Justiça | Lai Kin Hong elogiado pelo Conselho dos Magistrados

O Conselho dos Magistrados Judiciais emitiu uma nota a destacar o empenho profissional de Lai Kin Hong, ex-presidente do Tribunal de Segunda Instância, e o papel que assumiu na formação de magistrados locais

 

O Conselho dos Magistrados Judiciais emitiu uma nota de louvor para Lai Kin Hong, ex-presidente do Tribunal de Segunda Instância, que se reformou esta semana. A deliberação do conselho foi publicada ontem em Boletim Oficial e enaltece a “dedicação aos tribunais da RAEM ao longo destes anos”.

“Indo o Ex.mo Senhor Dr. Lai Kin Hong desligar-se do serviço por aposentação voluntária no dia 18 de Outubro de 2022, pelo espírito de cooperação e dedicação revelado durante o exercício das funções como juiz e presidente, é ao Conselho dos Magistrados Judiciais grato e justo distinguir publicamente o Ex.mo Senhor Dr. Lai Kin Hong, conferindo-lhe louvor público”, foi declarado.

A nota publicada ontem destaca a carreira de 37 anos de Lai Kin Hon “na Função Pública” e aponta que o juiz “não só se esforçou para manter o normal funcionamento dos órgãos judiciais, mas também contribuiu significativamente para a transição estável do poder judicial”, aquando a transferência da soberania, em 1999.

Destacados julgamentos

O ex-juiz vê também reconhecido o papel nos julgamentos em que participou. “No seu exercício de funções como juiz e presidente do tribunal da RAEM, realizou, com grande seriedade, julgamento de todos os processos que lhe competiam, mostrando-se assim prudente e atento no trabalho, de uma forma empenhada e competente”, é indicado.

Lai Kin Hong foi um dos juízes envolvido no julgamento do ex-Procurador da RAEM, que terminou com a condenação de Ho Chio Meng a 21 anos de prisão, pela prática de 1.091 crimes, entre os quais 9 de peculato, 66 de burla qualificada de valor consideravelmente elevada, 484 participação em negócio, entre outros.

O conselho destaca ainda o papel de Lai como formador de quadros qualificados: “Deu o seu contributo relevante para a formação dos magistrados locais e profissionais na área jurídica e policial, tendo obtido respeito e elevada consideração junto dos colegas nos sectores judicial e jurídico”, foi justificado.

O Conselho dos Magistrados Judiciais é constituído pelo presidente da Última Instância, Sam Hou Fai, que participou com Lai no julgamento de Ho Chio Meng, Tong Hio Fong, sucessor de Lai como presidente do TSI, Io Weng San, presidente do Tribunal Judicial de Base, e ainda por Philip Xavier e Iong Hong Meng.

19 Out 2022

Justiça | Governo quer reforçar o poder do Conselho dos Magistrados Judiciais

A proposta de lei que revê a organização judiciária reforça os poderes do Conselho dos Magistrados Judiciais. Contudo, o deputado José Pereira Coutinho e especialistas do Direito local mostram-se preocupados com a falta de informação e a opacidade dos artigos, que temem poder colocar o conselho numa posição de controlo das decisões dos juízes

 

Com a proposta do Governo de alteração à lei de Bases da Organização Judiciária, o Conselho dos Magistrados Judiciais (CMJ) fica com poderes reforçados. Passa a redistribuir processos, escolher os juízes que vão acumular casos e transferir os magistrados para diferentes juízos. O diploma abre também a porta ao Conselho dos Magistrados do Ministério Público (CMMP) para poder ter acesso a processos que estão em fase de inquérito, com a justificação de que é necessário definir a remuneração de um magistrado que acumule diferentes funções.

Estas são algumas das questões que estão a ser abordadas pela 3.ª comissão permanente da Assembleia Legislativa e que mal esclarecidas podem alterar o funcionamento do sistema judicial. Além do mais, existe ainda a possibilidade das personalidades presentes nos dois órgãos, que não são agentes da justiça, terem acesso a informação sensível ou mesmo participarem nas decisões com impacto na independência dos magistrados.

