Estudo | Voto dos emigrantes portugueses com menor representatividade nas eleições

Um estudo desenvolvido por académicos portugueses conclui que o voto dos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo continua a ter um menor peso face aos votos dos que residem em Portugal. Há limites na sua representatividade e falhas que continuam por colmatar à luz das divergências e interesses políticos, o que origina uma elevada abstenção

 

[dropcap]N[/dropcap]ovas e Velhas Rotas da Emigração – Futuros Incertos na Periferia da Europa” é o título do mais recente estudo sobre a emigração portuguesa desenvolvido pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

Um dos capítulos conclui que os partidos políticos portugueses contribuem para a ausência de reformas do sistema eleitoral, nomeadamente no que diz respeito ao voto dos emigrantes, o que explica a elevada abstenção registada nos últimos anos em eleições para a Assembleia da República e Presidência da República portuguesa.

Além disso, o trabalho, desenvolvido pelos académicos Marco Lisi, da Universidade Nova de Lisboa, Ana Maria Belchior, Manuel Abrantes e Joana Azevedo, também conclui que existe menos representatividade do voto dos emigrantes face aos que residem em Portugal.

O estudo revela que “dois grandes problemas afectaram a completa inclusão e igualdade da representação política dos emigrantes”, tal como “a falta de representatividade do sistema eleitoral, por um lado, e as limitações e incongruências impostas pelos métodos de voto, por outro”.

“Devido ao número de emigrantes portugueses que vivem nos dois distritos extraterritoriais e o baixo número de deputados eleitos nestes distritos, o princípio de proporcionalidade não foi devidamente respeitado”, lê-se ainda.

Neste sentido, “estas questões tiveram importantes implicações no nível de participação dos cidadãos portugueses que vivem no estrangeiro, que tem registado um decréscimo significativo nas últimas décadas”, acrescenta o trabalho, consultado pelo HM.

Os autores defendem que “há limites ao nível da representatividade dos emigrantes, nomeadamente em termos de participação, proporcionalidade e eficácia dos métodos de voto”.

“Devido à falta de reformas compreensivas, o voto no exterior e as sucessivas reformas tem sido caracterizadas por várias questões problemáticas, especialmente ao nível dos procedimentos de voto. O que tem implicações significativas na efectividade do voto dos emigrantes”, acrescenta-se.

Pequenos sem hipótese

Para os autores, o facto de os portugueses residirem no estrangeiro pode explicar as razões para a desproporcionalidade. “A decisão pode ser explicada pelo medo da grande comunidade de emigrantes portugueses ficar em posição de eleger uma grande proporção de deputados, o que poderia ser injusto tendo em conta que os eleitores emigrantes não vivem no seu país.”

O estudo revela ainda que as leis actuais impossibilitam que candidatos de partidos mais pequenos sejam eleitos pelos eleitores que residem fora do país. “A elevada desproporcionalidade dos distritos extraterritoriais significa que é impossível eleger representantes dos partidos políticos mais pequenos. Apenas os dois maiores partidos conseguem fazê-lo”, neste caso, o PS ou o PSD.

Os investigadores realizaram entrevistas com deputados da Assembleia da República portuguesa eleitos pelo PS e PSD e muitos deles “indicaram que os distritos eleitorais para o voto externo necessitam de ser alvo de uma reforma para melhorar a representatividade dos emigrantes”. Contudo, “não existe consenso sobre a melhor forma de reforçar a ligação entre deputados e emigrantes”.

Peso partidário

Ao nível das eleições para os órgãos políticos em Portugal, Macau regista sempre elevadas abstenções, o que obrigou o anterior cônsul de Portugal em Macau, Vítor Sereno, a criar uma campanha em prol do recenseamento. Os autores deste trabalho académico apontam as quezílias entre partidos e os diferentes interesses como um dos entraves ao desenvolvimento dos modelos de voto.

