Hoje Macau Entrevista MancheteAlexandre Baptista, artista plástico: “O Homem é um bicho de difícil compreensão” Alexandre Baptista está na RAEM para a inauguração de “Drawing is giving one’s heart” que acontece amanhã no Albergue SCM pelas 18h30. Traz consigo o tema que lhe dá mote à vida numa exposição provocadora que previa 40 trabalhos mas que devido à superstição com o número 4 passou a 38, não fosse o mau agoiro tecê-las [dropcap]O[/dropcap] Alexandre é já um artista de sucesso e reconhecimento internacional. Como tem sido este percurso e quais os principais desafios? Não tem sido nada fácil. Não é fácil apresentar o meu trabalho seja onde for. Nos últimos anos comecei a viver em sítios muito diferentes. Depois regresso a Portugal e resolvo ter mais um desafio. O sair constantemente da zona de conforto não é fácil. É penoso e tem imensas consequências. Estas idas e vindas são importantes na sua criação? São, porque é uma forma de conhecer outras realidades, outras pessoas e outras culturas. Começo a olhar para o mundo de um modo diferente e aprende-se muito com o bom e com o mau. Tenho a certeza que tudo isso acaba por ter um forte impacto no meu trabalho. “Acho que os portugueses desperdiçaram Macau. Demos isto de mão beijada” O seu trabalho é provocador… Eu sempre fui muito provocador, mesmo quando não tinha razão tinha que encontrar forma de a ter. O que está na génese dessa vontade de provocar? Acho que tem a haver comigo mesmo. Adoro provocar tudo. Lembro-me já na faculdade, no Porto, enquanto se tinha a ideia de que o artista é aquele que não tem cuidado nenhum com a imagem, eu ia para a escola de fato, gravata e a fumar charuto. Tendo um trabalho marcado pela controvérsia, como tem sido a aceitação do mesmo? Não é nada fácil. Tenho vendido, sim! Tenho exposto em vários sítios e países mas tem sido muito duro. As pessoas no início olham de lado para o meu trabalho. Por exemplo quando cheguei a Miami e comecei a correr as galerias até questionavam se aquilo era mesmo pintura. Pensavam que pela perfeição era stencil. Depois mostrava peças de pequeno formato em papel e que de facto era pintura. Não é para me gabar mas tenho consciência das minhas capacidades técnicas e das minhas limitações. Quando faço alguma coisa tenho que dominar o material para o trabalhar. Na altura tratei também de fazer umas peças em madeira e quando as viram naquele suporte ainda ficaram mais admirados. Foi aí que surgiram algumas exposições em Miami. Mas no início olhavam de lado. Em Portugal também. Lembro-me de uma vez levarem umas peças minhas para uma galeria para mostrar a um coleccionador e disseram que era colagem. As pessoas muitas vezes suspeitam mas tenho tido também alguma aceitação. “Mesmo o que está subjacente à pintura, é desenho. Se uma pessoa não souber desenhar, não sabe fazer rigorosamente nada” Não nos traz aqui pintura mas sim desenho. Porquê esta opção? Para mim desenho também é pintura. Tenho uma relação muito forte com os materiais. Por exemplo, uma folha de papel, tenho que a sentir e que perceber a relação táctil. O papel tem outra coisa muito boa que é o som que o lápis ou o pincel produzem que também me toca. Depois usar um papel e partir do princípio que tenho que deixar uma grande parte deste suporte à vista é muito interessante enquanto desafio. Por outro lado tenho uma grande parte da minha obra desenvolvida só em papel. Se vejo em algum lado papéis que me interessam compro e guardo para depois os poder trabalhar. Traz cá uma série de trabalhos que tem feito ao longo do tempo. Como foi a selecção do que traria a Macau? A primeira ideia que tive para esta exposição foi a de misturar papel com outros suportes. Mas depois comecei a perceber algumas dificuldade em fazer exactamente o que queria do modo que achava mais correcto. A dada altura disse que só havia uma forma: tudo em papel. Depois o título desta exposição “Drawing is giving one´s heart” é uma espécie de mote de vida. Tenho uma relação muito forte com esta frase . O desenho