La vache qui rit

28/03/22

Hoje percebemos como o século XX foi o rio das utopias sanguinárias (do fascismo e das revoluções comunistas às vanguardas artísticas) e da ignomínia programada – o resto é a lactescência das margens. Nessas margens leitosas rumorejavam as bolhas da paz, a fraternidade da música e a magna ilusão do cinema, assim como o sonho da educação para todos, prendadas remanescências do progresso, sob as saias da Ilustração.

Bolhas que se revelariam frágeis, face a três investidas, que correspondem às três Virgens anunciadas certamente no Quarto Segredo de Fátima: a primeira, a Virgem do pós-colonialismo e do “politicamente correcto”, que fez cair as malhas na meia do universalismo; a Virgem do neo-liberalismo que abriu brechas no ideal democrático ao preterir aos valores a economia (daí ter-se abolido as minissaias da minha juventude); e a paradoxal investida das redes sociais que sob a face risonha (que também têm) mostrou ter duas faces e mostrou ao espelho o aspecto de uma Virgem Negra de uma comunicação sem ética (- a piada de Chris Rock e a estalada de Will Smith: duas faces da mesma moeda, no “vale tudo” sem comedimento).

Se quisermos parafrasear o célebre mandamento de Lenine, segundo o qual «o socialismo é igual aos sovietes + a eletricidade», «esta invasão da Ucrânia é igual à violação das três virgens + a bondade com que o Putin nos quer livrar do fascismo».

Tendo ido o ano passado à Beira dar uma formação para professores (da primária ao sétimo ano), saí de lá deveras apreensivo: a maior parte dos docentes não sabia, literalmente, o que era um “ponto de vista”. Portanto, os professores não logravam alcançar o reconhecimento de si que supõe a escolha de um “ponto de vista”, o que pouco campo lhes deixava para a generosidade da empatia; além disto simplesmente minar qualquer habilitação para o exercício democrático. A ignorância pode ser inocente? Lembremos, com Deleuze, que perverso é aquele que vive num mundo sem o outro.

Alertado, fui detectando em graus diversos este mesmo estado ante-Gulliveriano por todo o lado e como alastrava pelas redes sociais e o Facebook: aí, a um estado de deficiência cognitiva generalizado junta-se a “tirania do indivíduo”.

Um dos sinais de intolerância e de inadaptabilidade argumentativa é a efervescência com que se procura acima de tudo ter razão e a última palavra, numa postura heliocêntrica. A mim não me incomoda nada, rigorosamente nada, estar equivocado sobre algo, ou iludido, por me faltar qualquer informação que me fará contemplar outra perspectiva – é-me evidente, não vemos como as trilobites em 360%. Posso ser veemente na forma como armo a argumentação lógica, não confundo a (minha) opinião com o conhecimento. Procurando ser persuasivo, isso faz parte do jogo da comunicação, mantenho em aberto a possibilidade do erro e não invisto cegamente na validação narcísica. Tal como perder ao jogo não me muda a disposição. Fico inclusive contente se me apontam um ponto de vista de que não me apercebera.

O que não me abstém de ficar abismado com algumas reacções, mais do que enérgicas, inflamadas, como se quem me interpela jogasse ali a vida. Já me aconteceu, se é amigo, recordar à criatura que o argumento que exponho é fruto dessa “terça-feira”, que na quinta-feira, fazendo jus à afirmação de Picabia de que temos a cabeça redonda para permitir às ideias mudar de direcção, poderei pensar diversamente.

Sem que isso me roube um centímetro na defesa de algumas causas por que estas são o resultado de um pensamento sedimentado no imenso laboratório que a vida e a idade nos faculta; havendo, portanto, ideias que, como os rins e pâncreas, se tornam interiores: órgãos a que não podemos renunciar.

Um exemplo: não me custa nada concordar com o sr. Biden quando ele diz que esta é uma guerra das democracias contra as autocracias, mas gostaria de o interpelar em relação ao cinismo com que ele, como arauto do Ocidente, agora deplora o “despertar dos carniceiros” que usam as armas que o Ocidente lhes foi vendendo, irresponsavelmente, em nome da economia. E gostaria de o inquirir sobre a sordidez de cada míssil Javelin custar 150 000 dólares, e um carro blindado ou um tanque 2 000 000 de dólares, tendo em conta a fome no mundo e a falta de escolas, de livros e vacinas no terceiro mundo; se esse é o seu conceito de avanço democrático.