“Os partidos políticos foram actores cruciais para determinar o conteúdo do sistema de voto eleitoral e a sua (possível) reforma. As grandes razões por detrás das dificuldades da reforma do sistema não se prendem apenas com a ‘constitucionalização’ das leis eleitorais, mas também com o conflito entre os principais partidos políticos e os direitos de sufrágio dos emigrantes.”

Actualmente, quem vive no estrangeiro vota de maneira diferente, consoante se tratarem de eleições legislativas ou presidenciais. Há muito que se fala na total adopção do voto electrónico, mas tem demorado a ser uma realidade.

“Tem existido uma forte divergência entre os actores políticos e as linhas partidárias, sobretudo no que diz respeito aos métodos de voto”, apontam os académicos. “Tradicionalmente, enquanto o PS e os partidos de esquerda radicais (PCP e BE) tem favorecido o voto pessoal, o PSD e o CDS-PP têm mostrado uma maior abertura, defendendo o voto postal e, mais recentemente, a adopção do voto electrónico. Neste sentido, as considerações estratégicas representam uma importante barreira contra as melhorias do sistema de voto externo.”

Os investigadores concluem que “os principais actores políticos não reconhecem a autonomia do voto externo com respeito ao sistema eleitoral interno, relegando este problema para um debate generalizado sobre as necessidades de melhoria da representatividade política a um nível nacional”.

Há ainda a questão da fraca mobilização dos emigrantes para a política portuguesa, o que justifica elevados níveis de abstenção registados no exterior. “O impacto limitado do voto dos emigrantes nos resultados finais das eleições, os baixos níveis de mobilização da sociedade civil e as características da emigração portuguesa – em termos socioeconómicos e distribuição geográfica – ajudam a explicar porque é que a reforma do voto externo tem sido bloqueada pelos interesses dos partidos políticos.”

Incongruências do voto

O facto de se votar de maneira diferente, seja por voto postal ou através da ida às urnas, também constitui um problema aos olhos dos investigadores. “A implementação deste procedimento de voto (por correio) tem sido problemática, com vários casos de práticas ilegais, sobretudo onde notáveis locais ou estruturas partidárias se conseguem organizar para votar de forma colectiva.

Além disso, o facto de se adoptarem diferentes procedimentos entre as eleições legislativas e presidenciais faz com que a prática do voto exterior seja incongruente”, lê-se no documento.

Apesar das inúmeras falhas, a comunidade de emigrantes portugueses representa uma importante fatia de eleitores. Dados recolhidos pelo Observatório da Emigração, baseados nas últimas estimativas da ONU, mostram que, em 2015 o número de emigrantes nascidos em Portugal ultrapassou os 2,3 milhões de pessoas, em que cerca de 22 por cento dos cidadãos portugueses nasceram fora do país, dados estes relativos a 2017.

“Contudo, se considerarmos os descendentes dos emigrantes, as comunidades portuguesas residentes no estrangeiro consistem em cerca de cinco milhões de pessoas. De acordo com dados de 2017, há 1.375 milhões de cidadãos portugueses a residir no estrangeiro com potencial direito de voto”, lê-se ainda neste estudo.

14 Ago 2019

Emigrantes dizem que nada foi feito para que fossem votar

[dropcap]V[/dropcap]ários representantes da emigração defenderam ontem, em Lisboa, que nada foi feito para que os emigrantes fossem votar nas eleições europeias, reclamando mais acção dos partidos e do Governo portugueses na mobilização dos eleitores.

A análise aos resultados das eleições europeias de 26 de Maio na emigração, onde a abstenção se situou nos 99%, marcou ontem a reunião dos membros do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas (CCP) com os deputados da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.

Nestas eleições, o universo eleitoral no estrangeiro subiu de menos de 300 mil para 1.431.825 eleitores, em resultado de alterações introduzidas no processo de recenseamento dos emigrantes, que passou a ser automático, com o número de votantes a situar-se nos 13.816.

