Juristas, académicos e diplomatas analisam implementação da Lei Básica

É nas interpretações que podem existir dissonâncias mas, de forma geral, a implementação da Lei Básica é considerada um sucesso

 

Quando a Lei Básica de Macau completa 30 anos, Vitalino Canas, antigo docente da Universidade de Macau e antigo chefe de gabinete do Governador, quando questionado sobre a sua implementação, entende que “nenhuma lei é totalmente um caso de sucesso em nenhum lugar do mundo”, pois “há sempre aspectos que são melhor ou pior observados. Mas diria que a Lei Básica tem sido um caso positivo, com alguns aspectos em que poderia haver outro tipo de interpretação e de implementação”.

Quanto a alterações legislativas, Vitalino Canas acredita que não haverá interesse da China numa revisão do diploma até 2049. “Acredito que a Lei Básica se vai manter intocada pelo período de 50 anos sem que haja grandes alterações, a não ser que sejam necessários acertos.”

Também Cátia Miriam Costa, académica e especialista em assuntos de Macau e da China, não acredita num processo de revisão. “Não me parece que os aspectos basilares da Lei Básica, como a presença da língua portuguesa, por exemplo, sejam mexidos, até porque neste momento a RPC está a enfrentar outras pressões, que vêm de outros lados, e não me parece que tenha interesse em apresentar uma proposta de alteração mais radical, o que poderia levar a reacções da população de Macau e da própria comunidade portuguesa. Não há um interesse político nesse sentido.”

Cátia Miriam Costa frisou ainda que, na generalidade, “não podemos dizer que tem havido atropelos” na implementação da Lei Básica. “Todos os aspectos formais têm sido respeitados, pode é haver interpretações que não sejam coincidentes, mas isso acontece na jurisprudência. Esta miniconstituição é um articulado político, mas é também legal. Penso que Macau é até um caso de sucesso nesse aspecto. Contudo, não é difícil, dada a conjuntura de rápida mudança, fazermos uma avaliação sobre se esta situação se irá ou não manter. O texto não será revogado ou revisto, pois isso levaria a concluir que já não estaria adequado à realidade da RAEM. Não se prevêem grandes mudanças no status quo de Macau, pelo que não me parece que haja espaço para essa mudança”, rematou.

Já quanto à Declaração Conjunta, Vitalino Canas considera que as autoridades portuguesas não têm dado muita atenção à sua implementação. “A República Portuguesa e as suas instituições, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Governo ou a Assembleia da República, deveriam ter um papel mais próximo no que diz respeito à implementação dos convénios que os dois países celebraram a propósito de Macau.”
Desta forma, “há aspectos em que os dois Estados têm de manter a sua colaboração para garantir que aquilo que está na Declaração Conjunta é plenamente respeitado por ambos”.

Quem também defende uma maior atenção de Portugal sobre esta matéria é Cátia Miriam Costa. “Portugal deveria dar mais atenção a Macau em termos gerais. Macau foi, de facto, um ponto de contacto histórico, mas também estratégico de Portugal com a China e da China com Portugal. Portugal deve acompanhar os processos políticos e económicos de transformação porque tem uma comunidade portuguesa que ocupa lugares relevantes na sociedade.”

Cátia Miriam Costa entende que o olhar português sobre Macau deve ser “estratégico”, sobretudo “num contexto de mudança e de ascensão do poder global da China, um país que propõe uma globalização através da nova rota da seda e de projectos como a Grande Baía, que terá uma projecção externa”.

“Ao manter uma relação com a China, Portugal também está a salvaguardar os interesses do próprio território. Em Portugal foi havendo, progressivamente, um desinteresse por Macau, inclusivamente na imprensa: Macau só é referenciado por aspectos negativos”, lamentou.

As expectativas

Ao HM, o diplomata Mário Godinho de Matos, que integrou Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês entre 1989 e 1991, disse “estar convicto” de que “irão sendo criadas condições para um progressivo desenvolvimento económico da RAEM, ao mesmo tempo que serão assegurados todos os direitos e liberdades dos habitantes, conforme previsto na Declaração Conjunta”. “Só desse modo será possível ultrapassar as dificuldades que a pandemia veio trazer e continuar a criar condições para a fixação da população portuguesa residente”, frisou.

