Covid-19 | Doentes hospitalizados apresentam lesões cardíacas após alta

Além das sequelas respiratórias, acumulam-se estudos que ligam problemas cardíacos à pandemia. Um estudo da Sociedade Europeia de Cardiologia, publicado ontem, revela que mais de metade das pessoas internadas devido à covid-19 apresentam lesões no coração um a dois meses após alta hospitalar. O elevado grau de incidência de graves sequelas cardíacas incide, principalmente, em quadros clínicos severos de covid-19, mas mesmo casos assintomáticos podem afectar o coração

Com agências 

 

Um estudo divulgado ontem revela que mais de metade das pessoas hospitalizadas com covid-19 grave, e com níveis elevados da proteína troponina no sangue, apresentam lesões no coração que foram detectadas um a dois meses após alta clínica.

O estudo, divulgado na publicação European Heart Journal, da Sociedade Europeia de Cardiologia, envolveu 148 doentes de seis hospitais de Londres, capital do Reino Unido, dos quais 80 (54 por cento) apresentavam cicatrizes ou lesões no músculo cardíaco (incluindo miocardite, enfarte do miocárdio e isquemia).

As lesões foram detectadas em exames de ressonância magnética feitos aos pacientes um a dois meses depois de terem alta hospitalar.

Todos os 148 doentes tinham níveis elevados da proteína troponina no sangue, indicador de uma inflamação no coração. Os dados da amostra foram comparados com os de um grupo de controlo de doentes que não tinham covid-19 e com 40 voluntários saudáveis.

Muitos dos doentes hospitalizados com covid-19 costumam ter concentrações elevadas da proteína troponina no sangue durante a fase crítica da doença, quando o corpo desencadeia uma resposta imunitária exagerada à infecção respiratória causada pelo coronavírus SARS-CoV-2.

Segundo uma das coordenadoras do estudo, Marianna Fontana, professora de cardiologia na University College London, no Reino Unido, “os doentes com quadros clínicos mais severos de covid-19 frequentemente sofrem de doenças pré-existentes como diabetes, elevada pressão arterial e obesidade, porém, o coração “pode ser directamente afectado” pelas manifestações graves da covid-19.

Ao identificar “diferentes padrões de lesão” no coração, a ressonância magnética permitirá, de acordo com a especialista, citada em comunicado pela Sociedade Europeia de Cardiologia, “fazer diagnósticos mais precisos e direcionar os tratamentos mais eficazes” aos doentes.

Marianna Fontana adiantou que os exames mostraram que “algumas das lesões” no músculo cardíaco “eram novas e provavelmente causadas por covid-19”.

“Vimos lesões mesmo quando a função de bombeamento do coração não foi prejudicada”, disse, assinalando a preocupação de, nos casos mais graves, estas lesões poderem eventualmente aumentar o risco de insuficiência cardíaca.

O que não se vê

Uma das importantes ressalvas do estudo é que as conclusões retiradas a partir do acompanhamento de pacientes que foram hospitalizados devido à covid-19 nada diz sobre quem faz convalescença em casa, ou quem é internado numa unidade hospitalar sem não revelar elevados nível de troponina.

A equipa de cientistas descobriu que o funcionamento do ventrículo esquerdo do coração, a câmara responsável por bombear sangue oxigenado para todas as partes do corpo, estava normal em 89 por cento dos 148 pacientes. Ainda assim, foram encontradas cicatrizes ou lesões no músculo cardíaco em 80 pacientes (54 por cento). O estudo da Sociedade Europeia de Cardiologia refere que o padrão de cicatrização ou lesão do tecido teve origem em inflamações em 39 doentes (26 por cento), doença cardíaca isquémica, que inclui enfarte ou isquemia, em 32 doentes (22 por cento), ou ambos em nove doentes (6 por cento). Doze pacientes (8 por cento) revelaram a inflamações cardíacas contínuas, ou miocardite.

Apesar dos resultados preocupantes, Sonya Babu-Narayan, directora médica associada da British Heart Foundation e cardiologista consultora, mete água na fervura. “Estas descobertas não são aplicáveis a pessoas que tiveram infecções leves ou assintomáticas de covid-19”, comentou, citada pela Asian News International. A cardiologista adiantou ainda que o estudo pode inclusive ter revelado patologias que os doentes desconheciam anteriores à pandemia.