“Estamos todos recenseados, mas nada foi feito para irmos votar. Nenhum partido fez campanha, não houve informação”, disse António Cunha, que representa os portugueses residentes no Reino Unido.

Nelson Ponta Garça, dos Estados Unidos, classificou o recenseamento automático como “a maior vitória” das comunidades nos últimos anos, mas apontou falhas aos partidos e à administração eleitoral na forma de comunicar com as comunidades, defendendo uma maior aposta nas redes sociais.

“Já não estamos no tempo dos dinossauros”, disse, considerando que as mensagens de sensibilização para o voto através das emissões internacionais da televisão pública não chegam à maior parte das comunidades.

“A rede consular está rebentada, estoirada, miserável. É a preocupação número um das comunidades e é essencial resolver esta questão”, disse.

Conselheiros e deputados apontaram falhas na votação em países como a França, Bélgica ou Luxemburgo, onde os portugueses com dupla nacionalidade não conseguiram votar para a eleição de eurodeputados portugueses, defendendo a necessidade de analisar estas questões com vista a fazer os ajustamentos possíveis.

É já a seguir

Com as legislativas de 6 de Outubro no horizonte, todos os partidos políticos se comprometeram a reforçar o trabalho de divulgação e sensibilização para o voto junto da emigração.

“Temos de trabalhar no sentido de garantir maior proximidade das mesas de voto aos eleitores”, disse Paula Santos, do PCP.

O Conselho Permanente, órgão de cúpula do Conselho das Comunidades Portuguesas, está reunido até sexta-feira em Portugal na sua habitual reunião anual.

Com um mandato de quatro anos, os conselheiros estão organizados num conselho permanente, conselhos regionais, comissões temáticas, secções e subsecções, e reúnem-se em plenário, em Portugal, uma vez por mandato.

30 Mai 2019

Protecção da China aos seus emigrantes

[dropcap]E[/dropcap]m 10 de Fevereiro de 1856, “a galera portuguesa Resolução largou de Macau com destino a Havana, levando a bordo 350 passageiros chineses e 29 tripulantes. No dia 16, à vista de Pulo Sapato, pelas 10 horas da noite, a gente que estava de quarto foi atacada pelos chineses armados com facas de cozinha, que lhes tinham sido fornecidas por um servente do cozinheiro.

A luta durou até à meia-noite, ficando mortos alguns chineses e feridos todos os oficiais e grande parte da tripulação que teve de abandonar o navio em botes, os quais chegaram ao Cabo S. James, na noite de 18, onde encontraram o navio que fora encalhar na baía do mesmo nome. Não julgaram prudente aproximar-se do mesmo e continuaram a navegar para o sul, com destino a Singapura, perdendo-se um bote, nessa noite, com nove pessoas. No dia seguinte, os botes foram cair sobre os parcéis de Camboja, onde se viraram, morrendo dez pessoas, entre as quais os dois pilotos e o contra-mestre.

O capitão e os restantes marinheiros alcançaram as ilhas de Camboja, onde foram presos e maltratados pela gente de terra, e, 25 dias depois, conseguiram embarcar numa soma, que os transportou a Singapura, onde chegaram no dia 5 de Maio. Supôs-se que parte dos chineses que iam a bordo eram piratas que, tendo pertencido ao partido rebelde e vendo-se perseguidos pelos mandarins, se resolveram alistar como colonos, aliciando outros para cometerem o atentado, a fim de passarem a algumas terras dos estreitos, onde se encontravam refugiados os seus partidários e correligionários das sociedades secretas”, segundo narra Luís Gonzaga Gomes.

Tratado não rectificado

Após a Segunda Guerra do Ópio (1856-60), os ingleses forçaram o governo Qing a permitir e regular por contrato a emigração dos cules chineses em todos os portos abertos pelos tratados. Em 1860, pelas Convenções de Pequim, sob a ameaça militar anglo-francesa, o governo chinês “permitiu o recrutamento dos trabalhadores chineses por ingleses e franceses para fora da China e o direito dos chineses a fazerem contratos com os ocidentais e emigrarem, sozinhos ou acompanhados pelas famílias”, segundo Liu Cong e Leonor Diaz de Seabra. Foi esta depois estendida a outras potências.

