Manifestações | Desde 2018, 60% de cancelamentos pelos organizadores

Entre Setembro de 2018 e o fim do ano passado, o Corpo de Polícia de Segurança Pública recebeu 55 avisos de manifestação. Deste universo de pedidos, 60 por cento foram cancelados pelos organizadores e quatro não foram aprovadas pelas autoridades.
Em pouco mais de quatro anos, entre Setembro de 2018 e o fim de 2022, o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) recebeu no total 55 avisos para organização de manifestações. Segundo dados facultados pelas autoridades policiais ao jornal All About Macau, destes 55 avisos, 33 foram cancelados voluntariamente pelos organizadores, o que corresponde a 60 por cento.
A juntar às desistências, o CPSP revelou que durante o período em apreço não foram autorizadas quatro manifestações, duas em 2020 e outras duas em 2021, correspondendo a 7,3 por cento.
Em 2022, as autoridades não receberam qualquer aviso de manifestação.
Ouvido pela All About Macau, o ex-deputado Au Kam San apontou o dedo às alterações à Lei do Direito de Reunião e Manifestação, aprovadas em 2018, e que levaram a que os avisos para organizar manifestações passassem a ser entregues ao CPSP, em vez de ao Instituto para os Assuntos Municipais.
O histórico ex-deputado considera que as autoridades têm em conta os temas das manifestações no momento da autorização.
Em relação às manifestações não autorizadas pelas autoridades durante o período em apreço, o CPSP justificou que esta via apenas foi seguida quando os eventos implicavam violações à lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis depois de ouvidas as opiniões dos Serviços de Saúde.
O CPSP sublinhou que segue estritamente os procedimentos e regulamentos relevantes da Lei do Direito de Reunião e Manifestação em todos os avisos de manifestação que recebe.
Recorde-se que 2023 foi o quarto ano consecutivo em que o Dia do Trabalhador não foi assinalado nas ruas de Macau, como vinha sendo tradicionalmente marcado na agenda política do território antes da pandemia.

Direitos e tortos
Além das vigílias do 4 de Junho, uma das manifestações não autorizada que maior impacto teve ao nível do exercício de direitos fundamentais em Macau partiu de um aviso de manifestação apresentado por trabalhador não-residente do Myanmar que pretendia manifestar-se contra o golpe de estado no país de origem.
Apesar de constar na Lei Básica que residentes e trabalhadores não-residentes gozam dos mesmos direitos, o Governo entendeu que a interpretação final sobre o direito de reunião e manifestação é feita através da lei específica sobre este direito.
Esta foi a interpretação feita em 2021 pelo secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, quando o aviso de manifestação apresentado trabalhador não-residente do Myanmar foi rejeitado.
“De facto, o artigo 43.º da Lei Básica afirma o princípio de que às pessoas não-residentes, mas que se encontrem na RAEM, devem ser reconhecidos os direitos e deveres fundamentais previstos para os residentes de Macau, todavia, esse reconhecimento é apenas um princípio geral, não absoluto”, afirmou na altura Wong Sio Chak.

24 Mai 2023

CPSP | Filhas de Au Kam San defendem direito à manifestação pró-Pequim

As duas irmãs, filhas do deputado Au Kam San, detidas no dia da vigília proibida em memória do massacre de Tiananmen defenderam em declarações à Lusa o direito à manifestação pró-Pequim que aconteceu 24 horas depois, sem qualquer acção policial

 

[dropcap]“E[/dropcap]les são livres de expressar a sua opinião. Não concordamos com a opinião deles, mas têm todo o direito de fazerem o que querem. A polícia está a ser razoável com eles, mas não connosco”, disseram, a meias, Cherry Au e Christy Au, que estão a ser investigadas por reunião ilegal.

As jovens são ambas filhas do deputado pró-democracia Au Kam San, um dos organizadores da vigília sobre Tiananmen que este ano foi proibida em Macau pela primeira vez em três décadas e que acabou por realizar-se dentro de uma casa, com transmissão ‘online’ na noite de 4 de Junho.

A pandemia da covid-19 foi dada como justificação pelas autoridades para banir a iniciativa. Mas, no dia seguinte, um grupo de cerca de 40 pessoas encheu um autocarro turístico e manifestou-se em vários pontos de Macau, em apoio à lei da segurança nacional de Hong Kong.

Duas velas, um livro sobre o massacre de Tiananmen e uma fotografia para as redes sociais, após a vigília dentro de quatro paredes, terá ‘justificado’ a intervenção policial, assinalam ironicamente as jovens residentes de Macau.

Já a manifestação ‘sobre rodas’ de apoio à legislação que o regime chinês decidiu impor a Hong Kong, passou despercebida à vigilância da Polícia de Macau, que diz ter tido conhecimento da iniciativa apenas através dos ‘media’.

Confrontadas com a aparente dualidade de critérios, as forças de segurança garantiram que iam investigar a existência de irregularidades na iniciativa “de apoio ao Governo Central”, mas avançaram desde logo com uma primeira conclusão: “Não considerámos esta actividade como uma manifestação”.

Guião de filme

Cherry e Christy Au vivem no Reino Unido. A primeira estuda fotografia de moda, a segunda bioquímica. Ali estudam, respectivamente, há 13 e há 9 anos.

“Vimos sempre a Macau nas férias de Verão. Na minha mente parecia tudo sempre razoável, por isso é uma espécie de surpresa para mim [o que aconteceu] e, francamente, um pouco ridículo”, desabafou Christy, de 25 anos, um ano mais nova do que a irmã. “É estranho, definitivamente. Nós costumávamos pensar que estávamos numa cidade democrática”, acrescentou Cherry.

Cherry e Christy dizem não ter medo da investigação e de eventuais sanções, que garantem desconhecer porque nem sequer tiveram a curiosidade de tentar saber quais são. “Não podemos fazer nada agora. Não fizemos nada de errado. (…) Queríamos tirar uma foto, no banco, com igreja como fundo, que era onde costumávamos fazer a vigília. Tínhamos só o livro e duas velas, fomos super discretas, (…) nunca estivemos a gritar ‘slogans’, ou a mostrar cartazes, a fazer discursos”, asseguram.

A irmã mais velha, guardou na memória um arrependimento: que a mãe tenha publicado, no dia seguinte, no Facebook do pai, a imagem que a jovem tirou com o telemóvel na noite em que foi detida: “não era nada de especial” e isso pode arruinar a sua reputação enquanto estudante de fotografia de moda, brincou, entre sorrisos.

Na fotografia a preto-e-branco vê-se Christy, de costas, sentada num banco, com a igreja pela frente, e uma parte da praça, quase deserta. Ao lado da jovem, no banco, duas velas ladeiam e ‘iluminam’ o livro sobre Tiananmen.

12 Jun 2020