Andreia Sofia Silva Grande PlanoLíngua portuguesa | Pedida união entre ensino e associações lusófonas Vários docentes de português defendem o reforço da união entre o ensino da língua, os estudantes e as associações de matriz lusófona em Macau. Esta foi a ideia principal deixada num colóquio online promovido pela Fundação Casa de Macau, em Lisboa, intitulado “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau” O panorama do ensino do português em Macau está bom e recomenda-se, mas é necessária uma maior união com o trabalho desenvolvido pelas associações de matriz lusófona que existem no território. Esta foi a principal conclusão do colóquio online “Panorama Actual do Ensino do Português em Macau”, promovido pela Fundação Casa de Macau (FCM) e que reuniu, na última quarta-feira, docentes de várias escolas e universidades do território, incluindo Patrícia Ribeiro, directora do Instituto Português do Oriente (IPOR). A ideia de juntar o trabalho da sala de aula ao associativismo foi deixada por Camila Lourenço, docente da Universidade de São José (USJ). “Macau tem um potencial fantástico. Fico pensando em qual o lugar do mundo onde temos acesso a tantas culturas como em Macau? Mas o maior desafio é chegar a mais pessoas e perdemos a oportunidade de mostrar esse mundo aos estudantes”, começou por dizer. A docente revelou que, na sua actividade profissional, procura que os alunos tenham acesso a actividades fora do contexto de sala de aula, mas nem sempre consegue. “Essa plataforma de Macau, onde se experienciam diferentes culturas, não é um ponto bem explorado como poderia ser. Temos uma imersão cultural imensa, e porque não usar mais isso? Como poderíamos organizar mais actividades e ter esse intercâmbio que Macau possibilita? Falei com professores que também dizem ter dificuldade no acesso a essas culturas de língua portuguesa.” A ideia foi corroborada por Roberval da Silva Teixeira, docente da Universidade de Macau (UM). “Temos as associações e há um espaço relativamente pré-organizado para criar uma coisa mais estruturada, de maneira que a língua portuguesa seja mais conhecida. Após algum tempo de convivência, percebemos que o português [em Macau] está nos nichos, em vários espaços e movimentos. A língua portuguesa está aqui, sim, e tem essa efervescência de ter tantos canais, expressões e associações que podiam ser articuladas em construir uma língua portuguesa que fosse mais aberta ao mundo.” Segundo o docente, é preciso construir “uma visão do português mais internacional, mais transnacional e intercultural” através “de toda a pluralidade que existe em Macau, no nosso dia-a-dia”. É essa ligação com as associações que poderá fazer “toda a diferença no que diz respeito à motivação para a aprendizagem”, apontou. “A língua portuguesa não é apenas aquela que é ensinada nas escolas, mas também a de pessoas que têm interesse em conectar com as comunidades de Macau. São motivações interessantes, até de artistas, por exemplo. Há uma série de potencialidades aqui que talvez estejamos deixando um pouco [de lado], e é preciso fazer uma articulação desde a base, com as escolas, até às associações ou instituições que trabalham com essas questões.” Maria José Grosso, também docente da UM, frisou que “há um multiculturalismo em Macau que não é tão interrelacional como gostaríamos”. “Há essa motivação dos jovens da China que querem saber como é o Ocidente, a cultura ocidental, têm interesse em saber mais, mas isso, infelizmente, nem sempre se vê nos alunos de Macau. Durante estes anos, tenho verificado mais nos alunos da China um maior interesse para abraçar as outras culturas”, acrescentou. A falta que faz Outro ponto abordado no colóquio pautou-se pela necessidade de ter mais manuais para um universo de estudantes de português tão específico como o de Macau. “Continua a haver interesse no português e investimento da parte do Governo. Agora se o investimento é bem feito, ou se vai para aquilo que é necessário, podemos discutir. Uma das coisas importantes, e que faz muita falta em Macau, é o investimento em materiais didácticos e pedagógicos”, começou por dizer Carla Vieira de Sá, da escola Zheng Guanying. A professora diz sentir “falta da existência de mais materiais feitos de propósito para os nossos alunos, que são especiais, integrados num meio