Pela Convenção da Emigração de 1866, só aplicável aos países dos tratados, “estabeleceu-se a cláusula de que os emigrantes chineses teriam direito a repatriamento gratuito e automático no fim de cumprir cinco anos de contrato”, segundo Beatriz Basto da Silva (BBS). “A implementação da Convenção de 1866 parece ter sido somente desejo do Zhongli Yamen, do inspector-geral Robert Hart e, durante algum tempo, também do embaixador americano na China”, segundo Liu Cong e Leonor Diaz de Seabra. BBS refere, a 15 de Novembro de 1866 “Os representantes da Inglaterra e França, em Pequim, assinam com o governo chinês uma convenção para regular a emigração chinesa mas os governos britânicos e francês, não a ratificam [pois não reconheciam alguns dos regulamentos]. Na verdade trata-se de uma jogada para asfixiar o comércio em Macau, mas os países envolvidos sairiam prejudicados também.”

Assim, em vez de acabar com as irregularidades da emigração e terminar com o tráfico em Macau, para aí se transferiu quase totalmente a emigração por contrato. Tal se devia a não estar ainda rectificado o Tratado de Daxiyangguo de 1862, entre Portugal e a China, pois o governo chinês pretendia voltar a ter em Macau um seu oficial (e não um cônsul), que fora expulso em 1849 pelo Governador Ferreira do Amaral, quando este aí fechara as Alfândegas chinesas. “Embora Portugal tenha conseguido, de facto e unilateralmente, a soberania de Macau, mediante a força, carecia do formal reconhecimento chinês da situação, de modo que o estatuto político-jurídico de Macau (…) continuava por ser esclarecido, o que não permitia aos portugueses exercer com eficácia os direitos soberanos em Macau”, segundo Wu Zhiliang, que refere, “Nesta conjuntura, tornava-se urgente entabular negociações com a Corte Celestial manchu para deixar definido o estatuto político-jurídico e comercial, além de conseguir as mesmas vantagens e interesses comerciais de outras potências com presença na China.”

A 14 de Abril de 1863, o Governo em Portugal aprovara o primeiro Tratado de Amizade e Comércio luso-chinês, Tratado de Daxiyangguo assinado na China a 13 de Agosto de 1862 pelo Ministro Plenipotenciário Isidoro Francisco de Guimarães, então Governador de Macau, e com a proposta de ser rectificado dois anos depois em Tianjin. A 20 de Maio de 1864, aí chegou como Ministro Plenipotenciário de Portugal José Rodrigues Coelho do Amaral, Governador de Macau desde 22/6/1863, mas sem a cláusula do estabelecimento duma alfândega chinesa em Macau, o Governo Qing não aceitou rectificar o Tratado e por isso, após um mês em Tianjin o Governador Coelho do Amaral regressou a Macau.

Venda de Macau

“Desde a não rectificação do tratado luso-chinês de 1862 que as relações diplomáticas bilaterais estavam praticamente interrompidas entre Lisboa e Beijing”, segundo Fernando Correia de Oliveira. O inglês Sir Robert Hart, inspector-geral das alfândegas chinesas de 1863 a 1911, “tinha um problema a resolver com Macau. As alfândegas do território, portuguesas ou chinesas, não estavam sob o seu controlo, e o contrabando de ópio ou o tráfico de escravos (cules) para as Américas irritavam este zeloso defensor dos interesses de Beijing. Primeiro, e sabendo dos apertos financeiros do governo de Lisboa, e dos boatos que circulavam em toda a Europa sobre a intenção de Portugal vender as suas colónias para ganhar a solvência das contas públicas, Hart tentou, com o chamado projecto Emily [1867], que a China comprasse Macau.