Coisas tão simples como manter-se higiénico o cu de um mandril. Em querendo acreditar que a democracia é, terá de ser, a garantia de um incremento da biodiversidade que de todo não se compatibiliza com a guerra e os seus negócios.

Entretanto, estando o caldo entornado, leio: «Nas duas próximas semanas, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Estados Unidos estarão juntos num exercício que simula a ameaça russa a território da Aliança.

Os pilotos vão voar contra sistemas de defesa aérea de origem russa que alguns dos países da aliança operam. Quem participa quer que esta seja uma mensagem clara para o Kremlin.» E, do ponto de vista do meu sofá, que adora simulações, não sei se hei-de rir, se chorar!

29/03/22

QUEM FICA POR ÚLTIMO FAZ AS ACTAS DAS CIDADES DERRUÍDAS

Ao fim de trinta anos de porfia/ nas fontes mais áridas e obscuras/ tendo inclusive decifrado os dísticos/ até aí secretos de Gilgamesh, na finisterra, // após trinta anos de genuflexões na água/ e de experimentar sucessivas, novas, tatuagens,/ alheio ao risco de não distinguir auto-profecia/ do que realmente cauteriza; em variações // da pedra que esposa a veia e da pedra/ sem trapaças e da pedra que escolta o silêncio/ e da pedra erudita que vai aos rins // galgar no azul e nas nuvens;/ montou finalmente a sua bicicleta/ de ouro – já não tinha era pulmão.

30 Mar 2022

Ideologia | Xi enaltece ideais de Marx apesar de abertura do país ao capitalismo

[dropcap style=’circle’] O [/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, enalteceu os ideais de Karl Marx, que teoricamente continuam a reger o país, onde milhares de operários morrem anualmente em acidentes laborais, numa celebração do bicentenário do nascimento do filósofo alemão.

“Como um espectacular amanhecer, o marxismo ilumina o caminho da humanidade”, afirmou Xi, no Grande Palácio do Povo, local que acolhe os mais importantes eventos políticos da China, situado junto à Praça de Tiananmen.
Durante um discurso de uma hora e meia, proferido perante personalidades militares e civis da China, Xi classificou Marx como “o maior pensador dos tempos modernos”. “Duzentos anos depois, apesar das enormes e profundas mudanças na sociedade humana, o nome de Karl Marx continua a ser respeitado em todo o mundo e a sua teoria continua a ser iluminada pela luz da verdade”, lembrou Xi.
Um enorme retrato do filósofo alemão, nascido em 5 de Maio de 1818, ocupou o espaço normalmente reservado aos símbolos do regime chinês no Grande Palácio do Povo.
Desde que ascendeu ao poder, em 2013, Xi Jinping tem vindo a promover o estudo do marxismo entre os altos quadros do Partido Comunista, visando um “regresso às raízes”. O segundo centenário do nascimento de Karl Marx foi comemorado na China com várias actividades, incluindo a organização de exposições ou a reedição de clássicos marxistas como o “O Capital” ou “O Manifesto Comunista”. Segundo a sua Constituição, a China é “um Estado socialista, liderado pela classe trabalhadora e assente na aliança operário-camponesa”.

O reverso da moeda
Em 1979, no entanto, o país abriu-se à iniciativa privada e ao investimento estrangeiro e é hoje a segunda maior economia do mundo, após quatro décadas a crescer, em média, quase 10 por cento ao ano. Desde então, centenas de milhões de chineses saíram da pobreza extrema, num “milagre” sem precedentes na História moderna.
No entanto, segundo contas da Organização Internacional do Trabalho, o operariado chinês regista, em média, cerca de 70.000 mortes por ano devido a acidentes no trabalho – 192 óbitos por dia.
A desigualdade social é também uma das principais fontes de descontentamento popular no país. O rendimento ‘per capita’ em Pequim ou Xangai, as cidades mais prósperas do país, é dez vezes superior ao das áreas rurais, onde quase metade dos 1.750 milhões de chineses continua a viver.