para mim também é muito abrangente. Neste caso, e por exemplo em duas peças que fiz recentemente em Londres, é uma conjunção de fotografia, serigrafia e pintura sobre papel. E isso para mim é desenho. Mesmo o que está subjacente à pintura, é desenho. Se uma pessoa não souber desenhar, não sabe fazer rigorosamente nada. Há um outro lado na sua obra que “mergulha” no ser humano. Porquê? O Homem é muito interessante. Olho para o que se passa à nossa volta e há coisas que não entendo mesmo. A forma como reagimos e interagimos com outras pessoas às vezes são coisas tão absurdas e patéticas que me pergunto porquê? Sem qualquer conotação religiosa ou coisa do género, nós andamos aqui e vivemos o tempo que temos que viver e não percebo porque se criam tantos conflitos. Acho que viveríamos muito melhor e de consciência muito mais tranquila se não tivéssemos envolvidos em atritos. Não consigo perceber essa necessidade do Homem de criar problemas ao outro. O Homem é um bicho de difícil compreensão. Mesmo em relação a mim enquanto costumava fazer um exercício interessante em que estava atento a mim mesmo e acho que tenho vários “eus”. Parece um pouco os heterónimos de Fernando Pessoa, mas curiosamente um dos seus heterónimos era um tipo chamado Alexander Search com o qual me identifico. Há uma identificação não só do nome mas pelo facto de eu também andar sempre à procura. Essa “fragmentação” também aparece no seu trabalho? Sim. Por exemplo na minha pintura tenho o hábito de trabalhar em suportes separados e depois juntá-los. Cada suporte tem uma forma de trabalhar diferente e todos têm princípios distintos, mas quando os junto parecem que são unos. Também têm os meus vários “eus”. Se calhar esta vontade de me perceber também faz com que também trabalhe sobre o Homem. Tem andado em movimento e agora está em Londres… Agora estou “exilado” de Portugal. Estou em Londres há pouco mais de um ano e é uma espécie de exílio porque não contacto com Portugal ou com as comunidades portuguesas. Acho que para perceber melhor o meio onde estamos não há nada melhor do que conviver com as outras comunidades. A portuguesa já eu conheço. É igual em todo o lado. Depois estar longe é também pensar numa língua diferente que é sempre um exercício interessante, além do convívio com as pessoas de lá que é altamente desafiante. Nesta procura permanente, tem algum projecto agora em mãos? Tenho alguns projectos ambiciosos que gostava muito de colocar em prática. Um deles é muito complicado porque não é um tema fácil. Há uma peça dessa série que foi exposta em Macau em 2014 e é um trabalho que aborda a forma como vivemos a liberdade e a ausência dela. Quando somos castrados da nossa liberdade. A investigação começa em Auschwitz e vem até aos nosso dias e à sociedade contemporânea. Isto porque acho que vivemos numa sociedade extremamente hipócrita e castradora. Isso acontece nas questões raciais, religiosas que estão desde sempre associadas a guerras e a questões de modelação social, questões de género ou escolha sexual. Outro aspecto tem a haver com a imagem e ornamentação do corpo e o que isso interfere na nossa liberdade e julgamento. Este trabalho aborda todas estas questões. Dizemos que vivemos numa sociedade livre, mas não. Temos imensas regras que nos condicionam a nós e ao que dizemos. Estamos a viver num país onde se diz que a democracia está implementada mas isso é também uma pura fantochada. Para mim as pessoas devem viver a vida da forma que entenderem. Claro que reconheço que têm que existir algumas regras mas não deveremos castrar as pessoas das suas opções. Tenho um outro que tem a haver muito com a religião e a sua relação com o caos. Como assim? Comecei a olhar para este conflitos todos mais recentes do médio oriente e comecei a recuar no tempo. Com a pesquisa sobressai o facto de todas as guerras que temos tido têm um princípio étnico-religioso. Acho que isso leva ao caos. Esse trabalho está todo feito, é uma instalação que está totalmente pronta na minha cabeça. É