Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteZona de cooperação | Cônsul defende “estabilidade do quadro jurídico” Alexandre Leitão, Cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, defendeu ser “fundamental a estabilidade do quadro jurídico” na Zona de Cooperação Aprofundada entre Macau e Guangdong em Hengqin. Orador num webinar promovido pela Câmara de Comércio-Luso Chinesa, Alexandre Leitão salientou a existência de uma nova geração de empresários portugueses vocacionados para a internacionalização Muito se tem falado das vantagens da Zona de Cooperação Aprofundada entre Macau e Guangdong em Hengqin, sobretudo no que diz respeito à captação de investimento e atracção de empresas. Mas a verdade é que subsiste ainda um certo desconhecimento sobre o que vai, verdadeiramente, acontecer. A ideia foi deixada pelo Cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão, num webinar promovido pela Câmara de Comércio Luso-Chinesa (CCLC) sobre as vantagens do mercado da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, composta por nove cidades chinesas do sul do país e pelas regiões administrativas especiais. “Temos de perceber que a Ilha da Montanha é uma entidade em criação e tem ainda muito de laboratorial. Independentemente da mensagem e do discurso oficial, ainda estamos para ver a efectiva transferência de pessoas, serviços e entidades públicas para lá. Não há qualquer dúvida de que há uma vontade política para que isso aconteça.” Nesse quadro, o responsável salientou ser “fundamental a estabilidade do quadro jurídico” para que as empresas portuguesas possam olhar para a zona de Hengqin. “Colocam-se questões concretas, e uma delas é a questão do Direito vigente numa área que é perfeitamente inovadora e governada em modo quase de co-decisão paritário entre a província de Guangdong e Macau. Num cenário destes, coloca-se sempre a questão: ‘quando existe uma divergência, como poderá ser resolvida’. Em matéria de Direito isso é particularmente importante para as empresas, pois precisam de saber com o que podem contar”, frisou. Relativamente à Grande Baía, Alexandre Leitão lembrou que já se trata de um território com um Produto Interno Bruto (PIB) “superior ao do Canadá e do Brasil”, pelo que “é um mercado extraordinariamente atraente, se forem concretizados o potencial e as expectativas”. O cônsul recorreu, aliás, à metáfora das grandes ondas da Nazaré, em Portugal, para definir o mercado chinês e o acesso que, a ele, devem ter os empresários portugueses. “Em vez de olharmos para uma onda da Nazaré, que é a China toda, convém dividir a onda em áreas mais pequenas, que são as regiões. Assim teremos algumas que podemos surfar.” A Grande Baía é, portanto, uma dessas ondas. “Temos hoje uma geração de empreendedores e inovadores portugueses que me parece mais qualificada e desejosa de assumir riscos. Percebi, segundo a minha experiência profissional anterior, que há um tecido empresarial inovador, com projectos de norte a sul de Portugal, que são bem estruturados e têm uma ambição de internacionalização que, ao contrário do passado, não receiam jogar no campo dos grandes, como a China e os EUA. Vale a pena aproveitar estes ventos de mudança”, adiantou Alexandre Leitão. Os nichos de mercado O cônsul, que assumiu funções em Macau no início de Fevereiro e que é também presidente honorário da CCLC, lembrou o papel de Macau como plataforma de serviços comerciais entre a China e os países de língua portuguesa, baseado “na vontade política” da China, o que constitui “uma enorme vantagem”. O território tem ainda outra vantagem, que é a “proximidade do Direito vigente na província de Guangdong com o Direito de matriz romano-germânica, em comparação com o Direito de Hong Kong que é muito mais afastado”. Assim, “as empresas portuguesas e lusófonas têm uma vantagem assinalável, porque há a vantagem de compreender o Direito em geral”. Em matéria económica, Alexandre Leitão referiu ainda a prioridade e meta política do Governo de Ho Iat Seng relativa à diversificação económica. “As próprias concessionárias têm de contribuir com montantes significativos para a escala portuguesa, o que significa que há, pelo menos, condições, para a criação de um ecossistema de financiamento completo, seja em termos de risco, inovação ou da banca comercial, de novas ideias empresariais que aqui surjam.” Esta diversificação económica, com menor peso do jogo, “tem obviamente de ser lida à escala local, pois Macau não é Shenzhen, nem Guangzhou”. “Macau compete numa região que, no fundo, vai de Singapura a Tóquio na captação de investimento e desenvolvimento económico, mas existem nichos que, para outras cidades e regiões podem ser insignificantes, mas aqui podem ter um forte valor, dada a relativa dimensão de Macau, desde que o território tenha a flexibilidade e a rapidez para se ajustar às oportunidades que surjam”, disse o cônsul. O diplomata considera que esses nichos de mercado podem ser aproveitados, nomeadamente o turismo fora do jogo, “onde Portugal é competitivo e tem provas dadas”, mas também “áreas como a economia verde e o digital”. Alexandre Leitão destacou o exemplo da Universidade de Macau, que é líder mundial na área da electrónica. A instituição de ensino superior viu 15 trabalhos de investigação serem aceites em Fevereiro numa conferência internacional de electrónica em São Francisco, nos Estados Unidos. Os artigos científicos abordaram temas como a conversão de dados, comunicações ‘wireless’ ou conversão de energia. “Há condições para nichos [económicos] que podem ser aproveitados e que podem ser, no fundo, um pouco à escala da nossa realidade portuguesa”, disse Alexandre Leitão, lembrando algumas “desvantagens” em fazer comércio com a China, nomeadamente em matéria de comunicação e na existência de diferenças culturais. Aposta em joint-ventures Carlos Cid Álvares, CEO do Banco Nacional Ultramarino (BNU) e recém-eleito presidente da CCLC, foi outro dos oradores da conferência. O líder