Espaço | Cientista da MUST determina tamanho do maior cometa alguma vez avistado

O cientista do Laboratório Estatal de Referência das Ciências Lunares e Planetárias, Hui Man-To, é o autor principal de um paper que confirma as dimensões daquele que é o maior cometa alguma vez avistado. Segundo a observação feita através do Telescópio Espacial Hubble (NASA), o núcleo do cometa “C/2014 UN271” (Bernardinelli-Bernstein) tem 128 km de diâmetro e pode dar pistas sobre a formação do Sistema Solar

O professor do Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da Universidade Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), Hui Man-To contribuiu decisivamente para confirmar a dimensão daquele que é o maior cometa alguma vez avistado por astrónomos.
Os resultados da observação do cometa “C/2014 UN271”, também denominado “Bernardinelli-Bernstein” em função dos cientistas que o descobriram, foram obtidos através de uma observação efectuada com recurso ao Telescópio Espacial Hubble (NASA) e registados num paper publicado no “Astrophysical Journal Letters”, do qual Hui Man-To é o principal autor.
De acordo com os resultados da observação feita no início de Janeiro deste ano, o diâmetro estimado do núcleo gelado do cometa “Bernardinelli-Bernstein” será de aproximadamente 128 quilómetros, ou seja, cerca de 50 vezes maior que a maioria dos cometas analisados até aos dias de hoje.
Além disso, os dados recolhidos apontam para o facto de a massa do corpo celestial pesar cerca de 500 triliões de toneladas, um registo também ele inédito, tendo em conta que é 100 mil vezes superior à massa registada normalmente em cometas que circulam mais perto do Sol. Isto, tendo em conta que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” encontra-se actualmente nos “limites” do Sistema Solar e, por isso, a uma distância considerável do Sol e a deslocar-se a uma velocidade de cerca de 35 mil quilómetros por hora.
“Este é um objecto verdadeiramente espantoso, dado o quão activo é, estando ainda tão longe do Sol”, começou por partilhar Hui Man-To com o portal oficial da NASA dedicado ao Telescópio Espacial Hubble. “Calculámos que o cometa pudesse ser bastante grande, mas precisávamos de dados mais precisos para obter essa confirmação”, acrescentou.

Cálculos galácticos
Por esse motivo, o cientista da MUST decidiu utilizar o telescópio Hubble para registar cinco imagens do cometa “Bernardinelli-Bernstein”, que foram depois processadas através de um modelo informático criado pela sua equipa. A estratégia permitiu “descriminar” o núcleo do cometa, da poeira e da luminosidade envolvente que inevitavelmente, e a juntar à longa distância a que o cometa se encontra do telescópio, constavam das imagens originais captadas, provocando ruído.
Contactado pelo HM, Hui Man-To revelou que o maior desafio de todo o processo passou por obter a aprovação para executar o plano de observação no Telescópio Espacial Hubble.
“É um processo altamente competitivo. Em média, um astrónomo tem de tentar mais de cinco vezes até ver o seu programa aprovado (…) mas felizmente conseguimos a aprovação necessária em tempo útil. Sem a qualidade de observação emprestada pelo Telescópio Espacial Hubble não seríamos capazes de fazer nada”, partilhou.
Hui Man-To acredita que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” seja originário da chamada “Nuvem de Oort”, região gelada e sombria localizada nos limites do Sistema Solar, encontrando-se em rota de aproximação ao Sol e à Terra, de acordo com a sua órbita elíptica, que terá uma duração total de cerca de três milhões de anos. Apesar de se estar a aproximar, o mais perto que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” estará do Sol, será em 2031, altura em que deverá passar perto de Saturno.
Além disso, o estudo e a compreensão do cometa, proveniente de uma região tão distante como a “Nuvem de Oort”, reveste-se de elevada importância, dado conter na sua estrutura amostras, matéria e elementos em estado de congelação que remontam à formação inicial do Sistema Solar, ou seja, com uma idade equivalente a quatro biliões de anos.
Sobre o cometa propriamente dito, o professor da MUST destaca que este está numa fase “estável”, a perder massa de forma “prolongada” e que a sua actividade está a ser potenciada pela “sublimação” (passagem do estado sólido ao estado gasoso).
“A actividade do cometa está numa fase estável, o que significa que o núcleo está a perder massa de uma forma prolongada, e não impulsiva. Isto é um indicador de que a sua actividade está a ser potenciada pela sublimação. No entanto, a esta distância do Sol (cerca de 18 vezes a distância entre o Sol e a Terra), a sua temperatura de equilíbrio (-210 Celsius) é demasiado baixa para que o gelo da água passe pela sublimação, devendo ser supervolátil como o monóxido de carbono ou o dióxido de carbono”, explicou.