constituída por dez fotografias gigantes em que existe um altar a que chamo de “profanação do sagrado” e um espaço em que as pessoas interactivamente possam experienciar um estado caótico proporcionado pelo som que já está feito. Falta-me agora um espaço que possa acolher este projecto. Gostava de pôr estes trabalhos em prática mas, mais uma vez, não é fácil, até porque são delicados e controversos. Por outro lado também são projectos para pôr as pessoas a pensar e as pessoas cada vez mais não o querem fazer. Tendemos para uma sociedade alienada? Sim. É mais fácil as pessoas cada vez mais fugirem do pensar. Caminhamos para o individualismo exacerbado e pela indiferença pelos outros. Isto aliado a uma futilidade muito grande da sociedade de hoje com o culto da imagem. As pessoas só se preocupam com a imagem mesmo sem conteúdo. Não acho isso nada interessante. Não há consciência política nem de cidadania. Em Macau sente a questão racial? Não sinto esse confronto de forma explicita mas a comunidade chinesa e portuguesa vivem totalmente à parte uma da outra. Posso estar redondamente enganado mas para mim são dois mundos que coabitam no mesmo espaço e é só isso. Já esteve em Macau com várias exposições. Como tem sido? Não tenho razão de queixa de Macau. Todas as vezes que tive trabalhos aqui, vendi. Tenho ainda pessoas que sei que são seguidoras do meu trabalho e também tenho pessoas que considero minhas amigas. Em relação a Macau, a primeira coisa que penso é que “isto era nosso e porque é que não aproveitámos?”. Depois penso também que isto é muito pequeno. Quando aqui estive a primeira vez só havia o casino Lisboa e agora estão cá as operadoras americanas todas. Acho que os portugueses desperdiçaram Macau. Demos isto de mão beijada. Que conselho dá hoje aos jovens artistas que se vêm com as dificuldades inerentes a um início de carreira? Que façam aquilo que gostam e que não olhem para trás. Vale a pena correr riscos. Eu ainda continuo a corrê-los todos os dias. Como pessoa devo muito à pintura. Por exemplo lembro-me dos meus pais me darem dinheiro para comer na escola e eu só almoçava para poder poupar e gastar em material de pintura. Começaram aí os sacrifícios. Por outro lado o meu pai apoiava-me de uma forma estranha porque nunca dizia que o meu trabalho era bom. Mais tarde vim a saber por um tio meu que não o fazia para que eu não me acomodasse.
Andreia Sofia Silva EventosExposição “Amor Moldado”, de Xue Yihan, inaugurada no Albergue SCM O primeiro contacto de Yao Feng com o trabalho artístico de Xue Yihan aconteceu por culpa do acaso. Um dia Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming, académico da Universidade de Macau (UM), foi convidado para jantar em casa de um dos filhos de Xue Yihan, artista e um antigo soldado do exército chinês, já falecido. Foi então que Yao Feng se deparou com diversas gravuras sobre Macau expostas na parede da sala. “Este artista já morreu em 2008 e, no ano passado, os filhos convidaram-me para jantar na sua casa em Zhuhai. Durante o jantar reparei nos quadros na parede e fiquei impressionado. Eram quadros de gravura mas todos sobre Macau, sobre o palácio do Governador ou as Portas do Cerco. Falei com eles e fiquei com a ideia de fazer uma exposição em Macau”, contou Yao Feng ao HM. O contacto do artista com Macau só aconteceu depois de se ter reformado e mudado de armas e bagagens para Zhuhai. “Foi aí que teve a oportunidade de visitar Macau e ficou impressionado. Acabou por vir cá muitas vezes e, durante dois anos, fez muitos trabalhos com um amigo (Zhang Zhenqi), também artista, todos eles feitos antes do período de transferência de soberania.” Os filhos de Xue Yihan acabaram por doar 12 obras do pai ao Governo de Macau. Na nota que escreveu sobre a exposição, Yao Feng destacou o facto de Xue Yihan ter retratado os lugares históricos de Macau através da gravura, num trabalho cheio de detalhes. “Para fazer estas obras, Xue Yihan percorreu as ruas e ruelas de Macau e acabou por seleccionar