do BNU defendeu a possibilidade de empresas portuguesas chegarem a este mercado através da constituição de joint-ventures. “A economia local é muito puxada pelos casinos, os chamados resorts integrados, mas é algo que o Governo pretende alterar. A ideia é que Macau seja um centro mundial de turismo e lazer, mas pretende-se dar espaço à diversificação económica, daí que surge esta oportunidade para as empresas portuguesas, em joint-ventures com empresários locais, de tentarem fazer negócios nesta zona. Macau não é Macau, é a Grande Baía, é Hong Kong, é esta região toda com um potencial enorme.” Carlos Cid Álvares destacou alguns dados macroeconómicos importantes, como a baixa percentagem de crédito malparado nos bancos, apesar da pandemia, e da baixa taxa de desemprego (cerca de quatro por cento ) quando comparado com outras economias. O responsável lembrou ainda a estratégia de diversificação já anunciada pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, de “4+1”, ou seja, a aposta em quatro sectores como a banca, a indústria financeira e de saúde, a alta tecnologia e o sector das exposições e convenções. Relativamente ao mercado da Grande Baía, o CEO do BNU lembrou que o PIB é de 1.7 mil milhões de dólares, o equivalente a 12 por cento do PIB de todo o país. “Está previsto um crescimento muito acelerado do PIB nesta zona, e fala-se que, daqui a dez anos, será de cerca de quatro mil milhões de dólares. Macau compete com uma área muito pequena, mas espera-se que, a curto prazo, com a recuperação da economia, possa vir a ter o maior PIB do mundo”, lembrou. Pedro Magalhães, responsável pela área de comércio internacional da CCLC, frisou que “a China e a Grande Baía não podem estar fora do radar internacional das empresas nacionais [portuguesas], principalmente no contexto do pós-pandemia”. “O PIB da China tem aumentado nos últimos anos, com um incremento de cerca de 8,1 por cento entre 2020 e 2021. Muitos dos complexos desafios que a China hoje enfrenta são desafiantes para todo o mundo, nomeadamente a transição para um novo modelo de crescimento pelo qual o país está a passar e o rápido envelhecimento da população, a construção de um sistema de saúde rentável e a promoção de uma trajectória energética diferente”, rematou.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteBernardo Mendia, membro da Câmara de Comércio e Índústria Luso-Chinesa: “Há, finalmente, entusiasmo” Assim que Portugal respirou liberdade, em 1974, e as autoridades reconheceram a República Popular da China como nação, foi criada a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, que celebra 45 anos de vida no próximo mês. Bernardo Mendia, secretário-geral, joga todas as cartas na recuperação do comércio com a China. Sobre o investimento chinês em Portugal, menciona preconceitos que devem ser combatidos Que balanço faz de mais de 46 anos de actividade da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) e que progressos destaca? O balanço é extremamente positivo. Depois do 25 de Abril, logo em 1975, o Governo português faz uma declaração inicial a dizer que reconhecia a República Popular da China (RPC) como a única China e a representante do povo chinês, e depois na sequência disso, em 1976, surge o movimento que dá origem à CCLC, estabelecida em Fevereiro de 1978. Desde aí, temos acompanhado anos de bastante crescimento que nós próprios como país [Portugal], empresas e empresários temos todo o interesse em estarmos próximos, porque podemos vender e comprar muito para as nossas indústrias, com produtos mais competitivos. A nível de trocas comerciais foram anos muito ricos, mutuamente benéficos sempre com a vantagem de termos Macau, o que nos dá uma vantagem que, se calhar, outros países não têm, com mais de 500 anos de contactos. Passando à parte do investimento, também foi muito interessante para Portugal, se bem que apenas nos últimos 12 anos é que existe um verdadeiro movimento de investimento chinês em Portugal. O investimento português na China foi sempre muito residual, até aos dias de hoje. Houve uma série de circunstâncias para o crescimento do investimento chinês, nomeadamente as políticas chinesas que permitiram a expansão de muitas empresas, que coincidiu com as dificuldades financeiras das empresas em Portugal que obrigaram a abrir o capital de empresas públicas e privadas. Nessa altura, havia maior disponibilidade das empresas chinesas para investir em Portugal. Hoje em dia não se verifica o mesmo. Tivemos bastante sorte porque se tivéssemos dependentes dos investidores ocidentais, tradicionais, as nossas empresas não teriam sido tão valorizadas como foram. Respondendo a uma crítica que vem sendo feita, mas que não passa de um mito, de que existe um excesso de investimento chinês… Não existe? Na verdade, a maior parte do investimento chinês não controla na totalidade o capital das empresas portuguesas e onde controla mantém a gestão com quadros portugueses. Esse mito, conforme diz, foi uma forma de descredibilizar o investimento chinês? Sim, sem dúvida. É uma pena porque não corresponde à realidade e cria um preconceito que é injusto. Deveríamos valorizar [o investimento] e comunicar para ver onde há mais oportunidades. É verdade que hoje em dia há muito menos investimento chinês em empresas já constituídas, porque, de facto, ele aconteceu antes devido a circunstâncias históricas excepcionais e problemas financeiros ocorridos em Portugal. Mas existem ainda muitas oportunidades a nível de indústrias chinesas que podem ser desenvolvidas em países como Portugal, como é o caso da construção de fábricas, indústria automóvel. É esse o investimento que hoje em dia nos interessa. Temos interesse em sermos o país receptor desses investimentos onde depois pode ser feita a distribuição em toda a Europa. Saiu uma notícia recente sobre o facto de empresas estatais e privadas chinesas serem das principais investidoras na Euronext Lisboa. É um sinal de que esse investimento tem vindo a solidificar-se? Por