Andreia Sofia Silva EntrevistaAntónio Félix Pontes, ex-presidente do Instituto de Formação Financeira: “Fiquei com alguma mágoa” António Félix Pontes esperava cumprir mais um mandato como presidente do Instituto de Formação Financeira, mas o director da Autoridade Monetária e Cambial de Macau invocou “razões não plausíveis” para a não continuação do economista, que continua agora no sector privado. Félix Pontes teme que o Governo tenha de injectar mais apoios na economia e deita por terra as ideias para a criação de um “sistema financeiro com características próprias” [dropcap]E[/dropcap]stá de saída do Instituto de Formação Financeira (IFF) e da Administração Pública. Porquê agora? Os dois melhores anos do IFF, em termos de ‘performance’, foram precisamente os do meu último mandato (2018-2019). Por conseguinte, tinha a expectativa de ter mais um mandato, pois, em termos de uma gestão racional dos recursos humanos sem estereótipos, premeia-se quem tem bons resultados. No entanto, não foi essa a opinião do actual presidente da AMCM, invocando razões não plausíveis. Como assim? Descortinei que o que ele queria era uma pessoa que não fosse tão independente como eu, pelo que lhe disse que, não havendo comunhão de opiniões, deixaria o IFF aquando da eleição dos novos corpos sociais e que continuaria apenas a prestar assessoria à AMCM até ao termo do meu contrato. Portanto, a minha saída fez-se sem dramas. Fiquei com alguma mágoa, principalmente porque tinha em mente algumas iniciativas relevantes que não pude concretizar [ao nível da formação]. Vivemos tempos de pandemia. Que consequências económicas destaca? A redução a pique das receitas do jogo vai implicar que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha uma queda astronómica. No final do segundo trimestre deste ano a queda no PIB era de 67.8 por cento, valor este que irá depender do número de turistas oriundos da China a partir do mês de Outubro, o que, no entanto, não evitará uma diminuição recorde nesse indicador económico. No que respeita aos turistas, no ano de 2019, registámos quase 25 milhões de Janeiro a Agosto e, no ano corrente, no mesmo período entraram em Macau cerca de 3,6 milhões, ou seja, menos 87 por cento. Como consequência dessa evolução negativa, a taxa de ocupação nos hotéis teve uma redução dramática, tornando a situação no sector hoteleiro de Macau muito grave. Pelo meio, muitas empresas abriram falência. Centenas de pequenas e médias empresas (PME) encerraram este ano e a taxa de desemprego em Macau que, antes da pandemia, era na ordem de 1.7 a 1.9 por cento, no final do segundo trimestre de 2020 foi de 2,5 por cento e a tendência de aumento irá manter-se. Como reflexo disto, o montante referente ao subsídio de desemprego, proporcionado pelo Fundo de Segurança Social, triplicou em relação ao ano transacto e não vai ficar por aqui. Qual o impacto no sector bancário e financeiro? Haverá uma deterioração no crédito malparado devido ao encerramento já mencionado das PME, ou devido ao facto de estas terem visto as suas receitas sofrerem uma grande redução. Acresce-se a realidade de milhares de indivíduos que estão desempregados ou que passaram a ter muito menos rendimentos. Antes que a bolha de crédito rebente, dever-se-ia equacionar o estabelecimento de moratórias para esses casos. E no período pós-pandemia, que análise faz? Creio que será necessário o Governo injectar mais recursos financeiros na economia local. Mas devemos fazer muito mais para reduzir essa dependência [do jogo] e é aqui que entra a proclamada diversificação económica. Desde há várias décadas que é uma das palavras-chave das linhas de acção governativa e, com raras excepções, não são mais do que um ‘copy-paste’ do que é proposto em anos anteriores. Se queremos tornar real a diversificação económica em Macau, tem de se definir a estratégia e os objectivos a prosseguir, bem como o respectivo calendário de execução. Que tipo de medidas concretas devem ser adoptadas? Poder-se-ia proceder ao lançamento em Macau do turismo de saúde de qualidade mundial. Temos tido uma média de mais de 30 milhões de visitantes por ano, a maioria proveniente da China. Sem grande esforço poder-se-ia atrair parte deles para efectuarem exames médicos em Macau (ou em Hengqin), em hospitais que oferecessem um serviço médico de excelência. Dever-se-ia definir