Flora Fong Manchete Política1º Maio | Protesto testa capacidade da Forefront of Macau Gaming O grupo Forefront of Macau Gaming, que representa os interesses dos croupiers, está numa fase descendente. Sem uma sede própria e com a crise no Jogo, o grupo diz que vai “testar” a sua capacidade de luta nas próximas manifestações do Dia do Trabalhador [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s líderes saem, a sede fecha portas, a crise no sector do Jogo traz uma sensação de medo. Tem sido assim o panorama para os lados da Forefront of the Macau Gaming. Ao HM, Lei Kuok Keong, vice-director da Associação, garantiu que os protestos do Dia do Trabalhador, marcados para o 1º de Maio, irão servir para “testar” a capacidade da Associação vingar no campo da luta por melhores direitos na classe de croupiers. “Vamos tentar mobilizar os trabalhadores do Jogo para que participem na manifestação do 1º de Maio deste ano, vamos ver se a nossa capacidade enquanto movimento de trabalhadores vai ser afectada pela queda da economia. Nas manifestações anteriores tínhamos cerca de mil participantes, mas se tivermos menos de mil pessoas nas ruas, achamos que esse impacto é grande”, disse Lei Kuok Keong. O representante não tem dúvidas de que a queda das receitas do Jogo afectou o espírito dos trabalhadores dos casinos, os quais ficaram preocupados com a manutenção dos seus postos de trabalho. “Parece-me que as operadoras de Jogo vão cortar mais na mão-de-obra. Na verdade as seis operadoras já não estão a contratar mais trabalhadores para as mesas de jogo”, frisou. Sem sede Outra das dificuldades que o grupo Forefront of the Macau Gaming está a enfrentar prende-se com a falta de uma sede própria. A que tinham terá que ser abandonada no final deste mês devido à renda elevada. “A renda era mais de quatro mil patacas por mês. Para nós este montante é difícil de suportar. Depois de considerarmos todos decidimos não continuar a arrendar a loja”, disse Lei Kuok Keong. O sublíder do grupo afirmou ao HM que a sede tem sempre uma natureza temporária e que serviu para colocar os materiais de manifestação, tais como altifalantes e cartazes de protesto. O grupo tentou arrendar uma loja num dos complexos de habitação pública, com uma renda mais baixa, mas a resposta do Instituto da Habitação (IH) foi negativa. Lei Kuok Keong lamenta o facto, mas disse que vão tentar encontrar outro local para desenvolverem as suas actividades. No ano de 2014 o grupo teve uma forte presença na sociedade, quando organizou várias manifestações em prol dos direitos dos croupiers. Contudo, a saída de dois líderes, Cloee Chao e Ieong Man Teng, afectou os trabalhos do grupo. A saída da sede, junto às Portas do Cerco, foi o culminar de uma fase descendente. Lei Kuok Keong espera que os trabalhadores continuem a dar apoio às actividades do grupo Forefront of the Macau Gaming e garante que há condições para voltar às ruas. Isto porque apenas a Sands China e a Galaxy garantiram aumentos salariais para este ano.
Hoje Macau Manchete SociedadeIACM lança novo sistema para infracções nos espaços públicos [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto para os Assuntos Cívicos Municipais (IACM) dotou os seus fiscais de meios electrónicos, para estes multarem os infractores do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. A nova ferramenta permite a selecção dos artigos infringidos e tem um sistema GPS para registar o “local do crime”. Com esta medida, o IACM espera reduzir erros de escrita, melhorar a informação e poupar tempo. “O objectivo”, diz o IACM, é o de “optimizar o trabalho de fiscalização na área da sanidade e higiene ambiental”. Assim, durante dois anos, o sistema foi testado, sendo que agora está já nas mãos dos fiscais. O Sistema Electrónico para Autuação (IPMS), assim se chama, é dedicado à aplicação de multas na área da higiene ambiental. Anteriormente, o sistema utilizado era exclusivamente em papel, o que possibilitava a existência de erros nos procedimentos. O IPMS permite aos fiscais a selecção dos artigos relativos à infracção, a data e hora de acusação, visto que a nova ferramenta dispõe de um sistema GPS que permite registar com precisão o local onde foi cometida a ilegalidade. Basta aos fiscais introduzirem os dados pessoais e observações relativas aos infractores. Para o IACM, “esta medida vem reduzir as possibilidades de erros de escrita, economizar tempo e aumentar a precisão da informação de acusação”. A par disso, lê-se ainda numa nota distribuída à imprensa, “facilita os trabalhos posteriores de processamento de texto e apresenta vantagens para efeitos de análise de dados e estatísticas”. Assim, garante o IACM, “a comunicação entre os serviços é aperfeiçoada e o tempo de processamento de infracções é reduzido, o que melhora significativamente a eficiência de todo o processo”. Segundo a mesma nota, o aumento populacional da cidade, que já ultrapassa as 600 mil pessoas adicionadas a 30 milhões de turistas por ano, tem provocado um impacto nos trabalhos de manutenção da sanidade e da limpeza ambiental do território e da aplicação da lei. Assim, informa aquele instituto, “no ano de 2015, foram registadas 21.040 infracções ao Regulamento Geral dos Espaços Públicos, enquanto nos dois primeiros meses do corrente ano foram registadas 4712 infracções”.
Manuel Nunes Entrevista Eventos MancheteLuís Patraquim, escritor : “A sede de conhecimento em Moçambique é grande” Luís Patraquim é de conversa fácil, mas não de conversa mole. Preocupado com o estado de insegurança no país, deseja paz, mais compreensão para a importância da cultura e traz-nos novas de um povo com uma enorme ânsia de aprender. O convidado do Rota das Letras rejeita paternalismos, desconfia dos tolerantes e não percebe por que os cidadãos ainda não circulam livremente pela CPLP [dropcap]O[/dropcap] que o motiva a estar vivo? Aconteceu-me estar vivo, portanto tenho de fazer o melhor possível. O Reinaldo Ferreira (poeta moçambicano) tem um verso que dizia “ai de mim que não pedi para nascer e sou forçado a viver”, mas ele era pessimista. Não chego a esse ponto, sei que isto é tudo um absurdo, mas também tem coisas com piada pelo meio. O projecto dele era “Um voo cego a nada”. Um belíssimo poeta que morreu demasiado novo, filho do famoso Repórter X, da I República. E na sua obra? O que o motiva a investigar, a escrever, a pensar? Julgo ser a curiosidade das coisas. A necessidade interior de dizer coisas que já foram ditas. Mas cada um diz à sua maneira. Porque não sou pretensioso, direi que existe algo de maravilhamento no mundo, apesar das tragédias pessoais e colectivas que sabemos. Há esse maravilhamento a que nos compete ficar atentos. Como por exemplo… Uma criança que corre a rir pela rua fora. Dizer o que já foi dito. Vivemos num incessante círculo vicioso? Tem dias (risos). Mas passa por aí. Daí o mito do labirinto. A descoberta, aquele desafio do desconhecido para depois resgatar algo que, no fundo, é algo dentro de nós, que não conhecemos, para depois produzir um sentido qualquer. Os sentidos inventamos nós a cada momento, não é? A linguagem e a música são os primeiros dessa invenção de sentidos que fomos inventando ao longo da histórias em várias culturas e sociedades. Será possível formular uma pergunta que nunca lhe tenha sido feita? Algo que você desejasse falar e nunca tenha tido oportunidade? Por exemplo, com quantas gajas é que andou? (gargalhadas) Mas, como sou cavalheiro, não digo. Os brasileiros têm a expressão “abaixo do equador não existe pecado”. Em Moçambique também é válida? Isso são aquelas frases meio folclóricas mas, num certo sentido, é verdade. O pecado é da ordem do religioso. A ética é da ordem da filosofia. Eu não me revejo em nada que tenha a ver com pecado, mas sim em tudo o que tenha a ver com ética. Como é a vida em Moçambique? Não é fácil. Tem ilhas de tranquilidade de um viver ainda tradicional e antigo e a emergência deste conflito que está no começo mas que pode vir a ser perigoso. Tem cidades, como Maputo, que começam a ser uma grande confusão. Alta velocidade, interesses, o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro… Mas tem outros espaços absolutamente aprazíveis onde se pode viver sem stress como, por exemplo, a cidade de Inhambane. Em Maputo descobrem-se muitos sinais de Portugal, da culinária a símbolos como o dos clubes… Existe uma nostalgia? Já passaram 40 anos. Os moçambicanos já fizeram muitas coisas, boas e más. Há isso sim, uma espécie de reconciliação com aquele pai que foi preciso matar, no sentido freudiano, e agora há uma percepção de que o mundo é vasto, algumas heranças ficam e as sociedades aproveitam o que acham melhor de cada cultura seja ao nível que for. Não será bem nostalgia. É talvez uma forma de trazer à memória afectiva ou “desafectiva”, se calhar mais “desafectiva”, uma presença que esteve lá de forma colonial mas também com muitas outras facetas, sem o conflito e essa necessidade de afirmação que existia antes de voltar a conviver com uma série de heranças. Há sempre uma ideia em Portugal que fomos sempre tolerantes, amigos dos povos nativos… Ah… isso é tudo uma mitologia desgraçada. Agora vemos a presidência portuguesa da CPLP contestada por vários países, Moçambique incluído… É os resultado de anti-colonialismos primários. Coisa que para o Brasil então não faz sentido nenhum. Angola e Moçambique ainda vá, porque a descolonização [foi recente]. Seria absurdo, mas podíamos tentar perceber. Para mim é uma questão política de hegemonia. Se calhar o Brasil quer tomar o comando. Se bem que o Brasil se esteja a marimbar para o tal mundo da lusofonia – eu não gosto deste termo mas ainda não se descobriu outro -, quer ter uma influência maior ou então não dá para perceber. Mas a própria CPLP foi mal construída, a partir do vértice da pirâmide e está a custar muito a descer à base. Melhor explicado… Os chefes de estado resolveram criar aquilo com uma noção um bocado corporativa. Conferências Ministeriais, reuniões de Associações de Advogados, de empresários, de associações disto e daquilo, mas nada chega cá abaixo, ao povão. Na prática dos povos o que interessa é o dia a dia, o chão das coisas. Uma política fácil de vistos entre estes países, por exemplo. Faria sentido uma comunidade de livre trânsito? Fazia mas Portugal está amarrado a Schengen. Cabo Verde propôs há muito, mas nenhum dos outros países aceitou: era uma espécie de cidadania lusófona. Uma forma diplomática, consular, que permitisse às pessoas circularem. Não apenas as corporações mas também o Zé dos Anzóis, as famílias (o resultado destas ligações que ficaram) poderem viajar sem estes entraves todos. Há dias, Luiz Ruffato dizia ao HM que “o português de Portugal vai acabar por ser um dialecto do Brasileiro”. Tenho de discordar. Em termos linguísticos não há dialectos. São línguas. Falava-se em dialecto quando o poder colonial se referia às línguas dos países africanos. Moçambique tem 11 grupos linguísticos, todos de raiz banta, Angola tem outros tantos. Falar em dialectos é uma espécie de menorização dos estatutos linguísticos. Hoje a linguística não vê a questão assim. Não se trata de dialecto absolutamente nenhum. O que vai acontecer são variantes da Língua Portuguesa, aliás já classificadas assim. A variante europeia não é única, porque naquele território tão pequeno, o léxico, alguma sintaxe e até a pronúncia sofrem tantas mutações… vai haver um português de Moçambique, os linguistas já fazem estudos nesse sentido, em Angola idem… O que o Luiz, se calhar, queria dizer é que pela dimensão geográfica e demográfica, o Brasil é o gigante que é. Neste contexto, que sentido faz um acordo ortográfico? Não faz muito. O problema da língua não está aí mas na sintaxe. O léxico não é problema porque as línguas são organismos vivos que se inventam a si próprios, depois a literatura gera uma espécie de padrão, a gramática analisa e cria um conjunto de regras que, logo a seguir, podem ser mudadas e são. Não há um proprietário da língua e qualquer Estado que julgue poder legislar a esse nível está absolutamente equivocado. O que falta a Moçambique para que as pessoas se entendam? As elites não se esquecerem do melhor do discurso de libertação – salvo algumas arrogâncias, a matriz não começou bem – que sejam menos arrogantes e menos ambiciosas. Estou a dizer o óbvio, mas pronto… que coloquem o interesse nacional acima dos interesses partidários. O interesse nacional é um conceito vago… É definido pelas classes hegemónicas que chegam ao poder, é assim em todo o lado. No caso moçambicano, é o de que se não existir juízo a própria unidade do território pode estar em causa. O país precisa de uma política que tenha em conta a distribuição da riqueza, capaz de criar condições para mais riqueza a partir da agricultura e distribuí-la pela população. Isso não está a acontecer. Vive-se de galinhas dos ovos de ouro – daí a emergência do novo conflito-, do gás natural, um ouro que está ali a luzir e a perturbar as cabeças de alguns. Há meia dúzia de anos vi em Maputo a capa de um jornal com a fotografia de uma figura pública e a manchete “O regresso do grande pateta”, arrojado em muita democracias. Tendo em conta o momento actual, como está a liberdade de imprensa em Moçambique? Nesse aspecto existe, de facto. De uma forma geral, a liberdade de imprensa mantém-se mas tem dias. Às vezes não é bem utilizada mas por uma questão puramente técnica. Há jornais e jornais, só por isso. A liberdade de imprensa é um dos pilares do jogo democrático, é saudável pela capacidade crítica, de criação de massa crítica, pela formação de opinião e a necessária difusão de informação que todas as sociedades precisam. Em Macau a discussão da independência do poder judicial está na ordem do dia. Qual a situação em Moçambique? Isso é da definição básica da coisa pública. (risos) Teoricamente existe. Praticada por um ou outro juiz mais consciencioso, também existe. Mas como sistema não existe, infelizmente, porque a teia dos interesses, dos favores, das pequenas ou grandes corrupções é de tal ordem que, de uma maneira ou de outra, as coisas estão instrumentalizadas. Às vezes aparece uma pérola caída não sei de onde como o caso do professor Castelo Branco. A consciência, a tal ética, não é? Aconteceu-me entre Inhambane e Maputo: numa venda de estrada um grupo de crianças pedia-me livros. Existe outra utilidade para os livros ou aquelas crianças tinham mesmo necessidades de leitura? Há uma grande curiosidade. As pessoas sacrificam-se muito para estudarem. Há uma sede de conhecimento muito grande, isso é verdade. O sistema de ensino é que tem muitas falhas. E, nessa zona, a necessidade ainda é maior porque a escassez de oferta é grande. Que se poderia fazer para resolver essa necessidade? Precisamos de uma rede de bibliotecas, de meios para distribuir livros pelo país. Mas a situação volta a estar difícil neste momento. A tensão é assim tão grande? Começamos a viver uma situação de insegurança. Já há colunas militares a acompanhar os carros pela estrada número um… Já começa a ser parecido com há uns anos atrás. E a sociedade civil moçambicana ainda não tem força para se opor a esse “estado de sítio”? Manifesta-se muito, faz muitas coisas, comunicados mas, no limite dos limites, não tem ainda o poder para se opor com veemência ao que está a acontecer. Como está vida cultural em Moçambique? Está viva. O teatro, até o cinema, mais caro, produzem. Na literatura edita-se muito, com maior ou menor qualidade. E a cultura é um sector olhado com prestígio, o que não é mau. Não existem ainda é políticas governamentais que entendam que a cultura (para além de fortalecer a moçambicanidade plural, a unidades e os chavões que se quiserem) também pode acrescentar valor ao PIB. Hoje fala-se é de diplomacia económica. E só se fala em diplomacia económica. A cultura é sempre vista como algo menor. O poder político tem de perceber que a cultura não são apenas umas festas para consolidar a implantação do partido nesta ou naquela região, como é o caso do famoso Festival Nacional de Canto e Dança, ou do Cultural Nacional. É preciso criar dinâmicas: uma verdadeira associação de autores, subsídios para o teatro e para o cinema, que não há. Formas de investimento para atrair públicos, gerar massa crítica e educar o gosto. Edições subsidiadas pelo governo, dos grandes mestres como se está a fazer em Itália. Mas em Moçambique, de uma forma geral, só se pensa no luxo, no papel couché e coisas dessas. Nestes últimos anos tem-se assistido à entrada de muitas empresas chinesas em Moçambique. Como tem sido a relação com os locais? Há um problema de comunicação. Uma coisa são os chineses e macaenses que estão lá há mais de cem anos, a outra são estas empresas, na maioria estatais, que chegam agora. Contratam os locais para lugares menores, querem tudo na velocidade chinesa e o moçambicano não é assim. Não quer dizer que seja preguiçoso, mas tem outro ritmo. E se pagassem decentemente, também ajudaria. E de um ponto de vista mais geral? Há benefícios claros para a população? Hoje começa é a questionar-se o modelo de cooperação chinesa com África. Há benefícios claros porque se abriu a estrada ‘x’ ou ‘y’ mas depois não há interacção. A empresa chega, monta o estaleiro, propicia um trabalho sazonal não muito bem pago, não há grandes convívios, a obra acaba, vão-se embora. Um ou outro escapa e fica mas são casos pontuais. É um esquema de cooperação um bocado disfuncional. Fala-se muito da responsabilidade do mapa cor-rosa por parte dos problemas de África. Que ideia tem sobre isso? É o ultimo argumento de um novo olhar europeísta sobre África, que seria o mais perigoso. Querer isso para África agora seria a desgraça total e completa. Aquando da conferência de criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, foi acordado deixar tudo como está. Quando há conflitos graves, há estudos sobre isso, as causas, normalmente, não são étnicas mas derivadas da injustiça na distribuição da riqueza, da falta de criação de oportunidades, de poderes políticos nepotistas. Tenho a ideia que, para si, a palavra ‘tolerância’ não tem a conotação de bondade que normalmente lhe atribuímos. É mesmo assim? Lá para trás foi boa quando o John Locke escreveu o “Ensaio sobre a Tolerância”, quando existiam as guerras religiosas na Europa. Fazia todo o sentido e continua a fazer um certo sentido, claro. Mas uma pessoa que se diz tolerante é um bocado arrogante. Que categoria tenho eu para ser tolerante ou deixar de ser tolerante? Ou tenho opiniões ou não tenho. A minha posição deve ser a do discurso, da discussão com o outro, para ver se chegamos a acordo, ou não, mas cada um com as suas ideias ou cultura. Não é preciso guerra por isso. Um dia foi exilado… (interrompendo) Exilado é uma palavra muito fina para mim porque fui um refractário. Exilados são os políticos. (risos) Como aconteceu? Não queria participar na Guerra Colonial e queria ir para a luta de libertação. É tão simples como isso. Porquê a Suécia? Por contactos. Porque havia lá uma base dos três movimentos de libertação: Frelimo, PAIGC e MPLA com base na CONCP (Conferência da Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) criada em Rabat logo a seguir ao início da guerra em Angola. O que gostava que um dia fosse o seu legado? A recordação do seu trabalho como jornalista, escritor, activista? Não gostava de nada porque nessa altura já cá não estou. (risos). Mas sim, gostava que recordassem um trabalho sério e rigoroso. Que trabalho será esse? Algumas propostas para o maravilhamento do mundo. Um desejo para Moçambique Paz.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCTM | Empresa quer criar ligações com o continente Depois de lançar o plano “City Link” em Hong Kong, a Companhia de Telecomunicações de Macau pretende lançar já este ano um serviço de roaming para as comunicações na China. Cerca de 60 mil clientes já utilizam a rede 4G [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) pretende lançar já este ano o serviço de roaming para clientes que queiram fazer ligações no continente. Depois de lançar, a 17 de Março, o plano “City Link”, em parceria com a CSL, operadora de telecomunicações de Hong Kong, a CTM está na fase de contactos para o lançamento desse projecto. “Esse será o próximo passo e será um serviço que irá melhorar imenso as relações em termos de economia e turismo”, explicou Vandy Poon, director-executivo da CTM, à margem do habitual almoço de Primavera com os meios de comunicação social. Quanto ao serviço “City Link”, o mesmo só está disponível para os clientes de cartões pós-pagos, segundo explicou a porta-voz da empresa, Eliza Chan. “Diria que é uma oferta inovadora para os nossos clientes. Neste momento só podemos disponibilizar este serviço para os nossos clientes de cartões pós-pagos, mas esperamos que no próximo passo possamos alargar esse serviços aos clientes dos cartões pré-pagos”, apontou. Investimentos Em 2015 a CTM investiu um total de 693 milhões de patacas em projectos de infra-estruturas, um aumento de 33% face a 2014. A empresa registou lucros de 1,2 milhões de patacas. Para este ano, e apesar da economia estar numa fase de abrandamento, a CTM espera investir ainda mais na área. “Queremos promover a implementação da rede 4G e o desenvolvimento das redes 2G e 3G. No próximo ano vamos incluir a extensão das redes, temos novos produtos e plataformas e em 2016 o nosso investimento vai ser relativamente mais alto. Não sabemos ao certo os valores, mas vai ser um grande investimento. Em termos da economia, a CTM vai manter os projectos na área digital e não vamos fazer qualquer redução em termos de investimento”, disse Patrick Ip, CFO. 4G a bom porto Depois da abertura do mercado ao nível da concessão das licenças 4G, a CTM possui já 60 mil utilizadores desta rede, um número “maior do que esperava”, como disse Eliza Chan. “Esperamos que este ano possamos transferir todos os utilizadores para a rede 4G porque os preços vão ser mais baixos do que na rede 3G, pelo que prevemos que os custos para o utilizador serão mais baixos, cerca de 19%. Penso que para nós será mais competitivo em termos de mercado”, apontou a porta-voz. Vandy Poon garantiu que a rede 3G “é ainda o principal serviço”, ainda que a companhia assegure ter o compromisso de “o continuar a providenciar”. “A rede 4G tem maior velocidade e os pacotes incluem mais armazenamento de dados, então os clientes terão mais opções de escolha, sobretudo os clientes com uma elevada utilização do serviço”, explicou o director-executivo da operadora. Quanto ao serviço wi-fi em Macau, a CTM pretende atingir a fasquia dos 2400 pontos de ligação este ano.