em que não há convívio diário com a língua, pois só falam o português na escola. Precisamos de materiais que possam ser usados pelos alunos em casa”. Carla Vieira de Sá disse ainda que é necessário investir mais na formação de professores. “É preciso saber fazer determinados projectos para que as coisas fiquem bem feitas. Temos dificuldade em arranjar formações para professores que falam português. Se calhar, nesse aspecto, o investimento não está a ser tão incisivo.” Liliana Pires, docente anteriormente ligada à escola Zheng Guanying, pediu um “reforço dos professores de língua portuguesa nas escolas” bem como a colocação desses docentes em turmas bilingues e escolas oficiais. Trata-se de algo “muito importante para mantermos essa relação dentro da sala de aula no ensino da língua”. A rede que precisamos Liliana Pires falou, contudo, de uma outra necessidade que considera premente para melhorar o ensino da língua portuguesa em Macau: a “criação de uma rede de bibliotecas escolares com um plano de actividades e recursos partilhados”. “As bibliotecas escolares existem no território e várias escolas públicas e privadas trabalham a língua portuguesa, mas acho que poderia ser criada uma rede de trabalho conjunta em que as pessoas que estão nas escolas pudessem trabalhar e cooperar. Não faz muito sentido termos o projecto de animação numa escola e ele não poder ser partilhado com uma escola vizinha. Tem de haver este sentido de partilha de projectos e um trabalho em rede. Tem de haver interactividade institucional dentro da língua portuguesa.” Liliana Pires considera também essencial investir na promoção da leitura junto dos alunos. “Era importante que as escolas tivessem alguém que promovesse a leitura, uma pessoa dedicada a esta função em articulação com os professores, que conseguisse trabalhar em conjunto com um plano anual de actividades. Temos de apostar em algo estruturado neste sentido e em que se possa trabalhar em rede, dentro e fora da sala de aula e também com outras escolas.” Neste sentido, apontou a docente, poderia existir “um plano literário no plano anual de actividades de cada professor de língua portuguesa”, em que os professores poderiam “seleccionar uma lista de leitura acompanhada, fazer trabalho da promoção literária e enquadrar tudo isso no seu plano anual de actividades”. Governo não esqueceu Os intervenientes apontaram que, nos últimos anos, a aposta do Governo não esmoreceu. “O Governo tem procurado incentivar e demonstrar que está atento a esta questão e alargar ainda mais este âmbito. O Chefe do Executivo disse recentemente que iam alargar a mais quatro escolas o ensino do português além das que já existem, e são bastantes. O IPOR tem procurado também na parte da formação”, explicou Patrícia Ribeiro. Maria José Grosso falou do futuro de Macau após 2049 e da realidade do crescimento do mandarim no território. “Fala-se muito na língua portuguesa destinada aos talentos, mas deveria apostar-se também naqueles que aprendem português e que passados dez anos esquecem completamente a língua. Estamos num mundo multilinguístico, mas não nos esqueçamos que em 2049 vamos ter cada vez mais o mandarim, como é natural, o inglês e vamos tentar que o cantonense continue.” Assim, “o português vai continuar a ter muito interesse na iniciação, mas não bastam esses cursos de iniciação”, defendeu a docente, que entende ser fundamental dar “continuação enquanto houver uma ligação aos países de língua portuguesa, que desperta o grande interesse económico e político”. “Há que atrair alunos, mas devem ser conservados os que aprenderam. Na minha perspectiva cada vez mais os professores de português são os falantes de língua chinesa, e não os falantes de língua materna portuguesa, algo que, de certa forma, é natural.” O moderador do debate, Joaquim Ng Pereira, ligado à direcção da FCM, alertou para a importância da preservação do que é macaense e português e da responsabilidade que Portugal tem nessa matéria. “Estamos todos a fazer um trabalho [de divulgação], muitas vezes inglório, sobretudo aqui em Portugal. Mas que acredito que, de alguma forma, dê os seus frutos a fim de elevar Macau ao lugar que merece. Temos obviamente de respeitar a soberania chinesa, mas seria manifestamente triste que Portugal esquecesse os macaenses e Macau e a influência que tivemos, não só na língua e gastronomia e toda uma cultura miscigenada”, rematou.