7 Mai 2018

A emergência da China (II)

“New China’s was not a capitalist economy on the basis of private ownership, as in European and American countries, nor was it a socialist economy on the basis of public ownership, as in the Soviet Union and Eastern Bloc countries. It was something altogether novel: a new-democratic economy, with both a capitalist sector and a socialist element. The regime of the new democracy was a system of democratic centralism designed by the National People’s Congress. It was totally different from the parliamentary system of the former democracy, and belonged to the classification of the representatives’ conference of the socialist Soviet Union. However, it was also completely different from the Soviet system, because it eradicated class, while the Chinese system was based on an alliance of all revolutionary classes.”
“Characteristics of the Common Programme Draft by the Chinese People’s Political Consultative Conference, September 22, 1949” – Zhou Enlai

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro chinês Zhou Enlai, apesar do seu motivado discurso em Bandung, e das suas negociações com Kissinger, não era visto pelo Ocidente como um diplomata. A sua visita a África, em 1963, deixou-o muito desiludido quando os africanos rejeitaram o seu pensamento sobre a revolução, pois era o última ideia que os recém independentes países africanos procuravam. Tais países desejavam estabilidade. A China talvez tenha cometido erros com a África, assim como esta cometeu muitos erros consigo mesma, dado que o continente ficou dividido em cinquenta e cinco países e com duas mil subdivisões históricas, culturais e linguísticas. A China aprendeu como ser um estado o mais rápido possível, especialmente com os poderes coloniais que foram enfraquecidos pela II Guerra Mundial e que começaram a sair com mais avareza sem preparar as estruturas governativas e a administração pública dos estados que rapidamente se tornaram independentes.

A Nigéria teve a sua sangrenta guerra civil no final da década de 1960. O Congo desmoronou-se desde o início da década de 1960. Nos países onde as potências coloniais se recusaram a sair, e ressalve-se a situação de Portugal que se recusou a descolonizar Angola, guerras sangrentas de libertação entraram em erupção, traduzidos em conflitos originados por movimentos competitivos de libertação. A China, em Angola, apoiou o movimento errado, ou seja, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) no poder desde a independência, em 1975, foi apoiado pelos soviéticos e cubanos.

A China apoiou no Zimbábue a luta armada de Robert Mugabe contra o governo da minoria branca conservadora que, em 1965, declarou unilateralmente a independência como Rodésia, e liderado por Ian Smith. Robert Mugabe tornou-se primeiro-ministro, em 1980, ao ganhar as primeiras eleições democráticas. Em Abril desse ano, é declarada a independência, passando o país ter o nome que actualmente ostenta, e a partir de 1982 Mugabe começa a liderar o país como ditador, até 21 de novembro de 2017, quando renuncia a favor de Emmerson Mnangagwa que tomou posse como presidente, a 24 de Novembro de 2017. O apoio da China a Robert Mugabe significou não só amizade duradoura, como o Zimbábue sempre manteve com a China desde a independência em 1980, um rápido e ardiloso trabalho diplomático para reparar as relações com os países que não tiveram a ajuda chinesa, como foi o caso de Angola.

Ainda que a China tenha começado a fornecer assistência ao desenvolvimento de África pouco depois de Bandung, é facto que iniciou uma nova fase dessa ajuda de forma mais aguerrida, muito ligada a futuras parcerias comerciais e exploração de recursos, após a era da libertação da maioria negra na década de 1990, quando a África do Sul finalmente alcançou o domínio da maioria negra sob a liderança de Nelson Mandela (prémio Nobel da Paz de 1993) e líder do Congresso Nacional Africano (CNA na sigla inglesa), fundado em 1940. Nelson Mandela foi presidente do país de 1994 a 1999.

As parcerias comerciais e a exploração de recursos começaram em boa verdade, dez anos após a enunciação formal de Deng Xiaoping sobre as “quatro modernizações”, em 1978, de forma a que sua máquina industrial funcionasse e pudesse fabricar mercadorias para o comércio, que exigiam recursos minerais e petrolíferos em grande escala e que a África poderia fornecer. A remoção das tensões políticas com os Estados Unidos, juntamente com a plenitude de todas as liberdades diplomáticas, foram igualmente importantes para o sentido chinês de globalização que, desde esse período, começou a alarmar o mundo ocidental, e com o assento no Conselho de Segurança da ONU, percebeu o seu significado, o que aplacou todos os seus presentimentos sobre ser o “império do meio”, apesar do longo período de marginalização.