Joana Freitas Manchete PolíticaCongelamento de Bens aprovado. Valores a declarar vão ser revistos Ainda falta analisar na especialidade e a entrada em vigor, mas Macau deu ontem o primeiro passo na aprovação de uma lei que permite o congelamento de bens que financiem o terrorismo. O Governo disse ainda que vai rever a lei sobre a declaração de entrada de dinheiro nas fronteiras [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi ontem aprovado, na generalidade, o Regime de Execução de Congelamento de Bens, que pretende dar poder ao Executivo para congelar meios financeiros que tenham como fim financiar o terrorismo ou armas de destruição maciça. A proposta tinha avançado com carácter urgente e foi aprovada por unanimidade pelos deputados da Assembleia Legislativa, no dia em que o Governo anunciou estar a rever os limites de dinheiro que tem de ser declarado nas fronteiras. O diploma surge no âmbito de resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para o combate ao terrorismo e da proliferação de armas de destruição maciça, sendo que este ano Macau volta a ser avaliado pelas autoridades internacionais face à implementação de medidas para travar estas situações. O território ainda não tem uma forma eficaz de congelar os bens que possam ser utilizados para estes fins, como admitiu o Governo – autor da proposta de lei – na nota justificativa que acompanhou a entrada da lei no hemiciclo. E como foi também já referido em 2007 pela Asia Pacific Group e pelo Group Of International Finance Centre Supervisions. Novos limites Ontem, o Executivo admitiu ainda a possibilidade de vir a rever os limites para a declaração de bens em numerário, como o dinheiro que entra e sai todos os dias da RAEM através das fronteiras. “Temos um grupo interdepartamental que assume o trabalho face a entradas e saídas de dinheiro e que desenvolveu um grande volume de trabalho, inclusive a necessidade de revisão da lei”, começou por dizer Debora Ng, directora do Gabinete de Informação Financeira (GIF), que frisou “não ser conveniente” revelar qual o montante definido para efeitos de fiscalização na entrada e saída de dinheiro em numerário. “Os Serviços de Alfândega têm um montante definido para efeitos de fiscalização e junto dos postos fronteiriços foram melhoradas as medidas para proceder a essa fiscalização. Agora, sobre a declaração de numerário, isso tem a ver com a revisão das leis e estamos, neste momento, a proceder aos respectivos trabalhos. Esperamos avançar em breve com o projecto de lei.” Já em 2013, Francis Tam, na altura Secretário para a Economia e Finanças, tinha falado nesta necessidade. Questionada pelo deputado José Pereira Coutinho sobre o facto de não existirem dados estatísticos sobre os valores das transacções, nem que identifiquem as pessoas que trazem dinheiro para Macau, a responsável do Governo disse que “em casos de suspeitas, são informados os serviços competentes para acompanhamento”. Debora Ng assegurou ainda que existe uma base de dados que permite ao Executivo investigar eventuais casos de branqueamento de capitais. Por detectar Pereira Coutinho, o único deputado que usou da palavra, notou ainda que não há equipamentos nas fronteiras que detectem “objectos”, como ouro ou diamantes, envolvidos em eventuais transacções. A responsável da GIF lembrou que foram criados, recentemente, canais de declaração de bens e outros para quem não tem nada a declarar, sendo que estes “vão ser implementados em breve nos postos fronteiriços”. Quando entrar em vigor, a lei, que segue agora para análise na especialidade, vai permitir que Macau passe a poder impedir qualquer movimento, alteração ou transferência de bens a quem quer que esteja em Macau ou seja residente da RAEM, bem como as transferências feitas para, de ou através de Macau e que se suspeite poderem servir para financiar terrorismo. É ao Chefe do Executivo que cabe a decisão de congelar os bens, sendo este, contudo, ajudado por um grupo – a Comissão Coordenadora do Regime de Congelamento – que é, no entanto, escolhida por si. O sujeito lesado tem também direitos consagrados nesta proposta de lei, que passam, por exemplo, pelo direito à interposição de recurso da decisão de congelamento dos bens.
Andreia Sofia Silva Eventos MancheteAngelo R. Lacuesta, escritor: “A história dos filipinos está cheia de drama” O escritor que começou por ser poeta revela uma predisposição para o conto e diz-se incapaz de escrever sobre o amor quando diariamente as pessoas do seu país enfrentam dificuldades económicas. Angelo R. Lacuesta esteve em Macau a convite do Festival literário Rota das Letras, naquela que foi a primeira vez que se falou da literatura filipina. Lacuesta diz estar muito ligado à política do seu país, esperando mudanças na luta contra a pobreza e corrupção [dropcap]E[/dropcap]sta é a primeira vez que este Festival Literário aborda a literatura filipina. Como se sente a participar neste evento? Sinto-me muito sortudo por estar aqui, por ser o primeiro escritor a representar a literatura filipina. Vim com a minha mulher, que é poetisa (Mookie Katigbak-Lacuesta). É um festival impressionante, sempre ouvi falar de Macau como uma cidade de turismo, mas nunca pensei que pudesse ser uma cidade de encontro de literatura. Nas Filipinas também somos oriundos de várias culturas, americana e espanhola, e então existem algumas semelhanças com Macau. Aqui não existe apenas a cultura portuguesa mas há uma ligação com outras culturas asiáticas e é isso que considero ser especial e único. Disse uma vez numa entrevista: “Sempre tive uma preferência por contos”. Que histórias pode transmitir num conto que não o pode fazer num romance? Adoro contos. Na verdade comecei como poeta, mas penso que os contos conseguem transmitir melhor as nossas histórias. Penso que é a melhor forma de contar a nossa própria história. O conto, comparando com o romance, é mais relevante, pode ler-se em menos de uma hora, carrega momentos enigmáticos e mistério. Um romance pode fazer muitas outras coisas, mas há algo de especial no conto. Como foi passar da poesia para o conto? Isto porque são géneros diferentes, mas podem ser semelhantes ao mesmo tempo. Sim. O que mais gosto no conto é que pode conter uma ideia poética, uma imagem. Contudo, a transição da escrita de poemas para os contos é muito difícil. Há muita dor envolvida. Sempre que tentei escrever um poema, acabei por escrever um conto, porque um poema não pode conter o drama de uma situação específica naquele momento. A história dos filipinos, por exemplo. Está cheia de drama, de realidade. É algo que a poesia não consegue expressar. Falando dos problemas económicos e sociais do seu país. É importante expressá-los na escrita? Absolutamente. É sempre dever de um artista reflectir sobre a sociedade onde está inserido e penso que posso falar sobre os problemas que a nossa sociedade enfrenta actualmente. Muitas pessoas não podem falar por elas próprias, não têm capacidade de escrever por elas próprias. Temos uma enorme diferença entre ricos e pobres e os pobres não conseguem expressar-se. Então conseguimos compreendê-los melhor quando escrevemos sobre eles. E expomos as falhas da nossa sociedade. Não posso escrever sobre amor quando estas histórias dramáticas estão a acontecer à frente dos meus olhos. Torna-se quase uma missão escrever sobre isso. Essa diferença entre ricos e pobres faz com que muitos filipinos não tenham acesso à educação. Como é a relação da sociedade com a literatura? Um último sucesso da literatura a nível nacional deve ser algo que toda a gente consiga ler e compreender. Para mim o mais efectivo na literatura é o sentimento. Quando escrevo, faço-o em Inglês, mas quando escrevo um guião para um filme, faço-o em Tagalog, para que todos o possam compreender e ver. E essa é a missão da literatura, para que todos percebam e criem as suas próprias batalhas contra as injustiças e desigualdade social. Se fizermos uma história para os pobres, para os filipinos que trabalham muito e não têm tempo para ler livros, nem dinheiro para os comprar… não vou dizer que escrevo por eles, mas escrevo para eles e é uma honra ser lido por eles. Como descreve o mercado literário nas Filipinas? Necessita de ser desenvolvido, de ter mais escritores? Absolutamente. A literatura está sempre em constrangimento consigo própria e com a sociedade desde sempre, especialmente num país como as Filipinas e numa sociedade como a nossa. Há um constrangimento para as pessoas que querem apenas escrever. Eu tenho um trabalho, tenho uma agência de publicidade, não consigo ser apenas escritor. Tenho de o fazer, apesar de me dar liberdade para escrever. É um paradoxo, porque se me tornar apenas escritor, fico pobre e perco essa liberdade. Vivemos num mundo digital, se pusermos fotografias no Facebook, as pessoas pensam que ganho dinheiro só por ir a festivais literários e não apreciam tanto a nossa escrita. Mas os meios digitais, e os filmes, são muito importantes, tal como a música. São canais para a literatura. As Filipinas são um dos países mais perigosos para os jornalistas. A censura é ainda algo visível? Tenho o maior respeito pelos jornalistas, que têm tido um trabalho mais difícil. Há muitos jornalistas assassinados nas Filipinas, mas isso é devido à política local. Não é uma questão de censura, quase não temos censura no nosso país. Está tudo relacionado com o crime ? É o crime, se alguém disser algo errado quase que existe a liberdade para matar essa pessoa. Esse é um grande problema porque o resto da sociedade parece não se preocupar, não são jornalistas, e há esse constrangimento na nossa sociedade para deitar a verdade cá para fora e ir contra a corrupção, conspirações, os políticos locais. Mas a luta deve continuar e, por cada morte, pode ser que a sociedade comece a despertar para esse problema. As próximas eleições presidenciais poderão mudar algo? Sim e não. Começo por dizer que estou muito ligado à política. Não irá mudar nada, porque, em primeiro lugar, o que precisamos de alterar é a estrutura da sociedade, a diferença entre ricos e pobres, a nossa ideia de capitalismo. E talvez a ideia que as pessoas ainda têm em relação à corrupção. Sim. Para mim a ditadura é uma forma de corrupção, mas com o capitalismo é muito fácil ser-se corrupto. O nosso sistema político está preso à ideia de que é preciso ser-se rico para se ser presidente do país. Tivemos uma ditadura durante 30 anos, que abafou os media, torturou jornalistas e pessoas comuns. Hoje podemos dizer o que queremos no Facebook e fazemos queixas e temos a certeza de que os militares não vão bater à nossa porta. Não, o sistema político não vai mudar e ainda há o problema dos muitos ricos que estão a ganhar mais dinheiro e dos pobres que estão cada vez mais pobres. Mas penso que graças às redes sociais, à literatura e ao cinema, as pessoas estão a ficar mais conscientes dessa diferença social e de como podem mudar as coisas. A questão é os filipinos que estão a viver fora do país, como aqui e em Hong Kong: eles são uma das chaves para a mudança. Penso que as coisas vão melhorar. Também sou muito paciente. Levou aos países europeus 300 anos para terem uma democracia absoluta, então nós podemos esperar mais cem anos. Falando das comunidades filipinas em Macau e Hong Kong, há muitos casos de violação de direitos humanos. O Governo filipino deveria fazer algo em relação a estes casos? Sim. Acredito que o sucesso para a nossa sociedade e economia seria o facto de toda a gente poder ter um emprego e não ter que sofrer. Não é uma questão de sofrerem com os seus patrões, para ser honesto, conheço muitas pessoas que trabalham no estrangeiro e que são muito bem tratadas. E todos sabemos que se regressarem ao seu país vão fazer menos dinheiro e essa é outra forma de abuso. É responsabilidade do Governo filipino garantir que todos os trabalhadores no exterior vivem e trabalham em boas condições. O facto das pessoas terem de sair para trabalhar é um sinal de fraqueza da nossa sociedade, mas isso também acontece a uma escala global. Disse-me que não escreve sobre o amor, que escreve sobre questões do seu país. Qual o conto da sua autoria que melhor descreve as Filipinas? As minhas histórias mais afectivas são sobre os filipinos que estão no estrangeiro. E não são apenas sobre empregadas domésticas, são também sobre os filipinos que vivem na América, por exemplo. Temos uma relação muito difícil com a América, um país que nos ocupou, e o mundo sabe disso. Tenho uma história sobre um filipino que vai para a América, participar numa conferência, e procura uma pintura que quer muito ver, de Edward Hopper. Uma pintura muito americana, sobre a solidão. Então todas as noites esse filipino pensa em ir ver a pintura, até que um dia apanha um autocarro. Mas não percebe que a pintura não é o que ele quer ver. Isso diz muito sobre nós: sabemos onde queremos ir mas nunca sabemos o que queremos fazer. Os filipinos têm uma relação muito forte com a religião. Porquê? Cresci num ambiente católico, mas não me considero um católico praticante. Mas é algo raro. Enquanto escritores de repente tornamo-nos humanistas, mais existencialistas. Os filipinos esperam sempre que algo aconteça, depois da ditadura de [Ferdinando] Marcos e, neste momento, quando atravessamos uma difícil situação social. A riqueza nas Filipinas está numa fase de progresso, mas para muitos continua a ser difícil apanhar um autocarro para o trabalho, leva duas horas. Então é fácil ligarmo-nos a Deus. Mas o facto de sermos religiosos faz com que muitas vezes não saibamos quebrar com os problemas da nossa sociedade. Se sofrermos, estamos a fazer bem, vamos para o céu. Eu prefiro dizer: “não vou sofrer mais, prefiro viver no céu aqui”. Se as pessoas são religiosas, não há problema, mas deviam começar a compreender-se melhor.
