Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTimor-Leste | Recordações da vida de um homem reflectem a resistência de um povo O livro “Regresso a Uaidora, a infância e juventude de Domingos Gusmão” relata os testemunhos do timorense sobre os anos da resistência de Timor-Leste à ocupação indonésia. O testemunho foi escrito em Macau pelo ex-residente e professor universitário Duarte Trigueiros. 50 anos depois da ocupação, o autor recordou ao HM a obra lançada em 2022 Este ano tem sido marcado pelas celebrações de aniversários dos 50 anos de independências de muitas antigas colónias portuguesas. Timor-Leste foi a um desses territórios. Porém, logo a seguir à proclamação unilateral da independência, em 28 de Novembro de 1975, seguiu-se um período de confronto que culminou com a ocupação indonésia, a 7 de Dezembro do mesmo ano. Este domingo passaram 50 anos da invasão que marcou o destino do jovem país. A propósito dessa data, saiu, em 2022, o livro “Regresso a Uaidora, a infância e juventude de Domingos Gusmão”, que revela a história do timorense, que foi estudante em Macau e aluno do autor Duarte Trigueiros, ex-economista e professor na Universidade de São José. O HM falou com o autor sobre o reflexo da dor e luta pela autodeterminação de um povo que se vislumbra na vida de um homem e da sua família. “Quando ensinava em Macau recolhi o testemunho desse timorense de Baucau. Domingos Gusmão, sabendo que tinha ensinado na Universidade Nacional de Timor-Leste durante vários anos, contou-me como ele e a sua família viveram todos esses terríveis acontecimentos”. Nasceu assim o livro, sendo que Trigueiros foi meramente relator do testemunho, depois corrigido em parceria com Domingos Gusmão. A obra tem apenas versão online, mas na altura do lançamento contou com o apoio da Fundação Oriente na impressão de alguns exemplares. Matebian, Timor-Leste O contacto de Duarte Trigueiros, que viveu vários anos em Macau, com Domingos Gusmão deu-se na Festa da Lusofonia, em 2015. “Fui à barraca de Timor-Leste e ele disse-me que tinha coisas interessantes para me contar, mas que não conseguia falar bem português, e que gostava de deixar o seu testemunho escrito. A dada altura propus fazer-lhe perguntas a partir da sua infância, como era a vida na aldeia, e assim nasceu o livro, com nove capítulos.” O início da obra descreve, “pelos olhos de uma criança, o dia-a-dia dos agricultores das montanhas de Baucau em Timor-Leste, a determinação como reagiram à invasão do seu país em 1975 e a brutal repressão que se seguiu”. “O livro acompanha não apenas a vida dele, mas também da família e dos poucos que restaram. Acabou por não restar praticamente ninguém”, descreve Duarte Trigueiros. Segundo a obra, Domingos Gusmão terá nascido a 1 de Novembro de 1969 na aldeia de Uaidora, pertencente ao município de Baucau, filho de Julião, agricultor, e Juliana, doméstica. “Mas só o local onde nasci está correcto. A data de nascimento não passa de uma conjectura e os nomes que aparecem na certidão como sendo os meus pais, Julião e Juliana, também não são os de meu verdadeiro pai e mãe, mas de parentes que me adoptaram quando fiquei órfão. Na verdade, sou filho de Martinho Gusmão, cujo nome de código foi ‘Maunoco’ e era o chefe da aldeia Uaidora até à sua morte em 1983; e a minha mãe foi Ricardina, a segunda mulher de Martinho Gusmão, aquela que lhe deu descendência.” Assim começa a história de Domingos. A ida para Baucau A obra relata anos muito difíceis, de fugas de milhares de timorenses para o mato para escapar aos indonésios, organizando a luta armada. Um dos capítulos, destaca Duarte Trigueiros, relata como Domingos e familiares “foram deportados e ficaram sem qualquer tipo de apoio, sem médico ou comida. “Morreu uma quantidade enorme de gente nessa altura, até inícios dos anos 80, e eles [a família de Domingos Gusmão], já no sítio onde estavam a cultivar a terra, começaram a ter frutos da terra, e a enviar crianças para a escola. Este rapaz [Domingos Gusmão], durante esse tempo, começou a preparar-se para ir para Baucau estudar, algo que não era fácil, pois era preciso arranjar um lugar, e havia muitas crianças.” Domingos e Xanana Gusmão É aí que a família decide sair da aldeia e ir para Baucau, encontrando empregos “ao serviço da tropa, dos juízes, enfermeiros e médicos”, que lhes valeram os primeiros contactos com a resistência timorense. “Ele [Domingos Gusmão] começou a organizar aquilo a que chamam uma frente clandestina com os colegas. O livro relata todas essas peripécias que revelam, claramente, como funcionava a resistência. Este rapaz sentiu depois vontade de continuar os estudos e fez uma candidatura a um seminário católico”, lembrou Duarte Trigueiros. A ligação à religião católica não era um acaso. “O propósito era ir para fora, porque a única coisa que os indonésios respeitavam realmente era a Igreja Católica, não respeitavam mais nada. E ele foi-se embora, esteve uma quantidade de anos a formar-se. Esteve nas Filipinas, onde também participou em actividades da resistência, e voltou já feito padre, em 2012.” Escrever este livro importava para Domingos Gusmão pois ele “queria referir os nomes dos comandantes [timorenses] da primeira fase, quando a tropa indonésia entrou por Baucau, para o interior, e houve uma quantidade grande de comandantes da resistência que se opuseram, quase sem armas, e foram mortos”. “Quando me falou desse assunto, insistiu muito, disse-me ‘Escreve aí o nome do comandante tal’. Tudo para os nomes não caírem no esquecimento”, recordou. “O que ele me disse é que hoje em dia, em Timor-Leste, as pessoas estão a compensar os membros da resistência que estão vivos, mas há muitos mortos que deram a vida por isso e estão a ser esquecidos. Mas este livro fala também de tudo a nível pessoal, do que aconteceu ao tio, de como o pai morreu nessa fase, atirado ao chão, com uma coronhada, com pontapés, porque se recusou a aceitar uma ordem e atiraram-no ao chão. Ele era chefe da aldeia e tinha de aceitar a ordem [dos indonésios], mas recusou”, frisou Duarte Trigueiros. Para o autor, a obra conta “uma versão mais verdadeira” daquilo que foi a ocupação indonésia, e muito concretamente sobre as experiências da povoação de Uaidora e do interior do país. No livro, lê-se o testemunho de Domingos sobre esta fase de resistência em Baucau, a partir de 1986. “Eu devo o meu alistamento na resistência às frentes clandestinas e também ao meu colega Domingos de Oliveira. (…) Poucas semanas depois, a 16 ou 17 de Setembro de 1991, celebrava-se o centenário da catedral de Díli e os jovens foram convidados a participar. De Baucau partiram 14 camionetas cheias de adolescentes e eu era um deles. No dia seguinte, durante o regresso, apareceram bandeiras da FRETILIN e todos nós cantámos hinos à independência. Ao passarmos em Manatuto a tropa mandou-nos parar, mas depois disseram-nos para seguirmos; e já à entrada de Baucau, antes do aeroporto, a estrada encontrava-se bloqueada e fomos cercados por um forte dispositivo militar. Só carros de assalto eram três!” Gusmão prossegue o relato deste momento tenso. “Depois de nos terem assim encurralado, a tropa, com os carros de assalto do lado direito, ocupou o lado esquerdo. As 14 camionetas ficaram alinhadas com o dispositivo militar, o qual tinha as armas em posição, prontas a disparar. Eram como um pelotão de fuzilamento muito comprido. Ali ficámos, com todas aquelas armas apontadas para nós, em silêncio enquanto o tempo decorria e nada acontecia.” Apoio de portugueses Duarte Trigueiros e Domingos Gusmão foram mantendo contacto, mas um AVC tirou qualidade de vida ao timorense. “Quase não me responde aos emails. Talvez tenha outra visão da vida”, confessa o autor. Outra perspectiva que a obra dá, segundo Trigueiros, é o posicionamento das autoridades portuguesas nos anos da ocupação indonésia, afastando a ideia de que tenha havido abandono depois da independência. “Limito-me a mostrar aquilo que o Domingos me disse, e ele disse-me que muitos dos comandantes da resistência tinham sido militares portugueses e que, por isso, sabiam manejar armas. Disse-me, além disso, que eram extremamente patriotas. Há o relato de que nos anos 90 tentaram conseguir de Portugal um telefone satélite para entregar à resistência, e há referências ao apoio da Embaixada de Portugal em Manila. Acho que ficámos bem na fotografia”, conclui. Duarte Trigueiros deu aulas em Timor entre 2004 e 2009, onde encontrou um ensino superior muito fraco. “Os alunos praticamente não sabiam português e nós tínhamos de ensinar em português. Só isso já era um grande esforço. Em geral, os alunos eram fracos, estavam muito mal preparados. A preparação [educativa] dos indonésios tinha sido de baixo nível, pois havia discriminação dos alunos por serem timorenses. O livro descreve isso, como só os bons alunos tinham direito a subir, digamos assim, e isso nem sequer significava ir para a universidade.” Ainda assim, Duarte Trigueiros destaca a formação “de uma boa quantidade de pessoas, engenheiros, licenciados em Direito, economistas”. “Deu muito trabalho e esse foi o grande apoio que Portugal conseguiu dar”, acrescentou. Hoje, o ex-economista diz que os timorenses olham para os portugueses com imensa gratidão. “É espantoso, pois quando vamos numa rua com um australiano, eles desprezam o australiano e não falam com ele, mas com o português cobrem-no com todo o tipo de carinho. Isso acontece muitíssimo em Timor-Leste”, rematou.
Hoje Macau Grande PlanoEvolução | Genomas africanos apontam origens da espécie humana O Homo sapiens existe há pelo menos 300 mil anos, mas a sua origem exacta permanece desconhecida e um novo estudo afastou a hipótese de que este evoluiu na África Oriental e se expandiu para sul. O estudo, baseado na análise de genomas antigos de pessoas que viveram desde a Idade da Pedra – há 10.200 anos – até há 150 anos no sul de África, defende que um grupo de indivíduos viveu em isolamento parcial durante várias centenas de milhares de anos. Ao analisar os seus genomas, os investigadores encontraram adaptações genéticas que provavelmente moldaram o H. sapiens enquanto espécie. Os detalhes do estudo – o mais abrangente até à data sobre o ADN africano antigo – conduzido por investigadores da Universidade de Uppsala (Suécia) e da Universidade de Joanesburgo, foram publicados na quarta-feira na revista “Nature”, noticiou a agência Efe. “Há muito que sabemos que a África Austral era habitada (…). Podemos agora demonstrar que o Homo sapiens existiu e evoluiu na África Austral durante um longo período e que esta região desempenhou um papel significativo na evolução humana, talvez o mais importante de todos”, realçou Mattias Jakobsson, geneticista da Universidade de Uppsala e principal autor do estudo. A equipa analisou os genomas antigos de 28 indivíduos da África Austral e comparou-os com os dos seus contemporâneos de outras partes do mundo. Descobriram que os habitantes da Idade da Pedra da África Austral viveram isolados durante um longo período. “Este grupo parece ter permanecido geneticamente isolado durante pelo menos 200 mil anos, e só há cerca de 1.400 anos começam a surgir vestígios claros de fluxo genético dentro deste grupo, quando o ADN de indivíduos da África Oriental e Ocidental começa a aparecer em indivíduos da África Austral”, explicou Jakobsson. Embora nenhum novo grupo tenha migrado para a África Austral antes de há cerca de 1.400 anos, os dados genéticos sugerem que os membros da população do sul migraram para norte durante determinados períodos climáticos. De facto, material genético — datado de há cerca de 8.000 anos — desta população do sul foi encontrado em indivíduos do actual Malawi, sendo possível que as migrações do sul também tenham ocorrido anteriormente. Técnicas e variações Uma grande parte dos restos humanos analisados foi encontrada no Abrigo Rochoso do Rio Matjes (África do Sul), um sítio arqueológico com vestígios datados de há aproximadamente 10.000 a 1.500 anos. Este sítio revelou ainda ferramentas distintas de cada período histórico, confeccionadas com diferentes técnicas. No entanto, os indivíduos são geneticamente praticamente idênticos ao longo de todo o período, ou seja, não há evidências de imigração ou de troca populacional, “exactamente o oposto do que aconteceu na Europa, onde as mudanças culturais tendem a coincidir com as migrações populacionais”, analisou Jakobsson. No estudo, os investigadores identificaram 79 variantes de ADN exclusivas do Homo sapiens, distintas das que se encontram nos neandertais, denisovanos, chimpanzés e gorilas. Sete destas variantes, relacionadas com a função renal, estavam “claramente sobre-representadas”. Os autores acreditam que estas variantes estão ligadas à capacidade humana única de arrefecer o corpo através do suor, o que requer uma boa capacidade de regular o equilíbrio hídrico do organismo. Encontraram também variantes envolvidas no sistema imunitário e no crescimento neuronal. Mais de 40 por cento destas variantes estão associadas a neurónios e ao crescimento cerebral, sugerindo um papel na evolução cognitiva. Além disso, vários genes foram ligados à atenção, uma capacidade mental que pode ter evoluído de forma diferente no Homo sapiens em comparação com os neandertais e os denisovanos.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteIncêndio em Hong Kong | Equacionado futuro dos andaimes de bambu O incêndio em Tai Po gerou um debate em torno dos andaimes em bambu, uma tradição que já corria riscos de extinção devido à falta de novos trabalhadores especializados. O arquitecto Nuno Soares acredita que, antes de se questionar a segurança do bambu, é preciso reforçar a fiscalização do uso ilegal de materiais inflamáveis Pode uma indústria já de si em risco de extinção desaparecer mais rapidamente do que se julgava, devido ao trágico incêndio de Hong Kong? A questão tem-se levantado desde que, na passada semana, um grande incêndio num complexo residencial em obras, na zona de Tai Po, resultou em, pelo menos, 159 mortos, segundo o balanço mais recente. Os arranha-céus tinham andaimes em bambu e outros materiais inflamáveis usados no processo de construção. Na sexta-feira, as autoridades de Hong Kong concluíram que o incêndio foi agravado devido aos andaimes de bambu e painéis de isolamento de espuma inflamáveis. Além disso, o chefe dos bombeiros de Hong Kong, Andy Yeung, corroborou o que muitos testemunhos entrevistados pela AFP afirmaram. “Constatámos que os sistemas de alarme nos oito edifícios não estavam a funcionar correctamente”, afirmou. Segundo noticiou a agência Lusa, o relatório, ainda de peritagem preliminar, concluiu que os materiais utilizados em obras contribuíram para que as temperaturas fossem mais elevadas. “Com base nas informações iniciais que temos, acreditamos que o fogo começou na tela de protecção (material de plástico para proteger contra propagação de pós e queda de objectos) localizada na parte externa dos andares inferiores (…), e subiu rapidamente devido aos painéis”, que protegiam as janelas, disse o chefe de segurança da região administrativa especial vizinha, Chris Tang. Ao HM, o arquitecto Nuno Soares, ligado ao estudo da construção em bambu, e que tem lutado pela sua preservação, considera que antes de se apontarem culpas ao material, é preciso reforçar a fiscalização dos estaleiros. “Sabemos que o bambu é de difícil ignição. Ou seja, o bambu arde, mas é difícil de arder e, quando o faz, a combustão é lenta, e é fácil combater [um eventual incêndio]. Agora quando existe uma rede à volta, que não é à prova de incêndios, tudo incendeia muito rapidamente, não é? Já há dados conhecidos [do incidente], e sabemos que os andaimes eram, efectivamente, de bambu, mas existia uma rede de plástico à volta que não era à prova de incêndios, além do uso de esferovite para tapar as janelas, que é um material altamente inflamável”, destacou. Nuno Soares referiu ainda a ocorrência, em Tai Po, “de problemas com o sistema de detecção e combate aos incêndios no próprio edifício, feito nos anos 80, e que já estava desactualizado”. “Também são conhecidos vários problemas na fiscalização, e com os dados que temos não conseguimos concluir, de forma sumária, que o bambu foi o fio condutor desta situação, e temos de ser rigorosos nesse tipo de análise”, acrescentou. Desta forma, Nuno Soares considera que é preciso cautela e não entrar em análises simplistas ou precipitados. “Não podemos, com os dados que temos neste momento, dizer que o bambu não tem responsabilidade nenhuma”. “Se existisse aquela rede de nylon em volta de andaimes de metal teria acontecido uma situação muito semelhante, porque a propagação do incêndio se faria por essa rede e depois através da esferovite das janelas. Os regulamentos de segurança contra incêndios já são bastante rigorosos em Macau e Hong Kong, mas onde acho que há campo para melhorar, é na fiscalização”, disse. Uma questão material O jornal Global Times escreveu na segunda-feira sobre as dificuldades que existem em acabar, em pouco tempo, com a construção de andaimes em bambu. Num artigo intitulado “Tradição sob fogo”, lê-se que “alguns defensores argumentam que os andaimes em bambu, como técnica tradicional de construção, são de baixo custo, flexíveis de montar