Sofia Margarida Mota PolíticaAssembleia Legislativa | Pereira Coutinho quer mais clareza Mais clareza na Assembleia Legislativa no que respeita às ligações dos deputados a interesses económicos é o apelo feito por José Pereira Coutinho. O deputado queixa-se de que a Comissão de Regimento e Mandatos só se tem preocupado em limitar a função de fiscalização dos tribunos, sendo que deveria apoquentar-se com um órgão “às claras” [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Comissão de Regimento e Mandatos tem sido a principal responsável pelo corte crescente às intervenções dos deputados. A ideia foi deixada ontem por José Pereira Coutinho, que não concorda com as acções da comissão. Em causa, para o deputado, está a necessidade de transparência na Assembleia Legislativa (AL), e não o corte crescente na liberdade de expressão e nos trabalhos de fiscalização dos tribunos. “Não obstante o problema dos cartazes estar resolvido, o facto é que continuam a existir grandes dificuldades por parte dos deputados em fiscalizar a acção governativa”, começou por dizer ontem Pereira Coutinho, em conferência de imprensa. Para o deputado, as propostas apresentadas pela Comissão de Regimento e Mandatos têm todas o mesmo fim: “Diminuir a intervenção dos deputados”. O problema maior está no facto de o Governo continuar a “esquivar-se em dar resposta nos plenários, porque tem a possibilidade de responder em bloco”, diz, sendo que “as respostas são dadas a quatro ou cinco deputados ao mesmo tempo”. A situação permite, afirma, escolher o que mais apetecer ao Governo. Outra das questões que levanta, neste sentido, diz respeito às situações em que “estão misturadas questões feitas por deputados eleitos por via directa e indirecta”. Para Pereira Coutinho, esta é uma situação que também permite aos representantes do Executivo “escolherem as perguntas e encontrarem as respostas que mais lhes convierem”. Declaração de interesses Uma das prioridades para a Comissão de Regimento e Mandatos, ao invés de limitar a liberdade dos deputados, deveria ser, diz Pereira Coutinho, a clareza. Para o efeito, deixa a sugestão: os deputados deveriam ter de declarar os interesses a que pertencem de forma transparente. “Quando vamos discutir, por exemplo, uma lei relacionada com o jogo, é evidente que temos de saber quais os deputados que têm interesses no sector e de que forma estão ligados à indústria do jogo. Posso ser jurista mas também ser consultor de uma concessionária de jogo. Se não tiver de o declarar, ninguém vai saber”, explica Coutinho. Para o deputado com ligações à Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, esta é também umas das questões que já colocou à Comissão de Regimento e Mandatos e para a qual ainda não teve resposta. Em vez de limitar as formas de expressão e os tempos de intervenção que dizem respeito aos trabalhos de fiscalização governativa exercida pelos deputados, a comissão deveria exigir que a actividade de deputado fosse exercida a tempo inteiro e não a tempo parcial. “Da nossa experiência, é impossível dar conta do recado apenas a tempo parcial”, rematou.
Sofia Margarida Mota EventosPatrimónio | Legados da China, Macau e Taiwan em discussão no IIM Representantes de Macau, da China Continental e de Taiwan juntam-se, no próximo fim-de-semana, para um fórum que vai debater as questões ligadas ao património nas três regiões. A iniciativa serve ainda para o lançamento do livro “O Legado Cultural de Macau” [dropcap style≠’circle’]”M[/dropcap]ainland China, Taiwan and Macau Cultural Tourism Youth Forum and Workshop” é o evento que tem lugar, no próximo sábado, no Instituto Internacional de Macau (IIM). A iniciativa é da Associação para a Invenção de Estudos de Património Cultural de Macau, constituída por um grupo de jovens locais ligados à protecção do património local, que querem trazer ao território a discussão e a partilha de conhecimento ao nível regional. “É um dia em que se vai falar sobre o património das três regiões, China Taiwan e Macau “, explica ao HM António Monteiro, do IIM. O território vai ser representado por Jorge Rangel. O também presidente do IIM vai abordar a herança deixada no território quer ao nível material, como imaterial. Jorge Rangel vai ainda aproveitar a iniciativa para fazer a apresentação de um livro acerca do património local: “O Legado Cultural de Macau”. “Trata-se de uma obra que reúne a selecção de imagens