Joana Freitas Manchete PolíticaAL | Governo criticado por esconder informações O Governo continua a ser acusado de não ser transparente na partilha de informações com o público, nomeadamente em situações como a da construção de um prédio no Alto de Coloane [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s deputados do hemiciclo aproveitaram o plenário de ontem na Assembleia Legislativa para tecerem críticas ao Executivo, que acusam de tomar decisões às escondidas da população. O projecto do Alto de Coloane foi um dos exemplos mais apontados pelos deputados, com Chan Meng Kam a dizer mesmo que não entende por que razão o interesse público está a ser menos respeitado do que a privacidade da empresa. Também Si Ka Lon se atirou ao Governo. “Um dos pressupostos da boa governação é a transparência e simetria da informação. Além de saber o que a população pensa, talvez o mais importante seja o Governo deixar os residentes saberem o que os responsáveis fazem, onde estão a gastar o erário público e quais os respectivos resultados. Mesmo em relação às políticas menos bem-sucedidas ou suspensas, a população deve ser informada das causas, se se deve à omissão de alguém ou a dificuldades reais”, começa por defender o número três de Chan Meng Kam. “Alguns incidentes nos últimos meses revelaram a insuficiência do Governo neste âmbito.” O deputado dá como exemplo o caso Pearl Horizon para dizer que o discurso do Governo passou de “caso merecedor de estudo e tratamento especial”, a “é necessário esperar pelo desfecho do processo judicial” e “nada mudou na decisão de proteger os promitentes-compradores”, sem nunca ter, contudo, tornado públicos os planos e medidas para a resolução do problema. Si Ka Lon refere-se, depois, ao projecto no Alto de Coloane para exemplificar situações em que o Governo passa a bola de organismo para organismo. Também Chan Meng Kam aproveitou o período de antes da ordem do dia para se debruçar sobre o mesmo assunto, referindo – além dos mesmos projectos – situações como a demolição do Quartel de S. Francisco. “O Quartel foi classificado como monumento. Em 2014, o Governo divulgou poucas informações sobre as obras da primeira fase de ampliação e a população suspeitava que estivessem a ser feitas em segredo, resultando em conflitos. As obras da segunda fase geraram ainda mais conflitos, tendo um arquitecto português criticado o Governo por ser o primeiro a destruir monumentos.” Chan Meng Kam diz entender que “para desenvolver a cidade, há sempre demolições e construções de prédios”, mas diz não perceber, por exemplo, “porque é que não pode ser divulgado” o conteúdo do relatório do impacto ambiental do projecto no Alto de Coloane, que vai tapar as montanhas. “Afinal, entre a alegada privacidade, o interesse público e o direito à informação, o que é mais importante?”, indagou. Sempre o mesmo CE Chan Meng Kam relembra ainda que as LAG “de quase todos os anos” realçam a necessidade de elevar a transparência nas acções governativas e apela ao Governo que isto passe de apenas “promessas verbais”. O mesmo diz Si Ka Lon. “O próprio Chefe do Executivo, no início do mês, referiu que pretende aumentar a transparência da informação, permitindo maior participação da comunidade, o que demonstra que as autoridades estão conscientes dos seus problemas, só que até agora não houve nenhum avanço.” A falta de informações não é a única preocupação do número três de Chan Meng Kam no hemiciclo, que faz também menção aos diversos estudos – e “verbas avultadas” neles gastas. “Os resultados desses estudos devem também ser divulgados. Há serviços com gastos elevados em estudos ao longo dos anos e os respectivos relatórios não foram divulgados.” Deputados desafiam Chui Sai On Ng Kuok Cheong pediu ao Chefe do Executivo que entregue ao Conselho do Planeamento Urbanístico o projecto pensado para o Alto de Coloane, que pertence ao empresário Sio Tak Hong. O deputado relembra que Chui Sai On tem essa competência, que “não pode passar ao Secretário para as Obras Públicas”, e diz que só assim se pode perceber qual a opinião dos especialistas sobre esta construção, que deverá tapar algumas das montanhas de Coloane. A deputada Ella Lei questionou o Governo sobre se este considera que “os critérios adoptados na apreciação do projecto e os respectivos procedimentos são legais e razoáveis” e quer saber “porque é que o local em causa passa de zona com planeamento para zona sem limite a nível de altura”. A deputada diz que existem muitas dúvidas e pede para o Governo divulgar mais informações ao público, caracterizando ainda o Executivo como “inerte” face à protecção dos recursos ecológicos.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaBrasil | Comunidade critica nomeação de Lula da Silva para Casa Civil Quatro brasileiros a morar em Macau olham para a crise política do seu país com um misto de vergonha e pessimismo. A nomeação de Lula da Silva para a Casa Civil numa altura em que este é investigado no âmbito do processo de corrupção Lava Jato traz, garantem, uma imagem negativa num ano que o Brasil recebe os Jogos Olímpicos [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]érgio Moro investiga o caso Lava Jato. Lula da Silva, antigo presidente do Brasil, é um dos nomes envolvidos num dos maiores casos de corrupção e branqueamento de capitais do país. Sérgio Moro autoriza a divulgação de escutas entre Dilma Rousseff, actual presidente do país, e Lula. Os brasileiros passam então a saber que Lula se vai candidatar à presidência em 2018 e que Dilma tenciona nomeá-lo ministro da Casa Civil, o que lhe dará imunidade nas investigações. A nomeação é travada. Este é o novelo político que o Brasil tem enfrentado nos últimos dias. Em Brasília, capital do país, milhares de manifestantes têm mostrado o seu desagrado ou apoio face à nomeação de Lula por Dilma. Em Macau, quatro brasileiros olham para a crise política do país com um misto de vergonha e indignação, mas sobretudo sem grande esperança em que haja alternativas, caso a destituição (impeachment) do Governo de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), vá para a frente. “Ele foi nomeado para fugir ao processo, é tudo uma farsa e chega a ser ridículo”, disse ao HM Jane Martins, presidente da Casa do Brasil em Macau. “Sinto vergonha do que estão fazendo, mas não deixo de ser brasileira nem de gostar do meu país”. Jane Martins nunca gostou de Lula da Silva, nem do PT, e quer o impeachment, apesar deste passo “depender muito da população. “Temos de lutar para tirar a Dilma do poder e acabar com esse partido, porque depois teremos mais quatro anos e um vai substituindo o outro”. Roberval Teixeira da Silva, professor universitário, não aponta o dedo. Não diz se Lula da Silva é ou não corrupto, mas prefere alertar para a mudança que está a acontecer em termos de opinião pública. “Essa foi uma escolha política errada que provocou muita histeria. O Brasil está histérico e isso faz com que as pessoas não pensem mais. Se o Lula é ou não corrupto, isso faz pouca diferença neste momento, porque a minha grande preocupação é que o Brasil está-se tornando num país cheio de fundamentalismos e as pessoas já não conseguem mais ter opiniões diversas. Quando tem uma opinião fica logo associado a uma tendência ou etiqueta. As pessoas já não conseguem mais dialogar, e não me lembro de crescer num ambiente desses.” Das afrontas Vanessa Amaro deixou São Paulo há uma década e meia e anos depois continua a não querer voltar. O episódio da nomeação de Lula da Silva é mais um dos factores que a faz querer ficar no estrangeiro. “As razões que me fizeram sair do Brasil são as mesmas que hoje, e afastam qualquer possibilidade de eu regressar: a corrupção, a falta de alternativa no panorama político e a constante instabilidade social e política. Considero a nomeação lamentável e entendo-a como uma afronta, já que foi tomada quando já havia uma forte tensão política e quando já eram conhecidas as suspeitas de corrupção sobre este governo. Portanto, a nomeação de Lula da Silva para o cargo de ministro da Casa Civil não deixa de levantar suspeição, e esta não é apenas uma crise política, mas sim uma crise da moral e da dignidade do país”, contou a professora universitária ao HM. Para Vanessa Amaro, os protestos que ocorreram mostram uma “maior consciência política, uma maior vontade de mudança, e uma posição de que as pessoas estão finalmente atentas no que se passa no poder”. Também Jane Martins fala do “amadurecimento” da sociedade. “O povo amadurece com estas crises, houve manifestações políticas, não houve violência nem intervenção militar, e esse é um amadurecimento.” Mas esperanças num melhor futuro político são poucas. “Se a deposição de Dilma for aprovada, haverá uma mudança óbvia, que inicialmente irá resgatar o país da deriva em que anda neste momento. Mas há melhores alternativas? Há partido naquele Brasil que consiga controlar o barco sem pôr todos a lucrarem?”, questionou Vanessa Amaro. Também Roberval da Silva Teixeira não tem esperança noutros partidos políticos, caso o impeachment aconteça. “Vamos imaginar que a Dilma é derrubada. O que se coloca nesse lugar? Não tenho nenhuma visão ou escolha que me traria um pouco de esperança. É uma visão negra e escura que estou tendo agora. A única coisa boa que aconteceu foi no sábado, um movimento chamado democrático que foi à rua para mostrar que há outras pessoas pensando coisas diferentes.” “Acho que o Brasil tem estado numa crise há bastante tempo, e não sei qual a solução, porque em relação aos outros partidos, estamos sem uma luz ao fundo do túnel. Não apenas com o PT, mas em todos os outros partidos, há uma grande corrupção”, defendeu Natasha Fellini, docente, que reside em Macau desde os 17 anos. Uma sondagem publicada na Folha de São Paulo no último domingo revela que 68% dos entrevistados estão a favor do impeachment, número que tem vindo a aumentar desde Fevereiro. Uma piada No ano em que o Brasil se prepara para receber os Jogos Olímpicos, e dada a sua forte presença no seio dos BRICS, qual o impacto que esta crise política interna poderá ter? “Neste momento a imagem do Brasil é uma piada, o mundo inteiro vê o Brasil como uma grande piada”, apontou Jane Martins. “Essa histeria vai criar uma imagem negativa do Brasil, e estamos com as olimpíadas quase chegando, vai haver uma imagem muito controversa”, disse Roberval Teixeira da Silva. Há, contudo, diferenças face a anteriores crises, defende o docente. “Nos anos 90 tivemos uma crise que expulsou montes de gente do Brasil. Depois o país começou a entrar numa situação mais estável e as pessoas começaram a não sair. Não sei se vai acontecer a mesma coisa, porque, de uma certa forma, as pessoas embora estejam histéricas, têm um espaço de reflexão maior e mais canais de informação. Acho que percebem que com essa crise tem uma grande mudança”, rematou. Radicados em Macau há dezenas de anos, regressar ao seu país é uma hipótese cada vez mais distante. “Tenho família lá mas não faço tenção de voltar tão cedo. Se houver uma crise muito grave trago a minha filha de volta, mas a minha família não está sendo afectada”, disse Jane Martins. “Em Macau há 15 anos e cada vez mais, com todos esses acontecimentos, fazem com que tenha cada vez menos a ideia de voltar para o país”, considerou Natasha Fellini. Prisão em Lisboa no âmbito do Lava Jato O Ministério Público Federal brasileiro informou que o luso-brasileiro Raul Schmidt Felipe Junior, detido ontem em Portugal no âmbito da Operação Lava Jato, estava foragido desde Julho de 2015. Segundo um comunicado da mesma fonte, citada pela imprensa brasileira, a ordem de prisão foi expedida em Julho e o seu nome foi incluído no alerta de difusão da Interpol em Outubro. O cumprimento das medidas foi feito pela Polícia Judiciária portuguesa e pelo Ministério Público português, sendo que o Ministério Público Federal e da Polícia Federal acompanharam as diligências. “Raul Schmidt é brasileiro e também possui naturalidade portuguesa. O investigado vivia em Londres, onde mantinha uma galeria de arte, e mudou-se para Portugal após o início da operação Lava Jato, em virtude da dupla nacionalidade”, informou o Ministério Público Federal. O Brasil dará agora início ao processo de extradição. De acordo com a Procuradoria brasileira, Raul Schmidt Felipe Junior é investigado pelo pagamento de subornos aos ex-directores da estatal petrolífera Renato de Souza Duque (Serviços), Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada (ambos da área Internacional). Os três estão presos no Brasil pela participação no esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa instalado na Petrobrás. Raul Schmidt foi sócio do ex-director da Área Internacional da Petrobrás Jorge Zelada, condenado no mês passado a 12 anos e dois meses de prisão por corrupção e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Lava Jato. A Operação Lava Jato começou em Março de 2014 e é considerada uma das maiores investigações a actos de corrupção e branqueamento de capitais no Brasil.
Joana Freitas Manchete SociedadeCentro de triagem de resíduos no final deste ano ou início de 2017 O novo centro de triagem para lixo da construção pode abrir portas ainda este ano, ou no início de 2017 e os materiais que forem seleccionados podem fazer chão nos novos aterros de Macau [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]novo centro de resíduos que vai ser construído pela Nam Yue deverá estar pronto no final deste ano ou início do próximo. É a previsão da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) que diz, numa resposta ao HM, que parte do material de construção considerado lixo vai ser utilizado nos novos aterros. “A DSPA iniciará, a curto prazo, na zona do aterro existente para resíduos de materiais de [obras], a construção da primeira fase das instalações de selecção”, começa por indicar o organismo, que afirma que estas instalações vão ter capacidade para tratamento de duas mil toneladas de resíduos diariamente. “Prevê-se que a construção dessas instalações [na Avenida do Aeroporto] esteja concluída no final de 2016 ou no início de 2017.” Em Dezembro do ano passado foi tornado público que a Nam Yue vai receber cerca de 362 milhões de patacas para desenhar e construir um espaço dedicado aos resíduos. Num despacho publicado em Boletim Oficial, o Governo dava conta que foi adjudicada à Agência Comercial e Industrial Nam Yue a execução de empreitada de concepção e construção desta, que é a “primeira fase da linha de produção da instalação de triagem de resíduos da construção de Macau”. Já tinha sido anunciado pelo Executivo que o volume destes resíduos aumentou significativamente e, em 2014, a então subdirectora da DSPA, Vong Man Hung, admitiu que o aterro para resíduos de materiais de construção da Avenida do Aeroporto tinha atingido o ponto de saturação. Nessa altura, a responsável disse também que as obras de construção das instalações de triagem iriam arrancar em 2015, o que não aconteceu. Perspectiva de melhoras Na resposta ao HM, a DSPA assegura que este é “um dos projectos importantes do Governo”, para que seja realizado o tratamento dos materiais inertes resultantes da demolição e construção “através da cooperação regional”. A cooperação com Guangdong já acontece, mas com este novo local o Governo poderá melhorar a situação. “Os materiais inertes resultantes da demolição e construção devidamente seleccionados necessitam ser inspeccionados em primeiro lugar em Macau e [é preciso] confirmar a satisfação dos padrões de qualidade relativos à reutilização dos materiais. Tendo em consideração a calendarização dos novos aterros, prevê-se a reutilização de uma parte destes materiais nos aterros de Macau, sendo os restantes transportados para aterro em algumas áreas do interior da China.” Outros diplomas Além do centro de triagem, a situação dos resíduos de construção merece, neste momento, uma consulta pública levada a cabo pela DSPA, que prepara também um regime legal onde se propõe que o depósito de resíduos de materiais de construção nos aterros deixe de ser gratuito. De acordo com a DSPA, após a consulta pública vai fazer-se “a elaboração da proposta final, bem como o acompanhamento dos trabalhos de legislação posteriores, por forma a aperfeiçoar a gestão e as medidas de supervisão em relação aos resíduos de materiais de construção”. O organismo não adianta qualquer data para a elaboração deste diploma.
Flora Fong Manchete PolíticaChan Chak Mo, deputado e director-geral do Grupo Future Bright Como empresário, Chan Chak Mo admite que a existência de uma Lei Sindical não ajuda em nada. O deputado diz não ter “coragem” para falar sobre essa lei, uma vez que tem negócios, e considera que esta não vai melhorar as relações laborais porque “os trabalhadores podem fazer greve a qualquer hora”. Chan Chak Mo admite que talvez esteja na hora de deixar o lugar para os mais novos por ter um pensamento “conservador” Estava envolvido no projecto do parque temático da Hello Kitty no Cotai, em conjunto com a Sociedade de Jogos de Macau. O lote foi um dos 16 que escaparam à declaração de caducidade. O projecto tem algum avanço? Já não estou envolvido em nada neste projecto, não sou responsável por ele, portanto não sei nada sobre o lote. Desde quando? Se calhar consideraram que já não tinha condições para cooperar com eles, ou outras pessoas apresentaram ideias melhores do que as minhas. Não assinámos contrato e eu apenas pensava em ajudar. Agora, a SJM é que se responsabiliza pelo projecto, tem de perguntar à Angela Leong (directora-executiva da empresa). A concessão de terrenos tem sido uma questão polémica e existem conflitos entre os concessionários e o Governo, como por exemplo no caso do Pearl Horizon. Como avalia a situação? A Lei de Terras precisa de ser revista? Nesse caso não posso dizer quem está correcto, ou errado. Cada caso é diferente. Quanto à recuperação de terrenos não aproveitados, o Governo deve fazer isso de acordo com a lei. Eu acho que a Lei de Terras não permite que as pessoas aproveitam lacunas: quando o período de lotes expira e a licença de habitação ainda não foi emitida, devem ser recuperados. Mas é inevitável que os casos vão a tribunal, porque tanto os concessionários como o Governo consideram que são quem está correcto. Então, aí, deixa-se os tribunais tomar uma decisão e depois ainda há a hipótese de apresentar recurso. Em todos os lados do mundo existe esta situação, mas vale a pena pensar se as pessoas de Macau vão cada vez mais a tribunal e se acumulam cada vez mais casos. Mas existem deputados que pedem a revisão da Lei de Terras com o objectivo de implementar um período de transição para os terrenos não desenvolvidos conforme os seus contratos. Se se permitir essa flexibilidade, deve ser por causa do interesse público. A definição de interesse público é muito abrangente, mas o que será isso? [A construção de] um edifício habitacional? Claro que não, nem é o Pearl Horizon. Penso que o interesse público tem que ser a construção de pontes, estradas, escolas, hospitais. A actual Lei de Terras exige isso porque antigamente as pessoas consideravam que o Governo mostrava demasiada flexibilidade nas concessões de lotes e suspeitava-se da eventual troca de interesses. Hoje em dia já demos esse passo, porque é que andaríamos para trás? Foi nomeado recentemente um dos membros do Conselho de Renovação Urbana. Existem opiniões que suspeitam da composição desse grupo porque muitos são do imobiliário, comercial e de construção. Qual é a sua opinião? Pelo que sei, os membros foram convidados em nome de associações e não individualmente, só que a lista foi publicada com os nomes dos representantes, incluindo os operários, moradores, os sectores imobiliário, económico, jurídico, cultural e de construção. Mas como é que se tem uma proporção apropriada? Não sei criticar, mas penso que os membros já são profissionais experientes que podem contribuir com ideias. Não me parece que os membros sejam apenas desses sectores [de que fala] e que possam controlar os trabalhos do Governo. [No Conselho] falamos de todo o planeamento urbano, não detalhadamente de cada terreno ou de cada concessão de obra. Não estou a ver como é que o que estamos a fazer vá beneficiar especialmente um sector ou um indivíduo no futuro. O Governo apenas recolhe as opiniões, tira conclusões e gera consenso entre todos. [quote_box_left]“Se existir a Lei Sindical isso não significa que as relações laborais possam ser melhores, porque os sindicatos podem fazer greve a qualquer hora. Consegue imaginar? Basta um casino estar a fazer greve, como é? Pode assustar os investidores estrangeiros”[/quote_box_left] Mas a renovação urbana está ligada ao reordenamento dos bairros antigos. Estão a ouvir opiniões de moradores destes bairros? O reordenamento dos bairros antigos deverá ser o trabalho prioritário do Conselho e precisamos de fazer um projecto piloto. Mas não é fácil, porque a lei [da Renovação Urbana] tem que avançar primeiro. A antiga proposta de Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos foi discutida na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), a que presido, apontamos problemas e chamamos o Governo a retirar a proposta, em 2013. Havia grandes vários problemas: a Lei de Salvaguarda do Património Cultural, a Lei de Planeamento Urbanístico e a nova Lei de Terras estavam em discussão ao mesmo tempo. Achávamos que o facto dessas leis ainda não terem sido aprovadas [na altura] não iria permitir que a Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos poderia ser aprovada. Como é que podia ser? Além disso, a definição de “bairros antigos” dependia apenas da idade de edifícios, mas há edifícios ficam nas zonas de protecção do património cultural, como se lidava com isso? E mais: o papel do Governo era muito passivo. Agora, as três leis já entraram em vigor. É hora de legislar o reordenamento dos bairros antigos novamente? Em princípio deve ser sim, mas depende do ângulo do Governo. Porque a lei deve avançar primeiro e depois o Conselho da Renovação Urbana deve apresentar sugestões ao Governo. Uma das propostas de lei que a 2.ª Comissão Permanente da AL está a analisar é o Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo. Mas não há novidades desde o final do ano passado. Como está a situação? Na realidade, esta lei não é difícil, mas a Comissão está a analisar muitas informações, tal como a influência da proibição total de tabaco em casinos na economia de Macau. Como as receitas de Jogo diminuíram mais de 30% no ano passado, se não se mantiverem as salas de fumo, o impacto será grande. Duas associações do sector pediram para reunir-se connosco. A Comissão acha que existem pontos muito irracionais e o não permitir manter salas de fumo nas lojas onde se vendem charutos [é um deles]. Um representante de vendedores queixou-se de que é impossível aos clientes não provar [o charuto] antes de comprar e estas lojas podem vir a ser fechadas com a aprovação do Regime [que vai proibir salas de fumo]. Há ainda vários pontos que vamos apresentar ao Governo, depois de sintetizarmos todas as opiniões. Na verdade, manter as salas de fumo nesse tipo de lojas não afecta os outros. Mas o Secretário para Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, tem defendido insistentemente a proibição total do tabaco. Sendo o presidente da Comissão, como lida com a divergência de opiniões? O Governo diz sempre que tem uma atitude aberta. Nós só podemos recolher informações e sintetizar as opiniões para as entregar ao Governo. A decisão política está do lado dele. Quando é que prevê que a análise desta proposta de lei esteja concluído? Espero que antes de acabar esta sessão legislatura, em Agosto. Sobre a Lei Sindical. A proposta foi reprovada pela sétima vez em Janeiro deste ano. O deputado também votou contra. Argumentou na altura que não estamos a ser pressionados pelo Governo Central para a criação desta lei, nem a violar a Lei Básica. Mas na realidade, a China tem uma Lei Sindical. Não considera que o sistema jurídico de Macau está muito atrás de outros? Não tenho coragem de falar nisso porque sou empresário. Mas considero que agora os sindicatos podem fazer muitas coisas: são associações legais e recebem muitas queixas. Sendo empresário, a Lei Sindical não traz vantagens para a economia, mas traz muitas vantagens para os sindicatos, sobretudo porque lhes dá direito de negociação colectiva e de fazer greve sem os trabalhadores serem despedidos. Mas uma coisa: será verdade que existem muitos conflitos laborais e que os trabalhadores estão a ser demasiado explorados? Não estou a ver isso, porque a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) existe totalmente para apoiar os trabalhadores e está a funcionar muito bem. Mas existem trabalhadores que se preocupam sobre as repercussões junto dos empregadores caso se manifestem ou participem em actividades. Isso depende de um bom mecanismo. Agora se despedimos um trabalhador local e queremos pedir um trabalhador não residente (TNR), a DSAL pede que a gente explique as razões e pode chegar a enviar-nos cartas de alerta. Se não temos boas razões [para despedir o trabalhador] não somos autorizados a pedir mais TNR. Mas se existir a Lei Sindical isso não significa que as relações laborais possam ser melhores, porque os sindicatos podem fazer greve a qualquer hora. Consegue imaginar? Basta um casino estar a fazer greve, como é? Pode assustar os investidores estrangeiros de fora de Macau. O próximo ano vai ser de eleições para os deputados da AL. Vai continuar no lugar? [Depende] da minha idade, da saúde, da família, do tempo, dos negócios e das minhas contribuições. Se considerar que ainda sou útil, continuo a ser deputado. Mas existem muitas considerações, porque “as regras do jogo” para os deputados indirectos podem ser diferentes no próximo ano. Até agora ainda não tomei uma decisão, mas acredito que, com a minha idade, tenho pensamentos mais conservadores e, se calhar, devem ser os mais novos a avançar. Concorda que existam mais deputados eleitos directamente na AL? É o futuro, mas depende da Lei Básica. Agora permite a existência de deputados nomeados, indirectos e eleitos e vamos fazer [as eleições] de acordo com a lei. Mas obviamente, se o Governo quiser, pode ser mais um, dois, três ou cada vez mais eleitos directamente. Além de ser deputado é empresário. Como vê o caso de corrupção do ex-procurador Ho Chio Meng, que envolve mais dois empresários locais? O deputado Pereira Coutinho considera que é apenas a ponta do iceberg. Concorda com isso? Tudo é possível. Nunca se deve dizer nunca. Mas é preciso a investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). Não sei se envolverá mais pessoas. A queda das receitas de Jogo está menos grave, sendo que em Fevereiro apenas diminuiu 0,1% em termos anuais. Como está o seu negócio nas áreas de Restauração e Bebidas e de lembranças? Normalmente, depois do Ano Novo Chinês, os negócios ficam mais fracos durante vários meses. Todos os anos é assim, mas este ano está horrível. Como a taxa de ocupação de hotéis está apenas a 60%, nos meus restaurantes, por exemplo dentro dos casinos, os negócios caíram 20%. Parece-me que a queda menor das receitas de Jogo não ajuda o seu sector, porque este ano o movimento de pessoas está a ser menor na mesma. O mercado vai tornar-se mais positivo ou continuará a cair este ano? Penso que este ano vai ser bem difícil. Como já disse, é preciso permitir que mais turistas de outras cidades [da China] venham visitar Macau com vistos individuais, sobretudo as que estão mais longe porque isso é bom para toda a economia de Macau. O número de excursionistas caiu muito, mais de 10%, mas também não me parece que as excursões nos ajudem muito, basta olhar para as “excursões a custo zero” que apenas fazem compras e visitas [em locais específicos]. Considero que o que se pode fazer mais é no mercado das Convenções e Exposições, que tem visitantes de alto consumo, que precisam de ficar em hotéis e fazem muitas refeições quando participam nessas convenções. No mês passado, confirmou ao Jornal Tribuna de Macau que a sua empresa aceitou o pedido de baixar o valor da renda da Casa Amarela onde fica agora a loja Forever 21, por “não querer perder o negócio”. A renda mensal é de 2,4 milhões de patacas, o nível já baixou? Quanto tempo vai durar esse preço mais baixo? Estamos ainda a negociar, não posso dizer agora qual o valor. Mas prevejo que vá [descer] entre 10% a 20%. Vou ver como está a economia de Macau. O contrato de arrendamento tem um período de sete a oito anos, mas o nível de renda pode ser ajustado uma vez por ano.