Nunu Wu SociedadePortuguês | Elogiados novos cursos de quatro anos O vice-director da Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes, José Wong Chang Chi, considera que os novos cursos de português anunciados pelo Governo na semana passada podem constituir uma grande ajuda na formação dos alunos interessados em ingressar no ensino superior em Portugal. Em declarações ao jornal Ou Mun, José Wong afirmou que nos últimos tempos era normal que os alunos que queriam prosseguir os estudos em Portugal precisassem de frequentar um curso de português durante um ano depois de completo o ensino secundário, formação que ainda assim não conferia a conhecimentos suficientes aos jovens. No entanto, o responsável entende que os novos cursos de quatro anos, frequentados em paralelo durante o ensino secundário, abrem a possibilidade de os alunos escolherem as universidades preferidas em Portugal segundo as normas europeias. Outra vantagem, é que desta forma não precisam gastar um ano adicional para frequentar o curso português. A ex-deputada e presidente da Associação de Educação de Macau, Chan Hong, indicou que os novos cursos podem ajudar a colmatar a falta de quadros qualificados bilingues no território, além de serem uma saída profissional para jovens licenciados em cursos focados na língua portuguesa.
Hoje Macau Manchete SociedadeLíngua portuguesa | Persiste desafio de filhos aprenderem o idioma dos pais Por todo o mundo onde existem comunidades portuguesas persistem desafios para que os filhos de emigrantes aprendam a língua nativa dos pais. No caso de Macau, mesmo com a oferta lectiva existente e a presença de uma escola portuguesa, ensinar o português também não é tarefa fácil A manutenção o português como uma das línguas mais faladas do mundo exige que os filhos dos emigrantes aprendam o idioma, uma batalha nem sempre fácil para os pais, num contexto de grande pressão das línguas de acolhimento. Ricardo, em Macau, admite o falhanço de ensinar português ao filho mais novo. “Não consegui que os meus descendentes aprendessem português. Isto é como um ponto final no português na minha família”, desabafa Ricardo Xavier, 45, que nasceu em Macau e hoje usa o português apenas por obrigação no trabalho, no Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). O filho mais novo nasceu em 2010, pós-transição, em que “a língua portuguesa era vista com alguma insegurança, dúvidas e interrogações para o futuro”, salienta Xavier, licenciado em Administração Pública, que lamenta hoje os erros cometidos. E, “por isso decidimo-nos pela educação em chinês do meu filho”, que “só teve contacto com o português na escola”, mas “tinha pouco interesse na aprendizagem do português quando tentava ensinar-lhe. Até arranjei um professor para dar explicações, mas desistiu por falta de interesse”. Susana Diniz é fundadora um centro de explicações em Macau e é mãe de Suri, com oito anos, que está “mais familiarizada com o inglês e o português aparece sempre em segundo plano como forma de comunicação”. Apesar disso, “não é de todo uma preocupação para nós esta preferência dela, visto que sabemos que está ambientada com ambas as línguas. Por outro lado, pensamos que na escola em que está, o intercâmbio cultural é maior do que se estivesse na escola portuguesa” de Macau, salienta. O caso francês Se em Macau a batalha é difícil, o mesmo se passa noutros locais, como é o caso da França, um país que, segundo as autoridades portuguesas, tem cerca de 14 mil alunos a aprenderem a língua no ensino obrigatório e há 102 professores colocados pelas autoridades portuguesas em diferentes pontos. “Há casos onde não há continuidade e somos contactados pelos pais e sabemos que há muitos alunos que se perdem depois da primária e podemos fazer essa correlação, porque não os temos no ensino básico. Há muitas recusas porque os directores têm de distribuir as horas pelas línguas que têm mais inscrições e quando não há alunos, fecha-se”, explicou Annabella Simões, professora de português no liceu Montaigne, em Paris, e vice-presidente da Associação para o Desenvolvimento dos Estudos Portugueses (ADEPBA) que este ano celebra 50 anos. Segundo a professora, há um certo desinteresse da comunidade em relação ao