Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDireito | Três grandes códigos entraram em vigor há 25 anos A meses da transferência de administração de Macau, entraram em vigor três grandes códigos legais de matriz portuguesa: o Código Civil, o Código Comercial e o Código de Processo Civil. António Silva, jurista da antiga secretária Florinda Chan, realça a importância da “aprovação e manutenção em vigor” da legislação A aprovação de um quadro legislativo bilingue de matriz portuguesa, antes da implementação da Região Administrativa Especial de Macau, foi um processo que implicou anos e trabalho e luta. Foi há 25 anos que o território passou a dispor de três códigos essenciais ao ordenamento jurídico local: Código Civil (CC), Código do Processo Civil (CPC) e Código Comercial. Para António Silva, que trabalhou em Macau durante vários anos como jurista, nomeadamente ao lado da antiga secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, a aprovação destes códigos foi “um marco histórico importante para a RAEM”, que se alargou com a sua “aplicação estável durante 25 anos”. Na visão do jurista, tal significa “que na sua elaboração houve o cuidado técnico de adaptar a fonte romano-germânica de matriz portuguesa dos mesmos, à realidade económica e social de Macau”. Por estes dias, a Universidade de Macau (UM) tem promovido uma conferência sobre esta efeméride jurídica. Trata-se da 14ª Conferência Internacional “Estudos sobre o Código Civil, o Código Comercial e o Código de Processo Civil – Celebrando o 25.º Aniversário da RAEM”, organizada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito da UM. Um dos oradores foi Jorge Godinho, especialista em Direito do Jogo, que na rede social Linkedin comentou a data tão especial para o Direito de Macau. “Completa-se em Dezembro um quarto de século sobre a transferência de soberania de Macau. Passaram já 25 anos sobre a publicação do Código Civil, do Código Comercial e do Código de Processo Civil de Macau, todos de 1999. Códigos estes que, em muitos aspectos, consagraram soluções modernas e inovadoras, que merecem ser estudadas e divulgadas.” Quem também participou na conferência foi a jurista e autora Paula Correia, que viveu em Macau durante mais de duas décadas. Ao HM, defendeu que “o CC é filho do CC português e neto do CC alemão”, pois o código implementado em Macau “segue a estrutura do CC alemão de princípios do século XX, que influenciou a maior parte dos códigos que se fizeram posteriormente, por ser muito inovador e bem-estruturado”. Pouca doutrina Questionada sobre o panorama geral da aplicação destes códigos, Paula Correia entende que 25 anos é pouco tempo para que surjam estudos académicos suficientes para equacionar revisões e um estudo profundo em torno desta legislação. “Não basta termos uma lei bem feita. O importante é que esta seja bem aplicada, e para que isso aconteça temos de ter uma boa doutrina, o que demora a acontecer, e uma boa jurisprudência. A doutrina vem dos professores de Direito, os que escrevem e publicam, e isso demora anos, pelo que 25 anos é pouco tempo. Em Macau já vai existindo alguma doutrina, mas é ainda insuficiente”, declarou. A mesma situação verifica-se ao nível da jurisprudência, nas decisões que são tomadas nos tribunais. “As coisas estão interligadas, e é de facto muito importante esse trabalho da doutrina na aplicação do bom Direito. Será que podemos perguntar se as decisões judiciais tomadas ultimamente são melhor fundamentadas? Com certeza que sim, mas há ainda muito caminho a percorrer, porque o Direito é assim mesmo, evoluí.” Paula Correia deu o exemplo da “urgência” de eliminar, no Direito da Família, “o regime de bens supletivo, que não faz sentido nenhum”, por ser “um absurdo”. Na prática, este regime determina que quando as pessoas estão casadas é como se estivessem em regime de separação de bens, mas quando se divorciam “o parceiro que enriqueceu menos tem um crédito na participação sobre o outro, e esse tem de o compensar”. Segundo a jurista, muitos casais desconheciam esta questão na hora de casar, mas agora “fazem logo uma definição do regime em