Filipa Araújo Manchete PolíticaDesaparecimento de jornalista não é “surpreendente”. Xi cada vez mais “sozinho” O desaparecimento do jornalista Jia Jia é exemplo da forma como o Governo Chinês tem de resolver quem contra ele está. A ideia é defendida pelo activista Jason Chao, que não se mostra nada “surpreendido” com o caso. Há ainda quem defenda que Xi Jinping está cada vez mais isolado [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]activista Jason Chao e o analista Arnaldo Gonçalves não se mostram surpreendidos com o desaparecimento de Jia Jia, o jornalista chinês que desapareceu quando embarcava para Hong Kong. Foi na última terça-feira que o repórter contactou com a família. A mulher explicou, ao jornal Apple Daily de Hong Kong, que o marido lhe telefonou informando-a que estava a pouco tempo de embarcar, partindo de Pequim. Até hoje, nada mais se soube. Questionados sobre o estranho desaparecimento, familiares e amigos do jornalista receiam que tenha sido detido devido ao interesse por uma carta anónima que apela à demissão do presidente chinês, Xi Jinping. “Isto não me surpreende de forma alguma”, começa por defender ao HM Jason Chao, activista e membro da Associação Novo Macau, quando questionado sobre o caso. Esta, aponta, é a maneira que o Governo Chinês tem para lidar com aqueles que querem contar a verdade. E não acontece, continua, só com os jornalistas. Além destes, outros dos grandes alvos são os “activistas”. Jason Chao relembra vários episódios de tentativas de “tapar a boca” a quem fala contra o Governo. Exemplificando com o mais recente casos dos activistas que queriam chegar até Genebra, na Suíça, para mostrar à Organização das Nações Unidas (ONU), o desrespeito dos direitos humanos pela China. Os activistas, conta, não conseguiram chegar ao seu destino. “O Governo chinês está sempre a tentar tapar a verdade”, afirma, por isso, “o desaparecimento do jornalista não é surpreendente”. Para o comentador Arnaldo Gonçalves, este pode ser um novo caso de “censura leve”. Para o analista, o caso mostra ainda que “a luta contra a corrupção tem que ser muito balizada”, não indo contra, ou perseguindo, as pessoas que pensam diferente. Mas Gonçalves deixa também um alerta. “Acho que isto é um risco que Xi Jinping está a passar por se isolar um bocado. Acho que ele está a ficar sozinho. A cultura confuciana empurra um bocado para isso, para o mestre, o líder, se isolar e deixar o contacto com as pessoas, com as massas, com a população. Até posso acreditar que não seja por vontade própria e seja o sistema a empurrá-lo para isso. Mas [Xi Jinping] está-se a isolar”, argumentou. Para Arnaldo Gonçalves, a informação parece que chega a Xi Jinping “um pouco deturpada” e leva a um conjunto de medidas pouco justificadas. “Parece que quem pensa de forma contrária ao Partido e à elite do Partido é posta de lado ou perseguida”, apontou. Arnaldo Gonçalves diz não querer acreditar que isto possa ser “um retorno ao Maoísmo puro e duro”, mas é uma situação de um “presidente isolado nesta situação”. A grande questão passa ainda por tentar perceber para que serve esta fervorosa campanha anti-corrupção. “Todos os observadores põem isto em causa. A luta contra a corrupção serve para quê? Afinal é para limpar o Partido, para eliminar os opositores internos? Parece que passámos de uma fase que era de limpar o Partido para uma de agir contra as pessoas que pensam de maneira diferente”, frisa. Este é um caso de censura “leve” e “estranha”, levando a uma clara delimitação de “quem está contra”ou “quem pensa diferente do Partido”, considera ainda. O que está mal Jia Jia é um dos jornalistas chineses mais conhecidos no núcleo dos média e terá desaparecido quando se preparava para viajar desde Pequim a Hong Kong. Citado pela agência EFE, Wang Wusi, amigo e colega de Jia Jia, indicou que o seu desaparecimento poderá estar ligado ao interesse mostrado pelo desaparecido por uma carta escrita por “membros leais ao Partido Comunista Chinês”, que apelava à demissão do presidente. O documento foi publicado no portal oficial do Governo chinês “Wujie News” a 4 de Março, na véspera do início da sessão anual da Assembleia Nacional Popular chinesa (APN) e, entretanto, apagado. Wang indica ainda que o jornalista desaparecido terá entrado em contacto com o director-executivo do portal, Ouyang Hongliang, com quem trabalhou no passado, depois de tomar conhecimento dessa mesma carta através de uma corrente de comentários na aplicação WeChat. Questionado pelas autoridades de censura da China, Ouyang terá dito que soube da publicação da carta primeiro através de Jia, diz Wang, que revela ainda que, pouco depois, os familiares de Jia foram também interrogados. A carta começa por admitir algumas melhorias graças à campanha anti-corrupção lançada por Xi Jinping, mas de seguida ressalva que, devido à centralização de poderes pelo actual presidente – o mais forte líder chinês das últimas décadas -, se está “a assistir a problemas sem precedentes”. Politicamente, Xi “debilitou o poder de todos os órgãos do Estado”, inclusive a autoridade do primeiro-Ministro, Li Keqiang, lê-se naquela missiva. A mesma nota refere que a política externa chinesa abandonou o princípio ditado pelo antigo líder Deng Xiaoping de “esconder a força” e aponta como exemplo a crise na Coreia do Norte e a transferência de capacidade militar dos EUA para a Ásia. No plano económico, cita a crise no mercado de capitais chinês e o excesso de capacidade de produção na indústria pesada como sinais de fracasso e critica ainda, a nível ideológico e cultural, o recente apelo de Xi à lealdade dos meios de comunicação oficiais para com o PCC. “Em resultado, camarada Xi Jinping, sentimos que não possui as qualidades necessárias para liderar o Partido e a nação rumo ao futuro e que não está apto para o cargo de Secretário-geral” do PCC, conclui a carta.
Hoje Macau MancheteMário Laginha, músico: “Tive uma epifania quando vi Keith Jarrett” Esteve em Macau a convite do Festival Literário Rota das Letras e tocou lado a lado com Cristina Branco. Mário Laginha fala do Jazz, do Fado e de todo um caminho cheio de música – um caminho que quase não acontecia por causa… da ginástica [dropcap]O[/dropcap] piano vem desde muito pequeno. Foi por opção, por gosto? Começou porque tive sorte. Porque os meus pais tinham interesse em que os filhos tivessem uma educação completa e queriam que, tanto eu como o meu irmão, [aprendêssemos] música, um desporto e o ensino convencional. Portanto, comecei por ter essa sorte, por ter uns pais que queriam que fizesse isso. A minha mãe tinha percebido que eu tinha muita facilidade [em aprender] e tive a sorte de gostar tanto de estudar piano que, para mim, era um prazer. Não olhava para aquilo como um estudo, era o que gostava de fazer. Em vez de ir jogar ao berlinde, ia tocar piano. Isso permitiu-me evoluir depressa ainda novo. E acho que foi graças a isso que, apesar de ter parado alguns anos, que são importantes quando se estuda música no piano, deu para recuperar. Esses anos de paragem aconteceram por volta da adolescência? Apareceram outras músicas? Tive vários gritos do Ipiranga. Estava um bocadinho farto. Diziam que tocava muito bem para a idade e sempre que ia alguém lá a casa, era “olha João, vai lá tocar um bocadinho”. E não foi só isso: na escola havia concertos aos sábados e eu, por tocar bem, não tinha dia descanso, ia para escola todos os sábados de manhã. Acho que isso me começou a cansar um bocado em relação ao piano. Comecei a olhar para o piano de uma outra maneira: “eu gosto mas obriga-me a estar indisponível quando às vezes gostava de estar disponível”. Entretanto pedi ao meu pai que me desse uma guitarra, que deu, e durante uns tempos só queria tocar guitarra. Queria uma coisa muito rock, mais do meu mundo da altura. Curiosamente a música que ouvia não era aquela que normalmente tentava tocar na guitarra, não sei por quê. Andava muito apaixonado pelo Paco de Lucía e pelo flamenco, tentava fazer umas coisas, sempre auto-didacta. E o que ouvia era o que se ouvia na época: Génesis, Jethro Tull, Emerson Lake & Palmer. Numa coisa mais rock, era Deep Purple, Black Sabath, etc. Mas o meu apreço maior era a ginástica. Foi quase atleta Olímpico. A música e a ginástica eram uma espécie de “dois amores”? Sim, mas na altura a música era uma coisa que estava posta de parte, pelo menos no ponto vista do querer utilizar isso no futuro. Era uma coisa que tinha feito e tocava umas guitarradas se fosse preciso. Ao piano não ligava nada. A ginástica gostava muito. Sempre pratiquei ginástica destes os três anos. Competia em todas as seis modalidades e praticava várias horas por dia. Como é que a música voltou a ser uma opção mais séria? Tive uma grande epifania quando vi [Keith] Jarrett na televisão. Não sabia sequer quem era, vi um tipo a tocar piano – na altura estava com o cabelo tipo carapinha – e achei que era a coisa mais fascinante que podia ouvir. Aquilo mudou-me a vida completamente. Não sabia que se podia tocar piano assim! “Assim, eu quero”, pensei. Antes disso já estava um bocadinho mais desperto para a música porque no ginásio, lá no Dafundo, houve um dia em que estavam fazer umas arrumações de uns colchões e por trás de um colchão descobriram um piano vertical. De repente, um dos meus colegas começou a tentar tocar uma música no piano. Eu fui lá e toquei. Ele disse:“tu sabes tocar piano assim e nunca falaste nisso?” Nem sabiam que eu tocava piano e eram meus amigos íntimos, de há cinco anos. Como tinha bases sólidas, não tentei tocar, toquei. E aquilo, de certa forma, despertou-me um nadinha. Será que estou a desprezar uma coisa que não deveria? Isto foi antes de entrar na sala e dar com Jarrett, que, na altura, não sabia ainda que era o Jarrett, a tocar. Depois o meu irmão comprou-me um disco, o “Facing You”, que ainda hoje é um dos meus discos de eleição, é um disco esmagador. Aquilo que curiosamente ouvi no disco era mais complexo do que aquilo que me tinha conquistado, mas era uma complexidade que ouvia a primeira vez e à segunda já estava completamente apaixonado. Estava no propedêutico nessa altura e as aulas eram na televisão. Eu não via nenhuma, nada. A partir do momento em que o descobri fui para o piano e pronto. Levantava-me e ia tocar piano. Inscrevi-me na Academia dos Amadores de Música e depois no Conservatório. Ao princípio até para me apoiar porque o que queria tocar era Jazz. Aliás, no princípio nem queria tocar Jazz, queria tocar como ele, o que era uma coisa muito ingénua claro, sob todos os pontos de vista, mas com muita força. Depois quis saber como é que ele tinha chegado ali, então soube que estudou Jazz. Ai é? Então também vou estudar Jazz, que apareceu de uma forma muito naif. Comecei a estudar e conheci várias pessoas, um dos meus amigos da época, o Luís Sá Pessoa, que toca violoncelo e que se dedicou mais ao clássico disse-me: “Acho que também te deverias inscrever no conservatório para melhorares a técnica.” Inscrevi-me e, ao princípio, ao contrário do que as pessoas pensam, não era uma coisa para levar a sério. Só que gostei tanto daquilo que decidi levar o curso até ao fim. Entre o Jazz, o clássico e outras abordagens, onde é que o Mário se situa? Acho que o meu mundo musical é bastante poroso, as coisas que gosto comunicam-se e deixo que isso me influencie. Mas considero-me muito mais músico de Jazz do que propriamente um pianista clássico, que tem nas mãos as notas das partituras de Mozart. Quando faço algum repertório clássico estou imenso tempo a estudar e faço-o em situações muito particulares. Por exemplo, agora estou a preparar um repertório novo com o Pedro Burmester para dois pianos e estou focado naquilo, mas de uma maneira geral não estou focado no clássico. Sou muito mais músico de Jazz, em relação às influências. Acho que para mim e muitos músicos da minha geração, e provavelmente das vindouras ainda mais, a música passou a estar toda ao alcance. Sempre tive muita influência de música africana, não pela minha ascendência, [infelizmente], mas porque gostava. Costumava comprar discos, aqueles que na época só havia na “Book Close”. Na parte de baixo havia uma parte só com música étnica, muitas vezes era de uma tribo não sei de onde e ouvia aquilo e adorava, porque sempre achei que era de uma grande simplicidade do lado melódico e de grande complexidade no lado rítmico, mas tudo aquilo é feito no equilíbrio e acho que me apaixonei por isso também. Tenho muitas influências e quero que isso se repercuta naquilo que faço, que é a minha personalidade musical. Que seja reflexo dessas paixões todas. No 25 de Abril de 1974, faz 14 anos. Sentiu pessoalmente as mudanças ocorridas, nomeadamente no que respeita ao acesso à cultura? Muito do que tenho consciência que mudou também me foi contado, ou seja, quando quis procurar coisas e encontrei. Posteriormente soube que só havia aquilo porque tinha existido aquele 25 de Abril. Percebi que a cultura se tornou muito mais universal, que o acesso a essa cultura universal passou a ser uma realidade, que era uma coisa à qual não estávamos habituados. Estávamos virados para o nosso umbigo pequenino, era o folclore, era o Fado e havia a música clássica. Acho que o meu pai ficou em pânico quando lhe disse que me ia dedicar à música. E tinha uma boa razão para isso, ele achava que, se não ia ser músico clássico, como pianista ia acabar num hotel a tocar, o que era o que os músicos da minha época, antes do 25 de Abril, faziam. Os músicos de Jazz eram-no por hobby. Isso remete para a eterna questão relacionada com o “viver da música”. Como foi para si no início de carreira? Muito complicado. Durante os primeiros dez anos tive sempre a fazer contas para comer. O meu pai é da velha guarda e eu tinha feito uma opção, portanto tinha que me aguentar e responsabilizar-me por ela. A verdade é que o meu pai não me deixava ficar mal mas ele não me dava dinheiro e eu tinha que lá ir pedir. Já tinha dois filhos entretanto e, quando o frigorífico estava vazio, era uma coisa que tinha que fazer. Mas, apesar de tudo, não houve dramas. Já não é primeira vez que está em Macau. O que é para si, estar aqui? É tocar para um público português? Gosto de pensar que não é só para um público português, mas é essencialmente português. Quando uma pessoa sai do seu país há uma carga emocional, de saudade ou do que seja, que as torna ligeiramente diferentes do que essas mesmas pessoas seriam se estivessem a viver em Portugal, provavelmente. Quando estou a tocar muito sinceramente não noto que haja uma diferença, as pessoas são calorosas como costumam ser em Portugal. O que talvez note mais é depois, quando vêm falar, às vezes pedem um autógrafo e penso que há ali, não sei se é uma nostalgia, mas uma saudade em relação ao país de origem e, muitas vezes, uma espécie de identificação cultural. Acho que sentem que pertenço a isto, pertenço a esta cultura e acho que o sentimento de pertença é uma coisa muito boa, que nos ampara. O que penso nestas situações é que, se posso ser uma peça do puzzle que faz as pessoas sentirem-se bem naquele momento, já é óptimo. Solo, dueto, trio, quinteto e outros “etos”… Como é que, para si funciona este processo de colaborações? O facto de trabalhar tanto em grupo é porque gosto e a razão pela qual gosto tanto é porque me dá um prazer enorme na partilha de ideias, neste caso ideias musicais. Na realidade, quando nos tornamos amigos não se partilham só ideias musicais, mas no acto de fazer música sim. Acho que escrevo muita música e, quando escrevo, a única pessoa que deu ideias para aquilo fui, obviamente, eu. Gosto muito quando estou a escrever para outras pessoas e lhes dou a partitura – às vezes vêm outras ideias, mesmo ao nível de interpretação. Por exemplo em trio, com o Alexandre Frazão na bateria e o Eduardo Moreira no contrabaixo, às vezes com o Alexandre falo num ritmo e ele faz outro e gosto mais do outro do que aquilo que tinha imaginado. Às vezes a linha de contrabaixo é ligeiramente diferente também e esse processo sempre me fascinou, tenho muito prazer. Agora as escolhas têm a haver com um gosto pessoal e também com os convites que tenho e gosto ou não gosto, aceito ou não. Uma das suas colaborações sobejamente conhecidas foi o casamento musical com a Maria João. O que fica dessa união? Ainda tocamos juntos, mas muito raramente. Não houve assim uma coisa de “agora nunca mais”, mas acho que tem sido uma partilha incomum porque somos muito diferentes ainda que os nossos lados sejam coincidentes, são muito fortes. E os lados que não são complementam-se de uma maneira que também funciona. Em Portugal, sei que não há a história de um duo que tenha gravado 14 discos, e nós temo-los. Não sempre em nome dos dois, os primeiros em nome dela e depois em nome de ambos. É muito disco junto e muito tempo. Temos um património enorme em que tenho um orgulho imenso. Acho que algumas das coisas melhores que já fiz estão aí. E agora esteve em Macau num projecto mais ligado ao Fado, ao acompanhar Cristina Branco. Com a Cristina o que fiz foi um projecto que veio de uma encomenda também para um festival literário, o de Óbidos, e era para fazer um repertório à volta de Chico Buarque. Ela depois perguntou-me se não queria fazer aquilo com o meu trio e com ela, achei logo a ideia maravilhosa. Adoro o Chico, adoro as músicas, adoro as letras. Fizemos isso e acho que nasceu daí a ideia de convidarem a Cristina, mas queriam que ela viesse mais com Fado, até por causa disto da comunidade portuguesa. Acontece que o pianista com quem ela viria tocar não tinha estas datas livres, numa feliz coincidência. E também já fiz muitas canções para a Cristina. Inicialmente não suportava o Fado. Na realidade, foi uma coisa progressiva. Naquela época em que estava muito concentrado no Jazz, não tinha qualquer interesse no Fado, estava mesmo voltado para outro lado. A única coisa que gostava com a guitarra portuguesa era o Carlos Paredes – que adorava – mas a coisa do Fado… aquilo não me dizia nada. Depois foi uma coisa que surgiu aos poucos. Um dia ouvi uma coisa do Camané que gostei, depois ouvi uma outra que também gostei até que achei que já podia dizer que gostava. Não gosto de tudo, o que também é verdade, mas também não posso dizer que gosto de tudo noutros géneros musicais.
