Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasO enigma de Elgar [dropcap]A[/dropcap]ssinala-se hoje o 162º aniversário do nascimento do compositor britânico Sir Edward Elgar. Filho de um afinador de pianos e rodeado de música e instrumentos musicais na loja do pai na High Street, em Worcester, no Worcestshire, o jovem Edward William foi auto-didacta em música. Deixando a escola aos 15 anos, começou por trabalhar com um advogado local, mas após um ano enveredou por uma carreira musical, aprendendo piano e violino. Aos 22 anos tornou-se chefe de banda no Worcester and County Lunatic Asylum. Foi primeiro violino nas orquestras dos festivais de Worcester e Birmingham, e chegou a tocar a Sexta Sinfonia e o Stabat Mater de Antonin Dvořák, sob a direcção do próprio compositor. Aos 29 anos de idade, conheceu a sua futura mulher, Caroline Alice Roberts, filha de um oficial do exército britânico e poetisa e escritora, oito anos mais velha. Casaram-se três anos depois contra a vontade da família dela, e a prenda de Edward para Caroline foi a famosa peça para violino e piano Salut d’amour, op. 12. Após o seu casamento, os Elgars passaram a residir em Londres, centro da vida musical inglesa. Após algum tempo, constataram que não podiam subsistir apenas com o trabalho de compositor de Edward, pelo que ele retomou o ensino de música. Durante a década de 1890, a reputação de Elgar como compositor cresceu gradualmente, especialmente com obras vocais para os grandes festivais corais das Midlands. The Black Knight (1892), King Olaf (1896), The Light of Life (1896) e Caractacus (1898) constituíram êxitos modestos, mas valeram-lhe a publicação dos seus trabalhos pela famosa editora Novello & Co. por muito tempo. Vários críticos observam que, embora Elgar seja recordado como um compositor inglês característico, a sua música orquestral tem muitos pontos em comum com a tradição musical da Europa central, tipificada naquele tempo por Richard Strauss. O compositor sentia-se um forasteiro, não apenas numa perspectiva musical, mas socialmente. Nos círculos musicais dominados por académicos, era um compositor auto-didacta; num Reino Unido protestante, o seu catolicismo era visto com alguma desconfiança. No entanto, Elgar viria a compor o seu primeiro grande trabalho orquestral, as famosas Variações Enigma, apenas aos 42 anos de idade, em 1899. A obra intitula-se Variations on an Original Theme (Enigma) e é constituída por uma série de catorze variações musicais. É uma das composições mais conhecidas de Elgar, dedicada aos seus amigos nela retratados; cada variação constitui um retrato emotivo de algumas das suas relações sociais mais próximas. Conta-se que, num dia de 1898, depois de uma cansativa jornada de ensino, Elgar começou a improvisar ao piano. Uma das melodias que improvisou chamou a atenção de Caroline, que lhe pediu que a repetisse. Então, para entretê-la, Elgar começou a improvisar variações sobre essa melodia, cada uma imitando o estilo de algum amigo ou amiga íntimos. Algum tempo depois, Elgar expandiu essas variações, num total de catorze, e orquestrou-as, transformando-as nas Variações Enigma. A obra inicia-se com o tema, uma bela melodia confiada principalmente às cordas. A primeira variação, dedicada a Caroline, é um prolongamento delicado e romântico do tema. A segunda, com rápidos movimentos das cordas, revela as características brincalhonas do seu amigo Stuart-Powell. Na terceira, o oboé e o pizzicato das cordas ajudam a representar a buzina da bicicleta de Baxter Townshend. A quarta variação, dedicada a um proprietário de terras local, é forte e pomposa. Na quinta, a alternância entre triste e alegre representa as oscilações de humor do amigo Penrose Arnold, filho do poeta Matthew Arnold. Na sexta, a viola solo representa um papel especial, uma vez que é dedicada a Isabel Fitton, estudante de viola. A sétima, dedicada ao arquitecto Troyte Griffith, é extremamente enérgica. A leveza da oitava variação remete aos momentos prazerosos que Elgar passou na bela casa de Winifred Norbury. A nona, “Nimrod”, a mais profunda de todas, é dedicada ao amigo August Jäger, que lhe deu apoio nos momentos difíceis (Nimrod é um personagem bíblico, descrito como um poderoso caçador; Jäger significa “caçador” em alemão). A décima variação, extremamente delicada, homenageia a amiga e biógrafa Dora Penny. A décima primeira, uma das mais animadas, é dedicada ao amigo e organista Robertson Sinclair. Na décima segunda, dedicada ao violoncelista Basil Nevinson, os violoncelos dominam a cena. A décima terceira, dedicada à amiga Lady Mary Lygon, guarda lembranças da primeira variação, principalmente na doçura do carácter. A décima quarta variação, dedicada ao próprio compositor, fecha o ciclo majestosamente. As Variações Enigma foram apresentadas em Londres, no St. James’s Hall, no dia 19 de Junho de 1899, sob a direcção do maestro austríaco Hans Richter. Recebendo aplauso geral, iriam fazer com que Elgar se tornasse o compositor britânico mais conhecido da época. Elgar reviu a obra pouco tempo depois, estendendo o final a fim de criar uma forma mais simétrica. A nova peça recebeu o título de “Variações Enigma” graças a uma carta do compositor, logo após a estreia, dizendo que havia um segundo tema, misterioso, que perpassava todas as variações, não perceptível a ninguém. “O enigma”, disse Elgar, “eu não explicarei”. Esse tema, escondido nas profundezas do tecido musical, deu início a inúmeras especulações. Até hoje, o enigma não foi solucionado! Sugestão de audição da obra: Edward Elgar: Variations on an Original Theme (Enigma), Op. 36 Hallé Orchestra, Sir Mark Elder – Hallé, 2002