que casam, fazendo a convenção no sentido da compensação de bens, mas também no regime da comunhão de bens”. A tendência é, neste momento, “irem pela compensação de bens, mas os chineses, por fazerem tantos negócios, preferem o regime de separação de bens”. No caso da China, os casais “preferem mais o regime da comunhão”, disse. Revisões ponderadas No que diz respeito às revisões dos Códigos em vigor, António Silva aconselha o caminho de prudência. “Um Código é, por definição, uma compilação coerente e exaustiva de um determinado ramo do Direito. Logo é elaborado para perdurar no tempo, devendo as alterações ser reduzidas ao mínimo indispensável para neles consagrar novas realidades económicas e sociais, sem, contudo, colocar em risco a sua unidade sistemática ou princípios estruturantes. Por isso, defendo que as alterações devem ser sempre bem ponderadas e inseridas, quando efectuadas, de forma coerente e em harmonia com o código no seu conjunto.” A implementação dos três códigos é fruto da Declaração Conjunta assinada entre Portugal e a China em 1987, que determinou as bases do que viria a ser a RAEM em matéria jurídica, política, económica e social. A sua manutenção relaciona-se com a existência de uma Lei Básica e com a continuação de um certo modo de vida em Macau, defendeu o mesmo jurista. “A Lei Básica da RAEM consagra o princípio da manutenção do modo de vida previamente existente no território até 2049. Estes códigos consagram, portanto, esse modo de vida e de relacionamento entre os residentes, na defesa dos direitos civis e da tramitação judicial dos processos judiciais onde sejam dirimidos conflitos de interesses e, bem assim, das relações comerciais.” Desta forma, “a manutenção destes códigos em vigor, basicamente inalterados, prova o cumprimento por parte da República Popular da China, da Declaração Conjunta Luso-chinesa sobre a Questão de Macau, o que solidifica as relações entre Portugal e a China e aproxima as legislações dos países lusófonos, facilitando as relações económicas”, rematou António Silva. O CPC foi implementado pelo decreto-lei de 8 de Outubro de 1999, e segundo o preâmbulo publicado em Boletim Oficial (BO), tal representou “um esforço de harmonização do Direito adjectivo, não apenas com o Direito substantivo resultante das reformas recentemente operadas em Macau, mas também com os compromissos assumidos na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, com os princípios orientadores da organização judiciária e do processo civil constantes da Lei Básica da RAEM”. Escreveu-se ainda que se teve “consciência dos riscos decorrentes da feitura de um novo código nesta fase de transição e, por isso, procurou manter-se a sistematização do CPC actualmente em vigor e o modo essencial de regulação dos seus processos. Portanto, poucas alterações sofreu”, lê-se ainda. No caso do CC, escreveu-se no preâmbulo, em 1999, que o CC português de 1996 foi “uma das traves mestrados do edifício legislativo do território, pelo que não podia ficar imune a este processo de adaptação legislativa” no contexto da Declaração Conjunta. Optou-se, ao invés de “rupturas com o Direito vigente”, por uma “visão realisticamente comedida da intervenção legislativa a realizar nesta área tão sensível, por onde passa a regulamentação das facetas mais decisivas da vida de todos nós”. “O presente diploma procura, desde logo, criar um Código adaptado ao enquadramento político-institucional que conforma Macau, no hoje e no período posterior a 1999”, lia-se ainda. No caso do Código Comercial, a reforma era ainda maior. “Com este diploma, opera-se uma reforma de fundo na legislação de Macau. Mais de cem anos de vigência leva o Código Comercial de 1888, factor que só por si basta para justificar a sua desactualização face à evolução sofrida pela economia do território e à necessidade de dotar os empresários e as empresas de um enquadramento legal adequado”. O Código Comercial de finais do século XIX havia sido elaborado, segundo o preâmbulo do decreto-lei publicado em BO, “em plena revolução industrial”, assentando à época “numa concepção individualista e liberal”. Desta forma, o Código Comercial de 1999 “não pode deixar de reflectir a rica e variada experiência de mais de um século, caracterizada por uma profunda revolução tecnológica e informática”. “Reconhecendo-se o contributo insubstituível da iniciativa económica privada para o progresso, num contexto de concorrência no mercado, tem de se atender às exigências irrecusáveis de justiça social”, refere-se ainda.