e desmontar, e especialmente adequados aos espaços apertados dos bairros urbanos antigos”, existindo “vozes contrárias que se focam nos riscos de segurança”. Citado pelo mesmo jornal, Lee Kwong-sing, presidente do Instituto de Profissionais de Segurança de Hong Kong, referiu que, dado as informações disponíveis, “os materiais inflamáveis nas paredes externas incendiaram as redes de segurança, e não o bambu em si”. Demonstrando uma posição semelhante a Nuno Soares, o responsável adiantou que “mesmo que tivessem sido usados andaimes metálicos, as redes de segurança seriam necessárias, e se os materiais inflamáveis não fossem removidos, o risco de incêndio não mudaria muito”. Zhao Shixing, engenheiro-chefe do Instituto Provincial de Design e Pesquisa Arquitectónica de Sichuan, disse ao Global Times que as fraquezas do bambu residem na sua segurança e estabilidade, pois o bambu cru e não tratado tem classificação de combustibilidade B2 segundo os padrões da China, e pode incendiar facilmente quando exposto a outros materiais inflamáveis. Zhao disse, portanto, que “essa vulnerabilidade ficou totalmente exposta nesse incêndio”. Segundo o jornal estatal, já em 1994 as autoridades da vizinha cidade de Shenzhen tinham proibido o uso de bambu, sendo que em Janeiro de 2022 o Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano-Rural do país proibiu o uso de “andaimes de bambu (ou madeira)” em obras de construção e engenharia municipal em todo o país. Difícil apagar a tradição Nas regiões administrativas especiais, a construção de andaimes em bambu continua a ser uma realidade, apesar da alegada falta de pessoal mais jovem interessado em aprender a técnica. Nuno Soares destaca que a técnica “está muito enraizada”, por “existir há décadas em Macau e Hong Kong”, sobrevivendo devido à versatilidade e por ser adaptável às condições climatéricas locais. O arquitecto realça também entre os factores decisivos para o uso do bambu a “mão-de-obra e tipo de construções em elevada altura que se fazem em Macau e Hong Kong”. Logo nas horas a seguir ao acidente, as autoridades de Macau realizaram uma série de inspecções a estaleiros de obras, além de terem organizado dezenas de palestras a alertar para os riscos de incêndios. Tal postura foi “sábia e preventiva”. “Não se retiraram os andaimes em bambu, mas sim as redes que são inflamáveis e que estavam em vários prédios em Macau. O que temos de fazer é mais testes, ou seja, não basta termos o certificado do fabricante a dizer que aquele material é à prova de incêndio. A fiscalização tem de ser mais rigorosa.” “Um dos motivos pelos quais acho que os andaimes de bambu tiveram tanto sucesso ao longo da história recente de Macau e Hong Kong é por serem seguros, no sentido de resistirem bem a ventos e tufões, e protegerem os trabalhadores que usam elementos de protecção”, frisou o arquitecto. De modo geral, Nuno Soares diz que “não faz sentido” uma proibição súbita, e total, do uso do bambu na construção de andaimes. “Tendo em conta os dados que temos, essa medida de impedir a construção em bambu não faz sentido.” Quando o fogo ainda estava longe de ser extinto, a polícia já tinha anunciado a detenção de três suspeitos de “negligência grosseira” após a descoberta de materiais inflamáveis abandonados durante os trabalhos, que permitiram ao fogo “propagar-se rapidamente” devido ao vento forte. As investigações prosseguem. Citado pela CNN, Xinyan Huang, professor associado da Universidade de Hong Kong, declarou que o bambu é “definitivamente um material inflamável”. “Esta época é muito seca em Hong Kong, então a possibilidade de combustão do bambu é muito elevada. Uma vez a combustão feita, o fogo propaga-se muito rapidamente”, rematou. Numa nota conjunta do Corpo de Bombeiros, Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana, Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e Instituto para os Assuntos Municipais, de sexta-feira, o Executivo da RAEM disse estar “extremamente atento ao grave incêndio que ocorreu recentemente na região vizinha”, mas não revelou se vai ou não proibir o uso de bambu. “Após verificação dos equipamentos de combate a incêndios, gestão do armazenamento de substâncias perigosas e vias de evacuação de emergência, todos cumpram os requisitos de segurança aplicáveis.” Além disso, e mencionando dados estatísticos mais recentes, lê-se que “existem actualmente cerca de 566 estaleiros de obras em Macau, dos quais, mais de 60 envolvem obras com andaimes”, ficando a promessa de realização de “inspecções intensivas a todas as obras com andaimes, exigindo-se aos empreiteiros o cumprimento rigoroso das suas responsabilidades de prevenção de incêndios”. Porém, o Executivo admitiu ontem poder vir a substituir os andaimes em bambu pelos de metal, mas apenas se houver “consenso social” entre a população e as construtoras, disse Mak Tat Io, subdirector dos Serviços de Solos e Construção Urbana.
Hoje Macau Grande PlanoOCDE | Economia mundial deve abrandar para 2,9% em 2026 A OCDE prevê que o crescimento da economia mundial abrande em 2026, ao passar de 3,2 por cento este ano para 2,9 por cento no próximo, com a actividade económica a enfrentar “perspectivas frágeis”, associadas ao impacto das tarifas no comércio global. No relatório Perspectivas Económicas, divulgado ontem, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) aponta para uma moderação na trajectória do Produto Interno Bruto (PIB) a nível mundial, com o crescimento a abrandar dos 3,3 por cento registados em 2024 para 3,2 por cento em 2025 e para 2,9 por cento em 2026, seguido de uma “pequena recuperação” para 3,1 por cento em 2027. “O crescimento deverá abrandar durante o segundo semestre deste ano [de 2025], à medida que a antecipação da actividade se desenrola e as taxas alfandegárias efectivas mais elevadas sobre as importações para os Estados Unidos e para a China se reflectem nos custos das empresas e nos preços finais dos produtos, prejudicando o investimento e o crescimento do comércio”, descreve a organização. “As projecções baseiam-se no pressuposto técnico de que as tarifas bilaterais anunciadas em meados de Novembro se manterão durante o resto do período de projecção, apesar dos desafios jurídicos em curso nos Estados Unidos”, ressalva. Na introdução do relatório, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, sublinha que “a economia global tem-se mostrado resiliente este ano, apesar das preocupações com uma desaceleração mais acentuada na sequência do aumento das barreiras comerciais e da significativa incerteza política”. No entanto, avisa que o aumento dos direitos aduaneiros deverá conduzir “gradualmente a preços mais altos, reduzindo o crescimento do consumo das famílias e do investimento das empresas”. “Essas perspectivas continuam frágeis”, avisa o responsável máximo da organização, vincando que se se verificar um aumento das tarifas, é expectável que esse movimento cause “danos significativos às cadeias de abastecimento e à produção global” e exista o risco de as elevadas avaliações de ativos, feitas “com base em expectativas otimistas de lucros empresariais” impulsionados pela Inteligência Artificial (IA), levarem a “correções de preços potencialmente abruptas”. Ásia em alta No documento, a OCDE nota que “a elevada incerteza geopolítica e política também continuará a pesar sobre a procura interna em muitas economias”, prevendo-se que as economias emergentes da Ásia continuem a ser as “responsáveis pela maior parte do crescimento global”. Para os Estados Unidos da América, a OCDE prevê que o crescimento do PIB seja de “2,0 por cento em 2025, 1,7 por cento em 2026 e 1,9 por cento em 2027”. A China deverá crescer 5,0 por cento em 2025, 4,4 por cento em 2026 e 4,3 por cento em 2027. Na segunda economia mundial, diz a organização, “o fim da antecipação das exportações, a imposição de taxas aduaneiras mais elevadas às exportações para os Estados Unidos, o ajustamento contínuo no sector imobiliário e o enfraquecimento do apoio orçamental deverão reduzir o crescimento”. O crescimento da zona euro “deverá abrandar ligeiramente, passando de 1,3 por cento em 2025 para 1,2 por cento em 2026, antes de aumentar para 1,4 por cento em 2027, com o aumento das fricções comerciais a ser compensado pela melhoria das condições financeiras, pelos gastos de capital contínuos dos fundos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, e pela resiliência dos mercados de trabalho”, refere a OCDE.
Andreia Sofia Silva Grande Plano ManchetePlano Quinquenal | Economista destaca foco na resolução de problemas internos A economista Maria Fernanda Ilhéu entende que o 15º Plano Quinquenal do Governo Central visa consolidar aspectos económicos regionais e resolver “aspectos da economia chinesa que ainda são problemáticos”, como a “fraca procura interna”. A posição foi assumida num seminário promovido pela Embaixada da China em Lisboa Quais os objectivos propostos no 15º Plano Quinquenal da China, cuja consulta pública terminou no passado dia 14 de Novembro? Para a economista Maria Fernanda Ilhéu, ex-residente de Macau e presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda (ANRS), o plano poderá dar resposta “a alguns aspectos da economia chinesa que ainda são problemáticos, como uma procura interna fraca”. A posição foi assumida num seminário, decorrido recentemente em Lisboa e promovido pela Embaixada da China em Portugal, intitulado “Interpretação do 15°Plano Quinquenal de Desenvolvimento Económico e Social Nacional da China. Perspectivas para a Futura Cooperação China-Portugal”. O discurso de Maria Fernanda Ilhéu, consultado pelo HM, foi divulgado pela própria nas redes sociais. Para Maria Fernanda Ilhéu, “apesar dos estímulos governamentais, o consumo interno continua baixo na sua contribuição para o PIB [Produto Interno Bruto]”, sendo que “alguns estrangulamentos e obstáculos estão a impedir os fluxos económicos, como o atraso na modernização agrícola e rural e a pressão sobre o emprego”. Neste ponto, a economista destacou os “licenciados que não encontram empregos à altura das qualificações”, além de que o país espera ainda concretizar “o crescimento do rendimento per capita, que se pretende mais acelerado e equilibrado em regiões ainda muito pobres”. Por sua vez, verificam-se ainda “algumas dificuldades nos serviços públicos e apoios sociais”, enquanto “o envelhecimento da população apresenta desafios ao desenvolvimento económico e à oferta de serviços próprios para o bem-estar da população com mais de 65 anos”. Maria Fernanda Ilhéu citou dados quanto a este aspecto, relativos a 2024, quando os idosos representavam 14,1 por cento da população, mais 4,7 por cento face a 2014. Com base no documento apresentado por Pequim, a economista referiu que o 15º Plano Quinquenal pretende também “projectar a economia chinesa para a autossustentabilidade e a competição global”, sendo que, na sua visão, o país enfrenta “três desafios”. São eles a “grande volubilidade” que é descrita pelas autoridades chinesas como “oportunidades estratégicas que existem ao lado de riscos e desafios, enquanto as incertezas e fatores imprevisíveis estão a crescer”. Um modelo em mudança Maria Fernanda Ilhéu destaca também que “o modelo de crescimento da China está a mudar, com mudanças populacionais, correções no sector imobiliário e a diminuição de retornos no investimento em infra-estruturas, sendo necessários novos factores para manter o ritmo de crescimento”. Além disso, “a tecnologia tornou-se fundamental no palco da competição global”, algo que “requer e pressiona a China para uma inovação autossuficiente e para a resiliência industrial”. A economista não esquece as questões regionais, onde Macau se integra, nomeadamente quanto ao “objectivo para algumas cidades e super regiões” e o “papel dinamizador do delta do rio Yangtze e a área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong – Macau”. Pretende-se, neste contexto, “conseguir progressos na industrialização, informatização, urbanização e modernização agrícola através de novas formas produtivas, e fomentando novos padrões de desenvolvimento”. A ideia é que haja uma “modernização da indústria”, em que os “sectores da linha da frente” serão a “inteligência artificial (IA), robótica avançada, computação quântica, semicondutores, biotecnologias e nova geração de tecnologia de informação e aeroespacial”. Para Maria Fernanda Ilhéu, estas áreas são “fundacionais numa estratégia de competitividade internacional, resiliência e efeitos multiplicadores de crescimento”. A importância da lusofonia A economista defendeu também que as linhas traçadas no 15º Plano Quinquenal aponta para o fomento do delta do rio Yangtze, incluindo-se a província de Zhejiang, “terra natal da maioria dos chineses ultramarinos que escolheram Portugal para viver e trabalhar”, ou ainda, na Grande Baía, que inclui Macau, “um dos vértices centrais, onde a presença centenária portuguesa é um activo estratégico na cooperação entre Portugal e China”. Para a responsável, as áreas “prioritárias de cooperação” devem centrar-se na energia verde, nomeadamente com a produção de baterias, hidrogénio verde e mobilidade, “sectores onde a China lidera”. A digitalização e IA, nomeadamente na construção de ferramentas de “saúde digital” e “cidades inteligentes”, ao nível da logística e portos. Outros pontos estratégicos são ainda infra-estruturas, saúde, biotecnologia e cooperação na investigação científica e produção industrial em IA, apontou. Aposta no consumo Segundo a análise do portal China Briefing, ligado à consultora Dezan Shira & Associates, a China está hoje em “condições muito diferentes” face ao último Plano Quinquenal. Hoje a pior fase e consequentes impactos da covid-19 parecem ter passado, existindo, porém, “pressão sobre indústrias domésticas” que vai continuar “a moldar a política económica nos próximos anos”. Além disso, é destacado o facto de Donald Trump estar novamente na Casa Branca, referindo-se os Estados Unidos como “o maior parceiro comercial individual e principal rival económico”. Desta forma, o Plano Quinquenal pensado para os anos de 2026 a 2030 “será elaborado com essas questões em mente”, sendo que “as prioridades provavelmente irão concentrar-se na melhoria da resiliência económica, incluindo a diversificação de parceiros comerciais e a redução da dependência das importações” de produtos e materiais considerados “críticos”. Pretende-se ainda “estimular o consumo doméstico e melhorar as capacidades internas em tecnologias-chave”. A mesma análise dá conta de um discurso proferido pelo Presidente Xi Jinping, em Abril deste ano, em que aponta que o 15º Plano Quinquenal deve “avaliar de forma practiva como as mudanças no cenário internacional afectam a China”, devendo ser feito um ajuste, “optimizando a estrutura económica do país”. A propósito do fomento do consumo interno, destaque para o anúncio, a 26 de Novembro, de um plano de acção apresentado pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China, e que visa, segundo a agência estatal Xinhua, “a formação de sectores de consumo multimilionários nos próximos anos”. O recurso à inteligência artificial (IA) parece ser a norma, como frigoríficos inteligentes “que podem recomendar uma lista de compras e óculos que podem responder a vários comandos dos utilizadores”. Escreve a Xinhua sobre o referido plano que “a China pretende formar três sectores de consumo massivo, nomeadamente produtos para cuidados a idosos, veículos inteligentes conectados e electrónica de consumo, com uma escala de mercado que atingirá triliões de yuans até 2027”. Além disso, “serão promovidas dez categorias de bens de consumo de grande procura, no valor de 100 mil milhões de yuans (cerca de 14 mil milhões de dólares americanos), incluindo produtos para crianças e bebés, dispositivos vestíveis inteligentes, cosméticos, equipamentos de fitness e alimentos e produtos para animais de estimação”. Duplas novidades A quarta sessão plenária do 20º Comité Central do Partido Comunista Chinês, realizada em Outubro, adoptou recomendações para o Plano Quinquenal, que incidiram na manutenção da “estratégia de expansão da procura interna” com esforços “para garantir que a nova procura impulsione a nova oferta”, promovendo também “interacções positivas entre consumo e investimento e entre oferta e procura”. Nem de propósito, o portal China Briefing acrescenta que o 15º Plano Quinquenal “deverá dedicar um espaço significativo ao desenvolvimento da iniciativa ‘AI Plus’ e de sectores de suporte, com políticas voltadas para a promoção de investimentos, apoio fiscal, formação de talentos e colaborações público-privadas”. O 15º Plano Quinquenal deverá ainda “definir metas de emissão de carbono e realinhamento da estratégia de descarbonização”, sendo que o país “está a mudar a estratégia principal de descarbonização”, saindo “do foco na redução do consumo total de energia para concentrar-se na redução das emissões totais de carbono”. Destaque para o facto de a versão final do 15º Plano Quinquenal só ser apresentada durante as chamadas Duas Sessões de Março do próximo ano, da Assembleia Popular Nacional e Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, quando será adoptada e implementada pelas autoridades, em Pequim.