um lado, mais uma vez, demonstra uma aposta em Portugal, e devemos mostrar isso a outros países que estão a ficar para trás. A nós interessa-nos colocar os países a competirem entre si para investirem mais em Portugal. A notícia fala de 8,5 mil milhões de euros em investimento, e esse valor é a esmagadora maioria do stock do investimento chinês em Portugal, que são cerca de dez mil milhões. O investimento chinês em Portugal é quase todo feito através de empresas cotadas em bolsa. É o investimento do mais regulado possível e isso é de salutar, desmistifica as origens do investimento. Fala-se muito na questão dos vistos Gold, por exemplo. O perfil do investidor chinês por essa via também tem mudado? Penso que nos últimos três anos não deixou de haver interesse, da parte dos chineses, nesse tipo de investimento. Mas nesse período houve imensa dificuldade em viajar. Estou convencido que vão voltar a investir bastante com a abertura das viagens. Não temos nada de criticar, no sentido em que tem sido um tipo de investidor que traz muito dinheiro para a economia portuguesa, pela via dos impostos, além de ter reactivado uma indústria e requalificado várias cidades em Portugal, nomeadamente Porto e Lisboa. Houve muita requalificação urbana que não teria acontecido se não houvesse a perspectiva destes investidores. Além disso falamos de investidores que acabam por criar uma ligação com o país, e muitas vezes criam negócios, de importação. Há quem venha viver para cá e traga os seus pais. Penso que há uma dinamização da economia com este investimento de qualidade. Tantos anos após a criação da CCLC, o perfil das empresas que vos procuram mudou? A pandemia trouxe alterações maiores? Nestes últimos três anos houve poucas delegações de empresas chinesas e portuguesas a deslocarem-se. Aqui na CCLC ajudámos empresas a obter vistos e a justificar perante as autoridades chinesas a necessidade de os ter. Os anos da pandemia foram terríveis porque tínhamos apenas o contacto online e isso não ajuda nada. Estamos com confiança para os próximos anos porque toda a gente está com vontade de fazer. Há uma série de eventos importantes para, que do ponto de vista económico, se possa re-activar a relação Portugal-China, como é o caso dos 510 anos da chegada de Jorge Álvares à China, entre outros. Teremos ainda a abertura de uma nova CCLC em Xangai, bem como a Câmara de Comércio e Indústria Hong Kong-Portugal. Apoiamos essa iniciativa que contará com o comendador Ambrose So e Gonçalo Frey-Ramos, que é vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong, entre outros. A China abriu as fronteiras de forma repentina. O número de casos tem aumentado, mas é uma boa notícia para a economia. Sem dúvida nenhuma. Quem está nos negócios esperava ardentemente que isso acontecesse e esperamos que não haja nenhum retrocesso, e que avancem sem hesitação na abertura. Até que ponto será possível recuperar da estagnação e retrocesso destes anos de pandemia? Temos de trabalhar na confiança. A dimensão do mercado e capacidade de compra são os incentivos que os empresários precisam. Isso não se foi embora e agora o potencial virá de forma redobrada. É importante realizar mais missões e visitar o mercado o quanto antes. Queremos estar na China Import-Export Fair, em Novembro. Esteve há pouco tempo em Hong Kong, como está o ambiente de negócios? Visitei Hong Kong três vezes durante a pandemia e nota-se uma grande diferença no ânimo das pessoas. Há, finalmente, entusiasmo. Com a abertura poderemos esperar uma nova era das relações Portugal-China? É importante que se continue onde estávamos em 2019. Temos de fazer as viagens, garantir que as nossas delegações estão presentes nas feiras na China. Agora será rápido. Temos um período mais desafiante, que são estes primeiros meses com muitas infecções e mortes, mas depois as coisas voltarão à normalidade. A guerra na Ucrânia e a inflação tem afectado o comércio mundial. Isso tem influenciado as exportações para Macau e China? Falamos de mercados que não são muito expressivos e que não se deixam afectar por esses factores externos. Ao contrário das narrativas que se têm tentado comunicar, o mundo é multipolar. Todos temos interesses, valores e necessidades. Temos de promover o respeito e compromisso. Em alguns momentos temos de ceder, outros a cedência é da outra parte. Devemos serenar os ânimos políticos para que a economia possa funcionar. Muito se tem criticado a ausência de um pleno funcionamento de Macau como plataforma. Concorda? Essa plataforma depende de vontade política. Acho que há ainda muito potencial que está subaproveitado e que podemos aproveitar muito melhor. Há instrumentos criados, mas ainda não são explorados dentro das suas potencialidades. Compreendo essas críticas e compete aos empresários e câmaras de comércio tirar maior proveito desse potencial. Há um potencial acrescido com a criação de iniciativas como a Grande Baía e a Zona de Cooperação Aprofundada? Como é que a CCLC pretende responder a estes desígnios? Neste momento, devemos aproveitar a vontade política para tirar proveitos económicos. Este ano, a delegação que for à China, incluindo a Macau, irá concentrar a viagem nas visitas à Grande Baía para mostrar aos empresários portugueses a escala do mercado, pois isso não é muito falado. Temos ainda de os educar quanto a essa iniciativa. Agora é preciso visitar, conhecer e trocar cartões para ver o que está a acontecer.