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaAPN | Crise económica e projecto do Código Civil na agenda da 13ª sessão anual A 13ª sessão anual da Assembleia Popular Nacional começa hoje em Pequim depois do adiamento de 78 dias causado pelo novo coronavírus. Três mil delegados deverão discutir uma agenda marcada por medidas económicas de combate à crise e o projecto do Código Civil, que marca o início da reforma legislativa. A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês arrancou ontem [dropcap]A[/dropcap] segunda maior economia do mundo deverá anunciar hoje previsões económicas e medidas para lidar com uma crise sem precedentes, causada pelo novo tipo de coronavírus. Depois de o adiamento de 78 dias devido à pandemia da covid-19, começa hoje a 13ª reunião anual da Assembleia Popular Nacional (APN), o órgão legislativo do país. Três mil delegados vão discutir os planos económicos e políticos a implementar, num encontro que não dura mais do que dez dias no Palácio do Povo, em Pequim. Os tempos adversos obrigam a que a reunião se realize com o cumprimento do distanciamento social. A agência Reuters avança que os delegados devem evitar contactos com pessoas do exterior, o que significa que muitos poderão assistir às sessões por videoconferência. Outra das medidas preventivas obrigou os diplomatas que observam as sessões da APN a passar a noite num alojamento estatal para serem testados à covid-19. Além da APN, decorre desde ontem a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), órgão de carácter consultivo composto por delegados representantes das diversas províncias chinesas e regiões administrativas especiais. A sessão da APN arranca com a apresentação, pelo primeiro-ministro Li Keqiang, de medidas económicas numa altura em que o Produto Interno Bruto (PIB) chinês sofreu, no primeiro trimestre, uma quebra de 6,8 por cento, a primeira em décadas. A Reuters escreve que Li Keqiang deverá anunciar um crescimento económico abaixo dos seis por cento previstos, mas os conselheiros e think-tanks subordinados ao Governo Central são bem mais modestos, ao proporem crescimento na ordem dos 2 a 3 por cento. À agência noticiosa, Zhao Xijun, director da Escola de Finanças e Economia da Universidade Renmin, disse que “a APN deste ano é bastante fora do normal”, uma vez que “há mais preocupações no trabalho de combate ao vírus e nas formas para reavivar a actividade económica”. Esta segunda-feira foi aprovado o relatório de trabalho que será hoje discutido, enquanto que na sexta-feira anterior, o Presidente Xi Jinping reuniu com o Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC) para endereçar o relatório de trabalho da APN. As palavras de ordem foram “a guerra contra o vírus” e o cumprimento de “resultados decisivos”. Tang Renwu, director da Escola de Administração Pública da Beijing Normal University, adiantou à Reuters que “líderes e delegados vão discutir o próximo passo no controlo da pandemia, como prevenir uma segunda vaga de infecções e como resolver o problema das investigações e compensações exigidas por alguns países ocidentais”. Além das medidas de combate ao novo coronavírus, espera-se o anúncio de estímulo fiscal na ordem dos 5 a 6 triliões de yuan, ou 5 a 6 por cento do PIB. Contra pobreza e desemprego A agência chinesa Xinhua traçou os tópicos principais da agenda da APN para este ano, com as políticas económicas a encabeçarem a lista. Mais do que anunciar previsões de crescimento, as autoridades chinesas querem encontrar soluções para controlar o aumento do desemprego e o alívio da pobreza, além de meios para fomentar o consumo interno. A Xinhua escreve que o país tem ainda 5.51 milhões de habitantes abaixo do limiar da pobreza