português, não sendo muitas vezes possível constituir turmas devido à falta de inscrições de alunos, por outro lado, a língua portuguesa desperta cada vez mais interesse: “temos cada vez mais procura de pais que nem têm origens portuguesas. Claro que no início da emigração portuguesa, havia mais alunos cujos pais eram portugueses, mas hoje há muitos mais alunos cujos pais são franceses ou têm outras origens”. Aulas ao sábado Em França, encontrar aulas depende acima de tudo do local de onde os pais moram. Sandra Canivet da Costa, lusodescendente que vive em Bourges, contou que os filhos, “que hoje têm 14 e 16 anos, andavam na escola primária e não conseguiram aceder a estas aulas. Recebi o questionário, disse que queria esta opção, mas nunca deu em nada, disseram-me que não havia professor”. Na Escócia, o cenário não é diferente de França e o inglês, como língua franca, constitui uma dificuldade adicional para que os mais novos gostem de português. Para Sandra Nabais, a rotina não acaba à sexta-feira porque todos os sábados faz 50 quilómetros entre Kirkaldy e Edimburgo para o filho de 11 anos poder frequentar as aulas de língua portuguesa. “O João tinha cinco anos quando chegou à Escócia e durante os primeiros tempos chegavam as conversas que tinham em casa, mas com o início da escolaridade “começou a ser complicado”, recorda a mãe. “Em dez palavras cinco eram em português, cinco eram em inglês”.
Hoje Macau SociedadeNúmero de alunos e docentes cresceu durante a pandemia O número de cursos de português, de estudantes e docentes em Macau cresceu desde 2020, apesar das restrições e impacto causado pela pandemia de covid-19, segundo dados das autoridades enviados à Lusa. “Nos últimos anos, o número de unidades escolares das escolas do ensino não superior que ministram cursos de língua portuguesa, de cursos, de estudantes e de docentes, em geral, tem aumentado de forma estável”, assinalou a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ). Por um lado, “o número de turmas dos cursos de língua portuguesa, nos currículos regulares, actividades extracurriculares ou actividades de complemento curricular, ministrados pelas escolas, aumentou de 445 no ano lectivo de 2020/2021, para 467 no ano letivo de 2022/2023”, destacou. Os serviços indicaram ainda que o número de estudantes que frequentam cursos de português subiu, no mesmo período, de cerca de 9.300 para 10.200. Um crescimento que se verificou também no número de professores, passando de 100 para mais de 120. Ainda no ensino não superior, “as unidades escolares que ministram cursos de língua portuguesa mantiveram-se basicamente inalteradas”, já que “36 escolas ministram cursos de língua portuguesa, com o apoio e o destacamento de pessoal da DSEDJ e das escolas oficiais”. No ensino superior verifica-se “uma situação estável”: cinco instituições ministraram mais de 20 cursos de língua portuguesa, com o número de estudantes a passar de 1.500 para mais de 1.600. “Além disso, de acordo com as estatísticas resultantes da atribuição do ‘Subsídio para Aquisição de Material Escolar a Estudantes do Ensino Superior’ da DSEDJ, dos anos letivos de 2020/2021 a 2021/2022, em cada ano lectivo, cerca de 200 estudantes deslocaram-se, em média, a Portugal, para frequentarem cursos do ensino superior”, salientaram os mesmos serviços. Os números, que coincidem com os anos de pandemia, traduzem uma tendência de crescimento verificada desde 1999, ano da transição.
Hoje Macau SociedadeFundação Jorge Álvares quer mais portugueses a estudar na China A Fundação Jorge Álvares (FJA) está a preparar o lançamento de uma plataforma digital para encorajar mais portugueses a estudar em universidades chinesas, assim como chineses a estudar em Portugal. Fernanda Ilhéu, do Conselho de Administração da FJA, disse à Lusa que cada universidade e instituto politécnico de Portugal, da China continental e de Macau terá direito a gerir um espaço próprio no portal, onde poderá colocar a sua oferta educativa. O objetivo é facilitar aos alunos a consulta de informação sobre cursos, programas, perfil dos professores, condições de inscrição e pagamento de propinas. A FJA vai ainda disponibilizar informação sobre “o meio envolvente”, por exemplo sobre as cidades onde se localizam os ‘campus’ das instituições e as residências universitárias