O príncipe Gong convenceu-se dos argumentos de Hart e conseguiu do governo chinês o assentimento para o processo. Hart usaria, para isso, o antigo embaixador espanhol em Beijing, D. Sinibaldo de Mas (autorizado, para iniciar o negócio, a dar um milhão de taéis a Portugal, a ficar com 100 mil para si e a gastar 200 mil na ‘compra’ de alguns portugueses influentes; morria em Madrid quando se preparava para a última etapa), e o seu enviado à corte de Londres, Duncan Campbell (que não chegaria a visitar Lisboa nessa altura, porque o Zongliyamen desistiu, entretanto, da ideia de comprar Macau)”, salienta Correia de Oliveira.

O Regulamento de 5 de Março de 1866, conhecido também por Convenção de 1866, visava dificultar a emigração dos cules contratados por Macau. “Os ingleses – a parte forte em confronto com os chineses, neste regulamento – procuravam chamar a si todo o controlo do tráfico, a fim de satisfazer as suas necessidades de mão-de-obra. E os franceses, seus aliados de então, secundaram-nos com a proibição aos seus súbditos de se ocuparem do comércio de cules no porto de Macau”, refere Lourenço Maria da Conceição.

Em 1866, o Governador de Macau, Conselheiro Ponte Horta, recebia instruções para anunciar a resolução de Portugal de aderir à Convenção.

14 Dez 2018

Emigrantes | Consulado garante salvaguarda de dados pessoais

A imprensa portuguesa indica que o fornecimento de dados pessoais de cidadãos portugueses no estrangeiro está suspenso, enquanto se aguarda por um outro parecer, mas o Consulado em Macau garante que nada será fornecido sem autorização dos residentes

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Secretaria de Estado das Comunidades terá já mandado suspender a possibilidade de serem fornecidos dados pessoais dos cidadãos portugueses no estrangeiro. Ainda assim, o Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong assegura que não tem por hábito dispensar estes dados sem autorização.
Um artigo da imprensa portuguesa dava na sexta-feira conta que, desde o dia 1 de Agosto, é possível serem disponibilizados o nome, a morada, o telefone e até número do cartão de cidadão de portugueses a residir no estrangeiro. O jornal “O Observador” indicava que o acesso aos registos sobre qualquer emigrante inscrito num consulado português é livre, podendo qualquer pessoa pedir estes dados junto dos serviços consulares do país ou região onde o cidadão se encontre, excepto nos casos em que o emigrante tenha dado indicação expressa de querer manter os seus dados confidenciais.
A decisão teria resultado num parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), publicado em inícios de Junho e que passou a ser posto em prática no dia 1 de Agosto, de acordo com o que a Secretaria de Estado das Comunidades garantiu ao jornal. Contudo, uma notícia deste fim-de-semana do jornal “Público” assegurava que os consulados que facultarem dados pessoais dos emigrantes a terceiros arriscam-se a serem multados ou mesmo a cometerem um crime. O diário citava a Comissão Nacional da Protecção de Dados e a Secretaria de Estado das Comunidades, que “veio dizer que tinha mandado suspender a disponibilização dos dados dos emigrantes, uma vez que estava à espera de um parecer da Comissão”.

