Bastão nas mãos do Santo

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] existência em Portugal do Bastão do Comando dado a um Governador fica-se a saber pelas palavras de D. Pedro de Meneses, na altura em que foi empossado como primeiro Governador da Praça de Ceuta, ainda em Agosto de 1415. Dizia ele perante D. João I: ” ‘Majestade, com este bastão é-me suficiente para defender Ceuta de todos os seus inimigos’; desde aquele instante, um bastão para jogar (Aleo) transformou-se no Bastão de Mando da Cidade, estando actualmente em mãos da Nossa Senhora de África, como Governadora Perpétua da urbe”, informa Gabriel Fernandez Ahumada.

“No acto da posse dos governadores da Índia havia a cerimónia da troca do bastão pelo que se guarda no túmulo de S. Francisco Xavier. Esta cerimónia teve origem no facto de ter o Vice-Rei Conde de Alvor depositado ali o seu bastão, entregando ao santo a defesa do Estado quando esteve iminente a invasão pelo Savagy”, segundo se lê na Enciclopédia Luso Brasileira. Tal episódio ocorreu em 1683, após Sambaji (filho e sucessor de Shivaji, fundador do Império Maharathi) a 24 de Novembro desse ano, com um exército de vinte mil soldados, cavalos e elefantes, tomar às portas da cidade o forte da Ilha de Jua (St. Estêvão) e matado toda a guarnição.

O Vice-Rei Francisco de Távora (1681-1686), já com o título de Conde de Alvor, atacou-o com quatrocentos homens, mas foi desbaratado. Desesperado, o Vice-Rei, vendo estar Goa perdida devido à supremacia dos maratas (denominação portuguesa para os maharatas), foi à Igreja do Bom Jesus e abrindo o túmulo de S. Francisco Xavier colocou-lhe nas mãos o bastão (símbolo do poder), assim como as patentes (símbolo de tomada de posse) e um papel nomeando-o defensor e protector de Goa e dos portugueses. Com isso esperava a sua ajuda milagrosa, entregando-lhe a responsabilidade da defesa de Goa.

E não é que Sambaji inesperadamente retirou, apesar da sua supremacia. Para a crença popular foi um milagre realizado por S. Francisco Xavier, mas o que ocorreu para o súbito abandono da mais que provável conquista de Goa por parte de Sambaji foi este ter de ir defender as suas terras do ataque dos mongóis. A partir de então, muitos dos Governadores e Vice-reis da Índia tomaram posse junto ao túmulo do Santo.

 

Bastões das diferentes autoridades

 

Por alvará de 26 de Abril de 1626, Dom Francisco da Gama, que pela segunda vez ocupava o cargo de Vice-Rei da Índia (1622-28), concedeu à Câmara de Macau o privilégio de prover a vara de Alcaide desta cidade, em homem branco. Alvará mais tarde confirmado pelo Vice-Rei D. Francisco de Távora (1681-1686) e a 30 de Abril de 1689 pelo então Governador da Índia, D. Rodrigo da Costa, sendo a 30 de Dezembro de 1709 pelo próprio Rei D. João V.

Uma história em que este bastão é referenciado ocorreu em Macau em 1710. Na altura, 13 de Fevereiro, os vereadores do Senado revoltaram-se contra o Capitão-Geral Pinho Teixeira e essa desobediência levou o Governador a mandar eleger um novo Senado. Os homens bons demitidos pelo Capitão refugiaram-se no Colégio de S. Paulo e o Governador enviou soldados para aí os prender. Os jesuítas reuniram-se com o Ouvidor e os notários na escadaria de São Paulo e aí atestaram os seus privilégios, ficando provado que a entrada forçada de soldados nas suas instalações era inadmissível do ponto de vista legal.

O Capitão Geral mandou vir um canhão para despedaçar a porta maciça do seminário, mas como o tiro não conseguiu tal efeito, deu ordens para os canhões do Monte o arrasar, sendo tal evitado pela intercessão do bispo. O conflito continuou e três cidadãos foram consecutivamente eleitos para o lugar vago de juiz mas, assim que eram eleitos, reuniam-se aos seus predecessores, no Colégio, onde também procuravam abrigo muitos cidadãos. Os apelos do clérigo e da classe média resultaram na retirada das sentinelas. No aniversário da invasão holandesa, os senadores, bastão na mão, saíram do seu refúgio e, escoltados por muitos partidários armados de mosquetes, foram a um conselho-geral no Senado, celebrado com o fim de restaurar a tranquilidade pública. No entanto, o conflito só ficou sanado a 28 de Julho desse ano com a posse de um novo Governador, Francisco de Melo e Castro.

 

Ascendência do Senado

 

“Os decretos reais de 1709 determinaram que o Capitão-geral não interferiria na administração política e financeira que, por direito, pertencia ao Senado, e que, em vez de convocar os senadores em qualquer emergência, ele deveria deslocar-se à casa do Senado, onde lhe seria concedido o lugar principal na mesa do conselho que, habitualmente era atribuída ao vereador mais antigo”, segundo Montalto de Jesus, que refere, a “escritura constitucional datada de 1712, definiu a jurisdição política do Senado como abrangendo todos os casos que se relacionassem com o bem-estar e a tranquilidade de Macau, enquanto financeiramente confiava ao Senado o controlo exclusivo dos rendimentos e despesas da colónia [até que pelo Decreto de 20.9.1844 foi instituída uma Junta de Fazenda, tirando da Câmara a administração financeira]. O Capitão-geral, geralmente o orgulhoso filho de alguma família patrícia e histórica, tolerava mal esta ascendência do Senado. Mais a mais, a própria pompa da sua tomada de posse contradizia a sua posição de subalterno. Quando, às portas da cidadela, apresentava a sua carta-patente ao vereador mais antigo eram-lhe em troca entregues um bastão de comando e a chave da cidadela por entre uma salva de vinte e um tiros. Para seu desgosto, contudo, em breve veria a sua autoridade estritamente limitada ao comando de uma pequena guarnição”.

Refere Armando A. A. Cação, em “1721, o Governador era investido na posse, na porta principal da Fortaleza do Monte, entregando-lhe o conselho do Governo e chave da dita fortaleza e o bastão e com eles a posse do Governo desta cidade com todas as artilharias e armas, apetrechos e munições de todas as fortalezas da guarnição”.

No Senado “às nomeações anuais era anexada uma lista de sucessão. Na circunstância do falecimento de um senador a vaga era preenchida numa tocante cerimónia, na catedral. Os senadores reuniam-se à volta do caixão, o vereador na presidência pronunciava três vezes o nome do falecido, um médico atestava formalmente o óbito, a lista de sucessão era aberta e um substituto nomeado pelo vereador, que lhe entregava solenemente uma vara tirada da mão do falecido, pois cada senador possuía uma fina vara de madeira, insígnia de autoridade”, segundo Montalto de Jesus.

Já a carta de 22 de Setembro de 1714, dirigida por Albuquerque Coelho ao Ouvidor Vicente Rosa, que o tinha colocado na prisão, refere a vara de Ouvidor desta Cidade. Como se percebe, para além do Bastão de Comando do Governador, havia também os bastões dos vereadores, do juiz…

O que será feito desses bastões de Justiça e Comando? Se ainda existem, por onde andam? Relíquias importantes para serem expostas no Museu de Macau, ou pelo menos réplicas deles.

5 Jan 2018