uma estratégia e um roteiro, por exemplo, até 2025, para uma iniciativa que incluísse uma visão para a inovação e tecnologia, com a criação (eventualmente em Hengqin) de um parque tecnológico do tipo ‘Cyberport’, de Hong Kong e em que, nesse plano, se contemple a hipótese de, dentro de alguns anos, os casinos estarem a operar em ‘Blockchain’. Também se fala muito da relação comercial com os países de língua portuguesa para diversificar a economia. Que passos devem ser dados? Aqui dou especial ênfase aos países africanos de língua portuguesa e a Timor-Leste, pois o comércio entre Macau e esses países é praticamente inexistente. Há um elevado risco de crédito dos restantes países de língua portuguesa e os exportadores locais têm receio legítimo de encetarem qualquer actividade comercial com os países em causa. Desta forma, há que proporcionar garantia para os riscos políticos que advêm desse relacionamento comercial. A forma mais eficaz, como fez a China e Hong Kong, é o seguro de crédito a ser disponibilizado por uma seguradora local de capitais públicos, com a concessão de garantia governamental para esses riscos políticos e até os meramente comerciais. Essa garantia teria de merecer a aprovação da Assembleia Legislativa, o que creio que não seria difícil de obter, atendendo que são muitos os deputados a criticar o valor muito residual que representam as exportações de Macau para os ditos países no total das exportações locais. Ainda foi a tempo de observar as mudanças no regime offshore, que deixa de vigorar já em Janeiro. É um avanço para o sistema financeiro? Macau deveria ter um centro offshore com outras bases, e temos condições para isso. Houve uma grande evolução do sistema financeiro, com as novas tecnologias, e a nossa tributação é muito mais baixa do que em Hong Kong e Singapura, que têm centros offshore. Mesmo que o mundo offshore tenha hoje uma má imagem. Há centros de grande envergadura com supervisões mais eficientes, tal como as Bermudas, por exemplo. Mas há centros offshore que deveriam ser banidos quando são usados para actos de corrupção e lavagem de dinheiro. Quando estiveram cá os bancos portugueses, os clientes eram portugueses. Eles punham cá o dinheiro para não terem de pagar tantos impostos em Portugal. Aí havia evasão fiscal, mas não quer dizer que houvesse branqueamento de capitais. Que análise faz ao caso FinCEN e aos milhões transaccionados a partir do BNU e do Banco da China? Os bancos em causa participaram, como era o seu dever, a suspeita que determinadas transacções indiciavam ao Gabinete de Informação Financeira, que posteriormente fez o seu tratamento. O controlo interno desses bancos funcionou em pleno. Isto surge como uma arma de arremesso dos americanos, em plena guerra comercial entre os EUA e China. Macau pertence à China e criaram essa suspeita de que, em Macau, havia uma série de situações irregulares que os bancos cometeram. Não, os bancos não cometeram nenhuma irregularidade. Penso que, neste caso, houve alguma conotação política. Muito se tem falado sobre a verdadeira eficácia do Fórum Macau. O que tem a dizer sobre esta matéria? A China tem feito um desenvolvimento notável do comércio e investimento com os países de língua portuguesa, com linhas de crédito com Angola, Cabo Verde e Moçambique. As empresas e os produtos chineses são cada vez mais vendidos nos países de língua portuguesa. Em Macau, pelo contrário, nada foi feito. São sempre feitos serviços mínimos, as visitas de delegações e a assinatura de protocolos de cooperação têm poucos resultados. O Fórum, em relação à China, é positivo, mas em relação a Macau é negativo em termos de resultados. Fala-se muito na criação de um “sistema financeiro de Macau com características próprias”. O que tem a dizer sobre esta matéria? Não tenho conhecimento da existência de um plano para o sistema financeiro, e se existe deve estar nos gabinetes. As notas sobre esse sistema financeiro, constantes nas diversas linhas de acção governativa, não constituem qualquer plano director, mas sim conjuntos de ideias avulsas, muitas vezes sem correspondência com a realidade local. A pedido da AMCM até preparei em 2018 um plano director para a formação de talentos para o tal sistema financeiro, o qual não mereceu qualquer ‘feedback’, pelo que o IFF foi lançando uma série de acções de formação. Do