“A presente proposta de lei tem em vista melhorar a prestação de serviços judiciários. Contudo, subsistem dúvidas e preocupações quanto à violação efectiva do princípio fundamental do juiz natural pelo Conselho de Magistrados Judiciais”, afirmou ao HM José Pereira Coutinho, deputado da comissão.

Tiago Alcântara

O princípio do juiz natural é aplicado para evitar que haja qualquer espécie de manipulação do julgamento e colocar todos os eventuais arguidos em pé de igualdade face à Justiça. Uma das suas aplicações passa por colocar os magistrados da mesma instância a um nível igual e distribuir os processos através de sorteio.

“É necessária mais informação sobre o funcionamento deste e de outros conselhos que intervêm na escolha, colocação, transferência, requisição e outras formas de transferência de juízes, juízos e tribunais inferiores para superiores”, acrescentou ainda o deputado.

Segundo o actual regime de acumulação de funções nos tribunais em vigor, o Conselho dos Magistrados Judiciais já tem poderes para designar juízes a exercerem funções em outros tribunais da primeira instância “quando as necessidades […] o justifiquem”.

No entanto, a nova lei vai mais longe, além de poder colocar juízes de primeira instância em outros juízos ou tribunais da primeira instância, o Conselho de Magistrados Judiciais passa também a poder destacar juízes de categoria inferior para exercer funções de categoria superior.

Distribuição da polémica

“A redistribuição referida no número anterior obedece a critérios prévia e objectivamente fixados pelo Conselho dos Magistrados Judiciais, em deliberação fundamentada, ouvidos pelo presidente do tribunal e os juízes em causa e respeitando o princípio da aleatoriedade da distribuição” consta no artigo da lei.

O problema para os legisladores que se mostraram desconfortáveis com esta parte do diploma passa pelo facto de não terem acesso aos critérios do CMJ, nem haver, nesta altura, garantias sobre como vai ser respeitado o sorteio dos magistrados. “Têm de ser divulgadas mais informação sobre este aspecto”, sublinhou José Pereira Coutinho. “O Conselho Superior de Magistratura vai passar a ter poderes excepcionais porque vai conseguir transferir, colocar juízes a seu belo gosto para outros juízos. Não podemos ignorar o que está previsto no Estatuto dos Magistrados, no artigo 4.º, sobre a independência dos juízes e, no artigo 5.º, sobre a inamovibilidade dos juízes”, alertou.

Sam Hou Fai

Os artigos da lei mencionados por José Pereira Coutinho definem que os juízes da RAEM “exercem o poder judicial” e “não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções”. Sobre a imobilidade dos magistrados, a lei define que os magistrados “não podem ser transferidos, suspensos, aposentados, exonerados, demitidos ou por qualquer outra forma afastados das suas funções”. Porém, o artigo admite que a lei autorize casos de excepção.

Também um especialista em direito local, que pediu para manter o anonimato, considerou que a lei é pouco clara: “A ideia, ao olhar para este artigo, é que a primeira parte e a segunda parte são um pouco contraditórias. Por um lado diz que se vai respeitar a aleatoriedade, por outro falam em critérios objectivos e previamente fixados, que colidem com a distribuição. Isto pode colocar em causa o princípio do juiz natural”, apontou a fonte. “Por exemplo, se disserem que o juiz que foi mudado de uma instância para outra, por acumulação de funções, não pode receber processos que envolvam determinados assuntos é um critério objectivo, mas colide com o princípio da distribuição”, explicou.

Para este especialista em Direito, o facto do CMJ não ter os critérios de escolha definidos nesta lei também lhes concede poderes que vão além do que o diploma define. “Nada os impede [CMJ] que adoptem um critério que não respeitam o princípio do juiz natural”, sustentou.

Também outro especialista em direito, que pediu igualmente para não ser identificado, se mostrou preocupado com o aumento de poderes do CMJ. “Era um órgão praticamente marginal, mas agora vai passar a ter um grande controlo e poder sobre matérias que estavam sobre o controlo dos juízes”, apontou. “Com muitas destas propostas, esse papel marginal vai acabar mesmo por se transformar num poder de decisão”, explicou, ao HM.

