António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasWater from a running tap, de Francis Bacon [dropcap]É[/dropcap] uma imagem uma coisa menor? Uma imagem é uma coisa. A relação da imagem com o original é sempre mais complexa do que se pensa como tudo o que se passa na vida. Não temos de pressupor que há uma contemporaneidade da imagem e do original. Temos, por exemplo, pinturas, desenhos, imagens, fotografias e filmes de coisas, edifícios, bairros e até cidades, para não falar de pessoas que já não existem, mas também que não existem agora ou não existem ainda. Uma coisa é certa. Toda a imagem que é imagem não se esgota nas fronteiras espaciais que a delimitam. A imagem não está apenas nos seus contornos espaciais, nem existe apenas, como vimos nos exemplos acima no tempo centrado no presente. Qualquer imagem desvia para fora de si própria, procura dar a ver outra coisa para lá do que pode ser visto única e exclusivamente nela enquanto objecto. Quando vemos uma fotografia de alguém vemos alguém. Vemos que é A ou B ou C. Claro que sabemos perfeitamente que é a fotografia de A ou B ou C, que é a imagem de A ou B ou C. Mas A, B e C estão tão presentes como se estivesse em carne e osso ao pé de nós, lembramo-nos deles, quando as fotos foram tiradas ou a época em que tinham aquele corte de cabelo, em que se vestiam daquela maneira, em que tempo era aquele, etc., etc.. Não vemos as características das imagens se as fotos são analógicas ou digitais, se são de boa ou má qualidade, a preto e branco ou a cores, bi ou tridimensionais, qual a escala, etc., etc.. A imagem escamoteia o objecto “fotografia” e “quer” é restituir o original como se o pusesse aí à nossa frente em carne e osso. A imagem faz-se passar pelo original, a cópia quer ser genuína. Tudo isto quererá dizer então que o original de que a imagem é imagem é autêntico? Terá o original pedigree? Será o original o próprio. Será que se passa com as coisas o que se passa com pessoas? Nós gostamos de pessoas originais, que sejam elas próprias, não gostamos de mentirosos, ladrões, gostamos de pessoas honestas, genuínas, autênticas. Também, não gostamos de contrafação. Gostamos de roupa de marca, das melhores edições, do melhor material, do verdadeiro, do genuíno. Poderíamos perguntar se uma pessoa pode imitar outra pessoa e assim existir à imagem e semelhança de outra pessoa, não ter personalidade própria, ser uma mera cópia e não ser original. Há pessoas que são o que parecem, outras que parecem ser quem são mas não são quem parecem ser. Há jogos complexos entre imagens produzidas para esconder ou fazer aparecer os seus modos de ser. A questão é que o próprio original não se encontra a ser no sítio em que está nem existe apenas no tempo em que pensamos que existe ou só na dimensão em que achamos que é a sua. Imaginemos uma situação banal do quotidiano: torneira do lavatório aberta, deixando água a correr. Esse facto da realidade quotidiana é susceptível de acontecer em diversas situações reais concretas: a criança abre a torneira, a mãe depara-se com a situação. A mãe abre a torneira para lavar as mãos. O pai abre a torneira da água quente para a fazer aquecer e escanhoar-se. O lavatório fica do lado direto de quem entra. Acima do lavatório está um espelho. Depois, há um bidé. À esquerda fica a banheira. Mas o que importa é este enfoque no lavatório. Antes na torneira. Melhor na água corrente. A própria percepção vê a água a correr, como um cilindro opaco branco como se fosse feito de diversos feixes juntos que se fossem juntando e ajustando uns aos outros, moldando a partir do interior e visível no exterior. Faz barulho e salpica a água a bater na superfície branca do lavatório. A água corre. A fotografia da água a correr no lavatório da casa de banho revela esse feixe branco cilíndrico, não se ouve a água a cair, não se pode esticar a mão para sentir a temperatura da água, não se pode lavar as mãos nem fazer a barba. Mas a própria realidade não se esgota na utilidade. Ela aponta para a possibilidade de ser restituída numa imagem, numa figura, sem que queira dizer mais do que o facto de a realidade não se bastar a si própria mas pretender ser fixa, estabelecer-se, sedimentar-se, repousar, ser acolhida na imagem que reconstitui objectivamente por um projecto a possibilidade de dar a ver a outro o olhar particular e privado de como alguém vê o que deixa de ser banal porque é o modo mais extremo e radical de ver o mundo do canto do olho.