Hoje Macau China / ÁsiaBernardo Mendia nomeado secretário-geral da Câmara de Comércio luso-chinesa O empresário Bernardo Mendia é o novo secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), sucedendo a Sérgio Martins Alves, anunciou esta entidade, em comunicado, no qual destaca a “extensa experiência” do gestor. “Com extensa experiência no universo associativo ligado à China, reconhecidamente dinâmico e amplamente conhecido pelas empresas e instituições que orbitam em torno do contexto luso-chinês, a Direção da CCILC viu em Bernardo Mendia o perfil ideal para conduzir a Secretaria-Geral da CCILC, num momento de grandes desafios e oportunidades para as relações económicas e comerciais entre Portugal e a China”, aponta-se no comunicado enviado hoje à agência Lusa. No texto, a Câmara diz que a nomeação permite “olhar para o futuro com ambição renovada”. Bernardo Mendia é licenciado em Direito e teve na gestão de logística internacional, em Hong Kong, a sua primeira imersão no universo asiático, há mais de dez anos. É também membro fundador e Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal – Hong Kong, parceiros da CCILC, membro do Comité Executivo da Federation of Hong Kong Business Associations Worldwide e conselheiro da Direção da JEUNE – Young Entrepreneurs Association of the European Union.
Hoje Macau EntrevistaDiplomacia | Embaixador diz que relação entre Portugal e China vai além de Macau Numa videoconferência promovida pela Câmara de Comércio Luso-Chinesa, o embaixador português em Pequim, José Augusto Duarte, exortou os empresários portugueses a não ficarem presos ao passado no que à relação com a China diz respeito. O responsável defendeu a criação de mais voos entre Portugal e a China e a aposta nos turistas chineses [dropcap]O[/dropcap] embaixador de Portugal em Pequim, José Augusto Duarte, afirmou na sexta-feira que a relação bilateral entre Portugal e a China vai além de Macau e que os empresários portugueses não devem ficar na sombra dos antepassados. “O papel de Macau tem uma ligação incontornável na relação com a China. É um caso de estudo daquilo que deve ser o diálogo entre as nações”, disse o embaixador, numa videoconferência organizada pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), lembrando que “a relação com a China é mais vasta do que Macau e não pode ser um livro de nostalgia”. O diplomata, que falava a uma centena de empresários e gestores sobre “As Relações Bilaterais e a Nova Fase da Parceria Estratégica”, evento que se realizou no âmbito do ciclo “Connecting China to Portugal”, organizado pela CCILCA, desafiou assim os empresários a construírem “um novo legado e um novo futuro”. José Augusto Duarte admitiu, no entanto, que no quadro do Fórum Macau há actualmente o desafio de “aliviar as barreiras alfandegárias” nas exportações que passam por Macau para a China continental. Os países de língua oficial portuguesa, ao exportarem para a China Continental através de Macau, enfrentam uma dupla tributação e novas barreiras alfandegárias. “Temos aqui um desafio e seria bom aliviar as barreiras alfandegárias”, prosseguiu, realçando o papel do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau). “Parceiro incontornável” O embaixador disse ainda que a China é “um parceiro incontornável em todo o mundo” e que a “aposta e compreensão deste mercado” pelos empresários portugueses “é fundamental”. Portugal “tem de estar unido e ter uma enorme parceria estratégica entre o Estado e os privados. É uma responsabilidade colectiva”, realçou, desafiando os empresários a exportarem para a China, lembrando que os termos de troca das exportações pelas importações são desfavoráveis a Portugal. Mesmo assim, referiu que no primeiro trimestre deste ano, o peso das exportações de bens agroalimentares nacionais no total das exportações para a China aumentou 255 por cento face ao período homólogo de 2019. As empresas portuguesas já se encontram habilitadas a exportar carne de porco, produtos aquáticos, laticínios, uvas de mesa, bens agroalimentares de baixo risco como o azeite, vinho ou mel. Adiantou que diversos processos negociais estão em curso entre Portugal e a China para permitir a exportação, nomeadamente de carne bovina, aves, ovinos e de peras e citrinos. “Há que não ter receio e sofrer de timidez para irmos para este mercado [de 1,4 biliões de consumidores]. Há que superar as dificuldades e é desejável e saudável para uma relação equilibrada”, realçou José Augusto Duarte. A resposta da China face à pandemia da covid-19 torna este país um dos que “mais rapidamente recuperarão”, pelo que se trata de “uma aposta certa”, pois será o que “terá o maior crescimento na próxima década”. Além disso, o embaixador considerou que Portugal tem capacidade para absorver mais capital chinês, investimento que “cumpre as regras de mercado e respeita a leis portuguesas”. Voos unidos José Augusto Duarte defendeu ainda a importância das negociações do acordo bilateral de investimento entre a China e a União Europeia (UE), considerando que deveriam ficar concluídas ainda durante a presidência alemã da UE, que antecede a portuguesa. “Era um passo muito importante devido ao desgaste que a pandemia tem causado e iria estimular muito a produtividade e as trocas comerciais”, disse o diplomata, lembrando também que o transporte aéreo regular, de passageiros e mercadorias, é da “maior importância” na conectividade com a China. Neste domínio, disse que o “ideal era haver todos os dias” ligações aéreas entre os dois países e defendeu que Portugal deve apostar nos turistas chineses, pois são “ordeiros e não conflituosos, gostam de consumir e pertencem ao segmento de turismo de alta gama”.