e que a pandemia “trouxe mais desafios”, mas “uma vez que o ano está a meio, é quase impossível atingir os objectivos para a erradicação da pobreza”. Tang Chengpei, vice-ministro chinês dos Assuntos Sociais, disse que aqueles que vivem abaixo do limiar de pobreza são os idosos, crianças e os que sofrem de doenças graves ou deficiência, com acesso à assistência social. Relativamente ao desemprego, os últimos dados oficiais revelam uma taxa de 6 por cento nas zonas urbanas em Abril, face aos 5,5 por cento registados em igual período de 2019. Numa população de 1,4 mil milhões de pessoas, o Governo Central tem feito esforços para travar lay-offs usando pacotes de apoios fiscais, monetários, segurança social. Espera-se, por isso, que a 13ª sessão da APN venha reforçar tudo isso. Ouvido pela Xinhua, Qu Hongbin, economista-chefe do banco HSBC para a China, disse num comunicado que o anúncio de planos de estímulo e medidas mais significativas serão o tubo de escape para pequenas e médias empresas, trabalhadores por conta própria e empresas do ramo de importação-exportação, que compõem a maior parte da força laboral chinesa. O código civil Anunciado em 2014, o projecto do Código Civil deverá ser aprovado nesta sessão da APN e representa uma mudança legislativa que visa a modernização do sistema jurídico chinês e aumentar a capacidade governativa, descreveu Wang Yi, director da Escola de Direito da Universidade Renmin. A Xinhua aponta que o projecto do Código Civil contém disposições gerais e seis partes sobre propriedade, contratos, direitos de personalidade, casamento e família, sucessão e responsabilidade civil. Este projecto “integra leis civis e regulamentos já existentes e modifica-os, adaptando-os a novas realidades”. Shen Chunyao, director da Comissão de Assuntos Jurídicos do Comité Permanente da APN, disse que a parte da responsabilidade civil traz “melhorias necessárias ao sistema ao implementar práticas úteis para interpretações judiciais”. Meng Qiang, professora de Direito no Beijing Institute of Technology, disse que o novo Código Civil melhora o regime de indemnizações em casos de sofrimento emocional causado por outrem. Tal mostra que as leis chinesas “estão a prestar mais atenção à protecção dos direitos pessoais e das questões de saúde mental”, disse a docente, citada num comunicado oficial da APN. Este projecto legislativo também se foca na protecção dos direitos dos consumidores que compram produtos com defeito ou sem qualidade. São também introduzidas punições para quem viola a lei de direitos de propriedade intelectual. Analistas ouvidos pela Reuters acreditam que o projecto do Código Civil mostra que o PCC quer dar mais protecção ao sector privado que tem estado numa situação vulnerável devido a abusos burocráticos e administrativos, e às dificuldades de acesso a mercados ou a créditos bancários. Rica Defesa A sessão anual da APN deverá incluir a aprovação do reforço orçamental para a pasta da defesa, mesmo em período de crise económica. O investimento explica-se com a relação com os Estados Unidos, que nunca esteve tão má, a questão de Taiwan, sem esquecer os conflitos no mar do sul da China. Aliás, ontem os Estados Unidos anunciaram a venda de equipamento militar à Ilha Formosa no valor de 180 milhões de dólares, com o objectivo de manter “o equilíbrio de forças” na região. Em 2019, o orçamento para a defesa aumentou 7,5 por cento, num contexto em que a economia chinesa cresceu 6,1 por cento. Mas com as quebras deste ano, o cenário parece desafiante, mas a China não dá sinais de querer deixar o seu posicionamento militar para segundo plano. “De um ponto de vista da segurança nacional, a China precisa de se fortalecer perante o Ocidente, sobretudo perante os Estados Unidos, que tem vindo a colocar mais pressão na China em todas as frentes, incluindo a militar”, disse à Reuters Xie Yue, professor de ciência política da Shanghai’s Jiao Tong University. Para o analista, é difícil fazer uma previsão relativa ao orçamento para a defesa, mas vai sem dúvida crescer. “Mesmo que o Governo corte em tudo o resto, não vai cortar no orçamento para a defesa”, apontou Tang Renwu, director da Escola de Administração Pública da Beijing Normal University. Em 2019, o orçamento da defesa foi de 119 triliões de yuan, o que representou 5 por cento do orçamento total do país e 1,2 por cento do PIB.
