Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDiplomacia | Portugal busca “equilíbrio” nas relações com Pequim e Washington O último relatório do European Think Tank Newtwork on China conclui que Portugal tem procurado o equilíbrio “diplomático” nas relações com a China e os Estados Unidos, tendo em conta os novos desafios trazidos pela turbulência internacional. Por outro lado, o relatório refere que a diplomacia chinesa em Portugal é baseada em laços históricos e culturais A relação histórica entre Portugal e a China enfrenta desafios causados pelos novos tempos vividos no plano internacional, e o caminho que Portugal quer seguir parece ser o constante equilíbrio tendo em conta a sua também histórica relação com os Estados Unidos da América (EUA) e organizações como a NATO e a própria União Europeia (UE). Por outro lado, a diplomacia chinesa em Portugal tem sido feita muito com base nos laços históricos e culturais já existentes, ao invés de investir em uma estratégia específica. As conclusões são do académico Carlos Rodrigues, da Universidade de Aveiro (UA), cuja análise integra o último relatório do think tank europeu “European Think Tank Network on China” (ETNC). O documento intitula-se “China’s Soft Power in Europe – Falling on Hard Times” [A diplomacia chinesa na Europa – Queda em tempos difíceis” e foi elaborado com base na análise de várias entidades oriundas de 17 países e instituições da UE. Segundo Carlos Rodrigues, “a crescente turbulência vivida recentemente nas relações internacionais traz novos desafios” à relação entre Portugal e China. “Ainda assim, Portugal parece estar ansioso por manter o equilíbrio relacional, tal como é evidenciado em comunicados públicos emitidos por uma diversidade de políticos e órgãos governamentais, desde o primeiro-ministro de Portugal ao Presidente da nação.” Carlos Rodrigues apresenta como exemplo a entrevista concedida ao semanário Expresso em Setembro do ano passado pelo então embaixador norte-americano em Lisboa, George Glass, que comentou o posicionamento das autoridades portuguesas em relação à rede 5G e a eventual influência chinesa. O autor do artigo descreve que Portugal assumiu uma posição de “resistência e repúdio em relação à tentativa dos Estados Unidos de interferir com o processo de tomada de decisão de Portugal em relação à China, nomeadamente o investimento chinês em sectores importantes e no eventual papel da Huawei nos desenvolvimentos da rede 5G em Portugal”. À data, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva disse que “o Governo português regista as declarações. Mas o ponto fundamental é este: em Portugal, quem toma as decisões são as autoridades portuguesas, que tomam as decisões que interessam a Portugal, no quadro da Constituição e da lei portuguesa e das competências que a lei atribui às diferentes às diferentes autoridades relevantes”. “Sem admiração” Apesar de Portugal querer manter o equilíbrio, “o estado das coisas não traz qualquer tipo de admiração [por parte das autoridades portuguesas] para com o modelo político e de governação chinês”, escreve Carlos Rodrigues. Isto porque Portugal nunca mostrou intenção de afastamento de instituições como a NATO ou a própria UE para se aproximar da China. “O discurso favorável, mesmo entusiasta, sobre o investimento directo estrangeiro chinês, tal como a participação de Portugal na política ‘Uma Faixa, Uma Rota’ evidencia, de forma geral, uma avaliação positiva. Curiosamente, tal originou a ideia de que Portugal se tornou no ‘amigo especial’ da China na UE. O Governo português, apesar de reconhecer as especificidades [da relação] trazidas pela história, rejeitou vigorosamente a ideia, na essência, que colocaria Portugal em discordância com a UE e a NATO.” O académico da UA citou as palavras de Augusto Santos Silva, que declarou ter sido criado “um mito” que “não fazia qualquer tipo de sentido”. “Uma questão gerada por analistas é se a posição de Portugal em relação à China é proeminentemente conduzida por necessidade. Sem negar a existência de interesses económicos e financeiros como um foco importante, e tendo em conta que esta é uma questão que não está relacionada com um país em específico, a necessidade, por si só, não ajuda quando olhamos para quaisquer particularidades na relação bilateral entre Portugal e a China”, frisou Carlos Rodrigues. Mais história do que outra coisa No que diz respeito à diplomacia chinesa em Portugal, o relatório aponta que a China se baseia mais em ligações históricas e culturais já existentes do que noutro tipo de estratégia. “O papel que a diplomacia chinesa tem desempenhado nas relações Portugal-China está relacionado com as paixões (históricas e culturais) e interesses (económicos no presente e futuro), mais do que com qualquer outra estratégia específica orquestrada pelo Governo chinês.” Carlos Rodrigues apresenta como exemplo o combate à covid-19 e a solidariedade demonstrada pela China em relação a Portugal. “É difícil identificar qualquer tentativa explícita ou criada pelas autoridades chinesas ou políticos locais para instrumentalizar o apoio chinês, em contraste com o que aconteceu em