Hoje Macau Grande PlanoO que se sabe sobre o incêndio que matou 151 pessoas em Hong Kong Hong Kong continuava hoje a contar as vítimas do incêndio que devastou um complexo residencial na quarta-feira, o mais grave em décadas, com pelo menos 151 mortos. As autoridades da região administrativa especial chinesa vizinha de Macau detiveram 11 pessoas por suspeita de negligência, mas as causas do incêndio ainda não foram determinadas. Eis o que se sabe sobre a tragédia, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP): O que aconteceu? O alarme para o incêndio foi dado pelas 14:50 de quarta-feira. O fogo atingiu um complexo imobiliário de 1.984 habitações e oito torres de 31 andares cada, chamado Wang Fuk Court, localizado em Tai Po, nos Novos Territórios, no norte de Hong Kong. O complexo, inaugurado em 1983, estava a ser alvo de obras de renovação, mas continuava ocupado por cerca de quatro mil pessoas que ali viviam. Chamas imensas propagaram-se com extrema rapidez entre os edifícios, que estavam rodeados por andaimes de bambu e redes de proteção. Centenas de bombeiros foram mobilizados para prestar socorro e extinguir o incêndio. Os bombeiros só declararam o fim das operações contra o fogo hoje de manhã (sexta-feira). Quantas vítimas? O balanço provisório mais recente era hoje à tarde de 128 mortos [151 é o número mais recente], dos quais 89 ainda não tinham sido identificados, segundo o chefe de segurança de Hong Kong, Chris Tang. Mais de cem pessoas continuavam desaparecidas na mesma altura. Também havia 79 feridos, 11 dos quais em estado considerado crítico. Os familiares percorreram hospitais e morgues à procura de vítimas. Trata-se do incêndio em edifícios mais mortífero a nível mundial desde 1980, excluindo incêndios ocorridos em discotecas, prisões ou centros comerciais, de acordo com pesquisas na base de dados de catástrofes da Universidade de Lovaina (Bélgica). É também o mais grave em Hong Kong desde 1948. Ainda se ignora em que medida o balanço poderá aumentar devido ao número de pessoas sobre as quais ainda não há notícias. Entre as pessoas desaparecidas, há 19 empregadas domésticas filipinas e 11 indonésias, segundo dados da organização Mission for Migrant Workers citados pelo jornal local South China Morning Post (SCMP). Os bombeiros terminaram hoje, sexta-feira, a inspeção a todas as habitações. O que causou a tragédia? As causas iniciais do incêndio não foram estabelecidas com rigor. O chefe de segurança admitiu que a investigação poderá demorar três ou quatro semanas. Com base em constatações preliminares, Tang disse que o fogo terá começado nas partes baixas das redes do estaleiro que protegiam contra o pó e a queda de objetos. A propagação das chamas, segundo Tang, terá sido favorecida pela utilização de bambu para os andaimes, comum em Hong Kong, e de materiais inflamáveis como painéis de espuma que protegiam as janelas. O chefe dos bombeiros de Hong Kong, Andy Yeung, corroborou também o que muitos testemunhos entrevistados pela AFP afirmaram. “Constatámos que os sistemas de alarme nos oito edifícios não estavam a funcionar corretamente”, afirmou. Quem é o responsável? A comissão de luta contra a corrupção anunciou hoje a detenção de sete homens e uma mulher, com idades entre 40 e 63 anos. Trata-se de dois responsáveis pelo gabinete de projetos que preparou a renovação, dois chefes de obras, três subcontratados de andaimes e um intermediário. A polícia já tinha anunciado a detenção de três suspeitos de “negligência grosseira” após a descoberta de materiais inflamáveis abandonados durante os trabalhos, que permitiram ao fogo “propagar-se rapidamente” devido ao vento forte. O nível exato do envolvimento dos suspeitos no início do fogo não é claro. As autoridades ordenaram a inspeção de todos os conjuntos habitacionais públicos em fase de grandes reformas, segundo o jornal SCMP. Qual o risco de incêndio em Hong Kong? Hong Kong, região administrativa especial da China com 7,5 milhões de habitantes, é um dos locais mais densamente povoados do mundo, o que amplifica os riscos de catástrofes urbanas. A densidade média da população é de mais de 7.100 habitantes por quilómetro quadrado, com vastas zonas íngremes e não edificáveis. Nas áreas urbanizadas, a densidade populacional é até três vezes superior, um recorde mundial. Este centro financeiro, onde o espaço é limitado e os preços imobiliários estão entre os mais altos do mundo, é famoso pelos arranha-céus em redor da baía. As últimas décadas foram marcadas pela construção de uma profusão de torres residenciais que podem ter mais de 50 andares. A maioria dos novos projetos de construção ocorreu na parte continental da região verdejante dos Novos Territórios, onde se situa o bairro de Tai Po. Hong Kong conta com 569 edifícios com mais de 150 metros de altura, sendo o maior número a nível mundial, de acordo com dados da ONG internacional especializada CTBUH (Conselho sobre Edifícios Altos e Habitat Urbano).
Hoje Macau Grande Plano MancheteHong Kong | Fogo mais mortífero desde 1918 origina investigação Já se contabilizam 128 mortos e 200 pessoas desaparecidas naquele que foi o maior incêndio da história de Hong Kong, nos Novos Territórios. As autoridades avançaram, entretanto, para uma investigação anti-corrupção dada a dimensão do incidente em Tai Po. A agência Lusa noticia o desespero de muitas famílias A tragédia está longe de abrandar em Hong Kong. O incêndio ocorrido esta quarta-feira na zona de Tai Po, nos Novos Territórios, num complexo de edifícios em construção, já é considerado um dos maiores da história do território e as vítimas ainda estão a ser contabilizadas – à hora do fecho desta edição contavam-se 55 mortos e 250 pessoas desaparecidas. Já hoje, sexta-feira, os números subiram para 128 mortos e 200 desaparecidos. Ontem, ao final do dia, o incêndio estava, gradualmente, a ficar controlado, com mais 55 sobreviventes a serem resgatados. Segundo uma reportagem da agência Lusa, os familiares desses desaparecidos permaneciam ontem num sentimento de desespero, dada a ausência de respostas. “Viu esta menina?” pergunta uma mãe, em cantonês, ao jornalista da Lusa, antes de mudar para inglês. “Viu a minha filha ou a ‘ajudante’?”, diz, usando a expressão usada em Hong Kong para as empregadas domésticas. A mulher, de apelido Cheng, acena com um papel onde imprimiu uma fotografia da filha de cinco anos, Hannah Cheng, e uma cópia da autorização de trabalho da empregada, a indonésia Maryan. A família vivia em Wang Tai House, parte do complexo residencial Wang Fuk Court que incendiou. Uma porta-voz do consulado da Indonésia em Hong Kong confirmou ao jornal South China Morning Post que entre as vítimas mortais estão duas empregadas domésticas indonésias. “Não as vejo desde que o incêndio começou. Por favor, viram-nas?”, suplica Cheng a todas as pessoas que encontra à entrada do Alice Ho Miu Ling Nethersole, o hospital situado mais perto do complexo de habitação social, em Tai Po. O corpo de bombeiros disse que já tinha conseguido entrar em contacto com várias das 279 pessoas que estavam inicialmente listadas como desaparecidas. A temperatura “está muito elevada e há pisos onde não conseguimos contactar as pessoas que ligaram a pedir ajuda, mas vamos continuar a tentar”, assegurou o vice-director do corpo de bombeiros, Derek Armstrong Chan. Nas redes sociais circulava uma publicação de uma outra mãe, desesperada por não conseguir contactar os sogros, que estavam a tomar conta da filha de seis meses, em Wang Fuk Court. “Já passaram quase 24 horas [desde o último contacto] (…) A minha filha precisa de ser amamentada senão vai morrer. Alguém me consegue dizer se ela foi salva ou não?”, escreveu Winnie Hui. Este é já o incêndio mais mortífero desde 1918, quando Hong Kong ainda era uma colónia britânica. Nesse ano, um incêndio causou o colapso da bancada principal do hipódromo de Happy Valley, causando mais de 600 mortos. Mais de 700 bombeiros estão envolvidos no combate às chamas, além de equipas de socorro e polícia. População ajuda Com o passar das horas começaram a chegar apoios da população, tanto ao nível da presença física como financeira, a diversos abrigos para desalojados. Serena, de 16 anos, carregava uma caixa com garrafas de água para entregar numa escola secundária de Tai Po, convertida num dos abrigos temporários para os afectados pelo incêndio. Além dos 900 residentes do complexo residencial Wang Fuk Court, as autoridades ordenaram aos habitantes do vizinho Kwong Fuk Estate que abandonassem as casas por precaução. “Esta é a minha escola, mas hoje não temos aulas por causa do incêndio”, explica à Lusa a jovem, que se juntou a vários colegas para comprar e doar mantimentos, incluindo bolachas e massa instantânea. A escola fica a pouco mais de dois quilómetros do complexo residencial que se incendiou. No segundo dia, colunas de fumo continuavam a subir aos céus, com o cheiro a queimado a sentir-se no ar. “Toda a gente conhece alguém que vivia em Wang Fuk”, sublinha Serena. “Nunca pensámos que isto pudesse acontecer aqui”, acrescenta. Mas não é só em Tai Po, situado mais perto da fronteira com a metrópole de Shenzhen do que do centro de Hong Kong, que a população se tem mobilizado para ajudar. Uma idosa veio de Tuen Mun, a 30 quilómetros de distância, com cobertores e roupa. “É pouco para quem perdeu tudo o que tinha”, lamenta a residente, de apelido Fong. O bairro social, construído nos anos 80, é composto por oito torres com perto de 30 andares e um total de 1.984 apartamentos, onde viviam cerca de quatro mil pessoas. De acordo com a imprensa local, o incêndio levou também muitas pessoas a tentar doar sangue, esgotando ontem as marcações no centro de Causeway Bay. Entretanto, o Governo de Hong Kong criou esta quinta-feira um fundo com 300 milhões de dólares de Hong Kong para as vítimas. Numa conferência de imprensa, adiada por duas vezes, o chefe do Executivo, John Lee Ka-chiu, disse que o fundo, criado no banco estatal Banco da China, começou a aceitar donativos a partir das 19h. John Lee anunciou ainda que o Governo iria distribuir ontem, em todo o dia, 10 mil dólares de Hong Kong a cada família afectada pelo incêndio no complexo de habitação social Wang Fuk Court. Investigações em curso A dimensão da tragédia já levou as autoridades de Hong Kong a avançar com uma investigação anti-corrupção. A Comissão Independente Contra a Corrupção de Hong Kong criou “um grupo de trabalho para iniciar uma investigação completa sobre a possível corrupção no grande projecto de renovação do Wang Fuk Court em Tai Po”. Num comunicado, a comissão justificou a decisão com “o imenso interesse público envolvido”. Há, agora, três grupos de trabalho: um para investigar o incêndio, outro para lidar com os recursos de emergência de doações e mais um para o realojamento das famílias afectadas. A polícia deteve, entretanto, três homens por suspeita de homicídio involuntário, após a descoberta de materiais inflamáveis deixados durante trabalhos de manutenção que levaram o fogo a propagar-se rapidamente pelos andares de bambu. John Lee, Chefe do Executivo da RAEHK, disse que o Departamento de Assuntos Internos e da Juventude reservou mil apartamentos em pousadas da juventude e hotéis para que os residentes afectados fiquem, por um período máximo de duas semanas. Em seguida, serão transferidos para 1.800 apartamentos subsidiados reservados para que se instalem temporariamente, acrescentou. O governante indicou também que o Governo está a elaborar uma lista de bens que Hong Kong irá pedir ao Governo central da China, incluindo aeronaves não tripuladas (‘drones’) para inspecções e materiais para testes laboratoriais. Entretanto, estão também a ser feitas inspecções a todos os complexos imobiliários que estão a ser alvo de obras de grande dimensão. “O Governo mandou inspeccionar todos os complexos imobiliários da cidade que estão a passar por grandes reformas, para verificar a segurança dos andaimes e dos materiais de construção”, disse John Lee Ka-chiu numa mensagem publicada na rede social Facebook. O complexo de oito edifícios de 31 andares encontrava-se a ser alvo de reformas na fachada. Campanha suspensa O líder do Governo de Hong Kong admitiu ontem que as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong, marcadas para 7 de Dezembro, poderão ser adiadas. “Faremos uma análise completa e tomaremos uma decisão dentro de alguns dias, com base nos interesses gerais de Hong Kong”, disse John Lee Ka-chiu, após uma reunião de emergência com dirigentes de vários departmentos governamentais. O Chefe do Executivo acrescentou que os debates entre candidatos ao Conselho Legislativo de Hong Kong que estavam marcados para quinta-feira e hoje foram adiados, sem previsão de nova data. As restantes actividades da campanha eleitoral foram também suspensas, disse John Lee aos jornalistas. “O Governo está empenhado em lidar com este grande desastre. A nossa prioridade agora é combater o incêndio”, sublinhou o dirigente. “A prioridade máxima é extinguir o incêndio e resgatar os residentes presos. A segunda tarefa é tratar dos feridos, a terceira é lidar com as consequências e depois realizaremos uma investigação completa”, acrescentou Lee. “Quanto aos outros assuntos, decidiremos o que fazer daqui a uns dias, depois de coordenarmos o nosso trabalho”, referiu o líder do Governo. Líderes reagem Xi Jinping, Presidente chinês, expressou ontem condolências pelas vítimas do incêndio, pedindo “esforços intensos no resgate para minimizar as perdas”, noticiou a agência Xinhua. O Presidente declarou ainda dar grande importância ao acidente, tendo solicitado de imediato actualizações permanentes sobre os trabalhos da equipa de resgate. Xi Jinping deu instruções ao director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Hong Kong para a transmissão de condolências. Outro líder político que também se pronunciou sobre a tragédia foi o primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão. Este referiu-se à morte das 128 pessoas como “trágica” e “profundamente dolorosa”. “Os nossos corações estão com as famílias e amigos de todos quantos perderam a vida, bem como com aqueles que permanecem desaparecidos”, salientou, num comunicado à imprensa. Xanana Gusmão prestou também homenagem à “extraordinária coragem dos bombeiros, dos primeiros socorros e de todos os que trabalham incansavelmente nas operações de resgate e recuperação”.