Apesar da caducidade da “Teoria dos Três Mundos”, a aspiração a um papel de liderança nunca desapareceu completamente da China, que entendeu que devia ser realizado pela diplomacia económica e não pela diplomacia política. Mesmo assim, a enunciação da teoria, conjuntamente com o reconhecimento diplomático da China pelos Estados Unidos, que conduziram a ter o referido assento no Conselho de Segurança da ONU, e ao sucesso das “Quatro Modernizações”, estabeleceu uma era de prosperidade e uma forma peculiar de globalização chinesa, pois o seu poder começou a estender-se a todos os cantos do planeta.

O papel da África foi crucial, embora seja de enfatizar que o alarme ocidental sobre a compra chinesa de tanta influência económica no continente nasce de análises muito fracas. Em primeiro lugar, a influência foi literalmente adquirida. A China não forçou a colonização da África, como a Europa o tinha feito. A China não apoiou o racismo por causa da expropriação mineral, como os Estados Unidos o fizeram e acima de tudo, a África não é um continente negro tolo e inocente que não podia fazer escolhas por si e em seu benefício.

A China sempre teve que negociar as portas de entrada para a África e apareceu com um novo modelo económico, que poderia ser chamado de “modelo de Xangai”, em oposição a um “modelo de Washington” baseado nos imperativos políticos e na condicionalidade económica do Ocidente. O “modelo de Xangai”, era a condição leve, com um generoso carregamento de liquidez, projectos de desenvolvimento e fundos, que precederam a exploração de recursos minerais e petrolíferos. Se os africanos muitas vezes conduziram negócios difíceis, apesar dos medos ocidentais de inocência e da ingenuidade africana, os chineses geralmente, configuravam a África de forma condescendente e superior, e que foi especialmente real para as empresas privadas chinesas que poderiam ser terrivelmente ingénuas e racistas nas suas ideias acerca da forma de operar em um contexto africano.

A difícil gestão chinesa das minas da Zâmbia, por exemplo, levou a muitas mortes de trabalhadores locais sem condições adequadas de saúde e segurança, no quase inexistente sistema nacional de saúde do país.  Tal situação alargou-se a um sistema de valores que sustentava o modelo oficial chinês. A experiência e os ganhos de trabalhar na África ajudaram os chineses nos seus planos para o futuro. A África trouxe um novo amanhecer para a China. O Ocidente sempre desfilou, ao lado da sua generosidade, às vezes como condição para receber benefícios, valores de democracia, pluralidade e transparência. A generosidade chinesa foi retratada como suborno e sem valor.

O que provavelmente está no trabalho realizado é a ética confucionista de “guanxi”, que descreve a dinâmica básica de redes de contactos e influências pessoais, e que constitui um conceito central da sociedade chinesa. No entanto, é uma reciprocidade em uma cadeia de hierarquias verticais. Enquanto os valores ocidentais na sua forma mais pura são horizontais, como em uma democracia, os valores confucionistas não o são. O respeito e a obediência fluem, desde a pessoa ao imperador.  Todavia, a provisão e cuidados devem fluir para baixo, caso contrário, o imperador perderia o mandato do Céu. Além disso, a personagem superior não deve apenas causar um fluxo de valor, deve fazê-lo primeiro e, se o destinatário abaixo for particularmente fraco (ou subdesenvolvido), o fluxo para baixo deve ser generoso, o que revela a visão chinesa do destinatário africano, que é (talvez inconscientemente) de uma entidade mais fraca e comprovadamente menos desenvolvido.

O provimento chinês de acordos com adoçantes abundantes, pode ser visto como parte da responsabilidade chinesa em um arranjo hierárquico, mesmo quando toda a retórica é sobre parcerias iguais.  Tal, como na “Teoria dos Três Mundos”, o ethos subjacente era uma liderança chinesa e, implicitamente, de superioridade. Tal senso de liderança era, em um sentido mais verdadeiro, uma expressão do realismo chinês como uma abordagem das relações internacionais. A China considerou que era impotente e foi um grande choque psicológico, após milénios de poderio. Actualmente considera-se livre para voltar a ser novamente uma super potência, mas por causa da era de humilhação, teve um genuíno e confucionista senso de solidariedade com os outros que emergiam da mesma condição. Era um idealismo empático com realismo, o mesmo sentimento de afastamento cultural que levou a China a um perigoso estádio um século antes.