Filipa Araújo Manchete SociedadeNaufrágio | Investigação sobre identidades e desaparecidos continua Aconteceu o ano passado. Mais de 19 pessoas desaparecidas, supostamente emigrantes ilegais, num naufrágio na costa de Macau. Dois corpos foram encontrados, mas um ano depois ainda não se sabe a identificação dos mesmos. Dos restantes pouco ou nada se sabe, mas o Governo garante que continua à procura [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]caso é do ano passado. Em Fevereiro de 2015, um barco naufragou no mar em frente ao Grande Coloane Resort de Coloane, com 19 pessoas a bordo – 15 foram dadas como desaparecidas. Quatro foram resgatadas, sendo – segundo as autoridades dos Serviços de Alfândega (SA) – emigrantes ilegais. “Possivelmente” as restantes também. As autoridades avançaram com buscas aos outros tripulantes e uma investigação. Mas mais de um ano depois pouco ou nada se sabe. “Foram interceptados no local os emigrantes ilegais, três dos quais do sexo masculino e dois do feminino”, começa por explicar ao HM Lao Pui Tak, subintendente alfandegário. “Encontrou-se, pelo bote rápido dos SA, às 08h15 do mesmo dia (27 de Fevereiro), no mar em frente do Cemitério Municipal de Coloane um indivíduo masculino que estava nadar para regressar a Hengqin. Foi provado após a investigação que o indivíduo era o piloto da embarcação naufragada e este foi entregue para tratamento do Ministério Público”, esclarecem. Não sei quem és No mês seguinte, Março, as autoridades marítimas encontraram um “cadáver do sexo feminino emergido na praia em frente ao parque de campismo da praia de Hac Sá e um outro, do sexo masculino, alguns dias depois na costa em frente do Grande Resort de Coloane. A Polícia Judiciária (PJ) não confirma ainda se estes corpos correspondem ao mesmo naufrágio, indicando que o processo está em investigação. Também, um ano depois, não se sabe a identidade destas pessoas. “Dado que é provável que envolva os indivíduos caídos ao mar, solicitámos às embarcações guarnecidas na respectiva área e ao pessoal do Posto Alfandegário de Policiamento das Ilhas para prestarem mais atenção à situação do mar bem como do litoral”, justificam apenas as autoridades de Macau. Quando questionado sobre a investigação do naufrágio, os serviços explicam que, apesar da cooperação entre a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e da Água, nada se sabe. Ainda assim a continua-se a “proceder à busca, conjunta, em relação à superfície do mar da respectiva área marítima e a troca de informações” com o interior da China. Pelo menos quatro das pessoas teriam entrado em Macau, mas também não foram encontradas.
Hoje Macau Desporto MancheteFutebol | Benfica 2 – Sporting 1 O jogo prometia mas deixou muito a desejar em termos de intensidade e situações de golo. De um lado o Benfica mais organizado e sempre mais acutilante, do outro o Sporting a jogar na fé; uma crença baseada na ideia que basta chutar a bola para que um companheiro a receba. Puro engano. Agora, com sete pontos de vantagem e os principais opositores derrotados, o Benfica fica muito perto da revalidação do título [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]bola saiu do Benfica que, por via destas coisas do sorteio, jogava em “casa” e, devido a isso ou não, desde logo mostrou que estava ali para ganhar o jogo, e depressa. Logo a abrir Marco Rios rematava dentro da área e obrigava Hugo Cardoso a aplicar-se e, aos três minutos e meio, Niki entra pela defesa do Sporting adentro, ainda remata à entrada da área mas sofre falta de Victor Almeida. Do livre, mesmo em cima da linha da grande área, Edgar Teixeira fazia a bola sobrevoar a barreira e entrar no lado direito da baliza de um espantado Hugo Cardoso que ficou a olhar para o estrago. Aos 20 minutos de jogo, o Sporting ainda não tinha conseguido rematar à baliza do Benfica e os passes falhados, alternavam com o pontapé para a frente. Claramente, o Sporting não conseguia criar soluções para o último terço do terreno e o Benfica, com a presença dinâmica de Cuco à frente da defesa, ia conseguindo manter os leões à distância. Sentiam-se uns rugidos leoninos mas coisa de pouca monta e nada que fizesse realmente perigar o ninho da águia. Talvez por isso, os encarnados também iam adormecendo até que, aos 26 minutos, uma bola cruzada do lado esquerdo do ataque do Benfica encontra Leonel Fernandes ao segundo poste, já na pequena área, que remata primeiro de cabeça, para defesa apertada de Hugo Santos, depois com o pé e a contar, perante a passividade da defesa leonina que não lhe ocorreu tirar a bola dali. Pouco tempo depois o Sporting tentava despertar e, aos 28, num livre da direita, a bola chegava ao segundo poste onde Taylor surgia a rematar de cabeça mas muito frouxo. Aos 32 chegava a vez de Juninho Soares perder uma cantada dentro da pequena área. No final da primeira parte era a vez de Pio cabecear ao lado na pequena área, como resposta a um centro primoroso de Juninho, vindo da direita. Mas foram actos esporádicos (únicos) porque se a primeira parte ia revelando alguma coisa era um Sporting a reagir mal à pressão alta do Benfica e a cometer muitos erros. Sporting marca, Benfica falha vários O Sporting entrou a tocar a bola com o passe mais curto e parecia mais disposto a fazer jogadas com princípio, meio e fim. Afinal de contas estavam dois abaixo e precisavam de reagir. Assim, logo as 47, os leões decidem incomodar Rui Nibra com um livre do lado esquerdo, mesmo na quina da área, e rematado directo à baliza por Lee Keng Pan obrigando Nibra a responder com uma boa defesa para canto. Depois deste assomo de energia, o jogo continuou numa toada morna e só de bola parada o Sporting conseguia criar alguma sensação de aproximação à baliza vermelha. O Benfica, esse, aproveitava para galgar terreno e tornar-se mais ameaçador. Aos 59 minutos uma jogada de combinação do lado direito da grande área do Sporting entre Ricardo Torrão e Aguiar termina com este a rematar forte para a primeira de uma série de boas defesas de Hugo Santos que se seguiriam e que o viriam a destacar como uma das figuras do encontro. Aos 66 minutos Iúri tenta um chapéu do meio do meio campo aproveitando uma saída de Hugo mas a bola saía ao lado. Um minuto depois e a defesa do Sporting falhava a intersecção de um cruzamento permitindo um remate forte da entrada da área a Niki Torrão para mais uma defesa do guarda-redes do Sporting. Por esta altura, o Sporting era uma equipa absolutamente passiva sendo frequente verem-se os jogadores especados, a ver jogar, sem procurarem dar linhas de passe aos colegas com bola. O Benfica aproveitava e ia intersectando passes e construindo jogo e, aos 70 minutos, mais duas defesas consecutivas do guarda-redes leonino, uma delas à queima-roupa a remate de Niki, e que assim mantinha o Sporting no terreno da derrota por números dignos. Aos 73 minutos, Rafael Moreira vê o segundo amarelo e deixa o Sporting a jogar com menos um. Aos 75, na sequência de um canto, Filipe Duarte falha à boca da baliza o que seria o terceiro do Benfica. Aos 78 minutos, penálti contra o Benfica. Rui Nibra, talvez aborrecido pela falta de trabalho, faz uma falta desnecessária sobre Ethan Lay (já estava descaído para o lado direito) saindo e derrubando o avançado sportinguista quando tinha três ou quatro defesas encarnados na zona da baliza. Da marcação por Juninho surgiria o golo de honra do Sporting e o primeiro sofrido pelo Benfica neste campeonato. O Sporting ainda arrebitou após o golo e conseguiu um livre perigoso aos 81 minutos, mesmo à entrada da área, mas que, depois de vários passes entre jogadores leoninos, resultou num remate disparatado, para as nuvens, de Juninho. Por esta altura já o treinador do Sporting descarregava a sua fúria pontapeando garrafas e bramando para o campo e para o banco de suplentes “falta de atitude” e “primeira parte oferecida”. Henrique Nunes, treinador do Benfica – “Vencedores justos” No final do jogo, o treinador do Benfica dizia que “o Benfica foi um vendedor justo porque criámos muito mais oportunidades” mas considerava que jogou com um equipa que “é tão boa como nós”, disse, e que lhes criou bastantes dificuldades. De qualquer forma garante que, “não há duvida que sofremos um bocado nos minutos finais” mas, para o treinador, “foi por culpa própria já que o Sporting estava em inferioridade numérica e ainda marcou um golo e conseguiu assustar-nos”. Relativamente às contas do título, Henrique Nunes disse que “sendo um jogo que não decidia nada, pode acabar por decidir quase tudo”. E, para bom entendedor, meia palavra basta. João Pegado, treinador do Sporting – “Demos 45 minutos de avanço” O treinador leonino estava desencantado considerando ter sido “um jogo onde o Sporting deu 45 minutos de avanço. Não em termos tácticos, mas em termos de atitude”. Para João Pegado, o Benfica mostrou mesmo querer mais o campeonato do que o Sporting. As melhorias na segunda parte terão a ver com a palestra de Rui Pegado que, ao intervalo, pediu à equipa para se soltar mais : “Melhorámos a nível anímico, quisemos mais a bola e tivemos a hipótese. Mesmo com um a menos ainda fomos procurar o 2-1 e depois até estivemos perto do empate. De resto enaltece os jogadores pela garra da segunda parte, contra uma equipa que, considera, “tem um boa estrutura e treina duas vezes por semana”. Pegado lamentava-se assim das condições difíceis de trabalho que enfrenta adiantando ainda que: “a minha equipa esta semana treinou uma vez num campo e, curiosamente, a partilhar com o Benfica”. Em relação ao resto do campeonato o objectivo é manter o segundo lugar e esperar que o Benfica escorregue.
Filipa Araújo Entrevista MancheteMarta Bucho, Coordenadora do Centro Feminino da ARTM: “Mulheres escondem até ao limite” Um trabalho que acontece 24 horas sem que notemos. Um reaprender a ser. Marta Bucho fala de um novo método, mais aberto e ocidental, para tratar de adictos. Há ainda muito trabalho no campo feminino, sendo a abertura e aceitação da população uma delas. Uma dos objectivos é ainda trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau Falamos muito no Centro de Tratamentos Masculino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau e pouco do Feminino. Desde quando é que existe este espaço? Abrimos em 2010 e funciona um bocadinho à semelhança do centro para os homens. Pensámos que seria muito importante ter uma parte feminina. Queremos funcionar como uma comunidade terapêutica para mulheres com problemas de toxicodependência e alcoolismo também. Apesar de já termos registados casos de jogadoras, mulheres viciadas em jogo. Mas esta comunidade é mais pequena do que a masculina? Sim, são menos mulheres do que homens. Em termos de números, em cada cinco homens que entram no Centro Masculino, entra uma mulher neste Centro. O nosso número máximo de vagas é de oito mulheres, sendo que agora estamos com três mulheres e um bebé. Estamos também a acompanhar duas mulheres, uma que está presa, fora das instalações do Centro. Também recebem as crianças? Sim, filhos das nossas pacientes. Aceitamos senhoras com crianças, não é o primeiro caso. Fala-nos um pouco do processo. Como é estas mulheres chegam até ao Centro? A maior parte delas entrava pela programa da troca de seringas, agora isto já não acontece com tanta frequência porque as consumidoras já não são tanto de heroína, é mais o ice. Também podem entrar através de algum serviço da comunidade, seja o hospital, serviços que trabalham com famílias, associações, através do tribunal e também por famílias que sabem do nosso serviço e nos pedem ajuda. Depois de entrar, como se processa? Ainda estão a consumir? Não, a não ser metadona. Algumas, só. O nosso objectivo é que haja uma processo de re-socialização, ou seja, aprender um conjunto de valores, regras e até de rotinas que lá fora não conseguem ter com os consumos. Aqui, as mulheres quando entram já não consomem. A não ser, claro, como disse, a metadona. Os membros da direcção da ARTM chegaram há pouco tempo de uma formação na Austrália. Novos modelos de tratamento? Foi uma formação muito, muito boa. A nossa ideia é utilizar a metodologia que eles usam e aplicá-la aqui em Macau. Se é possível ou não? Acho que sim. Funcionará como uma comunidade terapêutica. A ser aplicada já no novo Centro em Ká Hó? Quando é que abre? Sim, sim. Em Julho. E aí já queremos ter o nosso staff todo preparado e formado com esta nova metodologia. É difícil encontrar pessoas para trabalhar nesta área? Quantas pessoas tem o Centro? Sim, é. É difícil arranjar pessoas que gostem desta área e que tenham alguma capacidade de perceber. É que não é uma área tão comum como se possa imaginar. Quando falamos de uma comunidade terapêutica, estamos a falar de uma sociedade pequena, em que existem diferentes responsabilidades, diferentes hierarquias, mas tudo funciona com os pacientes. Voltemos então ao método. O que se pretende? A nossa ideia é criar o novo Centro numa grande comunidade terapêutica. Porque aqui é mais difícil, neste Centro. A começar pelo número de pessoas, que são poucas. E para criar uma comunidade, em princípio deverá existir um maior número. O nosso objectivo passa também por fazer mais promoção em termos de divulgação do nosso serviço, no tribunal, nos hospitais, na comunidade, para que haja mais mulheres e homens, também, para tratamento. O paciente trata-se a si próprio? Os pacientes tratam-se a eles próprios, o papel deles é ajudarem os outros para se ajudarem a eles próprios. E tudo funciona de uma maneira muito suave, muito gira. Este método tem efectivamente resultados positivos e as pessoas acabam por mudar os seus comportamentos. Através do exemplo de alguém mais velho, conseguem perceber o que devem ou não devem fazer. Por exemplo, a honestidade. Tentamos muito que as nossas mulheres aqui do Centro sejam honestas e digam sempre a verdade. Na comunidade o facto de observarem alguém que “é como eles” a, por exemplo, ser chamado à atenção mas a aceitar e a mudar o seu comportamento, assumem o ensinamento. Por exemplo? Por exemplo, na Austrália, existem duas comunidades – uma para os homens e outra para as mulheres. Entre si, eles podem falar, mas não criam relações. Não pode existir intimidade, seja ela sexual ou não. Se alguém o faz de forma imediata é conversado isso em grupo. A pessoa tal envolveu-se ou falou de tal forma para a outra pessoa, por exemplo. Há uma repreensão. E as pessoas compreendem porque percebem que estão a focar a reabilitação para outro ponto. Vejamos, as mulheres, pelos exemplos que temos, é muito fácil envolverem-se com os homens, porque procuram sentirem-se bonitas, [vestirem] uma roupa bonita. Isto, neste tratamento, não é bom. O que se pretende é que as mulheres consigam que, na vida delas, lá fora, não precisem de ninguém, sejam independentes, que encontrem nelas uma confiança e auto-estima que vem da própria e não de fora. Nas sessões [na Austrália], eles discutiam os assuntos de uma maneira que os utentes percebem [e que os fazia] perceber que o facto de se focarem noutras coisas está a prejudicar o seu processo de recuperação. Acha que é um método que será bem aceite? É difícil. É preciso fazer com que o nosso staff perceba a dinâmica do que é uma comunidade terapêutica, é difícil passar para quem já passou por um processo de recuperação e não uma comunidade terapêutica. É difícil também fazer o staff perceber que esta dinâmica é muito específica e tem mesmo de funcionar com a estrutura que vamos criar porque se não é pior do que não se fazer nada. Quando é que vão implementar este método? Esperamos que em Junho, com a mudança para as novas instalações em Ká Hó… tem de estar já a funcionar. Mesmo nos homens. São precisas mudanças. Existirão vagas para 50 homens, 20 mulheres e mais dez para cuidados continuados, para pessoas com HIV. Quantos trabalhadores estão neste Centro? Para as mulheres somos nove, nos homens somos 14. É muita gente. É um serviço que trabalha 24 horas, à noite tem sempre de estar alguém. Somos duas assistentes sociais, depois quatro psicólogas e duas monitoras. O número baixo de utentes que o Centro recebe não é representativo da realidade de Macau? De todo. Não é, de todo. Sabemos que há muitos mais casos do que aqueles que nos aparecem, muitos mais. Mas não estamos a conseguir chegar a essas pessoas. Porquê? Como é que se chega lá? É difícil à comunidade. Mas neste caso, neste Centro das Mulheres, talvez porque elas têm um papel diferente na sociedade. Por exemplo, a família esconde muito mais os casos de mulheres do que se fosse um homem. A mulher também acaba por arrastar o seu tratamento, por exemplo com a questão dos filhos. Estão a seu cargo e elas não querem deixar os filhos para vir para tratamento. E nem sempre é possível aceitar crianças, até por causa das sessões ou reuniões de grupo, é difícil estarem crianças, aliás é impossível. E a própria mulher? Acha que é mais difícil ela aceitar e perceber que tem um problema? Mais do que os homens? Acaba por ser, sim. Porque quando as mulheres chegam aqui já estão num estado tão avançado de problemas de saúde, psicológicos, com doenças, que é mais difícil. As mulheres preferem esconder e arrastam. Chegamos a ter mulheres que ganham problemas mentais… suicídios. As mulheres escondem até ao limite. Até as famílias o fazem. E nesses casos, é transmitido ao Centro pelo hospital. Tem esperança que essa tendência mude? Acho que as pessoas têm de perceber primeiro o que é que é um centro de tratamento. As pessoas acham que isto é uma pequena prisão e não é. Isto é uma pequena sociedade, uma pequena família em que as pessoas reaprendem a viver. Não é de todo uma prisão. Não é. Mas existem programas… Sim, o nosso programa é de um ano. Ao final desse tempo tentamos que a pessoa consiga arranjar um trabalho. Normalmente ficam seis meses, porque é o tempo em que as mulheres já se sentem melhor, o corpo já se readaptou. Ao sair, as dificuldades para as mulheres são evidentes? Muito, muito mesmo. As mais velhas é impossível arranjarem um trabalho. As que conseguem é em cafés ou casinos, em trabalho temporários. Os homens tem mais facilidade nisso. Na comunidade é também mais aceite que os homens sejam ex-consumidores do que as mulheres. Há um fenómeno: os homens ex-consumidores arranjam uma mulher que nunca foi consumidora, a mulher consumidora vai sempre ao encontro de um homem que já foi consumidor. Porquê? Porque elas acham que não merecem mais do que aquilo. É muito raro as mulheres arranjarem companheiro que não tenham um passado de toxicodependência. As famílias também aceitam mais os homens do que as mulheres. O estigma é tão grande que acaba por ser uma barreira. A mulher é prisioneira não só da droga? Em termos de problema, quando é avaliado a questão dos consumos, percebemos que é só uma pequena parte de um historial que apresentam. Vítimas? Sempre. Grande parte delas com um historial de maus tratos na infância terrível, negligência grave. Está relacionado com o consumo? Acabar por estar, sim. Muitas delas foram crescendo com um trauma em que durante o seu percurso as drogas acabaram por ser bem aceites. As pessoas ficam anestesiadas e não sentem o que aconteceu. As feridas ficam adormecidas. No tratamento elas partilham? Depois de abandonarem as drogas, depois de deixarem a Metadona, sim, elas começam a aceitar. E é aí que partilham o que lhes aconteceu. E nós, claro, tentamos atribuir-lhes o mais apoio psicológico e psiquiátrico possível. Mas é o tempo e a aceitação do problema que irá resolver. Não conseguimos apagar a memória, mas vamos fazer com que a pessoa aceite o que aconteceu na vida dela, perceber que não é por culpa dela. Aceitar que isto é só uma parte da história delas e não um todo. Depois do tratamento acompanham o paciente? Tentamos e uma das mudanças que queremos é mesmo essa. Queremos trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau. Porque em termos de pós-tratamento é uma das formas para continuar a acompanhar os pacientes. Não sabemos quando é que conseguimos isto, porque temos de articular com Hong Kong, porque não temos ninguém que fale Chinês. Esta filosofia é muito famosa e funciona. Queremos muito implementar isto aqui. Por ser uma cultura diferente, o modelo será de difícil implementação? Em termos culturais, às vezes as pessoas dizem “ah os chineses não partilham”, sendo difícil implementar este modelo que queremos por ser mais ocidental e aberto. O que acho é que é uma aprendizagem. As pessoas aprendem a partilhar, a dar nome aos sentimentos que têm. Para nós [ocidentais], eu falo por mim, consigo ter um leque de sentimentos, bons ou maus para definir o que sinto. Para eles [chineses] é muito difícil dar nome ao que estão a sentir. Talvez porque não estão habituados a sentir e não estão habituados a expressar o que estão a sentir. Um dos pontos que focamos no tratamento é isso mesmo, olhar para nós próprios e conseguir definir o que é.