disponíveis. A plataforma terá ainda informações úteis, nomeadamente sobre a obtenção de vistos, abertura de contas bancárias, realização de seguros e acesso a serviços de saúde para estudantes estrangeiros. Embora a China e Macau não permitam atualmente a entrada de estudantes estrangeiros, Fernanda Ilhéu disse acreditar que o portal poderá ter um efeito positivo num futuro pós-covid-19. “Esperamos que a pandemia seja controlada em breve e as situações de quarentena sejam levantadas”, salientou a investigadora. A plataforma da FJA pretende também promover a cooperação entre instituições de ensino superior chinesas e portuguesas na área da investigação científica. O portal vai ter uma área específica para ajudar investigadores a identificar potencial parceiros de pesquisa, partilhar trabalhos e publicações e organizar eventos conjuntos. A fase de concepção de modelagem da plataforma deverá estar concluída no final de abril, seguindo-se a divulgação junto de instituições do ensino superior e investigação científica em Portugal, Macau e China. A FJA é uma estrutura criada em dezembro de 1999, no quadro da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, e tem como objetivo promover o diálogo intercultural entre Lisboa e a região administrativa especial chinesa. Desde 2016 que o presidente da Fundação Jorge Álvares (nome do português e primeiro europeu a chegar à China, por via marítima, no século XVI) é o general Garcia Leandro, governador de Macau entre 1974 e 1979. Em janeiro, Zhao Zilin, aluna da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, venceu a primeira edição dos Prémios Fundação Jorge Álvares, para trabalhos sobre as relações entre Portugal e a China. A China continua a sentir uma forte procura por profissionais que falem português, disseram à Lusa Catarina Gaspar e Madalena Teixeira, duas das co-autoras de uma obra académica sobre os estudantes chineses da língua portuguesa apresentada a 14 de janeiro. Cerca de 50 instituições chinesas de ensino superior têm cursos de língua portuguesa, disse à Lusa, em novembro de 2020, o coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do Instituto Politécnico de Macau, Gaspar Zhang Yunfeng.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLíngua Portuguesa | Do “investimento notável” aos avisos sobre o futuro Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, em Macau, vários especialistas afirmam que o idioma está de pedra e cal no território, tanto ao nível do ensino como dos apoios institucionais. No entanto, deixam avisos e apontam falhas: há uma necessidade de mudança e de reinvenção, pois a China pode tornar-se auto-suficiente no ensino e investigação da língua dentro de poucos anos. Rui Rocha diz que não há uma política linguística efectiva O Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado hoje, constitui o mote para se traçar um retrato do estado do idioma em Macau, onde o português é língua oficial até 2049. Em declarações à agência Lusa, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR) defendeu que as autoridades de Macau estão a fazer um “investimento notável” no seu ensino. “Por parte da Direção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude [DSEDJ] está a ser feito um investimento notável. E se olharmos especificamente para o trabalho do Centro de Difusão de Línguas [CDL] da DSEDJ, acho que esse trabalho está a ser desenvolvido não só em quantidade, mas também em qualidade”, sustentou Joaquim Coelho Ramos. “Não só o ensino da língua portuguesa em escolas oficiais e particulares do ensino não superior tem vindo a crescer, mas também em qualidade, e tem sido colocada à disposição das escolas actividades complementares que ajudam este processo de ensino de aprendizagem”, sublinhou. A justificação pode estar no papel que Pequim atribuiu ao antigo território administrado por Portugal até 1999, para se assumir como plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países lusófonos e como base de formação de quadros qualificados bilingues em chinês e português. O director do IPOR salientou que “isso pode estar ligado ao desenvolvimento da visão da língua portuguesa como língua global e do interesse que existe, prático, do trabalho, através da língua portuguesa, de colaboração, cooperação com os países que a têm como língua oficial”. O interesse