Fernando Lima, ex-assessor de Cavaco Silva e antigo chefe do Centro de Informação e Turismo do Governo de Macau entre 1974 e 1976, acredita que, para as autoridades chinesas, “a implementação [da Lei Básica] tem sido um sucesso, por ser um exercício de soberania que corresponde plenamente à vontade política chinesa”.

“A grande questão está nas expectativas alimentadas ao longo dos 30 anos, em função do seu conteúdo, do que foi prometido para gerar confiança e, depois, do que foi alterado. Entre as palavras ditas e escritas e a prática, sabemos que ultimamente se registaram alterações profundas em leis fundamentais que influenciam certamente o modo de vida no território e nos levam hoje a ter outro olhar sobre Macau”, concluiu Fernando Lima.

30 Mar 2023

História | Série documental “Macau Entre Dois Mundos” volta a ser transmitida pela RTP

[dropcap]O[/dropcap] Canal Memória da RTP volta a transmitir hoje, amanhã e nos dias 16, 17, 18 e 19 deste mês a série documental “Macau Entre Dois Mundos”, com autoria e produção de Fernando Lima, ex-residente de Macau e antigo assessor de Cavaco Silva, ex-Presidente da República portuguesa. Todos os episódios serão transmitidos às 14h00, hora portuguesa. A série poderá ser vista na plataforma RTP Play.

De acordo com uma nota oficial, a série retrata a história político-diplomática das relações Portugal-China e a questão de Macau, tendo sido transmitida pela primeira vez na RTP e TDM em 1999, na véspera da cerimónia de transferência de soberania de Macau para a República Popular da China. Foi repetida em 2009.

Os eventos vividos em Macau na Guerra do Pacífico, a chegada do Exército Vermelho às portas de Macau, o processo de concessão do jogo em 1962, os acontecimentos 1-2-3 e como afectaram a vida no território, o impacto do 25 de Abril e consequentes mudanças em Macau, o estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China em Fevereiro de 1979, bem as negociações da Declaração Conjunta entre Portugal e a China sobre a questão de Macau são matérias abordadas em “Macau Entre Dois Mundos”.

Foram recolhidos 53 depoimentos que incluem políticos como António Ramalho Eanes, Aníbal Cavaco Silva, José Manuel Durão Barroso, António Almeida Santos ou Adriano Moreira, entre outros. Os embaixadores Humberto Morgado, José Calvet Magalhães, António Patrício, João Hall Themido, António Coimbra Martins e António Ressano Garcia, todos já falecidos, são nomes que ficaram ligados às relações de Portugal com a China, cujos depoimentos ajudam a enquadrar épocas e acontecimentos marcantes para situar a questão de Macau.

Por fim, a série conta também com os contributos de figuras de Macau como Edmund Ho, o primeiro Chefe do Executivo da RAEM, o empresário do jogo Stanley Ho, o Bispo Domingos Lam, os padres Manuel Teixeira e Lancelote Rodrigues, Henrique Senna Fernandes, Roque Choi, Jorge Neto Valente, Jorge Rangel, Gary Ngai e Carlos Estorninho, entre outras personalidades ligadas à comunidade portuguesa e macaense. O último governador de Hong Kong, Chris Patten, foi igualmente ouvido.

Fernando Lima é também autor dos livros “Macau – As Duas Transições”, publicados em 1999. Recentemente, em edição do Instituto Internacional de Macau, publicou o livro “Macau – Um Diálogo de Sucesso”.

12 Dez 2019

História | Série documental “Macau Entre Dois Mundos” volta a ser transmitida pela RTP