Flora Fong Manchete SociedadeRádio-Táxis | David Chow apresenta objecção a concorrente David Chow mostra-se confiante na disputa pelas licenças de rádio-táxis, mas depois de defender que uma concorrente até era sinal positivo, apresentou uma objecção à nova candidatura. Não foi aceite. Ainda assim há a possibilidade de recorrer ao Chefe do Executivo A Companhia de Serviços de Rádio-Táxi Macau, candidata ao concurso para obtenção de cem licenças de rádio-táxis, não tem o caminho facilitado. Depois da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) ter aceite a sua candidatura, numa segunda vez, a companhia vê agora a corrida colocada em causa por uma objecção à decisão apresentada pela empresa concorrente, a Lai Ou Serviços de Táxi, presidida por David Chow. A Companhia de Serviços candidatou-se ao concurso público colocando os preços das taxas no documento de apresentação, algo chumbado pela Comissão de Abertura de Propostas. Depois de um recurso apresentado pela candidata, contudo, a Comissão considerou o lapso menor e deferiu-o, dando a possibilidade à empresa de se candidatar novamente. A abertura oficial aconteceu ontem. Numa primeira reacção à admissão da concorrente, David Chow mostrou-se despreocupado, alegando até que era uma situação boa para a sociedade, que poderia exigir mais das candidatas. No entanto, agora, a decisão do Governo, parece não agradar ao empresário. Ontem, um representante da empresa Lai Ou apresentou uma objecção contra a decisão do Governo, alegando que a Comissão violou as regras de candidatura. Depois de meia hora de avaliação, o presidente da Comissão, Chiang Ngoc Vai, tornou pública a recusa da objecção. O presidente explicou que a Comissão já tinha indicado que o lapso não constituía uma razão para não se aceitar a candidatura. Não contente, a empresa Lai Ou apresentou de imediato um recurso hierárquico, para apresentar uma nova objecção ao Chefe do Executivo já nos próximos dez dias. Satisfação total Em reacção, Cheong Chi Man, director da Companhia de Serviços de Rádio-Táxi Macau mostrou-se satisfeito com as decisões. O director está confiante na vitória do concurso, indicando que vai investir até 80 milhões de patacas para este tipo de transportes. Uma das apostas são carros de sete lugares sentados, sublinhou. No entanto, o director indica que quer “mudar os hábitos das pessoas de Macau que apanham táxis”, ou seja, que se faça uma reserva com antecedência para melhorar o serviço. Serviços sem barreiras para os portadores de deficiência é também uma das apostas prometidas, que é, aliás, exigida pelo Governo. No que diz respeito aos preços, a empresa define, segundo a proposta, uma taxa de chamada, de cinco patacas, sendo que as taxas de reserva ou incumprimento da mesma são livres, isto é, sem custo. Já a Lai Ou apresenta a taxa de chamada com 15 patacas e as de reserva e de incumprimento a cinco patacas.
Joana Freitas Manchete SociedadeCaso Lisboa | Arguidos condenados. Apenas um tem de cumprir pena Os arguidos do Caso Lisboa, onde se inclui Alan Ho, foram absolvidos do crime de associação criminosa, mas todos vão condenados por exploração de prostituição – todos, contudo, e à excepção de Kelly Wang, saem em liberdade porque já cumpriram a pena imposta enquanto estavam em prisão preventiva Alan Ho e os outros cinco arguidos do chamado Caso Lisboa foram todos condenados a pena de prisão por um crime de exploração de prostituição. Mas o director-executivo da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) não vai regressar à cadeia, à semelhança de outros quatro arguidos, já que cumpriu a pena imposta pelo tribunal enquanto aguardava julgamento. Só Kelly Wang tem de voltar ao Estabelecimento Prisional de Macau, onde fica para mais um ano e três meses de prisão. O Tribunal Judicial de Base (TJB) deu ontem a conhecer a sentença do caso, que tinha como acusados Alan Ho, Kelly Wang, vice-gerente de RP do hotel, Peter Lun, gerente-geral, Bruce Mak, gerente do Departamento de Segurança, Qiao Yan Yan, assistente de Kelly Wang, e Pun Cham Un. Os quatro primeiros iam acusados de 90 crimes de exploração de prostituição e de fundação de associação criminosa, enquanto os restantes respondiam pelo crime de participação em associação criminosa, com Pun a responder pelos mesmos crimes de exploração e Yan Yan por apenas três. O tribunal decidiu dar apenas como parcialmente provada a acusação fundamentada pelo Ministério Público (MP), tendo absolvido todos os arguidos da acusação de fundação ou participação em associação criminosa. O colectivo, presidido por Rui Ribeiro, apontou, até, lacunas ao nível da investigação neste âmbito. “Há um reparo que se prende com a associação criminosa. Compreende-se que todas as possibilidades têm de ser exploradas e que poderia haver essa possibilidade e também as vantagens que se teria na investigação se fosse [associação criminosa], mas não há um único facto que permita concluir tratar-se de associação criminosa”, começou por dizer Ribeiro, que acrescentou que os relatórios iniciais da Polícia Judiciária apontam logo que se está perante uma rede de exploração criminosa, sem que “nada houvesse de concreto”. “Havia a actuação comum [pactuante] do exercício da prostituição, mas a única estrutura de ‘organização’ era a do hotel onde trabalhavam. Apesar do apadrinhamento do Hotel Lisboa [nesse sentido], não nos é permitido concluir que os funcionários do hotel se uniram em associação criminosa com vista àquele crime”, rematou o juiz, dizendo que há uma “apetência da polícia” em recorrer a este crime. Prostituição conhecida O facto das mulheres da China continental se prostituírem desde os anos 1990 no espaço – tanto que desde 1995 já existiam tabelas de preços para quartos para estas mulheres – foi denotado pelo tribunal, que deixou cair também a acusação de que os arguidos cometeram 90 crimes de exploração de prostituição (um por cada mulher detida) e consideraram ser apenas um único. Aqui, a lei que contou foi a que entrou em vigor em 1997 – a Lei da Criminalidade Organizada – no artigo referente à exploração da prostituição que indica que “quem, com remuneração ou sem ela, angariar clientes para pessoas que se prostituem ou, por qualquer modo, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, é punido com pena de prisão até três anos”. Um crime que foi “criado de forma especial” pelo legislador de Macau, além do que se prevê já no Código Penal. “[Alan Ho] pugnava pela beleza [das mulheres], participava no processo de pré-selecção, associado ao facto de ser o responsável máximo do hotel, e era do seu conhecimento que as mulheres angariavam clientes e tinham quartos. O simples facilitar [da actividade] é punível em Macau e ele fê-lo de forma consumada. Não importa o número de prostitutas, foi um acto uniforme ao longo do tempo”, indicou o tribunal, que disse ainda que, apesar de saber que isto acontecia publicamente desde 1995 – altura em que ficou responsável pelo hotel – e que haveria uma certa “permissividade” dado que funcionava desta forma sem qualquer contestação das autoridades há mais de 20 anos, Ho deveria ter “adequado a conduta ao invés de continuar a pactuar” com a actividade devido à entrada em vigor da lei que versa sobre a facilitação, em 1997. O director-executivo da STDM, sobrinho de Stanley Ho, foi assim condenado a um ano e um mês de prisão, graças ao “grau médio de ilicitude” da sua conduta. Ainda assim, como já cumpriu 14 meses enquanto em prisão preventiva, sai em liberdade. Mais do mesmo O mesmo acontece a Peter Lun e Bruce Mak: os dois trabalhavam “subordinados” a Alan Ho e agiram em cumplicidade, considerando o juiz que os dois foram “catapultados” para o enredo e que cumpriam ordens, ainda que conscientes da sua conduta. Apanharam cinco meses de cadeia cada um, penas que já cumpriram. Sete meses foi o veredicto dado a Qiao Yan Yan e Pun Cham Un, arguidos que auxiliaram Kelly Wang a angariar prostitutas e a extorquir-lhes dinheiro, ainda que a mando da gerente-geral de RP do hotel. Foram condenados por proxenetismo e exploração de prostituição e punidos com sete meses de cadeia, que já cumpriram. Caso isolado Kelly Wang é, então, a única arguida que vai continuar presa. Falta-lhe ainda cumprir um ano e três meses de prisão, a maior pena aplicada no caso. O TJB considerou que Wang aproveitou-se da sua posição para exigir dinheiro a mulheres que se prostituíam – em quantias superiores a cem mil yuan -, mas como no crime de proxenetismo por que vai condenada não se afigura a carência ou dependência das mulheres, a sua conduta ilícita foi considerada de “grau médio”, até porque os valores recebidos não eram “elevados”. A mulher, contudo, não viu a sua pena suspensa devido “à dissimulação” com que actuou. Além de chamadas telefónicas, houve também testemunhas que deram como provado o comportamento de Kelly Wang que fica, para já, à espera de regressar ao EPM em liberdade, até que a sentença transite em julgado. O MP ainda pediu que Wang ficasse em prisão preventiva, mas o tribunal considerou que bastava as medidas de coação de apresentação semanal às autoridades e a proibição de ausência do território. Na leitura da sentença, que durou mais de quatro horas, esteve ausente o advogado de Alan Ho, Jorge Neto Valente. A decisão face a Alan Ho originou um coro de palmas e gritos nas bancadas da audiência, o que levou Rui Ribeiro a exigir silêncio. À saída do tribunal, Ho acenava satisfeito. Deixou o EPM às 15h30, mas não falou aos jornalistas.
Hoje Macau Eventos MancheteVhils, artista urbano: “O graffiti é um cancro visual” É um dos mais internacionais artistas urbanos de Portugal e, desde há uns meses para cá, tem andado ocupado na produção de uma exposição encomendada pela Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong. Alexandre Farto – ou Vhils – é conhecido, entre outras coisas, por criar imagens com explosivos. A sua grande intenção é questionar o status quo. Vai intervir em Kowloon e Hong Kong, onde apresenta agora a exposição “Debris” Em meados dos anos 90 entrevistei uma das primeiras crews portuguesas de graffiti que me dizia que a melhor forma de pintar sem ter problemas com a polícia era fazê-lo de dia. Que mudou entretanto? De certa forma ainda se pode pintar durante o dia, e há quem o faça, tudo depende do local e da ousadia de quem o faz. No entanto, é certo que a forma como o graffiti é visto, seja em Portugal ou noutros cantos do mundo, mudou muito desde então. Enquanto na altura era ainda uma prática meio desconhecida, que tinha tido pouco impacto junto da sociedade, a popularização do fenómeno e a saturação visual do espaço público que daí resultou veio aumentar a hostilidade com que é hoje encarado. Por um lado, é natural que assim o seja, pois é uma prática polémica e transgressora por natureza que joga com a reapropriação do espaço visual da cidade sem olhar a terceiros. Por outro, está na origem de uma nova vaga de criação artística que tem transformado o mundo. Em que medida sente que o seu trabalho é uma acção de intervenção? A reflexão que tenho desenvolvido com o meu trabalho visa questionar sobretudo os pontos negativos presentes no modelo de desenvolvimento vigente, o modo como as transformações das últimas décadas têm afectado a identidade, quer das pessoas e comunidades, quer dos espaços que estas habitam. Este novo paradigma global tem trazido benefícios – temos estreitado o contacto e a interacção entre os povos do mundo. Mas, ao mesmo tempo, tem imposto uma crescente uniformização que tem erodido aquilo que nos distinguia e nos tornava únicos. Tem sido igualmente responsável por uma profunda descaracterização dos espaços que habitamos, das nossas cidades. Esta homogeneização tem afectado culturas diferentes de forma semelhante, afectando a identidade de todas. Interessa-me explorar esta fricção, este choque entre o global e o local, ao mesmo tempo que me interessa contactar com culturas de várias latitudes de modo a entender o processo e ajudar a divulgar algumas das suas consequências para com estas pessoas e comunidades. Agora é conhecido como um dos grandes artistas desta área. Mas teve alguma fase em que pintava às escondidas? Se sim, quer contar algum episódio ou descrever essa fase? Sim, pintei graffiti ilegal às escondidas durante anos. Vivia obcecado com a pintura de comboios, faltava à escola, saía de casa à noite às escondidas, deixava de almoçar para guardar dinheiro para comprar tinta. Passava literalmente horas a estudar os movimentos de entrada e saída de comboios nos locais onde eram guardados. Apontava tudo num caderno, era um trabalho sério e rigoroso que me permitia controlar o tráfego, os pontos de fuga, os locais onde se podia pintar sem problemas evitando os seguranças, pessoal ferroviário ou a polícia. Quando comecei a transitar para um tipo de trabalho mais figurativo com base no stencil e fui deixando o graffiti mais vandalístico de parte, continuei a pintar na rua às escondidas, mas era uma coisa muito mais suave. Mesmo quando já expunha em galerias e era convidado para eventos institucionais, continuava a pintar às escondidas. Mas hoje em dia tenho outra vida e poucas oportunidades para o fazer. Que é que a sua arte traz de novo ao mundo? Não sei se traz algo de novo ao mundo, mas gosto de pensar que poderá contribuir de uma forma ou outra para uma reflexão sobre alguns aspectos inerentes às sociedades urbanas contemporâneas e ao modelo de desenvolvimento globalizante que lhes dá forma. De uma forma geral, o trabalho procura reflectir sobre questões de identidade, sobre o modo como indivíduos e comunidades são hoje afectados pelas forças e estímulos presentes num meio que, à escala global, impõe padrões e condutas cada vez mais uniformes. Gosto de levantar questões, de chamar a atenção para determinados assuntos que considero importantes, mas não tenho a pretensão de oferecer respostas e soluções. Se não fosse artista era o quê? Não sei. Veio para Hong Kong recentemente. Porquê essa decisão? A decisão veio na sequência de um convite para trabalhar com a Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong (HOCA), numa exposição individual que irá abrir no próximo dia 21 de Março (no Cais 4). Há algum tempo que tinha uma inclinação para assentar aqui durante alguns meses e desenvolver trabalho e esta exposição veio justificar esta deslocação. Hong Kong não é uma cidade pródiga em manifestações de intervenção urbana ao nível pictórico. Praticamente nem são vistos tags. Como tem sido a sua relação com a cidade, com os artistas, com as autoridades? Tem sido muito boa com todos, mas o trabalho que tenho desenvolvido tem sido com base na sua maioria por comissões em contextos institucionais. Apesar de ter pouca presença de arte no espaço público, é uma cidade muito interessante em vários outros aspectos. Tem marcado muito a minha percepção do espaço urbano e o meu trabalho. Porquê a escolha da RAEHK e não de Macau? Pelo motivo que apontei acima. Tudo partiu do convite da HOCA para expor individualmente em Hong Kong. Teria todo o gosto em fazer o mesmo em Macau. Tem planos para fazer algum tipo de intervenção por cá? Planos e vontade tenho, tenho andado a sondar várias hipóteses mas ainda não se concretizaram. Gostava muito de o conseguir, vamos ver. Quais são os seus projectos actuais e futuros? Tem algum grande objectivo por concretizar? Objectivos tenho imensos. Alguns tenho conseguido concretizar, mas uma vez resolvidos dão lugar a outros por resolver. É isso que me faz andar em frente e querer fazer mais e melhor. Neste momento estou muito ocupado com a produção para esta exposição que abre dia 21 no Cais 4 em Hong Kong Central. Tem por título “Debris” e é a maior e talvez mais ambiciosa que já realizei. Apesar de ter vários outros projectos em diferentes fases de desenvolvimento, de momento toda a energia e recursos estão concentrados neste. Como surgiu a ideia de utilizar explosivos na sua arte? E, já agora, quantas paredes foram abaixo até descobrir a carga certa? Em termos materiais, o uso de explosivos pode ser visto como uma progressão natural da técnica de esculpir paredes e outras superfícies. Em 2010 andava à procura de um processo que fosse ainda mais destrutivo que me permitisse desenvolver uma reflexão sobre o modo como a crise económica que eclodiu em 2008 conseguiu fazer implodir aquilo que tínhamos como seguro nas sociedades prósperas (e sobretudo na Europa), dos valores éticos e sociais às instituições que nos regulam, trazendo à superfície todos os antagonismos e conflitos que pensávamos estarem enterrados há décadas. O conceito surgiu-me como resposta intuitiva