Ainda assim, Sonya Babu-Narayan entende que o estudo da Sociedade Europeia de Cardiologia oferece duas oportunidades às ciências médias. “Em primeiro lugar, permite encontrar formas de prevenir a lesão. Com base em alguns padrões que temos observado, a coagulação sanguínea pode desempenhar um papel no processo que resulta em lesões. E para isso temos potenciais tratamentos. Em segundo lugar, encontrar as consequências da lesão durante a convalescença pode identificar indivíduos que beneficiariam de tratamentos específicos de apoio farmacológico para proteger a função cardíaca ao longo do tempo.”

Continuar debaixo de lupa

São vários os alertas dados de vários quadrantes da comunidade científica em relação à extrema necessidade de prosseguir com os estudos dos efeitos “colaterais” da covid-19, em particular a nível cardiovascular, em particular para quem não necessitou de internamento hospitalar. Porém, começam a avolumar-se as investigações científicas que sugerem que a maioria dos infectados com covid-19 pode vir a sofrer de sequelas cardíacas.

Por exemplo, um estudo publicado em Junho de 2020, na revista científica JAMA, revelou que 78 por cento das doentes recentemente recuperados de covid-19 apresentavam anomalias no músculo cardíaco e cerca de 60 por cento revelavam infecções.

Outro estudo deu conta de que mesmo passados 27 meses depois da infecção com o novo tipo de coronavírus, 30 por cento das pessoas poderá apresentar funcionamento anormal do coração.

Entre as muitas pesquisas científicas, subsiste uma incerteza que causa apreensão à comunidade médica: os resultados de estudos, como o da Sociedade Europeia de Cardiologia, podem ser apenas a ponta de um icebergue que só pode ser vislumbrado após acumulados anos de problemas de coração resultantes da infecção de covid-19.

Em Julho do ano passado, uma equipa de cientistas alemães publicou um estudo que concluía que 78 por cento dos pacientes recuperados de covid-19, a maioria com apenas sintomas ligeiros ou moderados, demonstraram complicações cardíacas mais de dois meses depois do diagnóstico inicial.

Seis em dez apresentaram quadros clínicos de miocardia persistente (inflamação). Em declarações à revista Scientifica American, Elike Nagel responsável pelo estudo, ressalvou que as conclusões não deviam levar a excessos de nervosismo. Porém, o cientista deu uma perspectiva que pode provocar palpitações. “Na minha opinião pessoal, o covid-19 vai contribuir para o aumento dos casos de falhas cardíacas nas próximas décadas”.

 

Máscaras | Humidade produzida pode reduzir gravidade da doença

Um estudo do National Institutes of Health (NIH), agência federal norte-americana de investigação médica, concluiu que a humidade gerada pela respiração dentro das máscaras pode ajudar a combater doenças respiratórias como a covid-19.

Os resultados desta investigação, publicados no Biophysical Journal, indicam que o uso de máscaras de vários tipos aumenta substancialmente a humidade do ar inspirado por quem a usa e relaciona este dado com o facto já provado de que a hidratação do trato respiratório beneficia o sistema imunológico.

Segundo o estudo, esta conclusão pode ajudar a explicar a razão pela qual o uso de máscaras de protecção individual tem sido associado a uma menor gravidade da doença de pessoas infectadas pelo vírus SARS-CoV-2.

“Descobrimos que as máscaras aumentam fortemente a humidade do ar inalado e admitimos que a hidratação do trato respiratório daí resultante pode ser responsável pela descoberta já documentada que associa a menor gravidade da doença covid-19 ao uso de máscara”, adianta Adriaan Bax, investigador do NIH e autor principal do estudo.

De acordo com o investigador, está demonstrado que níveis elevados de humidade “atenuam a gravidade da gripe”, o que pode ser aplicado à covid-19 “através de um mecanismo semelhante”. Na prática, os elevados níveis de humidade inalada podem limitar a propagação de um vírus aos pulmões, através de um mecanismo de defesa que remove o muco – e partículas potencialmente nocivas dentro do muco – desse órgão.

Além disso, uma elevada humidade pode também fortalecer o sistema imunológico, produzindo proteínas especiais, chamadas interferons, que lutam contra vírus – um processo conhecido como resposta de interferon.

O estudo analisou quatro tipos comuns de máscaras: uma máscara N95, uma máscara cirúrgica descartável de três camadas, uma máscara de algodão e poliéster de duas camadas e uma máscara de algodão pesado.