Hoje Macau Grande PlanoTimor-Leste | Revolução de Abril deixou “memórias difíceis” Marisa Ramos Gonçalves, investigadora da Universidade de Coimbra, aborda, em estudo, as vivências e experiências dos timorenses no período do 25 de Abril A investigadora do Centro de Ciências Sociais da Universidade de Coimbra Marisa Ramos Gonçalves considerou que a revolução de Abril em Timor-Leste deixou “memórias difíceis “e que a reconciliação é fundamental para a “coesão nacional”. “Quando falamos do 25 de Abril em Timor sabemos que estamos a falar sobre memórias difíceis que deixaram marcas até hoje devido ao conflito interno e da violação dos direitos humanos durante a ocupação”, afirmou à Lusa Marisa Ramos Gonçalves, que se encontra actualmente a fazer um estudo sobre aquele período no país. Marisa Ramos Gonçalves é também membro do Conselho Consultivo Internacional do Centro Nacional Chega (em Timor-Leste), que, entre outras actividades, documenta a história do conflito de Timor-Leste entre 1974 e 1999. A investigadora explicou à Lusa que o objectivo é perceber o outro lado da história a “partir das experiências e vivências dos timorenses do 25 de Abril e deste período de transição, que dá origem a uma proclamação da independência, mas que é muito curta relativamente à ocupação”. “Esta memória colectiva dos timorenses é indissociável, quer do conflito interno, quer da tragédia humana que é a invasão e ocupação indonésia”, salientou Marisa Ramos Gonçalves. A proclamação unilateral da independência de Timor-Leste, em 28 de novembro de 1975, aconteceu após um período marcado por confrontos entre os timorenses e já sob a sombra da possibilidade da ocupação do território pela Indonésia, o que se concretizou em 7 de Dezembro de 1975. Questionada sobre a reconciliação entre timorenses, a investigadora disse que o “assunto tem estado em cima da mesa”. “É preciso fazer a reconciliação entre timorenses que estiveram em lados opostos durante o conflito civil com opções diferentes para o futuro de Timor. Na altura, a UDT queria uma associação a Portugal durante mais alguns anos antes da independência, a Fretilin queria uma independência imediata, e a Apodeti, que queria uma integração na indonésia e todos são timorenses”, afirmou. Segundo Marisa Gonçalves, o Centro Nacional Chega quer que “isso comece a estar em cima da mesa, porque não foi fácil até agora para os timorenses que sofreram torturas ou que foram perseguidos durante o período do conflito interno falar abertamente”. “Mas já se começa a ver essa possibilidade a falar da violência e da tortura, que existiu num período muito curto em 1975, mas que deixou marcas fortes. Existe também uma reconciliação ao nível da liderança política que está por fazer e penso que essa também é complicada. É uma reconciliação de toda a sociedade”, afirmou Marisa Ramos Gonçalves. Maior abertura Considerando a reconciliação entre timorenses como fundamental para a coesão social, a investigadora destaca, por outro lado, que as novas gerações formadas no período indonésio e as mais jovens “estão completamente preparadas para essa reconciliação”. “Não estão tão presas a conflitos anteriores e eles querem mesmo reconciliar-se e, portanto, acho que já estão a olhar para esse futuro, já pensam que todas as pessoas fazem parte da Nação timorense, inclusivamente os timorenses que estão em Timor Ocidental”, onde há uma comunidade de cerca de 80.000 pessoas, salientou. “É importante também que a geração mais velha se reconcilie, até porque continua a ser uma geração, a chamada geração de 75, que continua no poder. Seria também interessante que eles tomassem a iniciativa de se aproximar”, acrescentou. Sobre o estudo que está a realizar, Marisa Ramos Gonçalves disse que há falta de investigação histórica em Timor-Leste e que é bom perceber as expectativas que as pessoas tinham não só em relação ao 25 de Abril, mas como também em relação à transição política. “É conhecer as narrativas, as experiências, as memórias dos timorenses de várias origens geográficas, ocupações profissionais e filiações partidárias sobre o mesmo momento histórico”, explicou, salientando que a reconciliação também se faz via escrita da história.
Andreia Sofia Silva Grande Plano Manchete25 de Novembro | Manuel Geraldes recorda “momento de traição” Portugal assinalou ontem os 50 anos do 25 de Novembro de 1975 com uma parada militar e uma sessão solene na Assembleia da República, entre polémicas e leituras políticas da direita à esquerda. Manuel Geraldes, ex-militar radicado em Macau, recorda o momento em que esteve preso na RTP Para Manuel Geraldes, se a felicidade tivesse uma data seria 25 de Abril de 1974, juntamento com o dia do nascimento da sua filha. Mas foi a propósito da passagem dos 50 anos do 25 de Novembro de 1975, tentativa de golpe de Estado e uma das etapas do processo revolucionário iniciado com o derrube da ditadura em Portugal a 25 de Abril de 1974, que conversámos com o ex-militar. Radicado em Macau desde os anos 80, Manuel Geraldes esteve preso na RTP no dia 25 de Novembro de 1975, mas, na qualidade de um dos mais jovens capitães de Abril, esteve envolvido na revolução desde o seu início, iniciado com o chamado movimento dos capitães, em 1973. Ao HM, recorda o dia 25 de Novembro como “um momento tristíssimo, de traição dos camaradas, revolta, um momento horrível, sobretudo comparando com um dos dias mais alegres da minha vida, juntamente com o nascimento da minha filha, que foi o 25 de Abril”, tendo em conta os planos militares planeados para esse dia, que tomaram outro rumo. Manuel Geraldes trabalhava na RTP quando a estação foi controlada por uma das facções militares que fizeram o 25 de Novembro. O controlo da RTP, nos estúdios do Lumiar em Lisboa, contou com intervenção de figuras como Manuel Duran Clemente, então ligado à extrema-esquerda militar da 5ª Divisão. “Quando falamos do dia 25 de Novembro temos de falar de um dia de traição. Quem foram traídos foram os militares que se mantiveram fiéis ao seu ideário do 25 de Abril e que juraram cumprir por ele, e que estávamos a cumprir. Houve um grupo de militares que, esquecendo a sua condição, e falo mais de oficiais do quadro permanente, tornaram esse dia de vergonha para qualquer oficial que se preze.” Manuel Geraldes estava há cerca de um ano na RTP e foi “apanhado naquela armadilha”. Fui ter com os meus camaradas ao gabinete da direcção do telejornal e foi aí que fomos apanhados pelo capitão Duran Clemente”, conta ao HM. “Posso falar daqueles que estiveram mais próximos de mim, e que estiveram na RTP nesse dia”, começou por dizer. “Os que estiveram no 25 de Abril e me prenderam, como prenderam mais seis oficiais, todos eles ‘perigosos fascistas, reaccionários’. Esteve preso nesse dia também um homem que foi um grande revolucionário, e que ainda como aluno da academia militar, a estudar no Técnico, cometeu o gesto nobre de deixar as forças armadas do regime fascista para emigrar para o norte da Europa. O ‘poderoso’ Marques, que tinha estado no golpe de Beja, e que esteve preso, e conseguiu exilar-se no Brasil. O capitão Canavilhas, um ‘perigoso’ que tinha estado no 25 de Abril e que estava ali a prestar um serviço à República na RTP como engenheiro electrotécnico.” Duran Clemente apareceu nas instalações da RTP para controlar as emissões, proibir a divulgação de informação da Presidência da República, sendo que, à época, era Costa Gomes Presidente, e deixar passar as mensagens dos revoltosos ligados a uma facção do movimento. O conselho de administração da estação esteve retido durante várias horas. São conhecidas as suas imagens em directo na RTP, a ler um comunicado, quando foi subitamente interrompido e substituído na emissão pelo filme “O Homem do Diner’s Club”. Isto porque a facção vencedora do movimento do 25 de Novembro tinha assumido o controlo dos acontecimentos a partir dos estúdios da RTP do Porto. Em declarações ao jornal Público, Duran Clemente também fala do dia 25 de Novembro como “uma traição do 25 de Abril, na maneira como ele tem sido interpretado e foi interpretado, na medida em que interrompeu o percurso natural de uma revolução que nunca é um percurso natural”. Duran Clemente fala ainda, na mesma entrevista, da “história da fantasia de uma guerra civil” que muitos acreditam que esteve prestes a acontecer em Portugal nessa data. Diz ainda “não ter cometido crime nenhum”. Para Manuel Geraldes, esses momentos de detenção “foram indescritíveis, inacreditáveis, para esquecer”. Quando saiu dos estúdios da RTP, Manuel Geraldes foi para casa ter com a esposa, “tentar descansar e tentar esquecer aquela tristeza enorme que foi aquela cena”, com “os soldados que tinha comandado no 25 de Abril de 1974 a observarem aquela prisão absurda que o Duran Clemente fez de nós”. O culminar de tensões O 25 de Novembro foi uma tentativa de golpe de Estado em que militares ligados à extrema esquerda tomaram vários pontos estratégicos, sobretudo em Lisboa, que levou o país a entrar em estado de sítio. Mas os moderados venceram e o país entrou numa fase mais tranquila, sobretudo a partir da nova Constituição de 1976. Tratou-se de um culminar do chamado “Verão quente”, ou os meses do PREC – Período Revolucionário em Curso, marcado por nacionalizações de bancos e empresas, o processo de Reforma Agrária, organização de comissões de trabalhadores, ataques a sedes do Partido Comunista Português e diversas acções conotadas tanto com a extrema-esquerda como com a extrema-direita. Manuel Geraldes recorda que “a situação era complexa e não era propriamente o que tínhamos imaginado” com o 25 de Abril. “Tínhamos desenhado outros cenários que não aquele, mas sim de uma grande camaradagem.” Ainda assim, o antigo militar realça a “estabilidade e credibilidade” que Portugal ganhou após o 25 de Novembro de 1975. Contudo, não concorda com o facto de as autoridades portuguesas estarem, actualmente, a celebrar esta data. “Há com certeza uma componente política e, para mim, não tem absolutamente nenhum sentido. Não devemos esquecer o passado para corrigir qualquer erro que tenha sido cometido, mas celebrar um dia triste não faz sentido nenhum. Devemos lembrar.” Sobre as figuras importantes e decisivas para resolver o 25 de Novembro, Manuel Geraldes destaca “o general Costa Gomes, que viveu tão vasta violência, Sousa e Castro e outros que tiveram consenso e conseguiram trazer para a razão a grande maioria das forças armadas”. Mário Soares, como líder do Partido Socialista, “também teve [importância]” para estancar o movimento, sobretudo porque “tinha posições próximas do chamado ‘Grupo dos Nove’, os membros moderados da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas”. Manuel Geraldes recorda ainda um dia em que as facções eram pautadas por “militares contra militares”, e quando se pôs “em risco a pátria”, num cenário “muito, muito perto da guerra civil”. Ontem decorreu, de manhã, uma cerimónia militar promovida pelas Forças Armadas, na Praça do Comércio, em Lisboa, presidida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Houve ainda uma sessão solene na Assembleia da República. Vasco Lourenço: “Não estava em terreno um golpe de Estado” Além das cerimónias oficiais do 25 de Novembro de 1975, têm decorrido diversas exposições, palestras e conferências que celebram todas as etapas da revolução do 25 de Abril de 1974. Uma delas decorreu na terça-feira, o seminário “25 de Novembro – 50 anos depois”, na Fundação Calouste Gulbenkian, onde uma das figuras centrais do 25 de Novembro e toda a revolução de Abril, Vasco Lourenço, recordou o dia. “É evidente que, passado todo este tempo, não podemos dizer que estava no terreno um golpe de Estado. Mas desafio alguém que seja capaz de dizer que, naquela altura, face ao que estava a acontecer, que não olhássemos para aquilo como se estivesse, efectivamente, a acontecer um golpe de Estado.” Depois de várias movimentações militares, em que se dá um recuo das forças paraquedistas, os episódios do 25 de Novembro geraram três mortos, todos militares, “no início do dia 27 de Novembro”, lembrou Vasco Lourenço. O papel das mulheres Outra figura que participou no debate foi a médica Isabel do Carmo, que na altura do 25 de Novembro estava ligada ao grupo do COPCON – Comando Operacional do Continente, liderado pelo já falecido Otelo Saraiva de Carvalho. Isabel do Carmo defendeu que “o que se passou depois do 25 de Abril foi a existência de um espaço das pessoas, organizações e protagonistas políticos, em que havia claramente duas tendências”, marcadas por “aqueles que queriam levar um movimento revolucionário ao socialismo de facto, e aqueles que queriam uma democracia liberal com uma economia regulada por um mercado”. “O 25 de Abril foi, e para muitas pessoas da minha geração, os melhores tempos da minha vida. Oiço muitas pessoas dizerem isto, particularmente as mulheres, que até aí eram discretas. O que se passou a seguir [ao 25 de Abril] foram as sessões públicas, a liberdade de imprensa, a modificação total do ambiente nas escolas, houve uma grande transformação no país”, rematou Isabel do Carmo.