Remuneração sem critério

Por outro lado, o diploma define que quando acumula funções, o juiz pode ter um acréscimo da remuneração entre 5 e 30 por cento do seu vencimento. No entanto, é o CMJ que vai fixar a percentagem, com base na “quantidade e a complexidade do trabalho efectuado”. O mesmo modelo é adoptado para remuneração dos magistrados do Ministério Público. Porém, nestas situações vai ser o Conselho dos Magistrados do MP a definir a percentagem da remuneração, que também está balizada num intervalo entre 5 e 30 por cento do salário dos magistrados.

Neste momento, a comissão da AL que tem o diploma em mãos, e que é presidida por Vong Hin Fai, já admitiu que vai pedir ao Governo para esclarecer a questão da definição remuneração extra. A forma como lei está escrita coloca em cima da mesa a possibilidade de os membros dos conselhos terem acesso aos processos judiciais, mesmo quando estes estão em segredo de justiça, para averiguar o grau de “complexidade”. Se os acesso for concedido aos conselhos, os membros ficam obrigados a manter o silêncio, uma vez que ficam também abrangidos pelo segredo de justiça.

Porém, a questão não é unânime: “Quando se abre este tipo de conselhos a personalidades que não fazem parte dos tribunais, o segredo de Justiça pode ficar sempre enfraquecido, principalmente numa região como Macau”, defendeu ao HM, um dos especialistas ouvidos.

Por sua vez, o também advogado Frederico Rato não quis entrar nas questões mencionadas anteriormente, por não conhecer as alterações propostas em detalhe, mas explicou que o problema do acesso a processos em segredo de Justiça pode ser facilmente ultrapassado. “Não tem de haver obrigatoriamente acesso à informação que esteja sob o segredo de Justiça porque os conselhos poderão pronunciar-se sobre as remunerações apenas quando os processos já forem públicos”, apontou.

Outra pessoa da área do Direito disse ao HM que o CMJ pode utilizar as remunerações para compensar juízes que tomem decisões mais alinhadas com os seus desejos.

“Esta forma de definir as remunerações deixa uma margem muito grande de manobra, se pensarmos na diferença entre 5 e 30 por cento é muito significativa. Se um juiz ganhar 100 mil patacas, estamos a falar entre a diferença de 5 mil a 30 mil patacas por mês”, começou por explicar.

“Tudo o que não seja criar um valor fixo na remunerações gera situações dúbias. Cria sempre espaço para questionar se o montante é definido porque o conselho gosta, ou não gosta, de um juiz”, frisou.

Consulta pública da AL

Muitas destas questões foram colocadas pelos deputados durante as reuniões já realizadas da comissão, que está a analisar o documento. Por esse motivo, foram pedidos mais esclarecimentos ao Governo e foram pedidos os documentos de consulta de opiniões, por parte do Executivo, junto do Conselho dos Magistrados Judiciais, o Conselho dos Magistrados do Ministério Público e a Associação dos Advogados de Macau. Também está a decorrer uma consulta de opinião da própria comissão para ouvir a população, que tem como prazo limite o dia 9 de Agosto.

A lei foi aprovada a 2 de Julho da AL, com os votos a favor de 27 deputados. Coutinho foi o único presente a abster-se, Sulu Sou (suspenso), Ho Iat Seng, Chui Sai Cheong, Chan Chak Mo e Angela Leong não votaram.

 

 

Membros do Conselho dos Magistrados Judiciais

Presidente: Sam Hou Fai (Presidente do TUI)

Tong Hio Fong (eleito pelos magistrados)

Io Weng San (eleito pelos magistrados)

Philip Xavier (nomeado pelo Chefe do Executivo)

Io Hong Meng (nomeado pelo Chefe do Executivo)

 

Conselho dos Magistrados do MP

Presidente: Ip Son Sang (Procurador do MP)

Chan Tsz King (Procurador-Adjunto)

Mei Fan Chan da Costa Roque (Delegada do Procurador)

Eddie Yue Kai Wong (nomeado pelo Chefe do Executivo)

Chui Sai Cheong (nomeado pelo Chefe do Executivo)

20 Jul 2018