Trabalho de equipa
Quanto ao sucesso dos resultados alcançados, Hui Man-To não tem dúvida que tal pode ser atribuído ao “esforço de toda a equipa”, a começar pelo contributo do norte-americano David Jewitt, astrónomo de renome da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) responsável por descobrir o “Cinturão de Kuiper” em 1992, que levaria à “despromoção” de Plutão enquanto planeta em 2006.
Outro elemento fundamental na manobra que levaria a que se fizesse luz sobre o cometa “Bernardinelli-Bernstein”, acrescenta, foi o professor da MUST Liang-Liang Yu, cuja reconhecida capacidade de cálculo foi fundamental para se chegar à dimensão final do núcleo do cometa.
Questionado sobre o momento em que descobriu estar perante a confirmação histórica, Hui Man-To disse que, na altura, estava “bastante calmo”, embora a urgência de publicar os resultados alcançados fosse grande.
“Na verdade, estava bastante calmo. A minha maior preocupação a partir daí, era conseguir concluir o paper e submetê-lo o mais rapidamente possível. Não queríamos ser ultrapassados por outras equipas. Lembro-me de estar relativamente contente quando consegui extrair o ‘sinal’ do núcleo dos restantes elementos do cometa”, apontou
Sobre a importância de Macau estar associada à descoberta, Hui Man-To sublinhou que o Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da MUST deve aproveitar todas as oportunidades para se assumir como referência na área, a nível internacional.
“[A publicação deste paper] ajudou certamente a promover a ciência que é feita em Macau um pouco por todo o mundo. A impressão que a maioria das pessoas tem sobre Macau é que é um território ligado ao jogo e ao turismo, onde a ciência não tem lugar, mas isto não é de todo verdade. O Laboratório de Referência Estatal necessita de participar em projectos internacionais sempre que surjam oportunidades no futuro”, referiu.
Quanto ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na MUST, Hui Man-To vê com bons olhos o envolvimento do Laboratório de Referência Estatal em diferentes projectos e admite estar empolgado com o conhecimento que vai ser produzido a propósito do futuro satélite de exploração científica de Macau.

20 Abr 2022

Os cometas da amizade

[dropcap]A[/dropcap]té ao momento em que escrevo estas linhas não existe, ao que eu saiba, uma bolsa financeira das palavras. Nenhuma delas, numa lógica meramente materialista, estará mais bem cotada do que outra qualquer. E bem, até porque mesmo para isso seria difícil encontrar um critério objectivo que ajudasse a valorizar cada vocábulo. Por exemplo, para mim um belíssimo palavrão dito na ocasião certa vale um milhão de vezes mais do que a palavra “implementar”. Ou de outra forma, pagaria muito mais por ver escrita a palavra “dependência” em vez do que agora passa pelo seu sinónimo – “adição” -, que para mim se resume a uma operação aritmética. Mas enfim, é por esta e por outras que não tenho um gabinete em Wall Street.

O que é verdade é que na nossa língua existe uma expressão idiomática, em regra aplicada em tom depreciativo, e que é “palavras caras”. Significa, como todos sabemos e mesmo assim aqui estou a explicá-la, um conjunto de vocábulos utlizados de forma rebuscada, eruditos ou não, mas que normalmente não ajudam à compreensão da mensagem. A expressão foi muito popular aquando dos discursos do antigo Presidente Jorge Sampaio ou, para quem gosta e se interessa pelo futebol português, sempre que o treinador Manuel Machado resolve dizer seja o que for.

É de facto um mal menor, trivial, assunto evanescente. Mas, e agora se me permitem, abandono por um momento a leviandade para tentar dizer ao que venho. Se de facto não vejo uma hierarquia das palavras percebo nesta expressão outro sentido e provavelmente mais próximo da origem: aquele em que o adjectivo “caras” não se refere a um valor material mas sim àquilo que ao início queria dizer: algo querido, estimado, único. Algo que ainda sobrevive, apesar de tudo, nas formas epistolares de cortesia: “caro senhor, caro senhora”. Já dizê-la em conversação hoje em dia pode denotar arrogância: “Meu caro, não é bem assim” não demonstra a estima pelo interlocutor mas geralmente um prelúdio de massacre.

Fiquemos então pelas palavras queridas. E uma há, que aqui utilizo como artificio de escrita e convite para o leitor se sentar à mesa que é “amigo”. Como “amizade”, é-me de facto uma palavra cara e que utilizo com parcimónia nos meus dias. Nem sempre terá sido assim e ainda bem: a idade é um filtro. Isto para dizer que já não me é fácil chamar “amigo” a um mero conhecido: a palavra ganhou gravitas, sentido e raridade.

Necessita de tempo e constante cultivo para que se substantive em alguém. O que não precisa é de assiduidade. Existem amigos que infelizmente só os notamos quando desaparecem, deixando uma espécie de rasto luminoso. Nessa altura, quando a perda nos abre os olhos e o coração, percebemos o cometa que passou pelas nossas vidas, tantas vezes de forma discreta e quase sempre nunca devidamente apreciada.

Uma conversa breve, uma palavra no tempo certo, uma disponibilidade imediata aquando de uma crise qualquer: isso, parece-me, cabe na amizade. E depois, quando enfim e de repente a noite os leva para sempre, fica-se apenas com uma mão-cheia de palavras por dizer e quase todas soam a obrigado. Eu sei: passou-se comigo há pouco tempo. A única redenção e gratidão possível é fazer que isso nunca mais aconteça e apanhemos estes cometas ainda em pleno voo, a tempo de os abraçar.

16 Set 2020