tem-se traduzido no acréscimo de solicitações junto do IPOR, acrescentou Joaquim Coelho Ramos: “Também notamos algumas instituições que vêm pedindo ao IPOR cursos de formação em língua portuguesa para os seus funcionários, com a intenção de melhor servir a população que fala português, mas também com a intenção de fazerem investimentos exteriores”. Ou seja, concluiu, “quer numa dimensão lúdica, quer numa dimensão pedagógica, quer numa dimensão pragmática ligada à economia, (…) há um desenvolvimento muito sério e muito bem feito, estrategicamente bem orientado para a língua portuguesa aqui [em Macau]”. No último ano lectivo, o curso de português realizado pelas escolas públicas subordinadas à DSEDJ contabilizava um total de 136 turmas, com 2.409 estudantes, e 27 turmas de actividades extracurriculares, com 429 alunos participantes, segundo dados oficiais. Também em 2019/2020, um total de 43 escolas particulares leccionaram o curso de português, que envolveu 5.591 alunos. Desde 2007 que a mesma entidade encarregou a Escola Portuguesa de Macau (EPM) de promover o curso intensivo de língua portuguesa, em horário após as aulas, para estudantes, com a DSEDJ a proporcionar ainda, gratuitamente, às escolas primárias e secundárias, uma plataforma de leitura ‘online’ de português. Isto além da atribuição de bolsas extraordinárias dedicada a formar quadros qualificados em cursos nas áreas de língua portuguesa ou tradução chinês-português, bem como para apoiar licenciaturas em Portugal frequentadas por residentes de Macau. Ainda no último ano, segundo a DSEDJ, 4.598 residentes foram subsidiados para participarem em cursos de português. Instituições como o Instituto Politécnico de Macau têm desenvolvido parcerias com universidades de países lusófonos na formação de docentes, intercâmbio de alunos e cooperação nos cursos de pós-graduação. Em declarações à Lusa, no final de 2020, o novo coordenador do Centro Internacional Português de Formação do IPM, Joaquim Ramos de Carvalho, assumiu a existência de um caderno de encargos para responder a crescentes exigências que vão da integração na China à criação de redes sino-lusófonas e de cooperação internacional. Os avisos No final de 2019, números enviados à Lusa pelo Governo de Macau indicavam que o ensino do português tinha crescido em Macau, nas escolas, em alunos e professores, nos últimos 20 anos sob administração chinesa. Os mesmos números apontavam para um aumento dos estudantes locais em cursos leccionados em português no ensino superior e para um crescimento dos alunos em mobilidade em Portugal. Em declarações ao HM, Carlos André, anterior director do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do IPM, fala de uma língua que continua “muito pujante” em Macau. “É um veículo de afirmação de um passado de que Macau se orgulha muito, num exemplo universal de diálogo entre culturas, e temos de olhar sempre com esperança para o futuro da língua portuguesa no território.” Sendo um idioma que nunca foi falado na rua, uma vez que a população de Macau sempre foi, na sua maioria, falante de cantonês, Carlos André recorda que essa característica faz com que encare a evolução da língua “com o maior optimismo”. “Há um legado histórico e é uma língua que continua a ter esta força, o que é surpreendente e não muito natural.” No entanto, deixa um aviso: as instituições académicas e institucionais têm de reinventar o papel que Macau desempenha nesta área, sob pena de o território ficar para trás. “Não pode distrair-se porque é muito importante para esse desenvolvimento [do idioma na China], mas se não der importância a isso vai ser descartado, porque com tantos doutorados na China vão podendo dispensar o apoio de Macau. Há o risco de Macau perder a importância que tem para o interior da China quanto ao ensino do português. As universidades chinesas tornam-se auto-suficientes com o seu corpo docente”, frisou. Hoje em dia, na China, há mais de cinco mil estudantes, mais de 200 professores e cerca de 50 universidades a ensinar o idioma. “A China é um case study”, aponta Carlos André. Também Rui Lourido, presidente do Observatório da China e coordenador cultural da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), diz que “há sempre imensas coisas a valorizar”, esperando que os apoios oficiais ao idioma