É de considerar que desta vez, com grande parte dos recursos do mundo em seu poder, está certa de que ganhará em parte a batalha da globalização. O caso chinês sugere que a apreciação cultural se torna importante para a compreensão da política externa, de forma que o “stress” da escola inglesa sobre a história e o “stress” da escola de Copenhaga sobre as formações discursivas, devemos acrescentar o “stress” nas formações culturais. No que concerne à China, o “stress” seria confucionista,  mas também no sentido preconizado pela escola inglesa, totalmente histórico, dada a memória íntima e a recordação do século de humilhação pelos poderes imperiais. O comportamento dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial em relação à China não teria sido mais que um eco contínuo dessa situação.

O avanço nas relações com os Estados Unidos, ocasionado em grande parte pelos esforços de Kissinger e Zhou, foi intuitivo e, na medida em que um actor intuitivo pode ser racional, lideraram sem a panóplia de ambos os lados do aparelho de formulação governamental de política externa, com toda a sua organização burocrática, e sem as respostas de repertório. Simplesmente não havia um repertório nesta situação. Há um outro exemplo em África, no qual o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, entrou em negociações com Frederik Klerk (presidente da África do Sul de 1989-1994 e vice-presidente de 1994 a 1996, sendo no último período presidente, Nelson Mandela) acerca do racismo sul-africano em 1989, sem qualquer preparação racional, resumos de políticas ou biográficos.

O presidente Kaunda, desconsiderou o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros e o seu pessoal da Casa do Civil, entendendo que era uma racionalidade formada inteiramente pela intuição e fé na força moral da igualdade e no desejo pela paz. A China, no caso da África, estabeleceu um longo namoro, e está a receber o retorno à medida que os acordos de longo prazo de exploração de recursos naturais se concretizam. O sentimento nasceu de uma empatia chinesa pela humilhação de África nas mãos dos poderes coloniais e Zhou Enlai, em 1956, criou como marco da política chinesa, o princípio da não-intervenção nos assuntos internos dos outros países.

Esta foi simultaneamente uma observação do princípio fundamental do vestfalianismo, e também um compromisso com a África, de que a China não seria como as grandes potências que foram ao continente nos séculos XVIII e XIX.  A reforma da Organização da Unidade Africana (OUA), em 2000, viu a adopção do princípio da não-indiferença. É um princípio que tem sido irregular e selectivo, talvez simplesmente convenientemente observado, diante da turbulência e das matanças que continuam em certas partes da África até ao presente.

Os chineses, associados com uma posição do século XX, nada têm a dizer à formal posição africana do século XXI. Talvez, e uma vez mais, olhando para trás se poderia negar à China a possibilidade de olhar o futuro que lhe pertence. Todavia, deve haver a consideração sobre a formulação da política externa chinesa que está a ser sujeita ao impulso e à tracção, nos termos que Graham Tillett Allison, Jr. descreve no seu livro “Reaking Foreign Policy: The Organizational Connection”, de diferentes organizações na ordem ideológica, económica e política chinesa, em que todos procuram adquirir posições em matéria de relações externas. Existem as estruturas organizadas do governo, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Gabinete do Primeiro-ministro do Conselho do Estado. Podemos dizer que as estruturas de pesquisa, particularmente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, têm sido até agora menos fortes, pois há os órgãos de política externa do Exército de Libertação do Povo Chinês, e acima os comités de política externa do Partido Comunista Chinês.

As instituições financeiras chinesas, cada vez mais, têm uma grande palavra a dizer em toda a conjuntura. Todavia, os órgãos do partido são os mais importantes em matéria de tomada de decisões e ninguém sabe como funcionam. Na ausência de uma figura como Zhou Enlai, que foi correctamente e propositadamente impenetrável, pela sua sobrevivência política, poucos líderes existem com carácter ou personalidade, que se possa dizer terem carregado um poderoso ethos pessoal para o domínio global, como foram os casos de Zhou Enlai e Kissinger.

1 Dez 2017