a esta ideia de implosão, expressando o facto de que em alturas de crise económica e social basta uma pequena fagulha para trazer à superfície todas as camadas que pensávamos estarem soterradas sob o verniz da civilização. O processo de desenvolvimento da técnica foi interessante, mas muito exigente. Tinha uma ideia que queria pôr em prática, mas nem sabia se seria possível. Pedi ajuda a uma equipa de especialistas em pirotecnia, que também não tinha ideia se iria resultar porque ninguém tinha pensado em usar cargas explosivas desta forma. Para desenvolver o primeiro projecto em 2010 levámos cerca de oito meses para afinar o processo e chegar às cargas certas. No final conseguimos, mas foi o resultado de muitas tentativas e muitos erros. Não deitámos nenhuma parede abaixo, mas danificamos algumas… Como descreve a estética do vandalismo? Como é que o vandalismo pode ser estético se não for fruto de uma propositada manipulação artística? Ou será apenas uma forma bombástica de descrever um processo, uma expressão de marketing? Sim, tem tudo a ver com manipulação intencional, mas não é uma expressão de marketing vazio. O conceito de vandalismo estético devo-o ao graffiti. Vem da ideia de que o graffiti é essencialmente uma prática destrutiva, vandalística, sem qualidades ou intenções estéticas. Eu gosto de subverter esta ideia ao trazer para um meio mais institucional muitas das técnicas e processos destrutivos que são empregues no graffiti para marcar e desfigurar superfícies no meio urbano. Uso-os para criar com uma intenção fundamentalmente estética e artística. Ao recorrer a este conceito e prática de criação através da destruição procuro subverter quer o conceito de vandalismo, quer o conceito daquilo que é artisticamente válido. O processo é muito importante no meu trabalho, mais até do que o resultado final, é aí que se concentram as ideias e os conceitos que exploro. Podemos talvez ver este uso de processos destrutivos como uma espécie de manifesto de princípios. Bansky. Que ideia tem dele como artista? Será que é mesmo apenas uma pessoa? A sua obra, atitude e os conceitos que explora tiveram um grande impacto em mim quando comecei a explorar a técnica do stencil, por volta de 2003/2004. É um artista inteligente e criativo, que tanto sabe explorar o espaço público como manipular a opinião pública e os media e se tem mantido fiel aos seus princípios. Continuo a admirá-lo pelo que fez e ainda faz. Já trabalhei em alguns projectos com ele, alguns dos quais tiveram um impacto enorme. O contacto é sempre feito através da equipa que trabalha com ele. Há de facto uma pessoa por trás do trabalho, mas este é desenvolvido em equipa, uma vez que ele não dá a cara. Em que medida é que o secretismo de Bansky e do das velhas crews de graffiti faz sentido nos dias de hoje? Continua a fazer todo o sentido se as intervenções que se fazem são ilegais. Nesse sentido é natural que se queira preservar o anonimato. Tags. Que ideia tem sobre eles? O graffiti é essencialmente um cancro visual gerado por aquilo que o meio urbano oferece, tanto em termos materiais como imateriais. Pode ser visto como algo belo ou hediondo, mas é um fenómeno gerado pelo meio onde existe. Neste sentido pode ser visto como reflexo, ou até uma síntese, daquilo que existe de melhor e de pior nas sociedades urbanas contemporâneas. Analisado de forma neutra, um tag bem executado pode ser visto como um belo e interessante exercício de expressão caligráfica, mas para a maioria das pessoas é algo nefasto que exprime uma ideia de descontrolo. Para mim, quando bem executado, pode valer mais do que um graffiti elaborado, mas é uma apreciação individual. Também entendo o constrangimento que provocam. Os três melhores murais/pinturas urbanas para si e porquê? É cada vez mais difícil fazer uma escolha destas, pois hoje em dia há muitos artistas a produzir trabalhos excelentes em todos os cantos do mundo. Não querendo ser demasiado parcial prefiro realçar o excelente trabalho que vários artistas têm feito em Lisboa com o programa de arte pública da Galeria Underdogs. Um artista urbano que mereça destaque e porquê? O português AkaCorleone (Pedro Campiche), porque nos últimos anos tem vindo a demonstrar um amadurecimento notável no desenvolvimento do seu trabalho, tanto em peças de galeria como peças murais que pinta no espaço público. Tem desenvolvido uma linguagem visual própria, coerente e facilmente identificável, e tem ganho presença no estrangeiro. É um nome a seguir. No mesmo lote, e pelos mesmos motivos, podia ainda destacar o português Miguel Januário (±MaisMenos±). Música. Que relação tem com a sua arte e com a sua vida? Com a arte em si a ligação não é directa, mas quando trabalho estou sempre a ouvir música, é uma companhia constante e importante. Além disso é a melhor forma de bloquear o ruído do martelo perfurador. Será que a cultura de pintura urbana passou de contra-cultura a uma coisa comportada, quiçá posh e mainstream? Se assim é que espaço fica para a contra-cultura? É uma questão interessante, mas difícil de responder porque o desenvolvimento do fenómeno tem sido multiforme. A sua crescente popularização e aceitação têm feito com que parte tenha sido absorvida pela cultura dominante, mas há ainda uma outra parte que se mantém selvagem e indomada. O que vemos na galeria, no museu ou a ser aproveitado pelo mercado e pelas marcas é arte produzida por artistas ligados a esse meio das intervenções ilegais no espaço público, mas já deixou de ser arte selvagem de rua. Esta continua a viver na rua e para a rua e tudo indica que continua de boa saúde. Se há pureza tem de ser encontrada aí, naquilo que é feito de forma gratuita e é efémero por natureza.
Flora Fong Manchete SociedadeHotel Estoril | Associações contra decisão do Governo de não classificar edifício O Governo decidiu não classificar o edifício do Hotel Estoril, mas associações ouvidas pelo HM lamentam a decisão por se tratar, dizem, de um lugar com valor histórico e cultural. O deputado Ng Kuok Cheong duvida da composição do Conselho do Património Cultural [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]maioria dos membros do Conselho do Património Cultural (CPC) entendeu que o edifício do antigo Hotel Estoril não merece ser classificado, uma decisão que não gera acordo junto de associações ouvidas pelo HM. Em Setembro do ano passado, o grupo Root Planning, ligado ao urbanismo, entregou uma petição que pedia a classificação do edifício como património, tendo sido recolhidas mais de cem assinaturas nas redes sociais nesse sentido. Na rede social Facebook, o Root Planning mostrou-se descontente com a decisão do Governo. “Já tínhamos feito um pedido de avaliação do edifício do antigo Hotel Estoril em Agosto do ano passado e já tínhamos elaborado um projecto de suspensão do plano de reconstrução. Passado meio ano sabemos que o Instituto Cultural (IC) e o CPC decidiram que não vão iniciar o processo de classificação. Achamos isso lamentável”, pode ler-se. Ao HM, o deputado Ng Kuok Cheong defendeu que o Governo tratou a questão “de acordo com a lei”, já que a decisão foi tomada pelo Conselho. Mas acredita que os cidadãos podem reflectir sobre o grau de aceitação das decisões tomadas pelos membros do Conselho. “O Governo ouviu as opiniões da população e isso correspondeu ao processo de decisão do Conselho. Podemos criticar se o Governo nomeou os membros errados, até porque estes não são eleitos directamente. Podemos duvidar da sua composição”, referiu Ng Kuok Cheong. O deputado pró-democrata apresentou em Fevereiro do ano passado uma interpelação escrita onde exigiu uma classificação do antigo Hotel Estoril como património cultural. Ng Kuok Cheong criticou o facto do IC nada ter feito depois da petição ter sido entregue. Grandes valores Quem também lamenta a decisão do Executivo é Wong Ka Fai, presidente da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau, defendendo que o Hotel Estoril está ligado à memória de pessoas famosas, como é o caso do magnata do Jogo, Stanley Ho. “O edifício era muito bonito na altura. Embora não tenha sido classificado tem um grande valor histórico. É uma pena o Governo ter tomado esta decisão”, apontou. Wong Ka Fai comparou o caso ao edifício da Rua da Barca, que o IC quer preservar, defendendo que o antigo Hotel Estoril tem mais valor e está menos destruído. Cheang Kuok Keong, presidente da Associação para a Protecção do Património Histórico e Cultural de Macau, e também membro do CPC, disse ter votado a favor da classificação, tendo ficado desapontado com o resultado. “Não se trata da questão se o edifício é feio ou não, mas temos de olhar também para a sua história, enquanto símbolo do desenvolvimento do sector do Jogo”, disse. Para Cheang Kuok Keong, se Macau dá importância às indústrias culturais e criativas, então o edifício deve estar incluído no património local. “Esperamos que o Governo dê atenção à lei e não negue a petição que foi entregue, não deve destruir o património assim tão facilmente”, referiu. Manter a fachada Ung Vai Meng, presidente do IC, referiu que “a autenticidade do antigo hotel é algo incerto”, tendo em conta os novos materiais encontrados pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), os registos no Arquivo de Macau e na Conservatória do Registo Predial. Ung Vai Meng disse que esses dados “não correspondem aos critérios de classificação para património da Lei de Salvaguarda do Património Cultural”. Wong Ka Fai não concorda com estas declarações. “Há muito património que sofreu várias reparações ou um acréscimo de diferentes materiais. Não se pode negar o valor de um edifício assim, porque os bens imóveis estão ligados a uma comunidade”, disse. Ung Vai Meng disse que ainda vai ser considerada a preservação do painel presente na fachada, da autoria do italiano Oseo Acconci. A associação de Wong Ka Fai defende a manutenção do painel, sendo que este espera que o IC continue com o plano de destinar este edifício a actividades juvenis e ao acolhimento do Conservatório de Música. O presidente do IC admitiu ainda que os especialistas “internacionais e do interior da China” que era suposto terem vindo avaliar a importância do edifício não chegaram a vir “por falta de tempo”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCPU | Pedidos mais limites ao projecto do Instituto Salesiano Os membros do Conselho do Planeamento Urbanístico defendem a preservação do estilo arquitectónico do Instituto Salesiano, por se tratar de um edifício centenário, e exigem limitações ao projecto de reconstrução. O projecto foi aprovado, mas será alvo de alterações [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) debruçou-se ontem sobre o projecto de reconstrução do Instituto Salesiano, na Rua do Padre António, tendo os seus membros apoiado a manutenção do valor histórico de um edifício com mais de cem anos. Pedem, contudo, que o Instituto Cultural (IC) e a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) estabeleçam limitações quanto à reconstrução do projecto. “Muitas escolas optam por reconstruir para terem mais andares, por ser difícil pedir mais terrenos ao Governo. Não sei se as Obras Públicas podem definir mais critérios para a reconstrução. Entendo que a fachada deve ser preservada e deve haver uma harmonia com o Centro Histórico. Não sei se será possível estabelecer limites para manter o estilo arquitectónico. Os próprios requerentes não entendem a história do edifício. O Conselho deve determinar com mais detalhe estas exigências”, apontou Lam Lon Wai, um dos membros do CPU. “Para preservar o edifício de forma global não é fácil”, apontou Lam Iek Chit. “Os estudantes disseram-me que esta escola tem uma história com mais de cem anos. As escadas têm o seu valor próprio e devemos pensar mais sobre este projecto e não dizermos apenas que vamos preservar a fachada”, apontou o também membro do CPU. Acelerar processos Durante o processo de consulta pública foram apresentadas 918 opiniões ao CPU, sendo que algumas falam da necessidade de realização de uma consulta pública caso o projecto seja suspenso. “Falei com alguns professores que me referiram que este projecto existe há sete ou oito anos e penso que o Governo deve acelerar este processo”, referiu Lok Wai Kin. “Há várias formas de manter as condições antigas e claro que esse não é o plano da escola. Mas se não limitarmos eles podem destruir”, avançou outro membro do CPU. Leong Wai Man, representante do IC, apenas referiu que o organismo “avalia o valor histórico” e que vai ser ponderado o seu valor arquitectónico. “Quanto aos pilares e à fachada devem ser mantidos. Deve ser cumprida esta exigência, à frente existe a Igreja de São Lourenço e perto temos a Sede do Governo. Temos de ponderar também em relação ao Centro Histórico de Macau. Se a escola pretender recuperar o estilo não discordamos”, apontou. Raimundo do Rosário, Secretário para as Obras Públicas e Transportes, defendeu a presença do director do Instituto Salesiano na próxima reunião do CPU, sendo que alguns membros defenderam mesmo a realização de uma visita ao local. Apesar das questões levantadas, a maioria dos membros mostrou-se a favor do projecto de reconstrução, tendo o mesmo sido aprovado no seio da reunião, mas será alvo de alterações posteriores, a serem analisadas em conjunto pela DSSOPT e o IC.
Joana Freitas Manchete PolíticaAL | Lei de Congelamento de Bens deu entrada para aprovação Macau vai este ano ser novamente avaliado por autoridades internacionais face à eficácia para congelar bens que ajudem a financiar terrorismo. Sem ter, actualmente, qualquer medida para tal, o hemiciclo já tem nas mãos a proposta de lei que pretende colmatar essa lacuna [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á foi entregue e admitida na Assembleia Legislativa (AL) a proposta de Lei de Execução de Congelamento de Bens. O diploma surge no âmbito de resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para o combate ao terrorismo e da proliferação de armas de destruição maciça, num ano em que Macau volta a ser avaliado pelas autoridades internacionais. O território ainda não tem uma forma eficaz de congelar os bens que possam ser utilizados para fins deste tipo, como admite o Governo – autor da proposta de lei – na nota justificativa que acompanha a entrada do diploma no hemiciclo. Tal foi também já referido em 2007 pela Asia Pacific Group e pelo Group Of International Finance Centre Supervisions. “Nessa altura, a RAEM foi considerada apenas parcialmente cumpridora [das resoluções da ONU]”, pode ler-se no documento analisado pelo HM. “A RAEM será novamente avaliada pela Asia Pacific Group em 2016 no âmbito do sistema de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, incluindo dois dos parâmetros dessa avaliação sobre o cumprimento das resoluções.” Resoluções que passam pela aplicação de sanções financeiras específicas para quem cometer estes crimes e que passam pelo congelamento “sem demora” de fundos ou outros bens de qualquer pessoa ou entidade e que assegurem que não há qualquer tipo de financiamento indirecto para esses fins. Algo que a RAEM não consegue fazer actualmente. “É necessário que o Governo estabeleça, mediante produção legislativa, um regime de execução de congelamento de bens para suprir a insuficiência do ordenamento jurídico interno”, justifica o Executivo. Nas mãos do Chefe A proposta é composta por 33 artigos, que começam por identificar que os fundos em questão poderão ser valores em numerário, cheque, contas bancárias, imóveis, créditos, acções, entre outros bens. O congelamento vai impedir qualquer movimento, alteração ou transferência desses bens e pode ser aplicado a quem quer que esteja na RAEM ou em transportes com matrícula registada no território, às pessoas residentes da RAEM estejam elas onde estiverem, a transferências feitas para, de ou através de Macau e aos bens que estiverem no território. É ao Chefe do Executivo que cabe a decisão de congelar os bens, sendo este, contudo, ajudado por um grupo – a Comissão Coordenadora do Regime de Congelamento – que é, no entanto, escolhida pelo líder do Governo. Mas o sujeito lesado tem também direitos consagrados nesta proposta de lei, que passam, por exemplo, pelo direito à interposição de recurso da decisão de congelamento dos bens. Este recurso é julgado de forma “urgente” e por um tribunal superior. Ainda não há data para que a proposta de lei possa ser analisada e votada pelos deputados, mas ao que o HM apurou a próxima avaliação a Macau – que terá em conta a entrada em vigor desta lei ou, pelo menos, a sua aprovação – está marcada para Julho.