que apreendi, esse sistema financeiro teria como pilares os bancos e as seguradoras tradicionais, a locação financeira, os ‘trusts’, a gestão de patrimónios privados por entidades especializadas, uma bolsa de diamantes e ouro, e outra bolsa, esta de valores, bem como a emissão de títulos verdes (‘green bonds’), e a tecnologia FinTech. Ora nada disto contribui para que se diga que o sistema financeiro de Macau tem características próprias, pois tudo isso já existe em qualquer centro financeiro de renome. Além disso, embora se tenha feito uma alteração à legislação sobre a locação financeira, não há condições em Macau para se desenvolver. Porquê? Esse instrumento serve para o financiamento de projectos de grande envergadura e, em Macau, quando estes têm iniciativa governamental são financiados por dinheiros públicos. Quando têm origem no sector privado, com os casinos, há uma nítida preferência por empréstimos bancários sindicados. A narrativa dos países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste utilizarem o sistema de locação financeira de Macau para comprarem equipamentos à China não me merece credibilidade, pois, além de outros factores, tal implicaria que as empresas chinesas aceitassem a jurisdição de Macau para dirimir os litígios, o que creio não vá acontecer. E relativamente aos “trusts” e gestão de patrimónios privados? Os ‘trusts’ são de difícil implementação em Macau pois são de base anglo-saxónicas, com a Common Law como sistema jurídico. Será difícil, mesmo que a nível jurídico se opere algum milagre. Quanto à gestão de patrimónios privados, será que se pretende atrair fundos de milionários da China? Se assim for, há que tomar cuidados acrescidos em relação à origem desses fundos, pois o risco de branqueamento de capitais aumentará exponencialmente. Também se questiona a necessidade de existirem ‘entidades especializadas’, pois os bancos e seguradoras do ramo vida autorizadas a operar em Macau já prestam esse serviço com excelente qualidade. Tendo em atenção o rígido controlo das autoridades chinesas em relação às transferências transfronteiriças de fundos por parte dos seus cidadãos, acho que se está a seguir um caminho em que há muita poeira no ar. Há também a ideia de criar uma bolsa de valores em Macau. Coloco muitas dúvidas sobre a sua viabilidade. A maioria das empresas de Macau são PME, grande parte delas nem segue padrões contabilísticos internacionais ou são auditivas. Por isso, não podem ser listadas em nenhuma bolsa de valores que se preze. Por outro lado, os casinos, bancos e seguradoras, já estão listadas nas bolsas de Hong Kong, Xangai e Shenzhen. Será que se pretende uma bolsa da segunda ou terceira divisão para aceitar as empresas que forem rejeitadas, por exemplo, na bolsa de valores de Shenzhen? Se for isso, então é pior, pois iria afectar a imagem de Macau, com o seu grau de risco reputacional, como centro financeiro, a registar uma grande deterioração.
Hoje Macau Manchete SociedadeEconomia | Félix Pontes critica a fraca relação comercial entre Macau e CPLP O estreitar de relações comerciais entre Macau e os países lusófonos é um dos chavões mais ouvidos quando se discute o comércio externo do território. Porém, os números da balança externa não revelam essa realidade. O economista António Félix Pontes realça esta falha e mostra-se favorável à abertura de linhas de crédito para fomentar os negócios [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] economista António Félix Pontes defende que Macau deve “criar condições”, como facilitar o financiamento de projectos, perante a “dimensão frustrante” do comércio com os países de língua portuguesa, que “em nada” reflecte as expectativas das manifestações políticas. “É um facto indesmentível que o relacionamento comercial entre Macau e os países de língua portuguesa tem tido uma dimensão frustrante, não traduzindo em nada as expectativas emergentes das frequentes manifestações políticas nesse sentido”, disse à Lusa Félix Pontes, interveniente na sexta-feira num fórum económico integrado na Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla em inglês), que terminou ontem. “Os números são insignificantes, são ridículos. Temos de ser realistas e falar verdade e com seriedade”, afirmou, salientando que o saldo acumulado “nestes últimos três anos, até Agosto, vai em 1,6 mil milhões