feita pelo IIM. Do livro fazem parte fotografias tiradas durante três anos, aquando do concurso dedicado ao património”, explica António Monteiro. “Foram reunidas as melhores fotografias destes três anos de iniciativa que contou com o apoio da associação de fotografia digital do território e o resultado é, agora, um catálogo em forma de livro, publicado em três línguas: chinês, inglês e português”. A importância deste fórum é óbvia, para António Monteiro, num momento em que a China está visivelmente dedicada à temática. “Nota-se que o Continente está bastante preocupado com a preservação do valor histórico”, aponta. Por outro lado, Taiwan também tem mostrado um foco de estudo e interesse, e Macau “tem tido, desde 2005, e devido à classificação da UNESCO, uma vontade de preservar cada vez mais o património local, não só material, como também imaterial, e que se pode ver pelo empenho do Governo”. Jovens mais atentos Para António Monteiro, o trabalho desta associação, que também está ligada aos Embaixadores do Património, outra entidade maioritariamente constituída por jovens, é o espelho do interesse dos mais novos na preservação da história local. “É uma questão de identidade em que Macau é mais do que uma terra de casinos e de jogo”, refere ao HM. De acordo com o representante do IIM, sem o valor histórico e cultural do território, Macau seria uma região sem particularidades distintivas. “Era uma outra região da China sem raízes e sem esse abraço entre Oriente e Ocidente”, sublinha. “Grande parte do valor histórico do território está relacionada com a China, mas está também ligada ao legado dos portugueses e dos muitos anos que cá estiveram”, salienta António Monteiro. Taiwan vai fazer-se representar pelo professor da National Yunlin University of Science & Technology, Chiou Shang-chia. A palestra vai abordar o papel dos jovens voluntários na questão do património. Para António Monteiro, este é um momento de particular interesse. Trata-se de um espaço que vai mais longe e que abordará ainda o papel do património no projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. Do Continente, o assunto tem que ver com o desenvolvimento do turismo cultural. O exemplo vai ser dado com o trabalho que tem sido feito na cidade de Hangzhou e que vai ser partilhado por Xia Pan, vice-director da Comissão de Administração de “West Lake Scenic Area”. O objectivo é que, através de casos de sucesso, o conhecimento seja discutido e aplicado a outros lugares, nomeadamente a Macau. A ideia é que as regiões se possam ajudar mutuamente no desenvolvimento do sector do turismo cultural.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaRendas | Projecto de lei pronto para ir a plenário Estava em análise em sede de comissão desde 2015. Ontem, acabou por ser assinado o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil. Cinco deputados fizeram questão de ter os seus nomes no documento, enquanto opositores ao projecto de lei [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] polémica foi muita, mas o parecer sobre a alteração do regime jurídico de arrendamento previsto no Código Civil foi mesmo assinado. No entanto, apesar da “concordância geral”, foi ontem adicionada uma adenda ao documento. Em causa está a discordância de Tommy Lau, Victor Cheung Lup Kwan, Angela Leong, Vong Hin Fai e Chui Sai Peng. O presidente da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Cheang Chi Keong, alertou ainda para o momento de votação na especialidade. “A discussão na reunião plenária vai ser muito acesa e solicitamos a presença do Governo para esclarecer as questões que possam vir a ser colocadas, e para equilibrar os interesses públicos e privados”, disse. O projecto de lei apresentado por nove deputados em Junho de 2015 sugere mudanças no sentido de amenizar os problemas que surgiram com o desenvolvimento local. Cheang Chi Keong acredita que a alteração à lei “irá resolver os problemas de arrendamento no território”. O poder do Chefe Uma das áreas de mudança que o projecto propõe é a intervenção do Chefe do Executivo. Com a alteração aprovada, o líder do Governo passa a poder definir um coeficiente máximo da renda a cobrar ao inquilino, decretado por despacho. A definição deste coeficiente não tem um carácter permanente e acontece em situações de crise. Quando se registar um aumento de rendas que cause desconforto à população, o Chefe do Executivo é chamado a