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaCovid-19 | Re-industrialização portuguesa conta com o investimento chinês João Marques da Cruz, presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, defende que a economia portuguesa irá atravessar um período de re-industrialização devido à crise causada pela covid-19. Nessa mudança, a China diz-se disposta a apostar em “investimentos de raiz”. Num seminário onde o tema foi debatido, o embaixador da China em Portugal, anunciou a criação de mais um Instituto Confúcio no país [dropcap]C[/dropcap]omo vão ser as relações entre a China e Portugal depois da pandemia? Esta foi a pergunta a que João Marques da Cruz, presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa (CCLC), e Cai Run, Embaixador da República Popular da China (RPC) em Portugal, tentaram responder num seminário online promovido pela CCLC que decorreu na última sexta-feira. O mote foi lançado por João Marques da Cruz, que defende que a economia portuguesa vai passar por um processo de re-industrialização, fruto de uma nova globalização, graças à covid-19. “Esta nova globalização vai permitir um processo de re-industralização de Portugal. Acredito que o peso no Produto Interno Bruto português no sector indústria será superior ao que é hoje, ou antes do vírus, e a RPC é um grande parceiro nesta re-industrialização”, frisou o responsável. Lembrando o papel que a China teve na recuperação da economia portuguesa há alguns anos, quando foram feitos investimentos nos processos de privatização de empresas públicas, como foi o caso dos investimentos do grupo Fosun na REN e na compra da seguradora Fidelidade, entre outros exemplos. “Na fase seguinte, estamos a falar de investimento produtivo novo. Não se trata de comprar empresas, mas de investir para criar empresas que sirvam os mercados globais, baseadas em Portugal. Acredito que a RPC tem grande capacidade para ser um parceiro com empresários portugueses para a criação de empresas.” João Marques da Cruz acredita que na possibilidade de surgirem mais investimentos importantes “no sector de infra-estruturas, quer sejam portuárias ou ferroviárias”. O dirigente considera “a Europa aposta muito no reforço da ferrovia e a RPC é um país fortíssimo em termos de ferrovia, tem uma grande rede de alta velocidade, além de ser grande fabricante de comboios modernos”. Investimentos de raíz Cai Run, Embaixador da China em Lisboa, não só concordou com João Marques da Cruz como anunciou novos conceitos-chave para a cooperação sino-portuguesa. Esta deve fazer-se “andando sobre os dois pés” e com aposta em investimentos de raiz por parte das empresas chinesas. Para a China, já não basta investir em privatizações. “Deve-se andar sobre os dois pés ao realizar a cooperação ao nível do investimento e indústria em Portugal”, disse Cai Run, que apresentou duas explicações para esta expressão. “[Vamos] continuar a encorajar as empresas chinesas a desenvolver cooperações de investimento e indústria em Portugal, no sentido de obter mais oportunidades e mais espaço de desenvolvimento para a própria empresa, e para dar mais contributos para o desenvolvimento sócio-económico de Portugal.” Ao mesmo tempo, “as empresas portuguesas são bem-vindas a investir e a abrir negócios na China, na medida em que a China promove activamente a reforma e abertura, amplifica o seu acesso ao mercado e aprimora de forma consistente o ambiente de negócios”. Por isso, defende Cai Run, “as empresas portuguesas terão mais oportunidades na China”. Para o embaixador, é importante que as companhias chinesas realizem “investimentos de raiz”, para “abrir fábricas ou centros de investigação, formação e serviços em Portugal, de maneira a tornar mais robusta a cooperação e o desenvolvimento industriais”. “Serão encorajados mais investimento deste tipo”, acrescentou. Uma vez que “as estruturas económicas e industriais de todos os países vão sofrer um ajuste profundo” com a pandemia, Cai Run acredita que “a cooperação no investimento e indústria entre a China e Portugal enfrenta desafios e oportunidades”. A mudança de paradigma, faz-se sentir, “particularmente, neste momento em que a China está a elevar o nível geral da sua abertura ao exterior e a ampliar o seu acesso ao mercado, levantando algumas restrições”. Além disso, “a parte portuguesa também está a iniciar o seu processo de re-industrialização, pelo que haverá novas oportunidades”. Olhar para fora São frequentes as declarações sobre o facto de as relações sino-portuguesas atravessarem, neste momento, a melhor fase em termos históricos. Em 2019, celebraram-se os 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas e as autoridades dos dois países expressam sempre a existência de uma boa relação bilateral. Mas em tempos de pandemia, é importante olhar também para um mercado que é muito importante para a China: o dos países lusófonos. Desta forma, Cai Run destacou, não só no âmbito da cooperação bilateral, mas também da política “Uma Faixa, Uma Rota”, o quão importante é apostar em relações trilaterais. Deve haver um “aproveitamento das vantagens”, pelo que “China e Portugal têm incentivado as suas empresas a desenvolverem cooperações trilaterais voltadas para os países lusófonos e explorarem juntos os mercados desses países”. “As cooperações nas áreas da energia, electricidade, seguros e finanças já produziram um conjunto de resultados consideráveis”, acrescentou Cai Run. Apesar de a pandemia ter levado à estagnação de muitos investimentos, incluindo no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”, a China promete não baixar os braços. “É importante que as rotas terrestre e marítima assumam um papel significativo na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’. A cooperação pragmática sino-portuguesa nas mais variadas áreas registou avanços fundamentais. A parte chinesa empenha-se na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ em conjunto com a parte portuguesa. Os dois lados são bons parceiros e participantes.” Cai Run destacou os contactos feitos entre o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Presidente chinês, Xi Jinping. O Embaixador falou também do facto de Portugal ter sido “o primeiro país atlântico europeu a assinar um memorando de entendimento para a construção conjunta de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ com a China, além de ter sido “o primeiro países da zona Euro a emitir obrigações em renmimbi”. Mais um Instituto Confúcio Outro ponto debatido no seminário online prendeu-se com a cooperação ao nível da educação. Cai Run destacou o facto de hoje serem cerca de 40 as universidades chinesas que ensinam português, além de haver uma ligação na aprendizagem das línguas portuguesa e chinesa no ensino pré-universitário. Os números do intercâmbio de alunos no ensino superior são também significativos, destacou o Embaixador. “Quando assumi este cargo o número de estudantes chineses nas universidades portuguesas eram apenas 260, e este número subiu para 2.900. Os estudantes chineses a estudar nas universidades portuguesas vão ser cada vez mais”, declarou. Cai Run anunciou ainda a abertura de um novo Instituto Confúcio em Portugal. “Há cada vez mais alunos a aprender a língua chinesa nestes cinco Institutos Confúcio. Estamos a trabalhar para abrir mais um Instituto Confúcio a sul do Tejo, para facilitar a aprendizagem da língua chinesa dos portugueses”, rematou.