Hoje Macau Grande PlanoMulheres timorenses vítimas de violência sexual da guerra exigem fim da discriminação Reportagem de Domingos Freitas, da agência Lusa A associação Pirilampo, que representa mulheres vítimas de violência sexual entre 1974 e 1999, exige que o Estado timorense as apoie, depois de anos de discriminação por parte da sociedade e das suas famílias. “Continuamos a lutar sozinhas porque fomos vítimas no passado, não por vontade própria. Sofremos as consequências da política deste país desde 1974, por querermos a autodeterminação. Por causa dessas decisões políticas, nós, mulheres, fomos alvo de muitas violações sexuais”, disse à Lusa Maria Isabel da Silva, presidente da Pirilampo, no âmbito dos 50 anos da declaração unilateral da independência e da ocupação indonésia. Maria Isabel da Silva acusou o Estado timorense de não lhes ter concedido reconhecimento que possa ajudar a recuperar a sua coragem e dignidade. “Criámos a Pirilampo porque sabemos que não somos sobreviventes de pouca importância. Somos sobreviventes de violência sexual ocorrida durante a guerra, entre 1974 e 1999. Queremos recuperar a dignidade, porque muitas enfrentam estigmas nas suas comunidades e até dentro das próprias famílias”, explicou Maria Isabel da Silva. A presidente da Pirilampo explicou que a organização tem como missão apoiar mulheres sobreviventes de violência sexual através da assistência social, legal e económica para que se tornem cidadãos fortes e independentes. A associação defende também os direitos das vítimas e sobreviventes que continuam sem voz, para que possam obter reconhecimento e atenção do Estado ou do Governo. Maria Isabel da Silva esclareceu que a visão da Pirilampo é contribuir para que a sociedade timorense nunca mais permita que ninguém seja vítima de graves violações dos direitos humanos, sobretudo de violência sexual, incluindo assédio, abuso, violação ou casamento forçado. A presidente da Pirilampo lamentou também que os aspetos culturais discriminem mulheres que engravidaram ou tiveram filhos de homens não identificados. “Por vezes são consideradas prostitutas, restos dos militares indonésios. Estes são insultos que nos foram dirigidos durante muito tempo”, disse. Com apoio da Associação Chega Ba Ita (ACBIT) e da Asia Justice and Rights (AJAR), várias vítimas participaram em atividades diversas e, em 22 de outubro de 2022, estas organizações ajudaram-nas a criar o Klibur Sobrevivente Feto Pirilampo 1974-1999, para aliviar o sofrimento e as dificuldades enfrentadas. A Pirilampo já registou 455 mulheres sobreviventes de violência sexual, das quais 87 deram à luz crianças resultantes dessas violações. Até hoje aquelas crianças, muitas vezes apelidadas “crianças da guerra”, enfrentam uma vida muito difícil, devido à discriminação por parte da família, da sociedade e, sobretudo, na administração pública. “Chamam-lhes filhos de pais desconhecidos, filhos de homens do mato, de milícia. Isso afeta muito a sua autoestima e muitos recusam ir à escola”, alertou a presidente. Maria Isabel Silva explica que muitos destes jovens também não conseguem obter documentos básicos, como certidões de batismo da Igreja ou documentos do Estado. Vivem em zonas remotas, dependem da agricultura e não têm acesso adequado à saúde e à educação. A presidente apelou ao Governo para prestar atenção e reconhecer estas pessoas como qualquer outro cidadão, para que também os seus filhos possam viver em liberdade e igualdade. “Estamos vivas. Não pedimos nada, não pedimos dinheiro. O dinheiro do Estado não chega para pagar a nossa dignidade. Perdemos o corpo, carregamos dor e o trauma. Só queremos recuperar o nosso ser completo. Não pedimos dinheiro”, disse, emocionada, Maria Isabel Silva. Ainda há discriminação Fernanda Guterres e Maria Gusmão nasceram depois de as suas mães terem sido violadas por soldados indonésios, durante a ocupação de Timor-Leste, e até hoje continuam a enfrentar discriminação no seu país. As duas carregam o estigma de serem “crianças da guerra”, nome que é atribuído a pessoas que nasceram de mulheres violadas entre 1974 e 1999, durante o conflito entre várias fações timorenses e durante a ocupação indonésia. “Eu não me sinto livre, porque continuo a enfrentar discriminação da sociedade. Os colegas dizem-me palavras que me magoam, e eu própria tenho receio de fazer amizades devido às palavras duras que me dizem”, afirmou à Lusa Fernanda Guterres, que trabalha na organização não-governamental ACBIT, que apoia, com a Asia Justice and Rights (AJAR), as “crianças da guerra” e as mulheres vítimas de violência sexual durante a ocupação a ultrapassarem as dificuldades e traumas que marcaram as suas vidas. “Sinto um pouco de liberdade apenas quando participo em sessões de oratória ou em formações dadas pelas irmãs, que encorajam os jovens a enfrentar a realidade”, salientou. O relatório da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), divulgado há 20 anos, e que recolheu testemunhos de centenas de vítimas de violência sexual, refere que a maioria foi cometida pelas forças de ocupação da Indonésia. “Somos Crianças da Guerra porque as nossas mães foram forçadas e engravidadas por outros homens durante a ocupação. Caso contrário, os invasores teriam matado toda a família. Para salvar a própria vida, muitas mulheres timorenses sofreram violência sexual”, explicou Fernanda Guterres. Como consequência dessa violação forçada, as “crianças da guerra” continuam a ser alvo de insultos e estigmas. “Não tens pai”, “és filho do inimigo” ou “filho de milícia”, são alguns dos insultos que aquelas mulheres continuam a ouvir. Quando era pequena, a mãe de Fernanda Guterres dizia-lhe que o pai estava vivo, mas ela nunca o conheceu. Mais tarde, descobriu que ele não existia, mas a mãe nunca o admitiu explicitamente. “Perguntei muitas vezes pela minha mãe e pelo meu pai. A minha mãe dizia sempre ‘o teu pai está aí’, e dizia para não acreditar se alguém dissesse o contrário. Mas nunca o conheci. No fim, percebi que não tinha pai”, disse. Fernanda Guterres recorda também, com mágoa, as tentativas de violência sexual de membros da comunidade, unicamente devido ao passado da sua mãe. “A família e também alguns vizinhos tentaram abusar de mim. Quando já era adulta, deixei de ficar calada e pedi à minha família para enfrentarmos quem tentasse fazer-me mal”, contou a jovem de 28 anos. Hoje, Fernanda tem a sua própria família, com três filhos, e disse ter encontrado um companheiro que a apoia plenamente. “Conheci o meu marido graças ao plano de Deus. Ele soube do passado da minha mãe e toda a sua família soube também, mas nunca me discriminaram. Sempre me acolheram bem. O meu marido apoia-me, dá-me coragem. O passado ficou para trás. Agora olhamos para o futuro e para os nossos filhos. É isso que me dá força”, afirmou. “Vivemos uma vida simples. Não temos empregos formais, mas mantemos sempre respeito e entendimento mútuo. Quando surge algum problema em casa, conversamos e procuramos solução juntos”, disse. Fernanda Guterres conseguiu obter documentos da Igreja ou do Estado, graças ao apoio de pessoas que a ajudaram a regularizar tudo. Maria Gusmão também reconheceu que a sua mãe foi vítima de violência sexual por militares indonésios. “Quando era pequena, na escola primária e no pré-secundário, sofri discriminação devido ao conflito que a minha mãe enfrentou. Diziam que eu era filha de milícia, filha do inimigo. Ouvia isso com os meus próprios ouvidos”, afirmou a jovem de Covalima. Recorda igualmente que alguns elementos da sua comunidade chegaram a proibir as crianças de brincar consigo. Mais tarde, na universidade e até dentro da família, continuou a enfrentar discriminação. Apesar disso, Maria Robinson apelou às outras jovens para não perderem a vontade de lutar, nem a esperança, mesmo perante a discriminação, salientando que o Estado deve dignificar as mulheres que foram vítimas de violência sexual e também os seus filhos. Maria Robinson conseguiu obter documentos porque o seu padrasto aceitou colocar o seu nome nas certidões de nascimento. Questionada sobre o sentimento de liberdade, respondeu que apenas se sente “um pouco livre”, sublinhando que ainda hoje enfrenta discriminação, estigma e injustiça. “Desde a família, à sociedade, à comunidade e até ao nosso próprio Estado”, afirmou a jovem de 25 anos. Maria Robinson completou recentemente a licenciatura na Universidade da Paz (UNPAZ) e trabalha também na organização não-governamental ACBIT. Timor-Leste assinala em 28 de novembro os 50 anos de declaração unilateral da independência e da ocupação indonésia, em 7 de dezembro de 1975. A restauração da independência aconteceu em 20 de maio de 2002, depois da realização de um referendo pela autodeterminação em 30 de agosto de 1999.
Hoje Macau Grande Plano MancheteLAG | Governo restringe uso de aparelhos “ocidentais” por representarem um “risco” O Governo está a apostar em dispositivos electrónicos chineses, para evitar riscos associados a equipamentos vindos de países com “postura hostil” em relação à China. Wong Sio Chak revelou que todos os funcionários públicos, incluindo portugueses, vão prestar juramento de lealdade à China e RAEM até ao fim do ano O Governo revelou na sexta-feira que a Administração Pública está a dar prioridade a dispositivos electrónicos chineses, porque aqueles vindos de países ocidentais “com uma postura hostil em relação à China” representam “um risco”. “Foram já emitidas instruções pela DSAFP [Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública], sobretudo para as infra-estruturas críticas”, disse o secretário para a Administração e Justiça de Macau. “Ponderámos, prioritariamente, o recurso aos aparelhos do nosso país” nos serviços e departamentos governamentais da RAM, sublinhou Wong Sio Chak. O dirigente admitiu na Assembleia Legislativa que “existe um risco” no fornecimento de dispositivos electrónicos de telecomunicações. “É uma questão muito sensível e em que também se verifica uma fragilidade”, referiu Wong, apontando o dedo aos “países do Ocidente, sobretudo alguns com uma postura hostil em relação à China”. No entanto, o secretário sublinhou, durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2026 na área da Administração e Justiça, que as limitações apenas se aplicam à administração pública de Macau. “Temos um mercado aberto e não iremos restringir o sector privado para utilizar os dispositivos estrangeiros. As entidades e o privado têm a liberdade de escolher esses aparelhos”, explicou Wong. Em 19 de Outubro, o Governo Central acusou os Estados Unidos de realizarem um ciber-ataque contra o Centro Nacional de Serviço de Horário (NTSC, na sigla em inglês), responsável por manter a precisão da hora oficial do país. O Ministério da Segurança do Estado chinês disse que o ataque “sistemático e planeado há muito tempo” começou em 2022, através de uma vulnerabilidade no serviço de SMS (mensagens curtas) de uma “marca estrangeira” de telemóveis. A vulnerabilidade permitiu “atacar secretamente e obter o controlo dos telemóveis de vários funcionários do NTSC e roubar dados confidenciais armazenados nos mesmos”, referiu o ministério. Fiéis e leais Outro dos pontos de destaque da apresentação de Wong Sio Chak prendeu-se com o juramento de lealdade à China e à RAEM que todos os funcionários públicos, incluindo os de nacionalidade portuguesa, terão de prestar até ao fim do ano. O juramento faz parte de uma revisão dos estatutos do pessoal de direcção e chefia e dos trabalhadores da Administração Pública, que entrou em vigor a 1 de Novembro. As duas leis revistas determinam que os trabalhadores já em funções têm 90 dias para fazer o juramento, sendo que a recusa implica automaticamente a anulação da nomeação para o cargo ou a demissão. Mas o secretário para a Administração e Justiça disse acreditar que o processo esteja concluído mais cedo e que “todos os trabalhadores dos serviços públicos prestem juramento até ao final do corrente ano”. Wong Sio Chak, que tomou posse em 16 de Outubro, defendeu durante a apresentação das Linhas de Açcão Governativa para 2026 que a revisão “aperfeiçoou a gestão e o regime de responsabilização do pessoal de direcção e chefia”. Logo em 1 de Novembro, 264 dirigentes de entidades e serviços públicos prestaram juramento numa cerimónia, declarando que “se dedicarão com toda a lealdade à Região Administrativa Especial de Macau [RAEM] da República Popular da China”. Num discurso proferido durante a cerimónia, o Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, pediu aos dirigentes da função pública que “salvaguardem com firmeza o poder pleno de governação do Governo Central” chinês. Em Dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa aprovou, por unanimidade e sem qualquer debate, a lei que prevê que os funcionários públicos de Macau podem ser demitidos caso pratiquem “actos contrários” ao juramento. Um mês antes, ao apresentar a proposta, o então porta-voz do Conselho Executivo, André Cheong, alertou que os funcionários públicos podem ser despedidos devido a conversas privadas ou comentários publicados em redes sociais. O juramento será obrigatório para todos os funcionários públicos, incluindo os portugueses, mas poderá ser feito em português, uma das duas línguas oficiais de Macau, juntamente com o chinês. De acordo com o mais recente Relatório de Recursos Humanos da Administração Pública, em 2023 a região tinha 34.311 funcionários públicos. O documento não refere quantos têm nacionalidade portuguesa, mencionando apenas que 257 nasceram em Portugal. As duas propostas obrigam ainda os funcionários públicos a prestar o juramento de forma “sincera e solene”. A sinceridade do juramento será avaliada pelo superior hierárquico e qualquer demissão poderá ser alvo de recurso para os tribunais. Cada cabeça O Governo quer lançar, já no início de 2026, negociações com Portugal sobre um acordo para o reconhecimento recíproco de sentenças civis e comerciais. O secretário para a Administração e Justiça de Macau, Wong Sio Chak, disse que pretende “fortalecer a cooperação judiciária com o exterior e alargar ainda mais o intercâmbio jurídico”. De acordo com o relatório das LAG, Macau quer, a partir do primeiro trimestre de 2026, começar a negociar um “acordo sobre a confirmação e execução recíprocas de decisões judiciais em matéria civil e comercial” com Portugal. No entanto, o documento não refere qualquer data para a conclusão das negociações e a eventual assinatura de um acordo final. Macau e Portugal assinaram em 2019 um acordo relativo à entrega de infractores em fuga, cuja legalidade penal foi posta em causa pela Ordem dos Advogados portuguesa. O protocolo não está em vigor, uma vez que não foi a votos na Assembleia da República. O relatório das LAG de Macau revela também planos para a celebração, até ao final de 2026, de três acordos com Angola para transferência de pessoas condenadas, entrega de infractores em fuga e auxílio judiciário mútuo em casos criminais. Estes três acordos com Angola têm sido mencionados nas LAG de Macau desde Novembro de 2023, e esse relatório apontava como meta para a conclusão das negociações o final de 2024. Angola e a China continental assinaram em 2006 um tratado de extradição, que só foi aprovado pelo Parlamento angolano em 2011, tendo sido ratificado pelo Governo de Luanda dois anos mais tarde. Durante a discussão no Parlamento angolano, o então vice-ministro angolano da Justiça, João Monteiro, defendeu a importância do acordo devido ao grande movimento migratório entre os dois países. Na altura, as autoridades estimavam que perto de 50 mil chineses viviam em Angola, trabalhando sobretudo na construção civil, em projectos de reconstrução financiados em grande parte por empréstimos concedidos pela China. João Monteiro garantiu que os dois Estados concordaram que os pedidos de extradição não podem incluir crimes de natureza política ou militar. Macau Simplex Wong Sio Chak reiterou perante os deputados uma promessa antiga da pasta da Administração e Justiça: a simplificação administrativa. A prioridade governativa terá como meta acelerar os processos e licenças, por exemplo, para estabelecimentos comerciais. Em resposta a uma questão do deputado Si Ka Lon, o secretário para a Administração e Justiça referiu que, “desde que não haja obras de grande envergadura”, um estabelecimento de comidas e bebidas pode obter licença para operar em dois dias, mediante a apresentação de todos os documentos exigidos. O governante vincou que por trás da flexibilização da máquina administração estão os conceitos de “simplificar, descentralizar e optimizar”. Mãos à obra O secretário para a Administração e Justiça afirmou na Assembleia Legislativa que o Governo vai continuar os esforços para implementar o sistema de quotas para os trabalhadores da Função Pública e reorganizar algumas carreiras, eliminando as que estão desactualizadas e promovendo a mobilidade. Wong Sio Chak salientou que desde o lançamento do sistema de gestão de quotas na Administração, em 2020, o número de funcionários públicos aumentou, e que antes de alterar as regras de progressão ou acesso entre carreiras da máquina administrativa o Governo irá ouvir os trabalhadores.
Hoje Macau Grande PlanoDescolonização em Timor-Leste deixou traumas profundos nos militares portugueses, defende investigadora A investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova Zélia Pereira afirmou que o processo de descolonização em Timor-Leste deixou traumas profundos nos militares portugueses, levando muitos ao silêncio durante o período da ocupação indonésia. “O processo de descolonização em Timor, para além do trauma da invasão indonésia para os próprios timorenses, deixou traumas profundos para os militares portugueses, traumas pessoais, psicológicos, consequências nas carreiras profissionais, a generalidade deles acabou por abandonar a vida militar, porque foram preteridos sucessivamente em promoções”, disse à Lusa a investigadora. “Lemos Pires, quando foi promovido a general, teve uma campanha interna contra ele”, disse. O general Mário Lemos Pires foi o último governador do Timor português (entre 8 de novembro de 1974 e 27 de novembro de 1975). Zélia Pereira está a coordenar, em conjunto com Pedro Aires de Oliveira, professor de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, a reedição do relatório elaborado pela comissão para a análise e esclarecimento do processo de descolonização de Timor-Leste, criada pelo antigo Presidente Ramalho Eanes, que vai incluir testemunhos desclassificados de militares e civis ouvidos em 1975 e 1976. O projeto está a ser financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o apoio da comissão para a celebração do 50.º aniversário do 25 de Abril, no âmbito de um concurso para projetos exploratórios. “É um trauma muito grande de tal maneira que durante todo o período de ocupação indonésia, tirando Lemos Pires, nenhum outro militar quis falar. Depois do referendo, começaram a ser publicadas algumas memórias e só agora mais recentemente é que começaram a aceder fazer algumas entrevistas”, explicou a investigadora. Segundo Zélia Pereira, os testemunhos dados em 1976, com a “memória muito fresca” e com o “trauma muito vívido” vai permitir acesso a um conjunto de informações muito “pormenorizado, muito interessante”. A investigadora espera também que aqueles testemunhos ajudem os timorenses a “compreender melhor um período que para eles é muito traumático”. “É preciso compreender o seguinte, ainda hoje se continuam a publicar livros, artigos que replicam todas as acusações feitas em 1975. Em teses de doutoramento, de mestrado, porque vão beber aos livros publicados nos 70, 80, 2000, até ao presente e que partem ainda hoje de ideias e pressupostos, que nem todos estão 100% errados, mas que precisam de ter outras interpretações”, salientou. A história, disse Zélia Pereira, é colocar vários contextos em análise em simultâneo, porque ninguém é dono da verdade. “O que queremos é que isto venha abrir outras perspetivas, outras perspetivas de investigação, e sarar mágoas, reconciliar as pessoas com o seu passado, independentemente de terem tomado decisões que não se revelaram as mais acertadas”, acrescentou. Timor-Leste tornou-se independente de Portugal em 28 de novembro de 1975, mas nove dias depois, em 07 de dezembro, foi ocupado pela Indonésia.