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasA Arte Ressurecta [dropcap]D[/dropcap]izia Francis Bacon que pintar oscilava entre a intenção e a surpresa. Enfatizava as contribuições não planeadas e inconscientes no processo. Também a escultura brasileira Ana Maria Pacheco: «Obviamente, sei qual é a estrutura da composição, mas não sei como vai evoluir. É por isso que não faço modelos, de outro modo seria apenas um design. Estaríamos a lidar com aquilo que sabemos. Nas artes visuais temos de lidar com o que não sabemos». Eis-nos nos antípodas de Jeff Koons que projecta e manda fazer as suas peças, nunca se envolvendo no processo, num gesto, diria Ana Maria, de designer. Também a famosa peça de Mark Wallinger, Uma Verdadeira Obra de Arte – um ready-made vivo: um cavalo – está mais do lado do design do que da arte: ficam os trunfos jogados no momento da decisão, abolida a experiência do processo. E suspeito que diferente não seja com My Bed, de Tracey Emin, que foi finalista do Prémio Turner, uma peça que ilustra porque introduziu o poeta Craig Raine o termo “homeopático” para descrever uma obra cujo conteúdo artístico é tão diluído, que não oferece maior efeito estético que o de um placebo. Um bom placebo, igualmente, a peça referencial de Joseph Kosuth, Uma e três cadeiras, onde se dispõem os três diferentes elementos que conformam o conceito cadeira: a cadeira, a imagem da cadeira, a descrição da cadeira. A redundância no jogo dos análogos não descola a peça do já sabido, nem incita a uma nova relação ou a jogo diverso com a cadeira. Temos programado design e não arte. Estabelece-se uma nova relação quando, por exemplo, se ilumina que se traçarmos dois riscos paralelos entre si na verdade desenhamos também o risco branco que fica no meio entre eles e então somamos. 1+ 1 = 3. Se não se gera este movimento, inaugurando um âmbito, qualquer peça é amorfa, não nos transforma. Eis a superioridade da cabeça do touro de Picasso sobre o urinol de Duchamp: a escultura não só subverte a funcionalidade dos elementos que a formam, molda outra percepção. Também sobre a arte mas sobretudo quanto a como re-inaugurar o mundo. Com Duchamp, combatemos os preconceitos sobre os limites da arte, emergiram novos materiais para a arte e ganhou-se um trocadilho, mas o mictório continua um mictório: o terceiro da relação não transitou do conceito para o coração – mudou a arte mas não mudou com esta o olhar. Pura tagarelice cerebral. Aliás, para a escolha dos objectos que fossem “elevados” a ready-made, Duchamp tinha um adjectivo: indiferente. O objecto escolhido tem de destacar-se pelas suas não-qualidades. Busca-se uma isenção, uma impessoalidade. Estamos no pleno sistema dos objectos. Daí que Duchamp tenha afirmado, Eu dou àquele que observa (a obra de arte), tanta importância como àquele que a realizou. A blague de quem sabe ter-se distinguido na singularidade de reivindicar o anonimato para a arte. Era um homem fascinado pelo engenho da sua inteligência, habituado ao bluff, ou veja-se a sua última obra: «Étant donnés»; aí obriga o espectador a mirar através do buraco duma fechadura, produzindo uma situação onde não só ele controla a posição do observador e o seu ponto de vista – quando suprimira o controle na arte –, como realiza uma obra que, contra tudo o que escreveu e defendeu toda a vida, é bastardamente retiniana. O seu discípulo mais fecundo e um grande pensador foi John Cage, que se colocou contra o mestre em muitas posições. E por isso disse: O que peço à arte é que mude a minha forma de olhar. Quando reparo que um selim e um guiador de bicicletas resultam numa terceira imagem que ampliou o meu campo da percepção, flano à procura de novos nexos que despertem outras alterações no padrão com que olhava a realidade e aí o mundo torna-se de novo maravilhosamente inacabado, ficando em co-criação com ele. O artista, na concepção de Cage, é aquele que inaugura âmbitos. O âmbito abre um poro na nossa relação com o mundo, que passa a ser visto diferentemente porque fomos contaminados pelo despontar de uma nova interpretação, que nos constipou como o vento numa casa quando se escancaram as janelas. O artista transporta-nos à aventura de nos devolver um mundo inacabado e não cristalizado. E por isso passível de ser transformado. Embora seja preciso acreditarmos que o mundo existe fora de nós e não é apenas a vitrina para expor a nossa arte, o circo de pulgas do nosso engenho. Fiquei mais convencido ao deparar com uma artista conceptual que me parece dar um bigode à “esperteza” dos ready-made de Duchamp. Chama-se Cornelia Parker, a autora de uma das grandes obras-de-arte britânicas do século XX, Matéria Negra Fria: Uma Visão Explodida/ Cold Dark Matter (1991). Parker pediu ao exército britânico que fizesse explodir uma barraca de jardim cheia de objectos pessoais. Depois, como se quisesse reconstituir um frame do acto da explosão, pegou nos fragmentos sobreviventes e suspendeu-os no tecto, iluminando-os do interior por uma lâmpada, o que cria um efeito dramático e projeta sombras nas paredes da galeria. Como é nítido pela imagem, Parker pega nos fragmentos e trabalha não apenas a escala alterada e a substância das coisas, ela suga-nos (aos espectadores) para o centro daquele caos (tal a força daquela luz centrípeta) e convida-nos a reconstituir com ela a catedral da memória, de que as sombras serão os vitrais. É uma experiência que, pela força inédita que nos atinge, equivale a uma estrondosa metáfora da vida. Eis um “ready-made” que não afecta apenas o olho e a mente, cativa o coração. O que nos subtrai à “indiferença estética”: nesta galeria ficamos expostos a uma dança que nos mudará, nesse pas de deux. «O universo está morto mas tem a capacidade de ressuscitar!», assegurava o físico Michael Polanyi.