Andreia Sofia Silva EntrevistaJoão Marques da Cruz: “As autoridades chinesas estão a fazer um trabalho notável” O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) olha para o desenrolar dos acontecimentos relacionados com o coronavírus com tranquilidade e deposita total confiança no trabalho feito pelas autoridades da China e de Macau. No que diz respeito ao território, João Marques da Cruz defende que não deve existir uma reacção excessiva e aponta para a necessidade de medidas de apoio às Pequenas e Médias Empresas. O responsável diz não compreender a decisão de Carrie Lam de suspender as ligações marítimas entre as duas regiões administrativas especiais [dropcap]A[/dropcap] crise gerada pelo coronavírus apanhou todos de surpresa. Quais são as directrizes que estão a ser seguidas para empresários de Portugal e China? É evidente que este coronavírus apanhou toda a gente de surpresa. Neste momento importa dar duas notas: a primeira é que as autoridades chinesas estão a fazer um trabalho notável de contenção que todo o mundo elogia, começando pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Aquele esforço logístico impressionante, com a construção de um hospital em 10 dias, de abastecimento de cidades que estão de quarentena e que têm 60 milhões de habitantes. Tudo isso é muito relevante e acho que devemos assinalar. Também as declarações da OMS têm sido muito equilibradas, evitando os excessos. Tem de haver um equilíbrio. Sem dúvida que têm de se tomar medidas, mas as medidas não podem ser propiciadoras de isolacionismo, que é sempre mau conselheiro. Temos de ter sempre os pés assentes na terra. Concorda então que a OMS tenha demorado a definir o coronavírus como uma epidemia global. Sim, penso que foram muito ponderados. Acho que, aliás, no actual contexto, a OMS representa uma mistura de serenidade e conhecimento técnico. Mas no que diz respeito às relações Portugal-China, do ponto de vista comercial, as exportações portuguesas para a China são à volta de 600 e 700 milhões de euros. Grosso modo, considerando que as exportações portuguesas para o mundo são 60 mil milhões de euros, nós estamos a falar de 1 por cento. Todas as exportações portuguesas para a China são 1 por cento das exportações portuguesas. Este número relativiza a questão. 600 milhões são 600 milhões, mas é só 1 por cento. O que espero que aconteça é business as usual. Aconteceu o que aconteceu, há casos na província de Hubei, mas importa continuar a funcionar normalmente. A fim de manter essa normalidade, a Câmara de Comércio tem reunido com empresários, têm chegado alguns pedidos de informação? O maior pedido que tem chegado da parte de empresas nossas associadas e que têm negócios na China tem a ver com a necessidade de ajuda no fornecimento de máscaras e outros materiais, e é algo que estamos a fazer. Já identificámos identidades portuguesas que podem prestar essa ajuda aos associados e a empresas portuguesas e chinesas que têm uma relação com Portugal. Mas muita gente coloca dúvidas sobre o que irá acontecer em eventos que são daqui a três meses, e a minha resposta é que seguramente vai acontecer tudo normalmente, porque esta crise vai ser controlada a muito curto prazo, espero. Tudo o que acontece no mês de Fevereiro foi desmarcado. Eu deveria ir na próxima semana a Hong Kong, Macau e Pequim, e obviamente que não vou. Mas a CCILC tem uma delegação em Macau e está muito activa em todos os momentos na promoção das relações comerciais e de investimento entre a China e Portugal. Normalmente falamos de questões económicas apenas, mas neste momento queremos estar activos e solidários nesta questão. Tenho confiança nas autoridades da China e de Macau de que estão a fazer tudo o que é possível para debelar a crise. Tudo o que seja de criticar fica para outra altura. Não deve ser feito agora. Enfrentamos tempos difíceis no comércio mundial, tendo em conta que este novo coronavírus surge depois de uma guerra comercial. Há que separar os dois assuntos. Foi importante as autoridades chinesas darem toda a informação. A China hoje é diferente da China de 2002/2003. Foi em Novembro de 2002 que começou a SARS, que durou nove meses, com aproximadamente oito mil infectados e uma mortalidade muito significativa. Mas independentemente destas distinções, na altura a China demorou algum tempo, demasiado, a reagir. E neste momento foi muito rápida, houve transparência, actualizações contínuas. Diria que temos de estar todos do lado das autoridades chinesas para lidar com esta crise. Vejo os dados actualizados, vejo um evidenciar de que há um problema. É verdade que há casos em todas as províncias, mas o número de mortes noutras províncias chinesas que não Hubei é muito residual. Há várias províncias que têm zero mortes. Há pouco tempo houve o primeiro morto em Pequim, o que mostra que é algo que está muito concentrado e isso resulta do esforço de contenção. Mas falou do problema das trocas comerciais. Espero e desejo que neste momento não haja a menor mistura dos dois assuntos. No caso de Macau, por ser um território mais pequeno, com uma economia mais dependente do jogo, pode vir a sofrer maiores consequências com esta epidemia? É evidente que sendo uma economia baseada no turismo, onde o jogo é o grande atractivo, uma epidemia é a pior coisa que pode acontecer. Obviamente que a economia de Macau vai sofrer e para Macau o que é importante é