Tudo vedado

Ao HM não foi possível confirmar a situação, devido à impossibilidade de contactar tanto a Secretaria em Portugal, como os conselheiros portugueses em Macau. Ainda assim, o Consulado-Geral português em Macau assegura que, seja qual for a situação, não vai fornecer dados.
“No que diz respeito aos pedidos referenciados, nomeadamente em situações de ‘pedidos de paradeiros de cidadãos portugueses residentes ou localizados no estrangeiro, apresentados por particulares, na sua maioria familiares e amigos, que pretendem saber a sua morada e contactos, pelas mais variadas razões’, é nossa prática e procedimento comum consultar primeiramente o cidadão inscrito em causa informando-o do pedido que recebemos. Só no caso de concordância do mesmo é que fornecemos os seus contactos e, regra geral, o correio electrónico, a terceiros”, pode ler-se numa nota colocado na página do Consulado e confirmada ao HM pelo chanceler Ricardo Silva.
O responsável confirmou ainda que os dados só são pedidos juntos do Consulado onde o cidadão estiver registado, o que significa que, no caso dos portugueses registados em Macau, o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Portugal também não pode ceder os dados se o cidadão não deu autorização cá no território para que tal aconteça.
Ainda que o Consulado garanta que não é costume ceder os dados, os responsáveis avisam que os cidadãos poderão enviar um email para macau@mne.pt para impedir que tal aconteça.
As informações sobre a nova circular são escassas, desde logo começando pelo facto do parecer que dava autorização ao fornecimento dos dados não estar sequer disponível online. A cedência dos dados viria na sequência de “diversos pedidos” de familiares e amigos, “maioritariamente”, sobre o paradeiro de alguns portugueses, mas também poderá servir, por exemplo, para a instauração de processos judiciais.

8 Ago 2016

O português em Macau

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]i com algum interesse o artigo neste jornal sobre a tese da doutoranda Vanessa Amaro que se debruçou sobre os padrões de comportamento dos portugueses em Macau. (*)
Naturalmente, quando se faz um estudo dessa natureza não é de todo inesperado que os resultados obtidos desencadeiem discussões agrestes, conforme se constata no próprio website do Hoje Macau onde o dito artigo pode ser lido.
Generalizar é sempre perigoso – mais ainda quando (1) o universo de inquiridos se limita a um pequeno grupo de 60 portugueses e (2) o público é incapaz de interpretar de forma devida os resultados do estudo.
Não se pretende com esse comentário tirar mérito ao trabalho feito o qual, conforme acima referido, me despoletou curiosidade por se tratar de um tema bastante interessante.
O importante, parece-me, é ter-se consciência de que se trata de um estudo assim talhado e que, por isso, não querendo colocar em causa os resultados obtidos e as conclusões tiradas pela autora, há que aceitar que logo ao virar da esquina poderemos encontrar um português aqui em Macau com um comportamento diametralmente oposto.
Dito isso, vou deixar aqui algumas considerações sobre o que me pareceu mais intrigante, esclarecendo-se desde já que o faço apenas com base no artigo do jornal, cujas passagens vou transcrever.

O carácter temporário

“Uma coisa comum é que todos pensam Macau como uma coisa muito temporária (…), nunca compraram casa, não aprenderam chinês porque sempre tiveram a intenção de um dia ir embora.”
Já estivemos pior – se é que se possa considerar o “carácter temporário” uma coisa má.
O que é certo é que antes da transferência de soberania esse “carácter temporário” era muito mais forte pois o português vivia Macau num cenário de contagem decrescente.
Contudo, as coisas estão a mudar. Frequentemente assisto a conversas entre pais portugueses sobre a educação dos filhos e preocupações com a língua chinesa, não descartando a possibilidade de um futuro em Macau. Não significa que se tenha descartado o “carácter temporário”. Quando muito, abandonou-se a ideia do regresso já agendado.4316P22T1
É claro que existem sempre uns ilustres que assumidamente não gostam de cá estar, mas que aqui estão porque, enfim, não têm outra alternativa.
Mas há também outros recém-chegados que gostam genuinamente de cá estar e não sentem necessidade de planear uma eventual saída. E isto para não falar daqueles que já aqui estão há uma data de anos, já se multiplicaram, e que não se conseguem imaginar a viver noutro sítio tão cedo. Alguns, mesmo já reformados, são incapazes de deixar Macau para sempre: passam umas temporadas cá e outros lá, vêm e vão conforme a saudade lhes aperta – seja ela em que sentido for.