Hoje Macau Grande PlanoVenezuela | Maduro declara que país jamais será derrotado O Presidente da Venezuela declarou ontem que o país jamais será derrotado e que o povo venezuelano vai responder ao que considerou ser uma guerra psicológica orquestrada pelos Estados Unidos. Em declarações à estação de televisão oficial venezuelana VTV, Nicolás Maduro afirmou que as autoridades e o povo da Venezuela vão responder com trabalho e conquistas à “guerra psicológica”, referindo-se à Administração norte-americana como “canalhas mediáticos” de Miami. “Como se diz ‘imbecil’ em inglês?” perguntou Maduro, alertando aqueles “que querem fazer mal” nunca vão conseguir derrotar a Venezuela. Washington intensificou operações militares ao largo da Venezuela, nos últimos dias, reiterando acusações contra Maduro de que promove o tráfico de estupefacientes. O chefe de Estado norte-americano, Donald Trump, autorizou também novos ataques contra embarcações, alegadamente, pertencentes a redes de tráfico de droga, perto da costa venezuelana. Maduro acrescentou que as forças de segurança venezuelanas apreenderam 63 toneladas de droga desde o início do ano. Por outro lado, o líder venezuelano denunciou ainda a tentativa de entrada na Venezuela de dois aviões ligados ao narcotráfico. No mesmo discurso, Maduro declarou que a Venezuela e a Rússia estão a progredir na cooperação militar, que descreveu como tranquila e frutífera. Contacto diário Questionado sobre os contactos entre Caracas e Moscovo no âmbito “das ameaças” dos Estados Unidos, Maduro afirmou que o governo mantém uma comunicação diária com o Presidente russo, Vladimir Putin, sobre “várias questões em desenvolvimento”, incluindo assuntos militares. No domingo, a Presidência da Rússia admitiu ter mantido contactos com a Venezuela sobre um possível pedido de ajuda de Maduro a Putin. Paralelamente, a República Popular da China afirmou que se verifica uma cooperação normal entre Pequim e Caracas. O jornal norte-americano Washington Post noticiou que o Presidente venezuelano pediu ajuda à Rússia, à China e ao Irão para defender o país da pressão dos Estados Unidos. Para Pequim, trata-se de uma cooperação entre Estados soberanos e que não é dirigida contra terceiros. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Mao Ning disse, em conferência de imprensa, que a China apoia o reforço da cooperação internacional para combater o “crime transnacional” e opõe-se ao uso ou à ameaça de tal força nas relações internacionais.
Hoje Macau Grande PlanoPop Mart, fabricante de Labubu, cai 10,8% em Hong Kong entre dúvidas sobre crescimento As ações da Pop Mart, empresa chinesa responsável pelo fenómeno global das figuras Labubu, afundaram esta quinta-feira 10,8%, na maior queda desde abril, num novo episódio de volatilidade que contrasta com os bons resultados de vendas divulgados na véspera. A desvalorização reflete a crescente cautela dos investidores face à possibilidade de uma desaceleração do crescimento da empresa, após vários trimestres impulsionados pela popularidade dos seus produtos colecionáveis. Na quarta-feira, os títulos da Pop Mart subiram 4,23% na bolsa de Hong Kong, apesar do tom negativo do mercado, na sequência do anúncio de que a faturação no terceiro trimestre aumentou entre 245% e 250%, impulsionada pela viralização de Labubu nas redes sociais e pela expansão internacional da empresa. Segundo dados fornecidos pela companhia, as vendas domésticas cresceram 190%, enquanto as internacionais dispararam 370%, com destaque para subidas de 175% na região Ásia-Pacífico, mais de 740% na Europa e quase 1.270% nos Estados Unidos. A forte queda registada hoje é atribuída em grande parte à realização de lucros, após a valorização superior a 186% desde o início do ano, e à incerteza sobre a sustentabilidade do atual ritmo de crescimento. A ação caiu 8,1% na terça-feira, o pior desempenho desde abril, penalizada pelos receios de um abrandamento nas vendas após meses de euforia. A divulgação preliminar de resultados ajudou a dissipar temporariamente essas preocupações, mas a ausência de uma data oficial para a apresentação das contas mantém a incerteza quanto à evolução futura da empresa. O presidente executivo e fundador, Wang Ning, mostrou-se confiante na resiliência de longo prazo do personagem Labubu, defendendo que ícones culturais continuam a gerar receitas mesmo após o pico de popularidade. Segundo a agência Bloomberg, a explosão da procura obrigou a própria empresa a rever em alta as suas metas internas. Se no início de 2024 a Pop Mart previa uma faturação de 2.800 milhões de dólares (cerca de 2.400 milhões de euros), em agosto Wang elevou essa meta para 4.200 milhões de dólares (3.600 milhões de euros), apontando o impulso global da marca como fator-chave. Fundada em Pequim em 2010, a Pop Mart consolidou-se como uma das principais referências asiáticas no setor de brinquedos e figuras de coleção, combinando design exclusivo, edições limitadas e colaborações com marcas, artistas e franquias internacionais. O seu modelo de negócio assenta nas chamadas “caixas surpresa”, que incentivam compras repetidas e criaram uma comunidade de fãs dispostos a pagar elevados prémios por peças raras. Entre as suas principais linhas está Labubu, um monstro de orelhas pontiagudas e sorriso travesso inspirado na mitologia nórdica, criado pelo artista de Hong Kong Lung Ka-sing em 2015 e integrado no portefólio da empresa em 2019.
Hoje Macau Grande PlanoLouvre | França vai reforçar segurança de locais culturais após roubo O ministro francês da Administração Interna, Laurent Nuñez, vai reforçar medidas de segurança em todos os estabelecimentos culturais, anunciou ontem a assessoria, após um roubo de jóias no Museu do Louvre, em Paris. A decisão foi tomada após reunião com a sua colega de governo com a pasta da Cultura, Rachida Dati, adiantou a mesma fonte ministerial, citada pela agência noticiosa francesa AFP. A instituição, no centro da capital de França, manteve-se encerrada ontem, um dia após um grupo, ainda a monte, ter conseguido roubar múltiplas obras de arte de joalharia. “O Museu do Louvre vai permanecer fechado hoje (ontem) por razões excepcionais. Pedimos desculpa pelo incómodo”, pode ler-se numa mensagem publicada no sítio oficial da Internet daquele museu. Um grupo de quatro homens roubou joias no domingo de manhã, em poucos minutos e quando o museu já estava aberto e com visitantes no interior, utilizando uma máquina empilhadora, estacionada na respectiva margem do rio Sena, e fazendo-a subir até à altura de uma janela do primeiro andar do edifício. O grupo levou oito peças “de inestimável valor patrimonial”, entre as quais a tiara da imperatriz Eugénia (mulher de Napoleão III, imperador de 1852 a 1870) e dois colares, informou no domingo o Ministério da Cultura francês. Só aquela joia tem 212 pérolas e 1.998 diamantes, de acordo com a descrição do Louvre, enquanto as peças pertencentes à rainha Maria Amélia contam com múltiplas safiras e centenas de diamantes. Este museu parisiense é o maior e mais visitado do Mundo, com nove milhões de pessoas a apreciarem parte das 35.000 obras que a instituição aloja, nos seus 73 mil metros quadrados de espaço.
Hoje Macau Grande PlanoCortes levam 13,7 milhões de pessoas a correr risco de fome extrema Os cortes no financiamento da ajuda humanitária podem expor até 13,7 milhões de pessoas à fome extrema em todo o mundo, alertou ontem o Programa Alimentar Mundial (PAM). “O sistema de ajuda humanitária está sob forte pressão com a retirada dos parceiros das áreas da linha da frente, criando um vazio”, afirmou a agência sediada em Roma num novo relatório intitulado “Uma bóia salva-vidas em perigo”. A agência da ONU afirmou que seis das suas operações – no Afeganistão, na República Democrática do Congo, no Haiti, na Somália, no Sudão do Sul e no Sudão – estão “a enfrentar grandes perturbações, que só irão piorar”. O PAM alertou que o seu financiamento “nunca foi tão desafiante”, antecipando “uma queda de 40 por cento” em 2025, “o que se traduzirá num orçamento projectado de 6,4 mil milhões de dólares, em comparação com os 10 mil milhões de dólares em 2024”. O relatório não cita nenhum país, mas aponta para um estudo publicado na revista médica The Lancet, que constatou que 14 milhões de mortes adicionais em todo o mundo por doenças, deficiências nutricionais e condições maternas e perinatais poderiam ocorrer até 2030, como resultado apenas dos cortes na ajuda humanitária norte-americana. Regressos e recordes Desde o regresso do Presidente norte-americano, Donald Trump, à Casa Branca, Washington anunciou cortes massivos na sua ajuda externa, desferindo um enorme golpe nas operações humanitárias em todo o mundo. “A cobertura do programa foi significativamente reduzida e as rações cortadas. A assistência vital às famílias em situações de catástrofe alimentar [Fase 5 da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar/IPC] está ameaçada, enquanto a preparação para impactos futuros diminuiu significativamente”, alerta o PAM. Em termos mundiais, “o PAM estima que os seus défices de financiamento possam levar 10,5 a 13,7 milhões de pessoas atualmente em insegurança alimentar aguda (Fase 3 do IPC) para emergência humanitária (Fase 4 do IPC)”, acrescentou o organismo. A agência da ONU afirmou que a fome global já atingiu níveis recorde, com 319 milhões de pessoas a enfrentarem insegurança alimentar aguda — incluindo 44 milhões em níveis de emergência.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteÓbito | António Coelho morre com 77 anos, mas deixa legado na gastronomia portuguesa O fundador do Restaurante António morreu no domingo em Macau, devido a problemas de coração. Para trás, deixa uma marca e um conceito inovador de promoção da comida portuguesa na Ásia Um pai, um amigo e um dos grandes embaixadores da gastronomia portuguesa na Ásia. O chef António Coelho morreu no domingo, com 77 anos, devido a problemas de coração, mas deixa para trás um percurso profissional de quase 40 anos e uma influência que se faz sentir em vários restaurantes e cozinheiros de comida portuguesa em Macau. Nascido em Portugal em 1948, o primeiro contacto de António Coelho com Macau aconteceu em 1970, quando teve de cumprir o serviço militar obrigatório de quatro anos. Após dois anos, a terra ficou na memória, mas o futuro cozinheiro optou por regressar à Europa. Em Portugal, começa por trabalhar na Segurança Social, mudando, mais tarde, para num laboratório de análises clínicas. Foi nesta área que desenvolveu o gosto pela gastronomia, não pelo trabalho, mas pelos vários almoços e jantares em diferentes restaurantes. Cada vez mais interessado na cozinha, António decide empregar-se, em 1984, num restaurante, onde admitiu ter aprendido a cozinhar, de acordo com uma entrevista ao jornal South China Morning Post, de 2018. Os primeiros anos da nova carreira de António Coelho são passados em Portugal, onde desempenha diferentes funções como gerente-administrador do restaurante Botequim do Rei ou director do departamento de restauração do Grande Hotel da Curia. Em 1996, tem a primeira experiência internacional, como director do departamento de restauração do Hotel Trópico, em Cabo Verde. A experiência prolonga-se um ano. Criação de um legado Regressado a Macau em 1997, António vai trabalhando durante 10 anos em diferentes espaços, como os restaurantes Frol de la Mar, Lusitano, Lisboa, tendo ainda uma breve passagem por Hong Kong, em 2002, no Restaurante Inn. No entanto, o passo decisivo para a sua afirmação como um dos chefs mais influentes de gastronomia portuguesa na Ásia surge em 2007, com a abertura do Restaurante António. E o êxito que se seguiu não foi obra do acaso, como contou Edgar Rodrigues, chef que veio para Macau para trabalhar no lançamento do projecto: “O sucesso teve por base as receitas, a qualidade da comida, mas também o muito profissionalismo”, afirma Edgar Rodrigues, ao HM. “Ele estava muito atento aos clientes. Se houvesse um pedido de amêijoas à bolhão pato, ele tinha receitas diferentes adaptadas à nacionalidade. Por exemplo, os coreanos não gostam de coentros, a receita para eles não tinha coentros. Os clientes chineses gostam de pouco sal, eram servidos com pouco sal, e os locais gostam da receita mais tradicional. Num único prato havia várias formas de cozinhar, só para satisfazer os diferentes clientes”, recorda. Também Cristiano Tavares, actualmente chef do restaurante Macalhau, veio para Macau para trabalhar no Restaurante António. Considera que o chef encontrou um posicionamento para a comida portuguesa que ainda hoje influencia outros restaurantes. “Acho que o sucesso se deveu à maneira de ser, era uma pessoa politicamente correcta, tinha uma forma de trabalho que agradava tanto a turistas chineses, coreanos como japoneses”, explicou Cristiano Tavares, ao HM. “Éramos um restaurante de rua com quatro ou cinco cozinheiros. Ele conseguiu fazer o que ainda hoje muitos restaurantes grandes não conseguem fazer. Hoje em dia há muitos restaurantes com comida portuguesa que que abrem em Macau, mas seguem o exemplo do que ele fez”, considerou. Qualidade e espectáculo Além da comida, os clientes Restaurante António deixavam seduzir-se pelo “espectáculo”. É esta a visão de Marcelino Marques, amigo de António e músico que durante vários anos animou as noites do espaço, com música tradicional portuguesa. “A qualidade da comida fazia com que o espaço fosse popular. Ele tinha muito cuidado na escolha da comida e das bebidas servidas. Ia a Portugal escolher vinhos de várias regiões, como o Douro ou o Alentejo, todos com muita qualidade, que eram engarrafados com a marca António. As pessoas sabiam que não iam pagar pouco, não que fosse um espaço com preços de luxo, não era, mas a quantidade servida não era pouca”, recordou Marcelino Marques. Todavia, o músico considera que o sucesso também se deveu a um conceito em que a refeição também era um espectáculo: “As pessoas gostavam de ouvir a música portuguesa, mas também de estar com o António. Ele era uma pessoa afável, grande e aparecia com aquela jaqueta branca com as bandeiras de Portugal, China e Macau e as pessoas gostavam da presença dele e pediam-lhe para tirar fotografias” conta. “Ele também abria uma garrafa champanhe com uma espada. Fazia toda uma cerimónia e as pessoas gostavam muito disto. Era um espectáculo e uma festa ver a rolha a voar da garrafa. Funcionava bem”, lembrou. Marcelino Marques recorda que a comida e o espectáculo faziam com que o restaurante fosse muito famoso, principalmente entre turistas japoneses, coreanos e de Hong Kong. O músico revela que as marcações dos turistas nipónicos aconteciam com dias de antecedência. E para este factor também contribuiu o facto de António oferecer no final das refeições um cálice de vinho do porto, o que também levou ao reconhecimento da Confraria do Vinho do Porto. O sucesso do Restaurante António fez com que o chef vendesse o espaço a um fundo de investimento, passando a embaixador do espaço. A ruptura com o fundo aconteceu em 2020, quando foi despedido sem justa causa. O caso acabou nos tribunais, com António a vencer a causa. Nos últimos anos, António assumiu a posição de chef executivo no Angela’s Café and Lounge, no Hotel Lisboeta. Um pai, um amigo Devido ao trabalho em Macau, António foi distinguido, em 2013, pelo Governo da RAEM com a Medalha de Mérito Turístico da RAEM. Também em 2015, recebeu a medalha de mérito das comunidades portuguesas do Governo Português. No entanto, para quem trabalhou com ele o mais importante foi a relação que ultrapassou o campo estritamente profissional. “Ele teve um grande impacto em Macau e para mim foi como segundo pai. Quando vim para Macau não tive uma vida fácil e ele sempre me deu a mão”, confessou Rodrigues. “Foi sempre uma pessoa que esteve presente para mim. E sempre o encarei como um homem de ferro. Em tudo o que ele fazia havia ali uma grande vontade”, apontou. Este é um sentimento partilhado por Cristiano Tavares. “O António é o meu pai em Macau. Ele trabalhou até ao último dia, sempre com seriedade, honestidade e integridade. É um exemplo para todos os chefs que estamos nesta área”, indicou. Para Marcelino Marques a morte de António é a perda de um amigo. “O António foi a pessoa que me acolheu em Macau e era capaz de o fazer o mesmo com toda a gente. Ele era rigoroso e exigente, mas era uma pessoa excelente”, descreveu. “Toda a gente o conhecia. Era uma pessoa afável e recebia como ninguém”, completou.