que esta fase de contenção do vírus tenha sucesso e passe o mais rápido possível. O que será muito mau para a economia de Macau, e espero que não aconteça, até porque não há nenhum sinal nesse sentido, era se houvesse um desenvolvimento não contido do vírus. Houve voos cancelados entre as Filipinas e Macau, está a acontecer algum excesso. Isto porque, quer em Macau quer em Hong Kong, a população que não está afectada pelo vírus é um número de 99,999 por cento. Há que ter um ponto de equilíbrio. Mas é um território densamente povoado e de pequena dimensão, e já existem dez casos confirmados. Vivi em Macau e tive H1N1, fui tratado lá. Macau tem boa capacidade de resposta a estas situações e falo com experiência própria. Acho que não é do interesse de Macau uma reacção excessiva, é mau para todos e para Macau é péssimo. Mas quando fala de reacção excessiva, refere-se a que tipo de medidas? Tenho dificuldade de entender que haja cancelamento de voos entre regiões que não têm casos ou têm casos marginais, para Macau. E a decisão da Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, de suspender as ligações de ferry, também foi exagerada? Com a indicação que eu tenho neste momento, não consigo entender. Não sei se a motivação é para evitar que os 20 e poucos casos que há em Hong Kong, numa população de sete milhões, que se espalhe para Macau, ou da dezena de casos de Macau de ir para Hong Kong. Mas qualquer que seja o movimento acho que há um exagero. Todas essas medidas criam o factor medo, e quando isso entra na cabeça das pessoas, até de forma irracional, apesar de o vírus poder estar totalmente controlado, o factor medo persiste. E tirar da cabeça das pessoas esse medo demora muito mais. Não tenho os dados que estão por detrás dessa decisão do Governo de Hong Kong, mas com a informação que eu tenho, não a entendo. Como tem sido o contacto com as autoridades de Macau no que diz respeito às PME locais e portuguesas? Há também esse sentimento de medo? É importante criar medidas a curto prazo que aliviem essas empresas, nomeadamente no alívio de tesouraria das PME, que sofreram imenso com a ausência de clientes. Sei que o Governo está a tomar medidas concretas nesse sentido. Acredita que depois desta epidemia a China pode mudar a sua postura relativamente ao comércio de animais vivos? Sim, acredito que depois de resolvida esta questão que as autoridades chinesas vão rever [as regras], sobretudo quando estamos a falar de animais vivos selvagens. Mas isto não é a primeira vez que acontece e penso que é justo dizer que o conhecimento científico leva-nos a achar que a razão destes surtos tem que ver com esta promiscuidade que existe entre animais vivos e pessoas.
Diana do Mar ReportagemPortugal-China, 40 anos | Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa criada um ano antes do reatamento Sensivelmente um ano antes do reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a China, nasceu a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa. Foi o resultado de um grupo de amigos que buscavam fomentar o intercâmbio económico e/ou comercial com um gigante então adormecido [dropcap]C[/dropcap]orria o ano de 1978 quando um “grupo de amigos” se junta para criar a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), antecipando-se ao almejado reatamento das relações diplomáticas entre Pequim e Lisboa, efectivado em 8 de Fevereiro de 1979. “A CCILC foi, de facto, antecessora. Entidade privada, constituída por empresas que na altura tinham ou queria ter uma relação com a China, acaba por ser criada por pessoas e/ou empresas que achavam que Macau podia desempenhar um papel muito importante no restabelecimento de relações diplomáticas, dado que à época era o elo”, contextualizou o presidente da CCILC, João Marques da Cruz, em entrevista ao HM. A época também é propícia. Se por um lado, em Portugal vive-se o pós-25 de Abril, por outro, os anos 1970 marcam a aproximação do Ocidente à China, de que é paradigmática a visita, em 1972, do Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Na génese da CCILC estiveram empresas de renome, como a Amorim & Irmão, a Sogrape, mas a maior representatividade veio sempre do sector financeiro, ou seja, dos bancos. “Nos anos 1970, eram dois os tipos que olhavam para a China: o primeiro de empresas com interesse ou que já tinham uma relação com Macau, como bancos e empresas ligadas a bens essenciais e infra-estruturas básicas, como telecomunicações; enquanto o segundo era composto por empresas que exportavam para a China ou tinham essa ambição”, explicou Marques da Cruz. Já em sentido contrário o interesse era na altura exclusivamente através de empresas de Macau, como as ligadas à Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), do magnata Stanley Ho, de que é exemplo a Estoril-Sol, que faz parte da CCILC “praticamente desde sempre”. “De facto, na altura, atrevo-me a dizer que não havia nenhuma empresa chinesa voltada para o mundo. A ponte era exclusivamente Macau, pelo que o interesse era de quem estava em Macau. A economia da China era, à época, inferior à de Hong Kong, pelo que era minúscula e em termos de investimento internacional era inexistente”, aponta o economista. Grandes diferenças Ao longo das quatro décadas que volveram, Marques da Cruz sinaliza “três grandes diferenças”. A dimensão económica surge no topo: “Nos anos 1970, a China representava praticamente nada em termos de Produto Interno Bruto [PIB] mundial e, agora, está a recuperar o papel que teve nos séculos XVIII e XIX”. O segundo grande aspecto prende-se com a direcção do fluxo de investimento: “Se, no início, o pouco que existia era de Portugal para a China hoje verifica-se o contrário”. Já o terceiro ponto tem que ver com o próprio nível de desenvolvimento da economia chinesa, que hoje é a segunda maior do mundo e está em vias de se tornar na primeira, pelo que constitui “um actor absolutamente essencial”. Para Marques da Cruz, também administrador da EDP, existem três reptos