cuidadosamente os pontos históricos e culturais mais representativos para os temas da sua gravura, os quais ganharam uma excelente expressão através da sua técnica hábil de gravura e da sua alma acesa na paixão por esta terra. Sendo um artista experiente em arte de gravura, Xue Yihan sabia bem como interiorizar primeiramente a paisagem física e depois mostrá-la aos olhos do público, pelas cores e linhas cuidadosamente concebidas.” Testemunho de mestre Para Yao Feng, as obras que serão vistas na exposição do Albergue SCM “são feitas com linhas complexas mas precisas, cores abundantes mas harmoniosas, o que serve para provar que Xue Yihan era um mestre em arte de gravura. Como as obras de gravura de Xue Yihan foram concluídas num importante momento histórico de Macau, já constituem uma preciosa testemunha artística deste momento”. Nascido em 1937, Xue Yihan foi membro da Associação dos Artistas da China e da Associação de Gravadores da China, bem como da Associação dos Artistas de Guangdong. Foi no período em que prestou serviço militar na marinha chinesa que retratou a vida dos militares no Mar do Sul da China. Depois de se ter mudado para Zhuhai aquando da sua reforma, Xue Yihan acabou por criar o Centro de Intercâmbio Cultural e Artístico, tendo chegado a expor o seu trabalho em países como a Austrália, Canadá, Estados Unidos e ainda em diversas cidades chinesas. A exposição estará patente até ao dia 22 de Abril, podendo ser visitada todos os dias entre as 12h00 e 20h00 – às segundas-feiras apenas estará aberta entre as 15h00 e 20h00. A entrada é livre.
Leonor Sá Machado EventosExposição | Pakeong inaugura ‘Blademark’ no Albergue Fortes Pakeong apresenta mais uma exposição a solo, desta vez inspirada na banda da qual é vocalista, os Blademark. É no Albergue que estreia, já esta quarta-feira [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] músico, desenhador e pintor local, Fortes Pakeong apresenta uma exposição de pintura na próxima quarta-feira, no Albergue SCM. As peças da mostra são inspiradas nos Blademark, banda de rock da qual Pakeong é vocalista. O artista tem agora 37 anos e, além de trabalhar a tempo inteiro como artista, faz digressões com a sua banda de tempos a tempos, sem nunca esquecer o local onde nasceu: Macau. Além disso, participou já em várias exposições mundiais, incluindo “Alquimia do Desejo” e “Lub Dub”, que teve peças no território e em Pequim. Esta, em especial, é uma exposição que não vai só beber à musicalidade dos Blademark, mas também serve como dedicatória à banda, onde mais de metade dos trabalhos foram criados para cada uma das músicas do colectivo local. Os Blademark ganharam vida em 2005 e a sua notoriedade tem vindo a crescer exponencialmente, tanto dentro como fora do território, com visibilidade em Hong Kong, Taiwan e no continente. Foi também em 2005 que o residente local trabalhou no Museu de Arte de Macau no departamento de Restauro de Antiguidades. Além disso, tirou Design na Escola de Arte do Instituto Politécnico de Macau. A par da sua arte pintada e musical, Pakeong trabalho como designer gráfico em regime de freelance. Longa história A mostra está patente a partir da próxima quarta-feira até 12 de Setembro e tem entrada livre. O currículo de Fortes Pakeong é extenso e conta com mais de 13 exposições a solo e outras 51 colectivas por vários cantos do mundo, incluindo Macau, Hong Kong, China e Austrália. Uma das mais recentes mostras do artista teve como foco a Coca-cola, conhecida marca de refrigerante mundial. Foi no novo espaço do Galaxy, a Broadway, que Pakeong expôs, juntamente com outros artistas locais, as suas pinturas em grandes reproduções de garrafas daquela bebida. As esculturas mediam mais do que 1,5 metros e pretendiam não só promover o aniversário da marca, mas também o talento de pessoal local. Pakeong utilizou as cores preto e vermelho para decorar a sua garrafa, tonalidades que representam a Coca-cola, mas que também são usualmente empregues pelo autor nas suas obras do dia-a-dia.