João Luz EventosHong Kong prepara-se para a exposição Fine Art Asia 2018 A Fine Art Asia 2018 está de regresso a Hong Kong, mais uma vez com uma segunda exposição intitulada Ink Asia 2018. As duas mostras decorrem entre 28 de Setembro e 2 de Outubro e, além da exibição de peças dos mais variados meios e épocas, o público pode apreciar obras de artistas ocidentais como Francis Bacon [dropcap style≠‘circle’]U[/dropcap]ma das maiores feiras internacionais de artes regressa ao Hong Kong Convention and Exhibition Centre. Face à dimensão do certame, é altamente aconselhável aos apreciadores e colecionadores de arte que reservem na agenda o final deste mês. Entre os dias 28 de Setembro e 2 de Outubro, a Fine Art Asia 2018, que decorre ao mesmo tempo que a Ink Asia 2018, promete marcar a época de exposições e o mercado artístico da região. Ambas as mostras serão inauguradas para um público selecto no próximo dia 28, com direito a visita VIP antecipada, abrindo ao público geral no dia seguinte. Agendadas para a época alta artística de Hong Kong, que coincide com alguns dos mais prestigiados leilões marcados para o mesmo local das exposições, a Fine Art Asia e a Ink Asia promete atrair uma vasta gama de especialistas, conhecedores e colecionadores de arte, assim como potenciar a sensibilidade de compradores asiáticos para uma abordagem mais ocidental. A mistura harmoniosa de oriente a ocidente pode ser aferida pelas obras que serão expostas, com um leque temporal de 5 mil anos de história cultural que passa pelas antiguidades, joalharia, trabalhos em prata, impressionismo, modernismo, arte contemporânea, fotografia, etc. A Ink Asia, lançada em 2015, é a primeira feira de artes no mundo a dedicar-se a trabalhos contemporâneos de “ink art” e é hoje considerada uma plataforma internacional de referência na divulgação de novos artistas e visões contemporâneas desta forma artística. Casas de renome Quanto às galerias que se vão fazer representar na feira de artes, destaque para a Rossi & Rossi (Londres/Hong Kong), que oferece ao público a possibilidade de viajar por raras pinturas budistas e hindus, assim como esculturas e objectos ritualísticos chineses, indianos e da região dos Himalaias. A representar aquilo a que poderia chamar de plataforma artística temos a Jorge Welsh Works of Art, sediada em Lisboa e Londres, que traz a Hong Kong peças de porcelana chinesa. A galeria de Jorge Welsh também participou na edição do ano passado da Fine Art Asia. À altura, o galerista referiu que o evento “tinha uma forte representação de merchants de arte de todo o mundo, com peças de elevada qualidade, leilões, palestras e exposições que marcam o calendário artístico asiático como um dos mais importantes eventos”. A Rasti Chinese Art expõe antiguidades e quadros em tinta da China, enquanto a Yewn apresenta inovadoras peças de joalharia contemporânea inspiradas nas dinastias imperiais chinesas. Ambas as galerias terão a logística facilitada uma vez que estão sediadas em Hong Kong. Os galeristas de Londres vão marcar uma presença forte na Fine Art Asia 2018. A casa Gladwell & Patterson, traz trabalhos das correntes em que se especializou: o impressionismo e a pintura moderna de mestres europeus e britânicos. Enquanto a casa Tanya Baxter Contemporary apresenta uma mostra baseada no arte contemporânea britânica do pós-guerra, onde se inclui o quadro “Seated Figure” do mestre Francis Bacon. Fotogramas afinados Com um vasto leque de nacionalidades de artistas, galerias e meios artísticos, as feiras de artes que se avizinham visam não só facilitar negócios mas também o encontro entre civilizações. “Criámos uma plataforma profissional para o mercado de artes em Hong Kong, que procura promover a troca cultural entre o oriente e o ocidente”, refere em comunicado o director da Fine Art Asia, Andy Hei. Também conhecido como um dos principais vendedores de mobiliário antigo chinês de Hong Kong, Andy Hei adianta ainda que “a Fine Art Asia 2018 e a Ink Asia 2018 oferece o ambiente ideal para as galerias internacionais se darem a mostrar aos coleccionadores asiáticos”. Este ano, a mostra apresenta ainda, pelo terceiro ano consecutivo, uma secção dedicada à fotografia. A Boogie Woogie Photography Agency é a responsável pela curadoria e selecção de trabalhos fotográficos, que variam entre o antigo e o contemporâneo, de galerias de todo o mundo.