nas relações económicas entre Pequim e Lisboa: Esbater o “muito significativo” défice da balança comercial constitui o primeiro. “O sector que mais cresce na China é o do consumo e Portugal tem muitos produtos, tanto na área alimentar, como na fileira da moda (do vestuário e do calçado), conseguindo penetrar no segmento médio/alto em vários mercados. Basta pensar que se estivermos a falar da classe média na China, na ordem de 15 a 20 por cento, estamos a falar de 260 milhões de pessoas. As exportações portuguesas têm um enorme caminho a percorrer”, aponta Marques da Cruz. O segundo aspecto diz respeito ao investimento chinês, com o presidente da CCILC a defender que Portugal deve continuar “muito aberto”, especialmente ao investimento produtivo. “Não estou a falar na compra de empresas que já existem, mas em novos projectos, permitindo-se que haja empresas chinesas que se instalem em Portugal para servir o mercado da Europa”, afirmou, colocando a tónica “no sector dos bens transaccionáveis”, isto é, em “produtos feitos em Portugal por empresas de capitais chineses que não sejam somente para consumo interno, mas de exportação para a Europa”. Para Marques da Cruz, existem áreas com potencial como a nova economia, a biotecnologia ou a medicina, em que “há interesse de empresas chinesas em investir”. O terceiro grande desafio passa pela parceria entre empresas portuguesas e chinesas para investimento em países terceiros, considera o presidente da CCILC, entidade que conta actualmente com 350 sócios. Guerra comercial EUA/China pode prejudicar Portugal O economista João Marques da Cruz defende que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China pode prejudicar Portugal, contrariando a opinião de que a Europa poderia sair beneficiada, ao ser vista como alternativa. “Em qualquer guerra comercial entre duas grandes potências, as vítimas são as pequenas economias abertas que terão mais dificuldades em exportar, pelo que Portugal será um dos perdedores, porque vai haver uma redução do comércio internacional”, afirmou, em entrevista ao HM. Para o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), foi o que demonstrou a história dos anos 1930: “Os anos 1930 foram a década mais negra do século XX, trouxeram regimes fechados e uma das causas foi a crise económica, que foi tão global que a resposta passou pelo fechar de fronteiras e pelo proteccionismo”. “Se há a dinâmica de fechar, tudo se fecha, logo países como Portugal serão prejudicados”, apontou.
Hoje Macau China / ÁsiaChina não precisa de Portugal para entrar em África, mas haver empresas portuguesas ajuda, aponta CCLC [dropcap]O[/dropcap] presidente da câmara de comércio e indústria luso-chinesa, João Marques da Cruz, considerou que “a China não precisa de Portugal” para entrar em África, mas reconheceu que os negócios com empresas portuguesas são mais viáveis. “Objectivamente a China não precisa de Portugal para entrar em nenhum país africano”, disse o responsável, acrescentando que “sem dúvida que as empresas portuguesas, com o ‘know-how” que têm em África e na América Latina, conseguem acrescentar valor porque conseguem que, se o negócio envolver uma empresa portuguesa, a cooperação empresarial, de negócios, seja melhor recebida e os negócios têm mais condições de serem viáveis se envolverem empresas portuguesas do que diretamente empresas chinesas”. Em declarações à Lusa a propósito da gala que se realiza na quarta-feira em Lisboa, para assinalar os 40 anos de relações diplomáticas entre os dois países, com a presença do primeiro-ministro e do embaixador chinês em Portugal, e que acontece antes da visita do Presidente chinês a Portugal, em dezembro, João Marques da Cruz vincou que “o importante é haver uma relação permanente e a um nível elevado de relações económicas entre empresas portuguesas e chinesas e não esteja dependentes dos momentos e altos e baixos”. Já estamos “a entrar nessa fase de relação estável e de nível elevado entre os dois países”, considerou o também administrador da EDP com o pelouro internacional, vincando acreditar que “as empresas portuguesas possam ser parceiros úteis para negócios entre a China e os países do hemisfério sul, nomeadamente na América Latina e em África”. Questionado sobre a importância que a iniciativa ‘Rota da Seda’ pode ter para as empresas portuguesas, João Marques da Cruz salientou que Portugal pode beneficiar dessa ideia chinesa. “Podemos beneficiar dessa iniciativa de investimento, que é a maior iniciativa de investimento em curso no mundo, com investimento muito centrado em infraestruturas, é importante que Portugal se posicione, porque todos os países estão a posicionar-se, mesmo os de maior relevância económica”, disse o administrador da EDP, apontando o exemplo da Alemanha. “Portugal, com pergaminhos na relação da Europa com a China através de Macau, deve posicionar-se para ser recetor de investimento, fundamentalmente pensado para infraestruturas”, disse, acrescentando: “Julgo saber de um interesse português num investimento no porto de Sines por parte de empresas chinesas e isso encaixa totalmente na lógica da Rota da Seda porque se trata de uma infraestruturas estratégica e há essa propensão chinesa para esse tipo de investimento”. A nova Rota da Seda foi lançada em 2013 pelo Presidente chinês, Xi Jinping, e inclui uma malha ferroviária intercontinental, novos portos, aeroportos, centrais elétricas e zonas de comércio livre, visando ressuscitar vias comercias que remontam ao Império romano, e então percorridas por caravanas. Os projetos são sobretudo construídos por empresas chinesas e financiados pelos bancos estatais da China, estendendo-se à Europa, Ásia Central, África e Sudeste Asiático. Em 2017, as trocas comerciais entre os dois países fixaram-se nos 5,6 mil milhões de dólares, com as exportações chinesas a somarem 3,48 mil milhões de dólares e as vendas de Portugal à China a ascenderam aos 2,12 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 34,69%.