continuem. “Num território onde a percentagem dos falantes de português é diminuta, o grande desafio é que, com o apoio das autoridades, os jornais continuem a ser impressos em português e que se faça a difusão do português.” Para o responsável, “é muito claro o apreço que o Governo de Macau e o Governo Central [em Pequim] fazem da presença da língua portuguesa e do interesse em desenvolver essa presença, apoiando e pagando uma série de jornais em português, e apoiando o idioma como língua oficial e no apoio, através do Instituto Cultural, de actividades em língua portuguesa. Temos o desenvolvimento da EPM, que tem um papel importantíssimo.” Ausência de política Para Rui Rocha, ex-director do IPOR e do departamento de língua portuguesa da Universidade Cidade de Macau, há ainda muito a fazer na área da tradução. “Macau tinha a obrigação de ter melhores intérpretes-tradutores português-chinês e chinês-português, e deixo ao critério das pessoas para avaliar a qualidade da tradução.” “Os bons intérpretes-tradutores vêm da China. A qualidade daquilo que nós vemos, por exemplo, nas placas das ruas e anúncios privados, a forma como o português está escrito… Isto significa que não há uma política linguística a partir da Lei Básica e das leis que determinam qual é o estatuto da língua portuguesa e chinesa.” Para o responsável, a tradução e interpretação é um dos nichos mais importantes do português, a par do Direito e da Administração pública. “Há um discurso oficial sobre o número de pessoas que estão interessadas na aprendizagem da língua portuguesa. Mas uma coisa são os números, que não são tão relevantes assim. Confunde-se um bocadinho o valor do investimento em língua portuguesa com aquilo que é o seu resultado efectivo. Portanto há muita ficção à volta daquilo que é a língua portuguesa. Esta não pode ser, em Macau, uma língua de divulgação massiva.” Rui Rocha diz que nestes três nichos “não se investe muito”, pelo que “não faz grande sentido dizermos que o português está em franca expansão”. E dá exemplos. “Na China, por exemplo, deve haver cerca de cinco ou seis mil alunos a aprender português. Ora o investimento não é grande, tendo em conta que há cerca de 45 mil a aprender espanhol, 50 mil a aprender francês, ou 800 mil a aprender inglês. Na China isto não acontece porque não se quer, pois as escolas de línguas ensinam uma multiplicidade de idiomas, incluindo não só o português, mas também o francês, o inglês, o russo, o coreano, japonês, tailandês. Há quotas para cada língua.” No caso de Macau “é uma língua que não é tratada como oficial”. “Para ser tratada como tal, o sistema educativo tinha que reflectir a função e o estatuto das línguas oficiais num sistema educativo. Como não reflecte, há um défice de aprendizagem da língua portuguesa.” O responsável fala da lei quadro publicada em 1991, sobre o sistema educativo não superior, que referia que as línguas obrigatórias de ensino eram o português e o chinês. “O português nunca foi de facto e em 2006 retira-se completamente a obrigatoriedade do ensino português como segunda língua oficial”, destaca. Para o ex-director do IPOR, “não há efectivamente uma política linguística, porque se houvesse as línguas oficiais estariam vertidas no sistema educativo e as pessoas eram obrigadas a estudar as duas línguas oficiais”. Erros na avaliação Rui Rocha não deixa de apontar o dedo ao sistema de avaliação, desde “os resultados efectivos dos alunos à própria avaliação dos professores”. “Esta é uma questão que me preocupa bastante. Não há uma avaliação daquilo que é produzido em termos de ensino, ou seja, os resultados em termos de aprendizagem.” A DSEDJ “dá muito dinheiro para as escolas”, que não implementam “um ensino estruturado mas sim um bocado aleatório e errático”. “No ensino superior era importante haver uma avaliação dos resultados finais daquilo que é ensinado, quer numa licenciatura, quer numa disciplina que seja curricular. Isso não é feito, porque nós não sabemos qual é a qualidade real daquilo que sai”, rematou. Entrega de Livros O IPOR promove hoje, no Consulado de Portugal, pelas 18h30, a doação de uma colecção de livros em língua portuguesa com vista a enriquecer os acervos das bibliotecas das escolas locais, de todos os níveis de educativos, que ensinam o Português. A cerimónia contará com a presença dos representantes consulares dos países de língua portuguesa em Macau, bem como com os directores das escolas da RAEM que ensinam Português, informa o IPOR em comunicado.