intervir. Um outro aspecto salientado no parecer tem que ver com o facto de esta intervenção poder ser direccionada a sectores particulares da economia local. “Por exemplo, se os parques de estacionamento começarem a exagerar nos aumentos das rendas, a definição do coeficiente máximo pode ser apenas para o sector do estacionamento e não abranger a habitação”, explicou Cheang Chi Keong. Por outro lado, o aumento pode não obedecer ao tecto definido pelo Chefe do Executivo. Apesar de “poderem existir acordos entre as partes, o limite máximo de aumento tem de ser respeitado e nunca pode ultrapassar o definido por despacho”. Quando o Governo quiser implementar este mecanismo tem de ter em conta os vários índices existentes. Três anos sem chatices Outra das modificações previstas no projecto de lei é o aumento da duração dos contratos de arrendamento de dois para três anos. O objectivo, lê-se, “é garantir ao arrendatário um mínimo de três anos de arrendamento”. A medida começou por ser destinada à defesa do sector do comércio, na medida em que dois anos era considerado um período de tempo muito curto para colocar um negócio a funcionar, mas agora é também dirigida aos contratos habitacionais. Está ainda prevista a criação de um mecanismo de arbitragem “com vista a uma solução eficaz dos conflitos decorrentes do arrendamento”, e os contratos passam agora a ter obrigatoriamente o reconhecimento notarial.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteTimor Leste | Língua portuguesa com muito para fazer no país Timor Leste está a dar passos largos no que respeita ao ensino e divulgação da língua portuguesa, mas ainda há muito para fazer. A ideia foi deixada pela representante do país no Congresso de Lusitanistas que decorreu na semana passada no território, a professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, Benvinda da Rosa Lemos Oliveira [dropcap style≠’circle’]”O[/dropcap] português está no bom caminho em Timor Leste.” A afirmação é de Benvinda da Rosa Lemos Oliveira, professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, já no final do 12º Congresso de Lusitanistas que teve lugar na semana passada. “Antes de 1975, apenas cinco por cento da população falava português”, diz ao HM. Hoje, sublinha com satisfação que a percentagem já ultrapassa os 40, o que representa quase metade da população falante da segunda língua oficial do país. “Ainda está a dar passos pequenos”, afirma, mas a evolução é inegável. “Em 75, aquando da invasão indonésia, deixámos de falar completamente o português”, recorda. Mas Benvinda Oliveira tinha livros em casa que fizeram com que, de alguma forma, fosse continuando a ter contacto com a língua, apesar da proibição oficial por parte das autoridades indonésias. “Havia uma igreja que era autorizada a dar a missa ao domingo e era em português e, depois da independência, tem sido uma lenta reconquista”, explica. A responsabilidade e o mérito, considera, estão no próprio ensino, mas os resultados práticos estão ainda muito aquém do desejável. “Temos falta de livros, não há quase nada”, conta. Aliada à fraca oferta de manuais e de literatura, não há livrarias. “Só temos bibliotecas e mesmo assim as obras são muito poucas, havendo mesmo áreas em que são praticamente inexistentes”, diz. Macau é um exemplo Para a académica, que passou a última semana no território, Macau é um exemplo quando se fala de língua portuguesa. “O Governo devia e podia dar mais atenção ao português”, afirma, enquanto exemplifica com o apoio dado à imprensa portuguesa da RAEM. Se existissem iniciativas do género em Timor Leste, a língua também estaria mais próxima da população, sublinha. “Por exemplo, os jornais são escritos em tétum em cerca de 90 por cento da imprensa. Os restantes dez estão ocupados pelo Bahasa Indonésia, sendo que o português ou é totalmente ignorado, ou esporadicamente aparece num ou noutro conteúdo”, ilustra a professora. Benvinda Oliveira considera ainda que a televisão deveria ter um papel mais activo na divulgação da língua portuguesa. De acordo com a académica, os media são o meio que mais facilmente chega aos jovens e, como tal, deveriam ser um investimento no que respeita ao português. “A maioria das antenas parabólicas ainda estão viradas para o país vizinho”, lamenta. A sugestão da professora vai no sentido de, além de melhorar os aspectos associados aos meios, aumentar os cursos de português dirigidos aos