assistência médica se as infecções forem divulgadas.

26 Nov 2018