[dropcap]O[/dropcap] Canal Memória da RTP volta a transmitir hoje, amanhã e nos dias 16, 17, 18 e 19 deste mês a série documental “Macau Entre Dois Mundos”, com autoria e produção de Fernando Lima, ex-residente de Macau e antigo assessor de Cavaco Silva, ex-Presidente da República portuguesa. Todos os episódios serão transmitidos às 14h00, hora portuguesa. A série poderá ser vista na plataforma RTP Play.
De acordo com uma nota oficial, a série retrata a história político-diplomática das relações Portugal-China e a questão de Macau, tendo sido transmitida pela primeira vez na RTP e TDM em 1999, na véspera da cerimónia de transferência de soberania de Macau para a República Popular da China. Foi repetida em 2009.
Os eventos vividos em Macau na Guerra do Pacífico, a chegada do Exército Vermelho às portas de Macau, o processo de concessão do jogo em 1962, os acontecimentos 1-2-3 e como afectaram a vida no território, o impacto do 25 de Abril e consequentes mudanças em Macau, o estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China em Fevereiro de 1979, bem as negociações da Declaração Conjunta entre Portugal e a China sobre a questão de Macau são matérias abordadas em “Macau Entre Dois Mundos”.
Foram recolhidos 53 depoimentos que incluem políticos como António Ramalho Eanes, Aníbal Cavaco Silva, José Manuel Durão Barroso, António Almeida Santos ou Adriano Moreira, entre outros. Os embaixadores Humberto Morgado, José Calvet Magalhães, António Patrício, João Hall Themido, António Coimbra Martins e António Ressano Garcia, todos já falecidos, são nomes que ficaram ligados às relações de Portugal com a China, cujos depoimentos ajudam a enquadrar épocas e acontecimentos marcantes para situar a questão de Macau.
Por fim, a série conta também com os contributos de figuras de Macau como Edmund Ho, o primeiro Chefe do Executivo da RAEM, o empresário do jogo Stanley Ho, o Bispo Domingos Lam, os padres Manuel Teixeira e Lancelote Rodrigues, Henrique Senna Fernandes, Roque Choi, Jorge Neto Valente, Jorge Rangel, Gary Ngai e Carlos Estorninho, entre outras personalidades ligadas à comunidade portuguesa e macaense. O último governador de Hong Kong, Chris Patten, foi igualmente ouvido.
Fernando Lima é também autor dos livros “Macau – As Duas Transições”, publicados em 1999. Recentemente, em edição do Instituto Internacional de Macau, publicou o livro “Macau – Um Diálogo de Sucesso”.

12 Dez 2019

Fernando Lima, jornalista e ex-assessor de Cavaco Silva: “Edmund Ho foi uma espécie de parceiro”

Fernando Lima acompanhou de perto as negociações para a transição de Macau como poucos. Apresenta hoje a reedição do livro “Macau – Um Diálogo de Sucesso”, publicado há 20 anos. O autor recorda como a questão da nacionalidade dos chineses em Macau foi fundamental e como os negociadores portugueses não souberam antecipar o que a RAEM é hoje

 

Fale-me deste livro que vai lançar em Macau.

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma reedição um livro que tinha publicado há 20 anos, em dois volumes, intitulado “Macau e as Duas Transições”. Vivi em Macau de 1974 a 1976, fui director dos Serviços de Informação e Turismo com o Governador Garcia Leandro. Quando trabalhei no gabinete do primeiro-ministro, em 1986, acompanhei a questão de Macau com a República Popular da China (RPC) e fui um observador da evolução das negociações. Isso permitiu-me, em 1999, publicar o livro sobre esse assunto.

O que conta este livro de novo?

Quis mostrar que os negociadores, sobretudo a parte portuguesa, estavam certos na abordagem que fizeram para tratar da questão de Macau ou preparar com os chineses a Declaração Conjunta. Muitas vezes vemos o início das negociações, mas não vemos os resultados, e hoje é possível vê-los. A parte portuguesa tinha como preocupação principal as pessoas de Macau, os que viviam em Macau e confiaram na Administração…

A questão da nacionalidade, certo?

Essa foi uma questão que os negociadores chineses compreenderam e era a nossa preocupação. Isso foi muito importante tendo em conta o que aconteceu depois em Hong Kong. O que também era importante para nós era a defesa da língua portuguesa, da cultura e do património. Hoje vemos que foi positivo e que a China está a tirar grande partido dessas três vertentes. Queríamos também que Portugal saísse com dignidade do território, por comparação com uma descolonização que não tinha corrido bem. Devo dizer ainda que, para os negociadores chineses, eram praticamente inegociáveis as questões ligadas ao exercício de soberania da China em Macau. E isso condicionava muito.

Chegava a quase tudo.

Chegava a quase tudo. Em Hong Kong os ingleses não tinham tido esse cuidado de protecção na questão da nacionalidade, e nós tivemos. Hoje, Macau é património da UNESCO, e, para ver a questão do exercício de soberania, quando Portugal quis fazer a candidatura de Macau à UNESCO, quando já estávamos no período de transição, a China disse que não, que tinha de ser ela a fazer isso.