19 Fev 2021

Crianças dos PALOP com problemas cardíacos acolhidas por instituição portuguesa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número 33, no Catujal, concelho de Loures, foi o espaço escolhido para acolher, tratar e acompanhar crianças dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) com problemas cardíacos, cujos tratamentos nos seus países de origem são limitados.

Em declarações à agência Lusa, Igor Rodrigues, responsável pela Casa Damião, explicou que a instituição surgiu através de “um colectivo de religiosos – a Congregação dos Sagrados Corações – que fundaram a Casa Damião” para dar “mais dignidade, segurança e conforto no acompanhamento destas crianças”.

O responsável pela Casa Damião assistiu ao surgimento, em abril de 2013, da instituição que realiza um acolhimento temporário, pré e pós-hospitalar, para crianças e jovens, com especial atenção para as crianças da Guiné-Bissau.

“No âmbito dos protocolos de colaboração na saúde entre o Estado português e os países africanos de língua oficial portuguesa, Guiné-Bissau é o país que apresenta maiores debilidades e fragilidades na saúde, daí o nosso foco ser estas crianças da Guiné-Bissau”, salientou.

Durante a visita pela casa, que tem capacidade para receber até sete crianças, Igor Rodrigues referiu que esta instituição acompanha as crianças desde que chegam, até ao regresso do seu país de origem, assegurando alojamento, alimentação, vestuário e educação durante o período em que estão em Portugal.

“O que nós fazemos aqui é dar o acompanhamento pré e pós hospitalar, e também damos a continuidade, ou seja, acompanhamos as crianças também em contexto hospitalar”, referiu.

A Casa Damião conta com o apoio de uma equipa composta por duas enfermeiras e um médico pediatra que permitem dar continuidade ao tratamento pré e pós hospitalar.

Lígia Sousa é enfermeira e divide o seu tempo entre o Centro de Saúde onde trabalha e a instituição e considera que é fundamental que as crianças saiam da Casa Damião com o conhecimento necessário para uma toma correta da medicação.

“Após recuperadas [as crianças], fazemos a preparação para o regresso ao país de origem. E, nesta fase é muito importante capacitar a criança para a autogestão das questões de saúde e da terapêutica, para que a continuidade dos cuidados seja feita no seu país”, sublinhou.

De forma a garantir que todo o processo seja cumprido, esta instituição tem o apoio de uma organização não-governamental (ONG) espanhola.

“Nós temos um parceiro que colabora connosco e está no terreno que é uma ONG, a AIDA [Ajuda Intercâmbio e Desenvolvimento], que garante que todos estes cuidados serão dados no país de origem das crianças. E, isto é uma mais-valia, porque garante que a criança, não só vai cumprir a terapêutica, vai fazer todos os cuidados que são necessários, as consultas de rotina, como também uma participação junto da família para garantir que todos os processos e cuidados são prestados da melhor maneira”, indicou.

Ao longo de seis anos de trabalho, a Casa Damião já apoiou 24 crianças, grande parte com patologias cardíacas, e pretende no próximo ano receber mais 12. Um objetivo traçado por Igor Rodrigues, que apela ao apoio de novos investidores sociais para dar continuidade ao projeto.

“A Congregação [dos Sagrados Corações] tem financiado a Casa Damião. Neste momento, neste último semestre, foi-nos comunicado que vão sair de Portugal e só temos financiamento até dezembro. E, portanto, estamos à procura para o ano de 2019 de novos investidores sociais, que nos permitam continuar a salvar a vida destas crianças”, alertou.

Numa casa onde neste momento estão quatro crianças o trabalho dos voluntários também é valorizado.

Camilo Pimental é voluntário desde o primeiro dia em que a Casa Damião surgiu e é com um sorriso que afirma que observar a recuperação das crianças e proporcionar uma perspectiva de vida “tem sido de facto uma coisa muito boa”.

Este voluntário recordou a história de um jovem que, apesar do seu estado frágil, “estava sempre bem disposto e conseguia sempre dar a volta às situações”.

Também Igor Rodrigues lembrou um episódio de um jovem que chegou à instituição em 2015 “numa fase muito debilitada”.

“Ele basicamente chegou cá entre a vida e a morte e conseguimos garantir a recuperação e a reabilitação dele para poder regressar ao seu pais de origem”, referiu.

Para a enfermeira Lígia Sousa, o trabalho na instituição “dá imenso estímulo”, pois conseguem “ver a evolução e a diferença” que fazem na vida destas crianças.

14 Out 2018