de patacas negativos para Macau”. Além disso, observou, o número de parceiros comerciais no universo lusófono é reduzido: a título de exemplo, entre Janeiro e Agosto, Macau exportou apenas para quatro dos oito países de língua portuguesa (Portugal, Moçambique, Brasil e Angola). “Quando há um grande défice têm de se criar instrumentos para tentar reverter a situação”, enfatizou Félix Pontes, actualmente presidente do Instituto de Formação Financeira depois de, em 2015, se ter aposentado ao fim de 35 anos ao serviço do antigo Instituto Emissor de Macau e da Autoridade Monetária de Macau (AMCM). Crédito às exportações “Há que criar condições”, como “facilitar o financiamento de projectos, seja de exportação [ou] de investimento”, sustentou o economista à margem da MIF. “O seguro de crédito pode desempenhar uma função importante, […] porque acarreta muitas vantagens para os exportadores, mas também a concessão de linhas de crédito. A China já fez o seu papel: tem linhas de crédito para todos os países, está a ter retorno – não só financeiro, mas também em termos políticos”, argumentou. Neste âmbito, saudou o acordo, firmado na quinta-feira, entre a seguradora de créditos portuguesa Cosec e a AMCM, que lança as bases para criar “uma agência de crédito à exportação para apoiar empresas que pretendam operar nos países lusófonos”. Porém, espera que “não fique no papel”, à semelhança de outros assinados no passado. Independentemente de ser uma seguradora governamental, como existe em Hong Kong ou na China, ou uma agência de crédito à exportação, igualmente com suporte do governo, Félix Pontes defendeu a aposta com “maior urgência” na criação efectiva, porque, ao cobrir os riscos políticos, faz com que os empresários “tenham menos relutância” particularmente em relação a novos mercados. “Os exportadores de Macau têm a percepção de que os países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste são países de elevado risco. Grande parte dos empresários locais considera que pelo menos alguns acarretam elevados riscos e têm razão”, explicou Félix Pontes, indicando que “na classificação de risco de países da OCDE grande parte dos países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste está no grau 5 a 7, que é o máximo”. “Até o Brasil, neste momento, também acho que está no nível 5 ou 6 e, portanto, os empresários têm uma certa retracção em exportar”, embora alguns também reconheçam que existem “muitas oportunidades”, acrescentou. Para Félix Pontes, há uma série de políticas que Pequim tem proporcionado, como o CEPA (Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau) ou a iniciativa global “Uma Faixa, Uma Rota” que “criam imensas oportunidades para as empresas de Macau actuarem como intermediárias” entre a China e os países de língua portuguesa. No entanto, perante os riscos políticos e comerciais, é “determinante” que tenham à sua disposição um mecanismo de seguro de crédito – o que já ocorre em grande parte das jurisdições em todo o mundo” –, dado que “continuam numa situação de desvantagem competitiva nesse capítulo comparativamente às de Hong Kong e da China”. Em paralelo, Félix Pontes defendeu a concessão de linhas de crédito à exportação pela AMCM aos bancos centrais africanos de língua portuguesa e Timor-Leste: “Creio que seria benéfico para se enveredar definitivamente para um certa diversificação da economia de Macau”. “Desde que cheguei a Macau em 1980 que já se falava da diversificação, mas, no entanto, só fica no papel ou então em meras manifestações políticas”, frisou.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteAntónio Félix Pontes: “Lobbying das associações patronais é muito forte” A desempenhar funções na presidência do Instituto de Formação Financeira, depois de 35 anos na AMCM, que deixou este ano, António Félix Pontes considera que Macau já deveria ter um sistema de segurança social obrigatório para o sector privado com a inclusão dos não-residentes. Algo que, acusa, o patronato tem impedido Disse em declarações recentes que o seu percurso profissional ficou marcado por dificuldades internas e externas. Pode exemplificar? Em qualquer percurso profissional ocorrem situações de maior ou menor dificuldades e o meu caso não constituiu excepção. Foram mais de 35 anos em que desempenhei funções de direcção ou de administração na Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) e, em cargos de responsabilidade, em que se têm de tomar decisões, é normal surgirem “forças” apoiantes ou, pelo contrário, de bloqueio ou de “lobbying”. A trabalhar numa instituição pública, como decisor, coloquei sempre o interesse público e o primado da lei acima dessas “movimentações”, nunca tendo ficado preocupado com os “contestatários” de quaisquer acções que tenha tomado. Que análise faz à evolução do sistema financeiro de Macau, sobretudo em relação às “ferramentas” de fiscalização? O sector bancário registou uma grande modernização, consubstanciada numa melhor, mais célere e mais extensa prestação de serviços, tendo aumentado, de forma exponencial, a sua capacidade financeira. No capítulo da supervisão dos operadores financeiros, a evolução é muito positiva, tendo a mesma sido reforçada e, hoje, não temos as perturbações surgidas nas décadas de 80 e 90 (Banco do Pacífico, Deak Perera e BCCI, entre outros), o que, por si só, constitui prova inequívoca de uma melhor eficiência da supervisão da AMCM na área bancária. Factor determinante dessa evolução foi o trabalho contínuo em termos de supervisão prudencial e comportamental prosseguidas pela AMCM. Emitiram-se orientações em matérias nucleares e efectuaram-se inspecções aos estabelecimentos bancários enquadradas em planos anual e plurianual, umas e outras que conduziram a um melhor funcionamento das entidades visadas. Mas há ainda melhorias que podem ser feitas? Na supervisão bancária, claro que há. Nada é perfeito e temos de continuar a aperfeiçoar os instrumentos de supervisão de que já dispomos para que não surjam situações indesejáveis no futuro. A revisão do quadro legal do sistema financeiro (que data de 1993) e a aprovação de um regime jurídico específico para a intermediação financeira devem constituir iniciativas legislativas a inscrever no leque de projectos importantes para o sistema financeiro de Macau. Penso, também, que a nossa lei “offshore” deve ser objecto de revisão global, pois não atingiu minimamente os objectivos para que foi promulgada. É imprescindível e urgente elaborar-se um estudo incidente sobre os factores que, de uma forma decisiva, contribuíram para o sucesso dos mais importantes centros financeiros “offshore” nas áreas do “leasing” de aeronaves e navios, das seguradoras cativas e dos “trusts”. Conheceu muitos Secretários da Economia e muitas políticas. O rumo de Macau foi traçado da melhor forma nas últimas décadas? Tive a oportunidade e a honra de conhecer e trabalhar com oito Secretários para as áreas da Economia e Finanças. Por vezes as nossas visões nem sempre foram coincidentes, ou melhor e, com toda a franqueza, até colidiam, mas houve sempre respeito mútuo e cada um fez o melhor que sabia e podia, no âmbito das suas competências. No passado, havia determinados constrangimentos de ordem política e económica que a alteração do estatuto político-administrativo de Macau permitiu resolver de uma forma natural. Em termos globais, considero adequado o rumo económico delineado para Macau, sendo indiscutível o progresso registado. No entanto, deveria ter havido outras preocupações, por exemplo, de natureza social, mas não só. Já deveríamos ter implementado em Macau um sistema de segurança social obrigatório para a população activa do sector privado, quando a economia local tinha crescimento de dois dígitos. Infelizmente, o “lobbying” das associações patronais foi – e é – muito forte e continua a impedir a concretização desse projecto, mantendo-se, desta forma, a discriminação social dos trabalhadores do sector privado com os funcionários públicos. Claro que, com a situação actual e futura da economia de Macau, os obstáculos serão acrescidos no estabelecimento de qualquer sistema obrigatório para a segurança social. Mas o actual sistema de segurança social tem capacidade para se tornar sustentável, além das injecções de fundos por parte do Executivo? Não. Tem de haver uma plena responsabilização das entidades patronais e dos trabalhadores, não na forma actual das contribuições mensais de 15 e 30 patacas, pagas trimestralmente, mas sim em termos de uma percentagem sobre os salários. Em Hong Kong, por exemplo, essa percentagem é de 5% para cada uma das duas partes. Devia esperar-se que, no século XXI, houvesse uma maior responsabilidade social dos