Houve demasiadas cedências de Portugal em relação à China?

Sei que há analistas que pensam assim, mas não vejo as coisas dessa maneira. As negociações nem sempre foram fáceis porque a China estabeleceu um conjunto de regras e nós não tínhamos grande capacidade de negociação, pois não tínhamos interesses materiais fortes, como a Grã-Bretanha tinha em Hong Kong.

Quando me diz que não havia interesses materiais, não acha que houve falta de visão relativamente ao potencial de Macau do ponto de vista económico, e que hoje é tão abordado? Muitas empresas saíram, ficou o BNU, por exemplo.

Nessa altura, o grande poder económico e comercial pertencia aos chineses. Essa é a realidade. As nossas empresas que lá foram procuraram responder ao apelo do Governo de Macau e de Lisboa para que estivessem mais presentes em Macau, mas era um mercado difícil, porque era dominado pelos chineses. As nossas empresas eram de pequena dimensão. Obviamente que a China e os empresários de Macau queriam mostrar que, com o regresso de Macau à China, ia criar-se outro dinamismo. Também era uma forma de mostrar à população que ela estava a beneficiar com a transição.

Porque havia essa necessidade?

Quando se colocou a questão de a China reclamar Macau e Hong Kong, os chineses dos dois territórios não esconderam alguns receios, e houve até emigração para o Canadá ou Austrália. Uma das coisas que os chineses perceberam é que era preciso combater esse receio e tornar como um acto natural o regresso dos dois territórios, e que havia boas razões para acreditar na China. Foi assim que depois a China quis dar aquilo a que eu chamo uma utilidade geopolítica a Macau, ao criar o Fórum Macau. É interessante ver isso, porque até então a ideia que havia para Macau era a ideia de ser um território onde havia casinos. No início das negociações, a China tinha dificuldade em digerir algumas questões porque considerava ser uma concessão à nossa língua, cultura e património, e eles não estavam ainda em condições para fazer isso. Isto porque a China, quando começa uma negociação, parte sempre com desconfiança.

Hoje as coisas são bastante diferentes.

Nesse ponto, a China tem hoje uma posição completamente descomplexada em relação à língua portuguesa, à cultura e património, e viu que Macau podia ter essa utilidade geopolítica nesse espaço de influência portuguesa. Essa foi a grande evolução que depois a China acrescentou a Macau. No tempo da Administração portuguesa, o último Governador (Vasco Rocha Vieira) desenvolveu contactos com os novos países de língua oficial portuguesa e havia uma perspectiva de ir desenvolvendo relações. É sempre em Macau que os dirigentes chineses fazem declarações relativamente a esse espaço que querem cativar e onde estão hoje bem posicionados. A única coisa que os chineses não quiseram discutir nas negociações foi o passado.

Em que sentido?

O passado era o passado e não queriam voltar a falar de como os portugueses tinham chegado ao território. Para os chineses, Macau era um legado da história, e isso chegava, não queriam entrar em detalhes. Qual foi um outro ponto difícil nas negociações? Foi a questão da data.

Houve várias versões sobre isso.

Eu tenho a minha versão e está contada no livro. Devo dizer que a pessoa que levou a data a Pequim, e que já faleceu, era um dos meus melhores amigos, o secretário de Estado Azevedo Soares. E conversamos muito sobre a missão dele, que era a de propor aos chineses a data da transição. Os chineses impunham como condição que Macau tinha de ser reintegrada até 31 de Dezembro de 1999. A data que o secretário de Estado foi precisamente 31 de Dezembro de 1999. Aí os chineses, na sua maneira de ser, mostraram que essa data não era prática. Se fosse nessa data tinha de se prolongar por alguns dias o Grupo de Ligação, e eles queriam que tudo terminasse no dia 31 de Dezembro. Então propuseram 3 datas: o dia 15, 20 e 25. Propuseram então o dia 20 porque era uma data aceitável e Portugal aceitou, pois dia 25 era Natal.

Chegaram a ser divulgados alguns documentos oficiais sobre o facto de ter sido falado o ano de 2004 para a data da transição.