muitas outras zonas da Europa.” “Foi mantido, pelo contrário, o habitual perfil discreto do Embaixador chinês em Lisboa, Cai Run [entretanto substituído por Zhao Bentang], apesar da publicação de uma série de artigos de opinião nos principais jornais portugueses” sobre a ajuda atribuída no combate ao novo coronavírus. Verificou-se, por oposição, “um habitual debate político apagado sobre a China e prevaleceu uma apática opinião pública” sobre o assunto. “O interesse disperso dos media portugueses nas idas e vindas do papel desempenhado pela China na crise da covid-19 não dissipou a percepção de uma sensação geral de desprendimento. O conflito EUA-China sobre a covid-19, no entanto, parece ter causado uma intensa vontade de discutir a relação bilateral entre Portugal e a China no contexto do equilíbrio desafiante do triângulo China-Portugal-EUA. Não obstante o debate está longe de estar disseminado, sobretudo entre as organizações políticas”, lê-se no relatório. Carlos Rodrigues acrescenta que “se há algo relacionado com uma política de diplomacia em relação a Portugal, os laços históricos parecem ser o foco”. A importância da língua Para o académico português, “a promoção cultural e a cooperação emergem como o principal veículo para moldar as preferências e comportamento [das autoridades chinesas] em Portugal, compensando a quase não utilização das redes sociais pelos chineses”. O relatório destaca o facto de o 20º aniversário da transferência de soberania de Macau para a China ter sido amplamente celebrado em Portugal, com actividades culturais e académicas desenvolvidas por entidades como a Fundação Oriente ou o Centro Cultural e Científico de Macau. “A preparação de eventos culturais que decorreram em Portugal e na China durante o ano de 2019 – em comemoração dos 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas e os 20 anos da transição de Macau – constituíram uma peça chave da agenda de Xi Jinping quando visitou a capital portuguesa”, descreve o relatório. Além das manifestações culturais, o documento destaca a importância do ensino da língua chinesa. “O poder atractivo da língua chinesa pode ser medido pelas mais de 130 instituições portuguesas, incluindo universidades, institutos politécnicos, escolas básicas e secundárias onde esta se ensina. Além disso, o crescente interesse da população chinesa pela língua portuguesa também funciona como um elemento de ligação.” Na prática, “uma mistura de laços históricos, culturais e económicos traçam o quadro relacional da relação entre Portugal e a China”. Tal “tem impacto na relação específica, e não ‘especial’, no estatuto relacional, desenhando uma distinção entre Portugal e outros países da UE. Obviamente que o impacto se estende ao domínio político”. “Juntamente com uma forte defesa do multilateralismo como princípio, o poder da história não trouxe quaisquer problemas aos Governos portugueses na manutenção de uma boa parceria com a China enquanto que se mantém um alinhamento com as alianças ‘naturais’ estabelecidas com a NATO e a UE.” Resposta aos EUA O think tank traça um cenário pessimista no que à diplomacia chinesa na Europa diz respeito. “Com base na análise dos 17 países e instituições da UE, o relatório conclui que a “diplomacia chinesa na Europa – definida pela habilidade de influenciar preferências através da atracção ou da persuasão – tem vindo a cair nos tempos difíceis”. “Identificámos três abordagens proeminentes da diplomacia chinesa na Europa: promover a língua chinesa e a sua cultura, remodelar a imagem da China através dos media e usar efeitos secundários da diplomacia na destreza económica. Recentemente, e em particular no último ano, a China tornou-se mais assertiva na tentativa de remodelar a sua imagem ao expandir capacidades, em particular na transmissão da sua mensagem política. Tal inclui o sistemático uso dos media”, acrescenta o relatório. Nesse sentido, “na maioria dos países a diplomacia chinesa começou a actuar nas redes sociais”. O think tank conclui que “as oportunidades de acesso ao mercado, comércio e investimento são talvez o único grande factor que determina a atracção da China pela Europa, mas também a maior fonte do seu poder coercivo”. Analisando “diferentes padrões” das projecções da diplomacia chinesa no continente europeu, o relatório entende que Portugal está no grupo de países como a Áustria, Hungria, Polónia e Eslováquia com os quais a China “parece estar obrigada a projectar de forma activa a sua diplomacia, em grande parte devido à falta de interesse público nestes países”. Por sua vez, a UE “parece seguir a tendência de vigilância crescente, uma vez que os riscos colocados pelas ambições geopolíticas da China têm sido enfatizados”. “A China tem vindo a demonstrar uma postura mais pró-activa e um tom mais assertivo, muitas vezes reagindo veemente a um aumento da politização do debate público sobre a China em muitos países europeus, usando as redes sociais para chegar a uma maior audiência. Este recente desenvolvimento parece resultar mais da competição com os EUA do que com uma estratégia específica talhada para os públicos europeus”, remata o documento.