Hoje Macau SociedadeIPOR discute ensino de português à distância após pandemia [dropcap]O[/dropcap] Instituto Português do Oriente (IPOR) organiza esta sexta-feira e sábado, dias 27 e 28, a VI edição dos “Encontros de Pontos de Rede”, este ano dedicados ao ensino à distância de português como língua estrangeira (PLE), após a pandemia. Em comunicado, o IPOR recorda que a edição de 2020 se realiza no contexto da pandemia de covid-19, que “impôs ao mundo uma nova realidade, até aqui apenas explorada como possibilidade fantástica em obras de ficção”, mas que pode servir de pista para o futuro. “Tal como em outras áreas de actividade, em Educação as dinâmicas de trabalho à distância – já anteriormente em uso e em expansão – emergiram como alternativa natural à presença física dos intervenientes”, pode ler-se na nota. Apesar das “dificuldades e limites” originados pela pandemia, o IPOR aponta também a possibilidade de “aferir potencialidades da interação à distância”, nomeadamente em relação “à racionalização e agilização de processos administrativos e à condução da acção pedagógico-didáctica”. “É, pois, altura de fazer os balanços possíveis e de repensar o futuro próximo e o futuro mais distante pós-pandemia, em tempo ainda incerto”, indica-se na nota. Organizados anualmente, os Encontros de Pontos de Rede “pretendem criar um espaço de partilha de experiências entre professores de PLE e investigadores nesta área”. A edição deste ano, que vai discutir, entre outros, “estratégias e recursos didáticos” e a “avaliação e certificação de aprendizagens”, conta com a participação de académicos de vários países, incluindo José Pascoal, da Universidade de Macau, Raquel Carinhas, da Universidade da República do Uruguai e do Camões I.P., Helena Araújo e Sá, da Universidade de Aveiro, Filomena Capucho, da Universidade Católica Portuguesa, e Ana Sofia Pinho, da Universidade de Lisboa. Estão ainda confirmadas comunicações de docentes e investigadores do Brasil, Chile, França e Tailândia, bem como do Instituto Politécnico de Macau e de várias universidades do interior da China, incluindo a Universidade de Comunicação da China e a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim, além das universidades de Nankai, Jiaotong e Hebei, segundo a mesma fonte. A sessão de abertura realiza-se no dia 27 de novembro, às 09h00, no auditório Dr. Stanley Ho, no Consulado-Geral de Portugal em Macau.
Hoje Macau SociedadeEnsino | Apenas 7% dos alunos de português em Macau são lusófonos [dropcap]M[/dropcap]ais de dois mil alunos frequentam no ensino superior, em Macau, cursos de língua portuguesa ou ministrados em português, sendo que apenas cerca de 7 por cento são de países lusófonos, segundo dados enviados à agência Lusa. Dos 2.051 estudantes matriculados em cursos de língua portuguesa ou ministrados em português, pouco mais de 1.900 são na esmagadora maioria naturais do território ou da China, de acordo com os dados fornecidos pela Universidade de Macau (UM), Universidade de São José (USJ) e Instituto Politécnico de Macau (IPM). A UM oferece nesta área um total de 13 cursos na Faculdade de Artes e Humanidades e cinco na Faculdade de Direito. Dos 1.117 alunos a licenciarem-se em Estudos Portugueses, 11 são de países de língua portuguesa, enquanto que dos 251 que estudam Direito 22 são oriundos de países lusófonos. O IPM tem cinco licenciaturas em português: Relações Comerciais Sino-Lusófonas, Administração Pública, Tradução e Interpretação Chinês-Português, Educação Internacional de Língua Chinesa e Língua Portuguesa. O número actual de alunos matriculados nesta instituição nos cinco cursos é de cerca de 600, dos quais perto de uma centena são de países de língua portuguesa. Já a USJ indica que dos 334 estudantes matriculados na Faculdade de Humanidades em cursos de língua portuguesa 326 são estudantes locais. A mesma instituição de ensino superior explica que actualmente não existem cursos em português na Escola de Educação e que os alunos são de Macau (cerca de 15, ao todo, de origem chinesa), mas salienta que esta vai abrir no próximo ano um curso de Pós-Graduação em Educação em Português.