Os chineses quiseram outras datas, mas Portugal resistiu sempre. Para os chineses quanto mais cedo melhor, mas Portugal resistiu. Um dos pontos que Portugal frisava é que não podia ser concedido um período de transição inferior ao que tinha sido atribuído a Hong Kong. Depois estávamos a fazer tudo para as negociações correrem bem, o que não tinha acontecido nas negociações entre chineses e ingleses, não queríamos que a China fizesse uma diferenciação do processo. Há também uma parte que o meu livro conta é como o Álvaro Cunhal entra nas negociações. É uma parte pouco conhecida do processo. O PCP e o Partido Comunista Chinês tinham uma relação distante. A situação evoluiu e o Cunhal foi convidado para ir à China, mas não foi recebido pelo Deng Xiaoping. Os chineses incumbiram-no de uma missão em relação a Portugal. Isto porque, para os chineses, havia um problema, que era haver muitos chineses com passaporte português a quererem fazer a opção pela nacionalidade portuguesa.

Sobretudo depois de terem fugido do país para Macau.

Sim. Aí o Cunhal procurou trazer o pedido do lado chinês, que era criar algumas dificuldades para que isso acontecesse. Dizia que essa gente não tinha nada a ver com Portugal, e se viessem para aqui eram portugueses mas não ficavam integrados. Apontou algumas das dificuldades que, no entender do PCP, poderiam acontecer. Foi interessante ele ter aparecido nessa altura, mas depois resolveu-se tudo a contento e a China aceitou a nossa posição. A questão da nacionalidade ficou clara em 1987.

Considera que tudo o que foi discutido no âmbito da Lei Básica está a ser cumprido, 20 anos depois?

O livro não aborda esse período, mas penso que a Lei Básica tem sido consensual em relação ao que eram os objectivos da China em relação a Macau e ao modo de vida no território, que era importante ser salvaguardado.

Na altura, adivinhava-se que o caminho de Macau seria a integração regional, e que se falaria disso muito antes de 2049?

Quando cheguei a Macau, em 1974, fiquei fascinado por Hong Kong. E sempre questionei se Macau conseguia competir com Hong Kong, e quem haveria de dizer que isso seria conseguido. Macau deu um salto face ao que era, embora competir seja impossível, pois Hong Kong tem uma dinâmica muito própria face à China e ao mundo. Há 20 anos não éramos capazes de antecipar tudo o que está a acontecer. A China ia fazer de tudo para integrar Macau nos seus hábitos e nas suas leis, mas não éramos capazes de antecipar esta dimensão e que será maior face ao que já vi anunciar. Também não éramos capazes de antecipar o Fórum Macau, embora disséssemos que Macau tinha uma relação privilegiada com os países de língua portuguesa.

O Fórum Macau tem sido alvo de críticas, 15 anos depois da sua criação.

Se calhar alguns investimentos que a China fez não correspondem às suas expectativas, e pode estar numa posição mais defensiva em função daquilo que se está a passar em África. Em Moçambique existem problemas de corrupção, em Angola há uma mudança de poder.

No que diz respeito à questão dos direitos, liberdades e garantias. O assunto dos direitos humanos foi muito debatido na altura?

Foi uma questão que Portugal defendeu. A questão da pena de morte não se colocou em relação a Macau.

Formaram-se políticos à pressa para governarem no pós-1999?

A Administração portuguesa tentou integrar Edmund Ho no processo da transição e ele fez um acompanhamento num determinado período e isso foi muito importante. Edmund Ho foi uma espécie de parceiro. Em Hong Kong, com o primeiro Chefe do Executivo, aquilo correu muito mal, porque foi tido como um grande empresário, e faltou-lhe a chamada habilidade política. Em Macau, viveu-se a tranquilidade nos primeiros tempos. Nunca vi isto muito abordado nos livros sobre o território.

Sobre a eleição do Chefe do Executivo da RAEM. Chegou a colocar-se a questão do sufrágio universal?

Aí os chineses é que impunham as regras. Podíamos mostrar interesse, mas quando criámos o Estatuto Orgânico de Macau tivemos em conta as especificidades de Macau. Eles fizeram uma espécie de cópia desse documento (na elaboração da Declaração Conjunta), decalcaram de acordo com as características chinesas, para terem umas eleições que lhes trouxessem confiança. Isso não impede que haja grupos de cidadãos que possam defender o voto universal.

22 Mai 2019