Hoje Macau Eventos MancheteErnesto Dabó, músico, escritor e activista: “Qualquer indivíduo é um produto cultural” Podia ser o Mohamed Dabó, mas para que pudesse ir à escola teve que mudar de nome. Hoje é Ernesto Dabó, convidado do Roteiro Literário, o músico, escritor, jurista, activista cultural e político que deu a conhecer ao Hoje Macau a vida que fez com que faça o que faz [dropcap]A[/dropcap]s histórias têm um início… a cultura na sua vida, como aconteceu? Começou em casa. Os meus pais motivaram-me desde muito cedo para o estudo e então começamos todos em casa a relacionarmo-nos com os livros, com outras esferas da cultura e aí por diante. No meu caso particular, desde muito cedo senti que tinha um gosto especial por estas áreas e em determinado momento já estava a fazer música e depois a escrever e assim por diante. Uma educação motivada para o conhecimento numa família Muçulmana que o pôs a estudar na Missão Católica. Como é que isto aconteceu? Nasci em Bolama, e o meu pai era um indivíduo que tinha a sua visão da vida, tinhas os seus conceitos e o regime colonial não oferecia muitas escolhas, nomeadamente as estruturas escolares. As mais abertas eram as chamadas missões católicas que davam instrução primária. Mas para ser matriculado nessas escolas, para ser aluno tínhamos que praticar a religião cristã: estudar a catequese, ir às missas e inclusivamente o meu nome Ernesto é uma imposição colonial. Naquele tempo, para ser matriculado tínhamos que ter um nome cristão. O que também aconteceu no meu caso. Quando me fui matricular mostrámos o meu nome e disseram que não era possível, quando chegámos a casa o meu pai pegou no nome Ernesto e disse “o importante é que ele vá para a escola”. Houve ainda a particularidade do meu pai nunca ter pressionado ninguém para a sua fé. Admitiu que nós praticássemos a religião que entendêssemos. E o meu caso foi esse, conheci a religião cristã, evolui na mesma até que cheguei a uma altura em que disse “agora não pratico nada”. Agora penso que há qualquer coisa que gere este universo e respeito muito isso, mas o essencial é praticar tudo aquilo que é a recomendação positiva de qualquer religião. Faço questão de fazer da vida um acto de partilha. Enquanto conseguir isso estou seguro que estou bem . Também é conhecido pela sua actividade politicamente interventiva, e em plena época colonial, dirigida à independência. Quando a determinada altura foi para Portugal, já tinha esta consciência? Como é que esta problemática ganhou forma? Quando fui para Portugal ainda não tinha esta consciência, era ainda muito novo, com 13 ou 14 anos. Ela nasce também com a minha família. Na altura estava em Portugal com um irmão meu e ele já percebia o que se estava a passar no país. O meu pai também mais uma vez, foi alguém que estava ligado em Bolama, a essa corrente de pessoas que já estavam a perceber que a libertação nacional era um projecto que tinha que ir para a frente. Associando estas questões comecei a observar o que se passava, a aprender e a ler, e como gostava muito de ler fui aprofundando as coisas. Depois também tive a sorte de ter bons amigos, com quem cresci e que alguns, da classe média portuguesa, eram também gente com uma cultura muito diferente e que me deram muitas dicas no sentido de perceber o que se passava. E depois também era fácil entender que eu era diferente. Sou negro, estou numa sociedade portuguesa, branca, que na altura, por sinal, não era assim tão culta e desenvolvida e juntando o meu carácter e a minha curiosidade em saber o que se estava a passar e porque fui forjando a minha consciência política até ter percebido, “ah, afinal é isto e não tem nada de mal, afinal a prova está aqui e agora compreendemos que afinal estávamos todos no mesmo barco”. Era o fascismo a fazer estragos em Portugal e era o colonialismo a fazer estragos na Guiné e eram combatentes pela democracia em Portugal e combatentes lá também. Gostei imenso de ter vivido este período. Ainda antes do 25 de Abril, e já com essa consciência política, ingressou no exército, na Armada Portuguesa. Como foi para si estar na “trincheira do inimigo”? Sim, foi das coisas mais giras que me aconteceram na vida. Fui recrutado, porque na altura era mesmo assim, mas ( vou-lhe revelar aqui algo que nunca revelei) eu já tinha relações com as estruturas que funcionavam da luta pela libertação. E quando entro para a Marinha, vou, e acontece uma coisa milagrosa – ainda há dias tivemos um almoço em Lisboa para celebrar os 45 anos desse encontro – um capelão da unidade resolveu criar um conjunto musical e como vinha com alguma experiência da Escola Agrícola onde tinha estado, convidaram-me para participar no projecto e participei. Aquilo ganha dimensão e o capelão propôs aos comandos da altura da Marinha para que esse conjunto, chamado “Os Náuticos”, começasse a animar no Ultramar, que fizesse uma digressão . Estava no conjunto como vocalista do grupo e lá no fundo disse “ isto vem mesmo a calhar, vou dar tudo por isto e vou fazer uma tropa de música e assim ninguém me põe a fazer guerra contra mim mesmo. E isso foi no fundo o que fiz, mas essa passagem pela vida militar foi ainda uma escola de vida muito importante para mim. Em que sentido? No sentido, por exemplo, humano! Estamos num período de guerra e as amizades que ganhei nesse período ainda hoje são as maiores amizades que tenho. Depois do ponto de vista da minha consciencialização, essa digressão em que estivemos na Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique, foi aí que, finalmente, conclui esse processo “de tomada de consciência”. No contacto com a realidade. Estava fora da Guiné deste garoto e foi um choque brutal, extramamente interessante. Os meus amigos e os meus colegas da tropa que conhecia bem e que tínhamos confidências, também estavam contra a guerra mas não podiam fazer nada. E chego à Guiné e a guerra está a fazer mal às pessoas que não a querem . Foi um drama humano que não sei explicar. Vivi isto de forma dramática, fechava-me no quarto a pensar “mas, caramba, pessoas amigas aqui, ninguém tem nada contra mim enquanto pessoa e depois vês pessoas que o que têm para fazer é matar”. É das coisas mais absurdas que eu já vi na vida e que me marcou profundamente. Um outro aspecto é que a vida militar permitiu-me amadurecer como homem. Saber que eu devo contar comigo em primeiro lugar. Não tem pai, nem mãe nem irmão, é a tropa. Mas no fundo posso dizer que não me arrependo de nada nessa trajectória porque me valorizou muito. Aliás, em toda a minha vida tenho tido dificuldades e problemas , mas graças a esta escola de vida também tenho sabido saber sair e saber entrar. E tive a sorte de não confundir nada. De separar as águas, por isso é que mantenho as amizades que tenho, que são fraternas. Em 74 regressa à Guiné, e paralelamente inaugura o mercado musical Guineense com os Djorson e o disco “folclore da Guiné…. Antes de regressar, ainda em Lisboa, com uns amigos em Lisboa criámos esse grupo, ainda na tropa. E gosto de criar, não consigo estar sem criar, e naquela altura disse “temos que ter um disco, Angola tem, Moçambique também, todos têm, nós também vamos ter que ter um disco. Então peguei no projecto, ensaiámos, gravámos e fui ter com o meu mais velho Rui Mingas que já tinha uma carteira de relações, era uma figura respeitada e tinha vários contactos. Ele disse que ia ver o que podia fazer, ligou ao Victor Mamede que foi o produtor do nosso disco e gravámos um single com duas canções e foi o primeiro disco da discografia da Guiné. Cobiana Djazz, mais que um agrupamento musical, um projecto multifacetado… Iniciou-se como um agrupamento musical, mas para mim extravasou essa condição, aliás até estou a preparar um ensaio acerca disso que se chamará “ O movimento Cobiana Djazz”. Desencadeou uma série de consequências na nossa vida cultural, quebrou uma série de tabus, o primeiro é que não se cantava em crioulo coisas modernas, uns até diziam que o crioulo não era uma boa língua para cantar e nós começámos a cantar em criolo o que motivou com este projecto a criação de poemas em crioulo e letras para músicas . Os espaços nobres de dança em Bissau alargaram para as periferias, e mais, começou a ser um instrumento de divulgação de várias ideias e influenciou várias coisas da vida da sociedade guineense e pela primeira vez uma cultura urbana estava a ganhar espaço. Passado pouco tempo as canções da Guiné Bissau já estavam a circular pelo mundo fora, transformando-se em mais um veículo da luta que estava a decorrer. Estravazou os limites de uma simples orquestra e tornou-se um movimento cultural. Da sua relação entre as experiências que foi tendo e o que faz… Qualquer individuo é um produto cultural, por isso se quiser fazer arte, se quiser produzir cultura, não há outra reserva, a reserva que tem é aquele que temos em nós. O seu último trabalho escrito “PAIGC: Da Maioria Qualificada à Crise Qualificada” é um um livro político de um homem da política e das artes que (re)olha para o seu país. Como é que o vê, bem como à cultura e à sua importância, nos dias que correm? As nossas crises têm como fundo a alienação, uma crise cultural. No dia em que a nossa elite política começar a reflectir na cultura nacional e com a realidade nacional, tenho a impressão que vai ser mais humilde e mais responsável. Porque às vezes estão com cargos políticos mas a reflectir como se fossem administradores coloniais, e isso choca. “Podem tirar o homem da favela mas não podem tirar a favela do homem”, é isto que sente, mas no que respeita a esse pensamento colonial? É isso! O elemento de dominação mais importante é cultural, faz a pessoa negar-se a si mesma e subjugar-se ao outro, e segui-lo sem saber que tem o seu próprio caminho. E a luta de libertação é um facto de cultura porque rompe com isto e porque permite seguir por ti e para ti.
Andreia Sofia Silva Entrevista Manchete SociedadeRui Zink, escritor : “Acho que Portugal é um país democrático a sério” Findo o século da predominância da cultura americana, assistimos ao brotar da cultura e literatura chinesa. É assim que pensa Rui Zink, escritor português que regressou ao Rota das Letras e que pôde, por fim, descobrir Macau. Sobre o Portugal de hoje, Rui Zink fala de um país que pode ser um “farol de luz e bom senso” em relação à Europa [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]a segunda vez que está neste Festival e este ano teve a oportunidade de ajudar na escolha dos convidados. O meu plano secreto é tomar o lugar do Hélder Beja e do Ricardo Pinto e daqui a dois anos ser eu a fazer o Festival. Mas foi uma grande honra e, pela primeira vez, estou a ver Macau e o Festival. Porque na primeira vez somos peixes de outro aquário. Já me sinto mais dentro e ficarei muito zangado se não me convidarem para uma terceira vez. Macau, e sobretudo a comunidade portuguesa, está a aceitar mais o evento, a participar mais? Não posso comparar as cinco edições, mas posso dar como exemplo o maior evento do género em Portugal, que é o Festival Correntes D’Escritas, que levou dez anos até se tornar no menino querido das gentes do norte e dos jornais. Um festival leva tempo a crescer e penso que este [Rota das Letras] tem elementos base para ser um grande festival. Tem escritores variados, participação com instituições locais e idas às escolas, que são fundamentais. Tive a oportunidade de ler muitos livros de autores que conheci aqui, como é o caso de “I love my mum”, de Chen Xiwo. Fiquei espantado com a sua franqueza. Tinha aquela ideia de que os chineses são delicados de mais e nós, portugueses, é que somos directos. Acho que nós portugueses é que somos pouco directos. A literatura chinesa está a tomar as rédeas da literatura mundial e vai ser cada vez mais falada? Os escritores chineses estão a começar a ter essa garra para escrever sobre outros assuntos? É natural que tenham. Há um mito muito simpático, que é o dizer que a arte está contra a política e a economia. É mentira. Se há coisa que a história prova é que esse bonito mito é uma fraude. O poder da arte acompanha o poder económico e político. Passámos metade do século XX a ver cinema americano, a ler literatura americana e a ouvir música americana. O século XX foi o século americano. A cultura resiste enquanto o dinheiro dura e isto é um facto. Agora falo do século chinês. Que é este que está agora a começar. Sim. Está a começar e não tem mal nenhum, porque já houve um século português. Temos é de ser sexy, seja quando estamos por cima ou por baixo. Há uma grande curiosidade, os [autores chineses] começam a ser traduzidos, a China é um gigante. Mas os escritores americanos do princípio do século liam literatura francesa e inglesa, os clássicos, e assimilaram. Neste momento o que vejo em muitos escritores traduzidos [é que] já escrevem usando os truques dos escritores que lêem. Tenho um livro que está aos poucos a ser traduzido pela Europa fora: “A instalação do medo”. E é interessante porque saiu agora na Alemanha e vai sair em França e cada país vê aquela história de forma diferente. Este livro foi traduzido porque diz algo ao gosto francês e alemão. Há livros meus que são muito inteligentes e que não podem ser traduzidos, porque em Alemão, por exemplo, os leitores não iriam compreender. Os seus livros conseguem ser compreendidos em Chinês? Sim. Tenho os elementos de humor e franqueza que o público chinês adoraria ler. [quote_box_left]“Tinha aquela ideia de que os chineses são delicados de mais e nós, portugueses, é que somos directos. Acho que nós portugueses é que somos pouco directos”[/quote_box_left] Falta humor na China, na literatura? Não, pelo contrário. O que acho é que o humor é muito difícil de traduzir. É eminentemente cultural. Escrever em Portugal é mais difícil nos dias de hoje? Porque é que haveria de ser mais difícil? Por questões económicas e sociais. Há uma censura escondida? Não. Usar a censura como desculpa para não escrever é uma cobardia. É como se o escritor desistisse? Escrever é a única arte em que não dependemos dos poderes, é papel e caneta. Depois o que há é preguiça ou trabalho. Mas a crise económica trouxe constrangimentos ao mercado editorial. Há, e é natural, um maior fechamento do mercado editorial, quer a nível de livros e de distribuição, quer a nível de jornais. Houve jornalistas despedidos e há menos gente a ganhar dinheiro a escrever para jornais. Mas isso não tem a ver com censura. Se fosse jornalista sentia-me censurado e perseguido, por estarem a dar cabo do meu ganha-pão. Mas não sou jornalista, e como sou escritor, não posso usar o argumento da censura económica para escrever o que me apetece. [quote_box_right]”Quando a porcaria da Europa tiver 200 anos seguidos de paz, nem que seja no seu território, então começa a ter autoridade moral. Acho muita presunção e pouca água benta a Europa como dadora de lições a este encantador adolescente chamado China”[/quote_box_right] Sobre a questão de, em Portugal, mostrarmos aquilo que o turista quer… Em Lisboa vão fechar bares que fazem parte da sua geração, como o Jamaica e o Tóquio. Catarina Portas, empresária, fez há dias uma forte crítica sobre o fim de negócios tradicionais na cidade. A Lisboa que conheceu e que está no imaginário de muita gente está a desaparecer? Não. Não gosto de muitas coisas que estão a acontecer. Mas havia mais coisas na minha infância que não gostava que estivessem a acontecer. Nasci no Bairro da Pena e aí as varinas andavam descalças. As pessoas atiravam urina para a rua. Lisboa cheirava a mijo e as pessoas escarravam na rua. Na casa onde morava não havia casa de banho, havia uma pia e um penico e tomávamos banho uma a duas vezes por semana. Não havia água quente. Vendo as coisas cruamente, a minha infância foi maravilhosa, mas foi em ditadura. A nostalgia é sempre perigosa. O Jamaica vai fechar, tenho pena, mas a verdade é que só já ia ao Jamaica uma vez por ano e era quando estava muito bêbedo. Gosto muito do Jamaica, há algumas memórias minhas que se vão perder, mas amigos meus morreram e isso é muito mais grave. A natureza da vida humana é desaparecermos um dia. Chateia-me os tuk tuk, mas chateavam-me mais as varinas irem para casa descalças, para sítios que não eram casas. Participou numa palestra que tenta estabelecer uma comparação entre a Revolução Cultural na China e o 25 de Abril em Portugal. Que ligação é possível estabelecer aqui? (Risos). Se há uma coisa que este debate prova é que uma palavra pode ser usada para dizer uma coisa e o seu contrário. Obviamente que a Revolução dos Cravos foi boa, talvez não tenha sido para muita gente, mas para mim foi maravilhosa. A verdade é que a minha imagem da revolução portuguesa é isto: é termos uma democracia que funciona e uma sociedade onde não damos tiros uns nos outros. Acho que somos um país democrático a sério, se calhar um dia seremos um farol de democracia e bom senso na Europa. Já estivemos mais longe. Neste momento somos um país menos estúpido do que a França, porque somos mais tolerantes com o casamento gay, por exemplo. Sabemos construir um Governo, coisa que os idiotas dos espanhóis não conseguem (risos). Em Portugal temos um Governo que funciona. Como é que se forma um Governo? É contar o número de deputados, só isso. Não nos tornámos um país fechado e perigoso como a Hungria. Neste momento Portugal é um farol de luz e bom senso na Europa e talvez no mundo. E os portugueses têm essa percepção? Está aqui um português que tem. A revolução portuguesa deu-nos um país normal. Tanto quanto sei, a Revolução Cultural na China foi uma experiência que correu mal, um acto de violência, que tem a ver também com o espírito do tempo. O importante aqui é não repetir os erros. A Alemanha é hoje um dos países menos racistas do mundo e, no entanto, há 70 anos fizeram umas chatices, houve uns desacatos e alguns exageros. Os países devem olhar de frente para os seus erros, para não os repetir tão cedo. Talvez a China não os queira voltar a repetir. Não sou um especialista em China e não venho aqui dar lições de moral. Vejo com muita atenção o que se passa na China e vejo contradições diferentes daquelas que se passam em Portugal. Mas claro, é um bicho diferente. Mas todos temos contradições e ninguém tem tantas como os agentes culturais. Nós europeus temos de ter muito cuidadinho quando damos lições de moral e quando dizemos aos outros: “porque não fazem a paz?”. Quando a porcaria da Europa tiver 200 anos seguidos de paz, nem que seja no seu território, então começa a ter autoridade moral. Acho muita presunção e pouca água benta a Europa como dadora de lições a este encantador adolescente chamado China.
Filipa Araújo Manchete SociedadeLíngua Portuguesa | Mais de 30 turmas encerradas na UM O jornal Plataforma avança que há menos cursos, menos docentes e mais pressões no ensino da Língua Portuguesa na Universidade de Macau. A instituição tenta justificar-se e diz que tudo é “normal” [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Universidade de Macau (UM) terá, afinal, encerrado mais de três dezenas de cursos de Português. A notícia é avançada pelo semanário Plataforma, que indica que, do primeiro para o segundo semestre do ano lectivo em curso, encerraram 35 turmas de Português como disciplina obrigatória do regime de General Education. A UM disse no início do ano que pretendia terminar com a disciplina opcional de Língua Portuguesa e, depois da polémica estalar, o Governo veio tranquilizar a sociedade afirmando a pés juntos que a aposta na língua de Camões é prioritária. Contudo, o semanário assegura que houve outros encerramentos. “No que toca aos cursos opcionais, de fora ficaram 70 alunos que já tinham feito a pré-inscrição e que, com o encerramento de seis turmas, tiveram de escolher outra cadeira. Apesar da UM garantir que tudo está dentro da normalidade, fontes da publicação admitem mudanças estruturais dentro do departamento, alterações como a não contratação de docentes em tempo parcial e a redução do número de horas a outros [professores].” Mudanças que, segundo as fontes do jornal trouxeram “instabilidade” e “excesso de trabalho e pressão”. Feitas as contas, neste momento existem 252 alunos a estudar Português, seja em “minor” – em aulas que não pertencem à licenciatura – seja em General Education. Mas, avança o Plataforma, poderiam existir mais 70 alunos a frequentar o curso, não tivessem visto negada a sua oportunidade para estudar Língua Portuguesa por, alegadamente, não existirem turmas suficientes. Tudo normal Em resposta ao HM, a UM garante que “todas as disciplinas ministradas no semestre da Primavera de 2016 são as que foram planeadas e propostas pelo Departamento de Português e aprovadas pela Faculdade, em Novembro de 2015, de acordo com a estimativa do número de estudantes a inscreverem no respectivo semestre”. “A UM não cancelou, nem cancelará, qualquer disciplina ou turma de Português, sem cumprir os respectivos requisitos e processos”, escreveu numa resposta ao HM. Para Fernanda Gil, directora do Departamento de Português da UM, a queda no número de cursos é algo natural. “Sempre reduzimos no segundo semestre o número de cursos, porque os nossos alunos do terceiro ano [da licenciatura] vão para o estrangeiro. Temos sempre menos cursos do que no primeiro [semestre]”, cita o jornal. Relativamente às mudanças no departamento, a directora indica que tudo não passam de decisões estratégicas. “Tem a ver com os recursos que temos e como podemos geri-los”, explicou ao semanário, acrescentado que os docentes a tempo parcial não se podem “dedicar da mesma maneira” do que uma contratação a tempo inteiro permite e, por isso, o departamento quer ter o “menor número possível destes docentes”. Ainda assim, a UM esclareceu ao HM que “na Primavera de 2016 foram canceladas três turmas devido à falta de número de estudantes inscritos”, sem conseguir explicar os 70 alunos pré-inscritos, a quem foi negada a participação no curso. Ao jornal, a directora do Departamento diz ainda que são precisos mais recursos, a tempo inteiro, a todos os níveis. “Queremos bons docentes jovens, mas também professores [doutorados], sobretudo se queremos ajudar os docentes da China continental [a ensinar Português] a crescer nas suas carreiras”, cita. Fernanda Gil justifica ainda a não renovação dos serviços de alguns docentes em tempo parcial devido à menor necessidade do ensino de Português no curso de Direito. Plataforma de esforço Questionado sobre o assunto pelo HM, o Gabinete para o Secretário para os Assuntos Sociais, Alexis Tam, garantiu que “tem vindo a exigir às instituições do ensino superior públicas para se envolverem mais no projecto de transformar Macau num centro de excelência na formação da Língua Portuguesa”, apoiando e promovendo o desenvolvimento do ensino do Português. Em contrapartida, também a UM assegura o reforço a investimento na língua de Camões. “A UM está sempre disponível para fazer o seu melhor esforço para contribuir para o ensino de Português em Macau e continuará a dedicar-se à formação de quadros bilingues em Chinês e Português, contribuindo assim para a implementação da política nacional ‘uma faixa e uma rota’ e para o reforço do papel da plataforma no intercâmbio cultural entre a China e o mundo lusófono”, refere.