Diana do Mar SociedadeCódigo Civil | Cláusula penal “mais clara” do que em Portugal António Pinto Monteiro esteve na sexta-feira na Fundação Rui Cunha a falar das particularidades da cláusula penal no Código Civil de Macau que, a seu ver, a tornam mais claro do que o de Portugal. Em causa, a figura que permite fixar, por acordo prévio das partes, as consequências do incumprimento contratual [dropcap style≠’circle’]“E[/dropcap]ssas particularidades vão ao encontro do que defendi, em 1990, na minha tese de doutoramento. Só que as soluções que advoguei em Portugal precisam de um esforço interpretativo, enquanto em Macau o legislador exprimiu-as claramente na letra da lei. Consigo defendê-las, mas com muito mais dificuldades, embora a jurisprudência siga a interpretação que eu faço”, explicou o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ao HM. A primeira particularidade tem que ver desde logo com o facto de o Código Civil de Macau (CCM) consagrar expressamente duas modalidades: as partes podem fixar, por acordo, para o caso de incumprimento, uma indemnização (cláusula penal compensatória) ou sanção (cláusula penal compulsória), por oposição ao de Portugal, que apenas prevê a primeira. “Na lei portuguesa a cláusula penal está só como indemnização. Mas eu entendo que pode haver sanção ao abrigo da liberdade contratual (em que as partes têm possibilidade de fazerem o que quiserem dentro dos limites da lei)”, sustentou Pinto Monteiro. Esse princípio “justifica que haja outras espécies de cláusulas penais para além da definida”, argumentou. António Pinto Monteiro também confrontou o regime da cláusula penal do Código Civil de Macau com o de Portugal em pontos mais específicos como os problemas do dano excedente, do cúmulo, da falta de culpa e da redução da pena, durante uma sessão que contou com casa cheia. Relativamente ao último ponto, por exemplo, embora ambos os códigos permitam a redução da pena pelo tribunal quando a cláusula penal for manifestamente excessiva (um milhão de patacas quando o dano é dez mil, por exemplo), há diferenças. “O problema que se coloca é se o tribunal só pode intervir a pedido do devedor ou se o pode fazer oficiosamente, isto é, tomar a iniciativa durante a discussão em tribunal”, sustenta o docente. “A lei portuguesa é omissa, deixa em aberto; enquanto a de Macau diz na letra de lei a pedido do devedor, como eu entendo que deve ser”, afirmou o civilista. Já sobre a indemnização pelo dano excedente, a posição em Macau é “inversa” à de Portugal, realçou Pinto Monteiro. “Se a cláusula penal for de 1000 patacas e o credor tiver um prejuízo de 2000, pode exigir o pagamento de 2000? Na lei portuguesa, não tem direito a fazê-lo, a menos que essa possibilidade tenha sido acautelada”, enquanto “em Macau pode, mas desde que o dano excedente seja ‘consideravelmente superior’”. Um termo que, em contrapartida, “introduz um elemento de incerteza”, tornando a norma menos feliz, indicou o docente, que também dá aulas de mestrado na Universidade de Macau e visita o território, numa base anual, desde 1994. De fora das obras públicas Embora seja uma figura de “enorme importância prática” e “amplamente utilizada” em todo o mundo, a generalidade dos contratos de obras públicas de Macau, por exemplo, não inclui cláusulas penais compensatórias. Este tema – recorde-se – esteve na ordem do dia em 2015 após um relatório arrasador do Comissariado de Auditoria (CA) sobre o metro ligeiro. E, no ano seguinte, chegou mesmo a ser objecto de debate na Assembleia Legislativa. Na altura, o Secretário da tutela, Raimundo do Rosário, afastou a sua introdução, defendendo que as multas, previstas no Regime Jurídico do Contrato das Empreitadas de Obras Públicas, eram suficientes para lidar com casos de incumprimento, como atrasos ou derrapagens financeiras.