Hoje Macau Grande PlanoQuímica | Nobel para o desenvolvimento de estruturas metalorgânicas O Prémio Nobel da Química foi atribuído a Susumu Kitagawa, da Universidade de Quioto, Richard Robson, da Universidade de Melbourne, e Omar M. Yaghi, da Universidade da Califórnia, “pelo desenvolvimento de estruturas metalorgânicas”, anunciou ontem a Real Academia Sueca de Ciências. Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar Yaghi desenvolveram uma nova forma de arquitectura molecular – estruturas metalorgânicas – que pode ser usada para colectar água do ar do deserto, capturar dióxido de carbono, armazenar gases tóxicos ou catalisar reacções químicas. Os três laureados criaram construções moleculares com grandes espaços através dos quais gases e outros produtos químicos podem fluir. O presidente do Comité Nobel de Química, Heiner Linque, salientou precisamente o facto de estas “estruturas metalorgânicas terem um enorme potencial, trazendo oportunidades antes imprevistas para materiais personalizados com novas funções”. A investigação que levou à descoberta desta nova forma de arquitectura molecular começou há cerca de quatro décadas, em 1989, quando Richard Robson testou a utilização das propriedades inerentes dos átomos, combinando iões de cobre com carga positiva com uma molécula de quatro braços. Quando combinados, eles ligaram-se “para formar um cristal espaçoso e bem ordenado. Era como um diamante cheio de inúmeras cavidades”, explica a academia. Robson percebeu imediatamente o potencial da sua construção molecular, mas ela era ainda instável e desmoronava facilmente. Foram os químicos Susumu Kitagawa e Omar Yaghi que conseguiram fornecer uma base sólida para esse método de construção. Aplicações notáveis Após as descobertas dos três laureados, os químicos construíram dezenas de milhares de diferentes MOF. Alguns deles podem contribuir para resolver alguns dos maiores desafios da humanidade, com aplicações que incluem a decomposição de vestígios de produtos farmacêuticos no ambiente, a captura de dióxido de carbono ou a recolha de água do ar do deserto. A descoberta permite ainda a separação de substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas (PFAS) da água. As PFAS são um grupo de compostos químicos sintéticos conhecidos como “químicos eternos” devido à sua extrema persistência no ambiente e no corpo humano. As PFAS são utilizadas numa vasta gama de produtos industriais e domésticos, como têxteis resistentes a manchas e água, embalagens de alimentos, panelas antiaderentes e espumas de combate a incêndios. A sua acumulação no ambiente e os potenciais riscos para a saúde, incluindo danos no fígado e outros problemas, têm levado a preocupações e à procura por alternativas mais seguras.
Hoje Macau Grande PlanoEstudo | Trump foi principal disseminador de desinformação nos EUA em 2024 O Presidente norte-americano, Donald Trump, foi o principal disseminador de desinformação nos Estados Unidos da América (EUA), em 2024, concluiu um estudo do International Center for Jounalists (ICFJ). “O Presidente dos EUA, Donald Trump, foi a fonte dominante e distribuidora de desinformação” em 2024, afirmam os autores do estudo “Desarmando a Desinformação: Estados Unidos”. O estudo destaca que Trump recorreu a funções das forças políticas domésticas, em vez de actores estatais estrangeiros, como a principal fonte de narrativas de desinformação no discurso político dos EUA. Além disso, a existência de grupos de WhatsApp e outros espaços digitais fechados muitas vezes actuam como “casulos de informação” que fomentam rumores e outras formas de desinformação. Desta forma, “a disseminação viral de desinformação e o ataque estratégico a jornalistas surgiram como ameaças interligadas à democracia. Numa era de crescente autoritarismo e retrocesso democrático, as falsidades são frequentemente utilizadas como arma por actores estatais para influenciar a opinião pública, minar o jornalismo e intimidar jornalistas”. Os autores do estudo afirmam que estes factores são cada vez mais a realidade norte-americana, com Donald Trump a “promulgar narrativas manifestamente falsas” nos últimos anos. “Os media americanos enfrentam uma profunda crise de informação, num tempo de repressão à liberdade de expressão”, lê-se no estudo. Neste sentido, a confiança na grande imprensa continua a diminuir num clima de crescentes ataques aos media, por parte do Governo Trump. O estudo publicado pelo International Center for Jounalists (ICFJ) teve como base a análise de 10.000 notícias e publicações em meios de comunicação durante 2024, bem como um inquérito a 1.020 americanos.
Hoje Macau Grande PlanoCientistas ‘reduzem’ idade do templo egípcio de Karnak, no Egipto Os investigadores realizaram o estudo geoarqueológico mais abrangente do templo de Karnak, próximo de Luxor, e revelaram ligações sugestivas com a mitologia egípcia antiga e novos dados sobre a interacção entre a paisagem ribeirinha do complexo e os povos que ocuparam o local durante os seus quase 3.000 anos de utilização. Os resultados da investigação foram publicados na segunda-feira na revista Antiquity, noticiou a agência Efe. Participaram no estudo investigadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, e da Universidade de Uppsala, na Suécia. Foram analisadas até 61 amostras de sedimentos do interior e da envolvente do templo e milhares de fragmentos de cerâmica encontrados no complexo de Karnak, localizado a 500 metros a leste do atual rio Nilo, perto de Luxor, na antiga capital religiosa egípcia de Tebas. Os investigadores mapearam como a paisagem em redor do sítio mudou ao longo da sua história e descobriram que, antes de 2520 a.C., o local não poderia ter sido adequado para ocupação permanente devido às inundações periódicas causadas pelas fortes correntes do Nilo. Por conseguinte, situaram a ocupação mais antiga em Karnak durante o Império Antigo (entre 2591 e 2152 a.C.). Os fragmentos de cerâmica encontrados no sítio corroboram esta descoberta, sendo que os mais antigos datam entre 2305 e 1980 a.C. Portanto, as conclusões desta equipa internacional de investigadores fornecem novas evidências sobre a idade de Karnak, que tem sido acaloradamente debatida nos círculos arqueológicos há décadas. A origem de tudo O solo sobre o qual o templo foi fundado formou-se quando os canais dos rios avançaram para oeste e para leste, criando uma ilha de terreno elevado no que é atualmente a região este-sudeste do sítio. Esta ilha emergente lançou as bases para a ocupação e a construção inicial de Karnak. Ao longo dos séculos e milénios seguintes, os canais dos rios de ambos os lados do sítio divergiram ainda mais, criando mais espaço para o desenvolvimento do complexo do templo, como confirmaram agora os investigadores. Esta nova compreensão da paisagem do templo apresenta semelhanças impressionantes com um antigo mito da criação egípcia, levando a equipa a acreditar que a decisão de localizar o templo ali pode ter estado relacionada com as visões religiosas dos seus habitantes. Textos egípcios antigos do Império Antigo indicam que o ‘Deus Criador’ se manifestou como um terreno elevado a emergir do lago, e os investigadores verificaram que a ilha onde Karnak foi fundada é a única área conhecida de terreno elevado rodeada de água na região. Assim, os arqueólogos sugeriram que as elites tebanas escolheram a localização de Karnak para ser a morada de uma nova forma de ‘Deus Criador’, aludindo a Amon-Rá, o deus supremo do antigo Egito, uma vez que o local se enquadrava perfeitamente no cenário mitológico das terras altas que emergiam das águas circundantes como a origem da formação do Universo.
Hoje Macau Grande PlanoFísica | Nobel para tunelamento mecânico quântico macroscópico O Prémio Nobel da Física foi atribuído a John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis “pela descoberta do tunelamento mecânico quântico macroscópico e pela quantização de energia num circuito elétcrico”, anunciou ontem a Real Academia Sueca de Ciências. “Uma questão importante em física é o tamanho máximo de um sistema capaz de demonstrar efeitos da mecânica quântica. Os laureados com o Prémio Nobel deste ano realizaram experiências com um circuito eléctrico no qual demonstraram tanto o tunelamento quântico como os níveis de energia quantizados num sistema suficientemente grande para ser segurado na mão”, explica a academia sueca das ciências em comunicado publicado no seu ‘site’. O britânico John Clarke realizou a sua investigação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA; o norte-americano John Martinis na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara; e o francês Michel Devoret na Universidade de Yale e também na da Califórnia, Santa Barbara. Segundo a academia, a mecânica quântica permite que uma partícula atravesse directamente uma barreira, através de um processo chamado tunelamento. Quando um grande número de partículas está envolvido, os efeitos quânticos geralmente tornam-se insignificantes. As experiências dos cientistas agora distinguidos demonstraram que propriedades quânticas podem ser tornadas concretas em escala macroscópica. “É maravilhoso poder celebrar a forma como a mecânica quântica, com mais de um século de existência, continua a oferecer novas surpresas. Ela também é extremamente útil, já que é a base de toda a tecnologia digital”, disse o presidente do Comitê Nobel de Física, Olle Eriksson, citado no comunicado. A academia sueca diz que os transístores nos microchips de computadores são um exemplo da tecnologia quântica consolidada. Os cientistas hoje distinguidos com o Nobel da Física partilham um prémio de 11 milhões de coroas suecas (quase um milhão de euros).
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLinguística | Publicado estudo baseado numa viagem a Macau no século XIX A académica Anabela Leal de Barros acaba de publicar um estudo linguístico que incide sobre a viagem do padre Miranda e Oliveira, ligado à Congregação da Missão, a Macau em 1825. Com laivos de história, são revelados detalhes sobre o português da época e de Macau. O livro será apresentado no Centro Científico e Cultural de Macau na próxima quarta-feira “Viagem de Lisboa para Macau – 1825” é o título da mais recente obra editada pela Grão-Falar, da autoria da académica da Universidade de Minho Anabela Leal de Barros. O livro faz uma análise crítica e interpretativa ao português da época deixado no manuscrito do pároco José Joaquim de Miranda e Oliveira, sacerdote da Congregação da Missão. Esta documentação está à guarda do Arquivo Distrital de Braga. Porém, a obra não desbrava apenas o português da época, revelando outros detalhes históricos de Macau, da Ásia e de uma viagem marítima. Segundo contou Anabela Leal de Barros ao HM, a obra é “o mais fiel possível à ortografia do manuscrito”, até à data praticamente desconhecido. Neste diário de viagem, o padre Miranda e Oliveira “revela enorme curiosidade diante de todas as novidades e vai partilhando connosco os seus nomes nas línguas do mundo que as baptizaram, começando pela nossa”. É dessa forma que explica situações como “o enjoo marítimo, realidade ainda relativamente desconhecida e fortemente invasiva nas embarcações”, naqueles tempos. O padre nomeou ou definiu “os mangalhões, as toninhas, as caravelas, os feijões-frades, os voadores, as albacoras — toda a sorte de aves e de peixes que ao longo da viagem se admirou, pescou ou provou”, ou ainda os “fenómenos meteorológicos com os nomes locais – cacimba, samatra, tufão”. Há também detalhes sobre os “hábitos culturais como a masca, buio em indonésio; às seges filipinas, os berloches, e à classe dominante dos camisolas, bem como às sômas, embarcações chinesas”. A embarcação partiu de Lisboa em Abril de 1825 e demorou-se nas Filipinas, chegando a Macau a 23 de Outubro. Descreve-se a chegada “à ilha de Caó” e no dia seguinte “ao Colégio de S. José”, a “uma cidade com ‘um magnífico porto de comércio’, situada ‘em uma península assaz agradável’, com ‘boas águas’ e ‘famosos edifícios à europeia'”. Variedades linguísticas Na obra editada pela Grão-Falar há, por exemplo, “histórias ricas como a das Orvalhadas de S. João, do Caldeirão de Frei Junípero ou do hábito de os mareantes gritarem ‘Refresca S. Lourenço!’ para que o vento sopre, sendo esse o significado aqui de ‘refrescar'”. Há também “alusões à própria variedade linguística”, pois “em vários momentos se refere a comunicação com estrangeiros feita em latim, em território indonésio-holandês e filipino-espanhol; o ensino particular do inglês nas Filipinas por membros da Congregação da Missão; o pouco conhecimento e uso do espanhol, mesmo em Manila, e a variação do próprio tagalo, língua em que o sacerdote se preocupa em deixar registada a Ave-Maria”. Antes de chegar a este relato de viagem, Anabela Leal de Barros já andava nos meandros da investigação deste tipo de manuscritos, deparando-se com a história de outro sacerdote, “o maior sinólogo português, Joaquim Afonso Gonçalves, que viajara da mesma casa de Rilhafoles da Congregação da Missão para Macau em 1812”. Segundo a autora, este pároco “dedicou os últimos vinte e nove anos da sua vida à missão de evangelização na China, e em particular à investigação e ensino do chinês no Colégio de S. José em Macau”. Em toda a sua vida, “este transmontano escreveu mais de cinco mil páginas de gramáticas e dicionários em português, latim e chinês, expressamente dedicados aos seus alunos do Colégio, sete impressos na sua tipografia e pelos menos dois manuscritos”. Depois, em 2017, António Lázaro, do Departamento de História da Universidade do Minho, e director do Instituto Confúcio, disponibilizou a Anabela Leal de Barros “uma lista de referências a manuscritos do Arquivo Distrital de Braga sobre Macau e a China”. Iniciou-se, então, uma “viagem” que culminou na edição deste estudo. “Este livro é o primeiro fruto de um projecto meu de edição e estudo de manuscritos inéditos de literatura de viagens cujo objectivo principal é exactamente esse: contribuir para a valorização e consolidação da micro-história dos Descobrimentos e da memória da história, entre os séculos XV-XIX”. Acompanhado em viagem José Joaquim de Miranda e Oliveira demorou cerca de sete meses a chegar a Macau, partindo de Lisboa a 1 de Abril de 1825, e chegando a Oriente a 24 de Outubro do mesmo ano. Partiu no navio Vasco da Gama com mais três padres da congregação: João da França de Castro e Moura, Jerónimo José da Mata e José́ Ferreira da Silva. Segundo Anabela Leal de Barros, “o manuscrito não parece ter sido passado a limpo pelo próprio autor, atendendo ao tipo de variação ortográfica e de gralhas e emendas que apresenta”, tendo sido, provavelmente, “trasladado, para salvaguarda de cópias, por algum membro macaense do Colégio, já que o português de Macau, no século XIX, tinha características compatíveis com certos traços, estranhos num sacerdote chegado de Portugal, ainda que jovem”. Este diário de viagem “termina no próprio dia da chegada a Macau, com a brevíssima apresentação da cidade e do colégio, ficando já clara a perspectiva católica da época diante do culto chinês dos antepassados e sem se deixar de chamar a atenção para os meros cinco mil cristãos no conjunto dos 40 a 50 mil habitantes da cidade”. Hostilidades políticas José Joaquim de Miranda e Oliveira descreve como o bispo de Macau não recebeu a comitiva, o que é “suficiente para nos conduzir ao contexto hostil em que se achavam os lazaristas, defensores do liberalismo, o que levara Joaquim Afonso Gonçalves, poucos anos antes, a refugiar-se nas Filipinas, tendo o colégio ficado desfalcado de dois dos seus mestres”. Além disso, “ao longo da viagem o sacerdote não deixa de narrar todos os momentos em que vai realizando a sua missão diária, com a administração dos sacramentos, a reza de responsos e a celebração de missas, mas sobretudo regista a notável falta de sacerdotes que revelam os povos cristianizados, em particular em Batávia, actual Jacarta, onde a comunidade de origem portuguesa, de mais de um milhar de pessoas, contava apenas com um velho padre”. Nestes relatos revela-se ainda a preocupação de “recordar os primeiros mártires franceses da Congregação na tentativa de evangelização de Madagáscar e de relatar a presença de frades e padres das diversas congregações, de Cabo-Verde às Filipinas, onde estes são reconhecidos como mais importantes para a solidez do domínio espanhol do que o seu exército”. Segundo Anabela Leal de Barros, o relato aludiu também, em Java, “aos luteranos e maometanos, bem como às religiões da China e, em Manila, à perseguição dos cristãos (referindo o ‘jantar’, ou seja, almoço com um chinês cristão, ‘e como tal perseguido’)”. Miranda e Oliveira terá tido “uma conduta muito diplomática e convivial, assegurando o estabelecimento e manutenção de relações cordiais entre as várias ordens e igualmente com os governadores e potências estrangeiras em presença, dos holandeses aos espanhóis, que visitam em todas as paragens”. Um projecto em curso Nestes anos, era uma aventura perigosa viajar de barco, enfrentando-se “os povos antropófagos, a pirataria, as doenças dos embarcadiços e as epidemias”, uma “visão perfeitamente cinematográfica” já descrita n’Os Lusíadas, de Luís de Camões. Quem embarcava nestas viagens também se via só, “individualmente e num pequeno navio pouco mais que uma casca de noz, diante de um mar infindo, durante meses, em tempos nos quais era comum vários passageiros não chegarem ao destino, ou não regressar sequer um navio de uma esquadra completa”. No relato de Miranda e Oliveira “não há grandes novidades” face a relatos anteriores, mas “somos inteirados das principais dificuldades das viagem marítima para a Ásia no século XIX: as pedras existentes ainda antes da Torre de Belém, que causavam não poucos naufrágios; e o enjoo, que merece mesmo definição para os muitos leitores que nunca haviam posto os pés num barco, e a propósito do qual se refere a facécia do capitão aconselhando as senhoras enjoadas a subir à tolda e a trabalhar, por ser o melhor remédio”. Há ainda “o episódio do homem caído ao mar da charrua que os acompanhou em parte da viagem, que não conseguiram salvar — uma morte a que todos estavam tão expostos, como refere o narrador”. Destaca-se também outra potencial peripécia em viagens deste tipo, “o encontro com navios que, não hasteando de imediato qualquer bandeira, ou hasteando-a sem dar confiança de verdadeira, conduziam imediatamente à decisão de acender os morrões e abrir fogo, o que bem traduz a dimensão da pirataria e os receios que impunha”. Essencialmente, “a personagem principal das viagens marítimas era o vento”, o que levou o ainda “jovem sacerdote” a “evocar por duas vezes os versos camonianos da tempestade”. Depois da chegada a Macau, Miranda e Oliveira partiu para o seu posto em Nanquim, “numa viagem comparativamente mais demorada que a primeira, recebido pelos cristãos a custo e secretamente”. “Diante de perseguições” acaba por sucumbir “aos perigos e enfermidades da terra firme, aos 31 anos, longe de todos os seus confrades, logo a 1 de Novembro de 1828, apenas dois anos depois de ter descrito a difícil despedida da sua família espiritual, em Lisboa”. “Tiveram mais longevidade os seus companheiros de viagem, um dos quais viria a ser Bispo de Macau e o outro, de Pequim e do Porto”, destaca Anabela Leal de Barros.