empresários locais e das suas organizações corporativas. Macau, bem como Hong Kong, regista das mais altas esperanças de vida em todo o Mundo, facto este que, associado à baixa taxa de natalidade, determina que a percentagem de idosos com mais de 65 anos vai elevar-se, implicando que teremos cada vez menos trabalhadores a contribuírem para a segurança social. Esta tendência só será revertida se, entretanto, a população aumentar, sendo positiva a entrada em Macau de trabalhadores não-residentes que, a serem integrados no sistema de segurança social, constituirão, com as suas contribuições e as das suas entidades patronais, uma nova fonte de receitas. Assim sendo, os trabalhadores não-residentes já deveriam estar abrangidos por algum modelo de segurança social na RAEM. Sou contra qualquer tipo de discriminação que seja feita em relação a esses trabalhadores. Não compreendo a racionalidade, se é que existe, dos mesmos estarem excluídos do sistema de segurança social de Macau. Se são absolutamente necessários para desempenharem certas funções, dando o seu contributo para a economia local, deve-se sanar a omissão da sua exclusão do sistema de segurança social, até porque, as empresas, por sua própria iniciativa, têm inscrito os mesmos nos fundos privados de pensões, sendo o seu número já bastante razoável (cerca de 25 mil). Muitos deputados têm vindo a criticar a forma como o Governo tem investido a sua reserva financeira no exterior, considerando que existem baixas taxas de retorno. O Executivo poderia pensar em alternativas? Criticar, como sempre, é fácil, mas apresentar alternativas credíveis e exequíveis já é mais difícil. Está em causa a gestão de dinheiros públicos e não se pode ser imprudente. A perfilhar-se essas críticas poderá haver a tentação em se efectuarem aplicações que, em princípio, podem proporcionar taxas de rendimento mais elevadas mas, em contrapartida, o risco é muito maior. A estratégia de investimento prosseguida para a reserva financeira, e que foi explicada recentemente pelo Governo na AL, está correcta, pois assenta em análises técnicas aprofundadas de diversas opções [onde] a relação “risco-retorno” esteve sempre presente. Ao nível do sector segurador e sua supervisão, qual o seu desenvolvimento global? No sector segurador registou-se um bom desenvolvimento quantitativo (em 1982, o total de prémios era de cerca de dois milhões de patacas, enquanto que, no final de Setembro deste ano, o sector segurador auferiu quase 11 mil milhões de patacas) e qualitativo (em termos de modernização, prestação de serviços e capacidade financeira). O seu contributo é gigantesco, mas, muitas vezes, este aspecto é esquecido de forma leviana. As seguradoras autorizadas a exercer actividade em Macau têm desempenhado bem o seu papel e, no campo da respectiva supervisão, têm demonstrado a sua eficácia, sendo sintomático que nenhuma seguradora a operar em Macau tenha entrado em falência até ao momento. Há uma evolução a fazer? Quanto desenvolvimento do sector segurador local estou muito optimista. Quanto aos ramos gerais ou não-vida, por um lado, estão em curso grandes projectos de investimento público (novo hospital e o metro ligeiro) ou privado (hotéis inseridos em projectos de Jogo) e teremos alguns nichos de mercado derivados de novos seguros obrigatórios que poderão até atrair o interesse de seguradoras internacionais de topo que ainda não operam em Macau. Por sua vez, para o ramo vida, os cidadãos do continente continuam a revelar o seu “apetite” em adquirirem esses seguros em Macau, onde a oferta e sofisticação dos produtos de seguros é muito maior, havendo um grande potencial para uma evolução positiva consolidada. Há décadas que o Executivo tenta criar medidas para a diversificação económica. É possível atingir tal objectivo? Como é que as empresas podem responder a isso? Temos falhado na diversificação económica. Embora não tenha quaisquer dúvidas que o sector do Jogo continuará a ser preponderante na economia local, deveria ter sido feito um esforço muito maior e mais eficiente no estabelecimento de um plano estratégico de médio e longo prazo, em que a diversificação económica, nas suas diversas vertentes, deveria ter sido definida como objectivo primordial. Na realidade, quando se analisa o tema da diversificação económica, não devemos circunscrever o mesmo à