Joana Freitas Manchete PolíticaCPC | Revisão inclui simplificar tratamento de infiltrações de água Em sete anos, foram detectados mais de 13 mil casos de infiltrações de água em prédios de Macau. A forma de os resolver não é simples e, por isso, o Governo vai incluir esta matéria na revisão ao Código de Processo Civil [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]revisão ao Código de Processo Civil (CPC) que está a ser levada a cabo pelo Governo e que quer expandir os poderes do Juízo de Pequenas Causas Cíveis vai também servir para resolver mais rapidamente os problemas das infiltrações de água nos edifícios. É o que diz o presidente do Instituto de Habitação (IH), numa resposta ao deputado José Pereira Coutinho. Depois do Governo ter dito, como noticiado pelo HM no mês passado, que um dos artigos a ser revisto no CPC está relacionado com os arrendamentos, de forma a simplificar e a aumentar a eficácia processual no que às acções de despejo diz respeito, a resposta ao deputado confirma que também os casos de infiltração poderão ser resolvidos com mais celeridade. “O Governo está a desenvolver os trabalhos de revisão do CPC, tendo em consideração a triagem dos mais variados processos judiciais relativos à vida da população e ao litígio com valor relativamente baixo através da ampliação da competência do Juízo de Pequenas Causas Cíveis. Tal contribui para uma solução mais conveniente e adequada relativamente aos conflitos relacionados com a vida da população, como o caso de infiltração de água nos edifícios”, pode ler-se na resposta assinada por Arnaldo Santos. José Pereira Coutinho queixava-se que o actual ritmo de solução das infiltrações não é suficiente, uma vez que cada vez mais vai haver prédios velhos em Macau. O deputado queria ainda saber quantas situações destas se registaram. O IH indica que, desde 2009 a Maio deste ano, o Centro de Interserviços para o Tratamento de Infiltrações de Água nos Edifícios já registou mais de 13 mil casos de infiltrações, tendo tratado “mais de dez mil”. Dos que restam, mais de 50% tiveram de ser sujeitos à fiscalização de uma terceira entidade – normalmente o Laboratório de Engenharia Civil de Macau – estando agora à espera de nova verificação ou de visitas ao local. “Só em 2,88% dos casos não se encontrou o proprietário ou este não cooperou na inspecção”, indica o IH. Só em risco O Centro conta ainda com um departamento dos Serviços de Saúde, que se responsabiliza pela avaliação ao risco de saúde pública e sugere medidas de acompanhamento ao Centro. Desde 2014 até Maio deste ano, os SS fizeram “80 inspecções referentes a casos de infiltração de água” em prédios. Como explica Arnaldo Santos a Pereira Coutinho, como as infiltrações de água não são de natureza criminal, a polícia não tem poder para entrar nas fracções envolvidas neste problema com os fiscalizadores, algo que o deputado tinha proposto. De acordo com o IH, só quando “a falta de reparação e manutenção por parte do proprietário ponha em causa a saúde pública, os SS podem tomar medidas urgentes, tais como a entrada forçada nas propriedades para eliminação” das situações que coloquem em risco a saúde das pessoas. Sem ser esta excepção, terá sempre de ser um juiz a emitir autorização. “Na [lei de Macau] está reflectido o espírito de protecção prioritária do direito à propriedade privada e à privacidade dos residentes. Por isso, caso ocorra um conflito relativo à infiltração de água nos edifícios, quando a parte interessada não obtenha o consentimento do proprietário e do morador, pode apresentar o pedido de processo civil junto dos órgãos judiciais e requerer ao juiz a realização da perícia na fracção que poderá ser a origem da infiltração”, indica Arnaldo Santos. A ideia é tornar estas situações mais fáceis de resolver, ainda que o IH não dê detalhes sobre o assunto. O mês passado a DSAJ assegurou ao HM que já fez uma primeira consulta ao sector e que o próximo passo, após análise das propostas que os operadores jurídicos e judiciários apresentaram e a auscultação da opinião do Conselho Consultivo da Reforma Jurídica, é “definir as orientações e o âmbito da revisão” do CPC, para se elaborar “uma proposta concreta”.