Rejeição do termo emigrante

“Outro denominador comum é a recusa do termo emigrante para definir um português que vive em Macau, por ser pejorativo.”
Esse comportamento não se restringe apenas aos portugueses. Em geral, muitos que aqui estão, portugueses ou não, preferem a expressão “expatriado”, precisamente para evitar o cunho negativo que a expressão “emigrante” traz consigo.
No entanto, já me parece mais grave quando se lê no artigo que os portugueses em Macau poderão considerar “(…) uma ofensa colocá-los em pé de igualdade como outras comunidades, como os filipinos (…)” e que terá a ver com “(…) a necessidade de a comunidade se tentar posicionar como elite.”
É um facto que alguns têm essa mentalidade da elite, talvez fruto de um certo orgulho ferido. Contudo, e curiosamente, é também após a transferência de poderes que se observa em Macau a presença de portugueses com condições de trabalho e formas de vida não muito diferentes das dos nossos amigos da comunidade filipina.
Portanto, ainda que existam os tais com a mania da elite – e felizmente não serão muitos, seguramente uma minoria – há também outros que têm uma postura admiravelmente humilde.

E finalmente: a bolha

“(…) a bolha em que vivem alguns portugueses, que adoptaram a ideia de que podem fazer a sua vida sem ter de aprender chinês (…), fecham-se nos seus grupos e fazem toda a sua vida no circuito português.”
A bolha existe sim. E a língua é o factor principal.
Questionou-me um dia um amigo meu da faculdade, que já aqui esteve por duas vezes, por que razão não falam chinês os portugueses em Macau.
Dizia ele – com razão – que o português que fixe residência em qualquer outro país que seja aprende sempre a falar a língua local.
A minha resposta?
Este é um assunto para ser tratado com pinças e não quero (voltar) a ser mal interpretado e, como tal, limito-me a dizer o seguinte: tive o privilégio de ser educado desde muito cedo a aceitar de forma objectiva a transferência de soberania.
Por essa razão hoje, na qualidade de português de Macau e em Macau, vivo harmoniosamente na RAEM sem complexos.
Há coisas que levam tempo a mudar – estamos a falar de uma alteração profunda de mentalidade.
E, analisando bem as coisas, a RAEM existe há apenas 16 anos.
É preciso dar tempo ao tempo.

Sorrindo Sempre

Voltou à carga o nosso amigo Roy Eric Xavier. Como se não bastasse a birra que fez no passado quando instituições locais lhe recusaram o apoio para um projecto pessoal, agora, por alguma razão, decidiu acusar os líderes da comunidade macaense de miopia cultural. (**)
As bombas que o senhor doutor lança sazonalmente já se tornaram habituais e a malta até já encolhe os ombros. Tal como o cão do vizinho que ladra sempre que alguém passa por perto – era preferível que não ladrasse, mas como está fechado dentro de casa e atrás da porta, também já pouco nos importamos.
Melhor de tudo continua a ser a sua definição de Macaense – o tal International Macanese – que, confesso, ainda hoje fui incapaz de compreender.
E mais baralhado fiquei depois de ler as suas últimas declarações: os Macaenses são “(…) os portugueses euroasiáticos (…) nascidos em Macau ou os descendentes de portugueses euroasiáticos nascidos ou com ligações familiares a Portugal, Goa, Índia Ocidental, sul da China (…) Japão, Malásia, Indonésia ou Timor”. (***)
Com definições assim, não admira o senhor doutor considerar os líderes da comunidade Macaense uns míopes culturais.
Porque afinal o mundo está cheio de Macaenses – de Portugal a Timor e até mesmo no Japão, os porutugaru kei nihonjin são também Macaenses, a Tina Yuzuki é também Macaense – mas por alguma razão ninguém os reconhece como tal, ninguém os consegue ver.
Mas, tal como os extra-terrestres que a pouco e pouco vão colonizando o planeta Terra sem nos apercebemos – they are out there.

(*) Hoje Macau, edição de 29 de Fevereiro de 2016
(**) JTM, edição de 25 de Fevereiro de 2016
(***) JTM, edição de 1 de Março de 2016

4 Mar 2016