predominância do sector do jogo – que existe e continuará -, mas alargar aquela à concentração nos mercados exportadores e importadores, em que também é desejável uma menor dependência. Que sectores económicos podemos desenvolver de uma forma pragmática e não platónica? Não há hipóteses de se exportar para novos mercados? Qual a visão que se pretende para a nossa economia? Quais são esses sectores? Deixo a ideia de se apostar no turismo de saúde, através de unidades de saúde privadas ou públicas com médicos e outros profissionais da área da saúde qualificados. Em Macau temos 30 milhões de turistas por ano, não havendo necessidade de efectuar grande esforço orçamental em marketing para trazer mais turistas, parte deles potenciais clientes do turismo de saúde. Este novo segmento de turismo iria, por outro lado, acarretar novas receitas para os hospitais público e privados, que, face à concorrência, teriam, entretanto, de melhorar a qualidade na prestação de serviços. A curto-prazo considero que é imprescindível o estabelecimento de um regime de seguro de créditos para a importação, exportação e trânsito. Consciente desse facto, o Governo inscreveu, nas LAG para 2015 e 2016 o estudo e o lançamento do mecanismo do seguro de crédito. Não tenho dúvidas que a iniciativa, a concretizar-se em tempo útil, irá criar condições propícias para as Pequenas e Médias Empresas (PME) orientadas para a exportação se direccionarem para novos mercados e, para as empresas com outros objectivos comerciais, ampliarem a sua gama de produtos. Em paralelo, não só para os riscos comerciais mas também para os riscos de natureza política (para os quais é indispensável a RAEM prestar uma garantia financeira, através da AL), podia conceder-se linhas de crédito para determinados mercados. Caso isso aconteça, constituirá uma oportunidade excelente para os empresários locais, ao beneficiarem de condições excepcionais, em termos de cobertura e de juros, de chegarem a novos mercados. Depois de anos de crescimento económico, as receitas do Jogo estão em queda há um ano. A economia atingiu um ponto sem retorno? Terá obrigatoriamente de se reinventar? Recentemente numa entrevista afirmei que, em relação às receitas do Jogo, estava moderadamente pessimista. Há uma tendência de decréscimo dessas receitas e o mês de Novembro evidencia essa evolução. Temos de ser realistas: a campanha anti-corrupção desencadeada na China vai continuar, há uma migração crescente de jogadores VIP para outras paragens e o segmento de massas não tem tido e muito dificilmente terá o efeito compensador que se desejava, além de que as receitas dos novos projectos das empresas dos casinos são frustrantes. Estamos, portanto, num ciclo económico de contracção e os factos têm vindo a consolidar cada vez mais a minha tese de que esta evolução recessiva vai continuar, pelo menos durante o próximo ano. O que deve, então, ser feito? É nestas fases menos favoráveis do desempenho da economia que devemos actuar rapidamente na tomada de medidas efectivas que sejam conducentes à criação de condições propícias ao seu relançamento. Se é certo que, para determinadas matérias, há necessidade de se elaborarem análises técnicas, neste momento deve-se privilegiar a acção em detrimento da multiplicidade dos estudos infindáveis. Macau irá conhecer um novo Chefe do Executivo em 2019. Até lá que mudanças sócio-económicas poderemos esperar? O ano de 2016 constituirá, de facto, o primeiro ano para a actuação do novo Governo e, nas respectivas LAG, consta um vasto leque de medidas de impacto relevante, as quais, a serem objecto de efectiva realização, traduzirão um bom desempenho. Quanto aos restantes anos até 2019, é difícil pronunciar-me sobre as mudanças, mas prefiro enunciar o que desejo para Macau: a continuação de uma cidade segura e menos poluída, mais centros e actividades para idosos, um sistema obrigatório e universal de segurança social com a integração dos TNR e uma rede de transportes públicos eficiente. Desejo ainda hospitais de qualidade superior e turismo de saúde, estabelecimentos de ensino de excelência, áreas recreativas e de diversão desenvolvidas pelas empresas do Jogo para as famílias, uma população com maiores conhecimentos em educação financeira e uma menor concentração em termos de sectores económicos e de mercados (exportadores e importadores).