Hoje Macau Grande Plano MancheteRagasa | Sam Hou Fai apela à prevenção para que Macau não fique entregue à sorte O Governo reuniu ontem para discutir as operações de protecção civil devido ao super tufão Ragasa. Sam Hou Fai apelou à prevenção e Tai Kin Ip indicou que os casinos vão fechar hoje à tarde, quando for emitido o sinal 8. A CNN avançava ontem que, até agora, o Ragasa é a tempestade mais forte deste ano a nível mundial Depois de ter tocado em terra ontem na ilha de Calyan nas Filipinas, o super tufão Ragasa avançou pelo Mar do Sul da China, seguindo uma trajectória que as autoridades de Macau estimam poder passar a penos de 100 quilómetros do território. A CNN indicava ontem que, até agora, esta era a pior tempestade este ano a nível global. Por cá, a chegada do super tufão levou as autoridades a reunir ontem no Centro de Operações de Protecção Civil com o Chefe do Executivo. Sam Hoi Fai destacou a importância do trabalho preventivo, referindo que, com base nas análises das autoridades do Interior da China, Hong Kong, Taiwan, o Ragasa pode ser a tempestade mais forte a atingir a RAEM desde o Mangkhut, uma possibilidade que classificou como “muito alta”. Segundo as previsões dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, o Ragasa poderá passar a menos de 100 quilómetros de Macau entre a madrugada e a manhã de quarta-feira. Sam Hou Fai entende que a sociedade e todos os serviços governamentais têm de estar alerta, não devendo apenas “ter uma mentalidade contar com boa sorte”. “Diz-se muito que ‘Macau é uma terra abençoada’, mas isso pode resultar na negligência”, acrescentou. O Chefe do Executivo explicou que o Ragasa pode provocar fenómenos de “storm surge” sobrepostos tal como ocorreu com o Mangkhut, originando inundações com um máximo de cinco metros de altura, ao nível do primeiro piso do Mercado Vermelho, por exemplo. “O impacto poderá ser significativo. A preparação foi realizada com antecedência e comunicação interdepartamental, esperando que os prejuízos possam reduzir-se ao mínimo possível, a fim de garantir a segurança e estabilidade de toda a população. Apelo, de forma séria, a que todos os comerciantes, instituições públicas e privadas, e ainda associações, façam bem o trabalho de preparação contra a catástrofe com antecedência”, alertou. Casinos podem fechar À margem da mesma reunião, o secretário para a Economia e Finanças, Tai Kin Ip, disse que os casinos vão fechar portas caso seja içado o sinal 8 de tempestade, e que as autoridades irão transmitir esse cenário de forma antecipada, a fim de garantir a segurança pessoal de turistas e funcionários do sector do turismo. Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, disse que a sua tutela reuniu com empresas e associações para coordenar os esforços de limpeza nas ruas, após a passagem do tufão. O secretário também apelou à evacuação, em primeiro lugar, dos residentes com idade mais avançada. Por sua vez, a chefe do Departamento de Serviços Familiares e Comunitários do Instituto de Acção Social, Lei Lai Peng, apontou que o organismo preparou o lançamento do nível 2 do Mecanismo de Evacuação e Acolhimento de Emergência, sendo que os 17 centros de acolhimento de emergência disponíveis poderão estar abertos, com capacidade para receber 24 mil pessoas. No que diz respeito à Ponte Macau, Raymond Tam, secretário para os Transportes e Obras Públicas, garantiu que a infra-estrutura vai estar encerrada ao trânsito durante a passagem do tufão, ainda que os anteriores resultados dos testes à circulação viária em altura de tempestade tenham sido positivos. O secretário justificou o encerramento da ponte dizendo que o Ragasa é um “super tufão” e que teve em conta o mau estado dos acessos à infra-estrutura. Raymond Tam referiu também que caso as inundações sejam acima de um metro, vai considerar a possibilidade de suspender o fornecimento de electricidade nas zonas mais baixas do território, a fim de acelerar todo o processo de recuperação depois do tufão. A partir das 15h desta tarde e até amanhã, entre 250 e 280 voos com destino ou partida do Aeroporto Internacional de Macau serão cancelados. Quanto ao regresso às aulas, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, O Lam, garantiu que o Governo vai analisar a situação com base nos dados oficiais sobre inundações e chuvas intensas ocorridos após o tufão, fornecidos pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos. Será também analisado o estado das escolas e das estradas para decidir que existem condições de reabertura. Porém, O Lam indicou que as escolas têm flexibilidade para tratar de questões como a presença de alunos e o agendamento de testes.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCinema | Filmes de Hong Kong exibidos pela segunda vez em Lisboa A ex-residente de Macau Vanessa Pimentel é a directora artística da segunda edição da Mostra de Cinema de Hong Kong, que vai decorrer entre 25 e 28 de Setembro no Cinema Ideal, em Lisboa. “Making Waves – Navigators of Hong Kong” irá apresentar películas como “Papa”, o documentário “Four Trails” e a cópia restaurada de “Ah Ying”, de 1983 São seis filmes, quatro de ficção e dois documentários, que prometem mostrar o que de melhor se vai fazendo no cinema de Hong Kong. É assim a segunda edição da Mostra de Cinema de Hong Kong, a decorrer em Lisboa, no Cinema Ideal, entre os dias 25 e 28 de Setembro, e que tem como directora artística Vanessa Pimentel, também ela realizadora, ex-residente de Macau ligada à produtora Blue Lotus Lisboa. Além das exibições, o público português poderá ver de perto actores, realizadores e produtores de Hong Kong, numa prova de que é possível estabelecer laços entre Portugal e diferentes ambientes cinematográficos. O cartaz deste ano compõe-se de “Papa”, um filme de 2024 do realizador Philip Yung que será exibido logo no dia 25, uma quinta-feira. Segue-se “All Shall Be Well”, de Ray Yueng; “Never Too Late”, de Rikki Choy; “Montages of a Modern Motherhood”, de Chan Oliver Siu Kuen; “Four Trails”, um documentário de 2023 dirigido por Robin Lee. Para encerrar o festival em beleza, será projectada a cópia restaurada de “Ah Ying”, de Allen Fong, um filme de 1983. Vanessa Pimentel explicou ao HM que a mostra tem “um programa que parte de Hong Kong”, onde já existe desde 2022. “Trata-se de um programa itinerante que visa divulgar o cinema de Hong Kong, sobretudo o cinema feito por realizadores mais jovens em termos de experiência, embora os programas contenham sempre obras de realizadores mais veteranos”, disse. Este ano, além de Lisboa, a Mostra de Cinema de Hong Kong passará por cidades como Berlim, Paris, Montreal e Udine, na Itália. O evento pode estar ligado a festivais de cinema asiático ou não. E é intenção de Vanessa e da Blue Lotus criar um festival de cinema asiático em Lisboa, sendo que o cinema de Macau fará parte dele. “No nosso caso, a mostra não está associada a nenhum festival porque ainda não existe, mas espero conseguir fazê-lo”, contou. “Nasci e cresci em Lisboa, mas venho de Macau, e a minha vida de Macau está muito ligada em tudo isto. Claro que um festival de cinema asiático em Lisboa tem de incluir Macau, nem poderia ser de outra forma.” “Fazemos este programa com vista a irmos um pouco mais longe, e estamos de olhos postos na criação de um festival de cinema asiático”, disse ainda. “Ainda não conseguimos, temos de continuar a trabalhar, mas acho que estamos no bom caminho”. Vanessa Pimentel diz que, apesar de já não viver no território, continua a estar bastante ligada ao cinema que se faz por cá. “Vou a Macau, pelo menos, duas vezes por ano, e tenho estado em permanente contacto com as pessoas de cinema. Todos eles estão a par do nosso programa [na Mostra de Cinema de Hong Kong] e há uma relação.” Película a película Pedimos à directora artística da mostra para falar daquilo que o público poderá ver na pequena sala do Cinema Ideal, que funciona de forma independente, sem ligação a grandes grupos de exibição de cinema, e que se localiza no coração do Bairro Alto. “Papa”, que abre o festival, é descrito “como um filme bastante forte e bom, que fala sobre saúde mental e que tem uma abordagem incrível”. Vanessa Pimentel descreve que este filme foi premiado em Hong Kong com a distinção de melhor actor, apresentando-se em toda a trama “uma narrativa muito particular”. “All Shall Be Well” volta a ser exibido em Lisboa, depois da apresentação no Festival Internacional de Cinema Queer, além de que já passou por Berlim. “É um filme muito bom, não teve mais nenhuma exibição depois de ter estado em Berlim, achei que seria interessante colocá-lo na programação.” Vanessa Pimentel destaca ainda a apresentação da cópia restaurada de “Ah Ying”, que pertence “à Nova Vaga do Cinema de Hong Kong”, e que mostra uma história que vagueia de forma incessante entre “ficção e documentário”. Trata-se de um “filme interessantíssimo em que a história é inspirada na história da própria actriz [Hui So Ying] que o interpreta”. A segunda Mostra do Cinema de Hong Kong contará com a presença de Hui So Ying. “É uma honra muito grande porque a actriz fará uma viagem gigante. Ela já tem alguma idade, mas disponibilizou-se logo a vir. Será muito interessante termos um filme inspirado na sua vida e contar com a sua presença para partilhar connosco esse momento”, descreveu Vanessa Pimentel. Caminhos pouco conhecidos Outro destaque da mostra de cinema é a exibição do documentário “Four Trails”, que tem sido “um fenómeno de bilheteira”. Trata-se de um filme sobre a corrida de 298 quilómetros pelos quatro trilhos mais conhecidos de Hong Kong. A película retrata uma realidade quotidiana “das regiões de Hong Kong que quase ninguém conhece”. “É um filme sobre o desafio do desporto e das pessoas que, não sendo desportistas profissionais, inscrevem-se e fazem corrida, treinando o ano inteiro. É interessante ver o desafio a que se propõem e como vivem”, disse Vanessa Pimentel, que destaca também “Never Too Late”, “um filme sobre a nossa relação com o meio ambiente”. Aqui pode-se vislumbrar “um lado muito asiático e chinês dessa perspectiva do que é o meio ambiente e de como é a nossa relação com a natureza”. Há depois o “Montage of a Modern Motherhood”, um filme que “tem rodado bastante os festivais”. “É um filme que tem um lado muito interessante, sobre a maternidade e uma perspectiva que, se calhar, pode não ser tão romântica, sobre a ideia de que a maternidade não é só um mar de rosas, tendo um reverso qualquer”, conta Vanessa Pimentel. Aqui a directora artística da mostra alerta para o facto de a película “poder desafiar um bocadinho”, tocando “em coisas que dizem respeito a todos, como esta coisa da tradição da família e da partilha na maternidade e paternidade”. Vanessa Pimentel assegura que a primeira edição da mostra foi um êxito, com “cerca de mil pessoas a ir ao cinema em quatro dias”. “Foi surpreendente ver muita gente nova, mais velhos e também muitas pessoas de origem chinesa, ou seja, filhos de imigrantes, eventualmente de uma segunda geração, que já nasceram em Lisboa, falam português e moram aqui com as famílias. Tivemos sessões com muitos chineses a fazer perguntas no fim das sessões e nunca tinha visto isso em Lisboa”, salientou. A Mostra de Cinema de Hong Kong acaba também por entrar no roteiro dos espectadores que habitualmente vão a festivais. “Temos um público também muito interessante, constituído por pessoas que gostam de cinema e frequentam outros festivais. Não é frequente ver um programa que, em Lisboa, se concentre no cinema asiático. Temos o Doc Lisboa, ou o Indie, mas na sua programação a proporção desse cinema é muito menor. Não faço aqui uma crítica, acho isso perfeitamente normal”, disse Vanessa Pimentel. Entre a Mostra de Cinema de Hong Kong e o futuro festival, a responsável diz haver “espaço de exibição” em Lisboa e Portugal, pelo facto de o cinema asiático ser “muito vasto e rico, tendo uma relação de quantidade e qualidade muito elevada”.