jovens. A razão, aponta, é a necessidade de um espaço que abranja todas as áreas de ensino e onde os mais jovens possam praticar a língua. “Acabam por falar só entre as quatro paredes de uma sala de aula e num horário reduzido, mas o que há a fazer compete à política”, afirma. Português para internacionalizar “O português tem um papel predominante na actualidade e, como tal, deve servir de ferramenta para a própria internacionalização de Timor.” A ideia, defendida por Benvinda Oliveira, tem por base a insuficiência do tétum para levar Timor Leste mais longe. A professora deixa ainda a sugestão: “Timor Leste e Macau devem dar as mãos no sentido de afirmar ainda mais o português na Ásia”, refere. “Fiquei cheia de inveja quando cheguei a Macau ao ver as placas na rua com as duas línguas”, conta ao HM. No entanto, Timor Leste tem outro tipo de vantagem: apesar de não estar escrita, a língua acaba por ser mais falada. A razão poderá ter que ver com algumas semelhanças entre o tétum e o português. “Um falante de português consegue perceber muito de tétum”, língua que, refere, tem mais de 50 por cento de empréstimo do português e que faz com que o entendimento oral seja facilitado. A união de forças entre as duas regiões é, de acordo com a professora, um passo em frente no desenvolvimento e afirmação no que respeita ao português. Para Timor Leste, o futuro vai passar pelo marcar de posição da língua no território. “O país só tem a ganhar se o fizer, quer em termos económicos, quer políticos. Podemos ter acesso aos eventos internacionais. O tétum precisa do português para se alimentar. Precisamos do português para nos internacionalizarmos”, remata.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeEntrevista | Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões Regressou ao território na semana passada para integrar o 12º Congresso de Lusitanistas. A presidente do Instituto Camões vê a língua portuguesa como parte de um futuro internacional. No que respeita ao oriente, Macau tem um papel fundamental tanto na formação de professores como na divulgação literária [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á esteve em Macau. Que mudanças vê no território, nomeadamente, do ponto de vista do desenvolvimento da língua portuguesa? Já cá estive tanto com a administração portuguesa como com a chinesa. Dei conta que faz agora 29 anos que cheguei a Macau. Cheguei no final dos anos 80, num momento muito efervescente. Estava-se em pleno período de transição, e é preciso ter em conta que o que existia aqui era uma administração portuguesa. Macau nunca foi considerado um território português, mas muita coisa estava a acontecer e mesmo do ponto de vista da língua. Até esses anos o que existia relativamente ao ensino do português era alguma coisa paralelo ao que existia em Portugal e tínhamos até uma situação que, diria, era surpreendente e ao mesmo tempo embaraçante: a língua chinesa não ser oficial. No final dessa década foi quando percebemos que, se queríamos manter aqui o português teria de ser ensinado como língua estrangeira, que tinha de existir uma metodologia específica de ensino para falantes de chinês e que era fundamental a oficialização da língua chinesa, não só pelo número de falantes mas porque isso dava um paralelismo de situação às línguas que só poderia ser vantajoso para o português no futuro. Recordo ainda uma conferência por volta de 1990, do professor Manuel Ferreira, um académico que veio a Macau numa altura em que muito pouca gente cá vinha. Trabalhava em literaturas africanas. Veio fazer uma conferência à Universidade de Macau (UM). Chamava-se “Que futuro para a língua portuguesa?”. Surpreendentemente, numa altura em que a UM não tinha estudos portugueses a conferência estava cheia. Foi um debate interessantíssimo em que também foi possível traçar como quadro de futuro uma instituição que já estava a ser constituída, o Instituto Português do Oriente (IPOR). Regressei em 1995 para esta instituição para desenhar o que seria a instituição no futuro. De 1996 a 2002 foi um período especialmente interessante por ser, efectivamente, o período de transição. Tivemos de experimentar a solução. Uma coisa era trabalhar com a administração portuguesa e outra era construir uma instituição que pudesse ter autonomia e existir no quadro da administração chinesa. Foi esse o grande desafio que penso que resultou. O IPOR mantém-se e continua a ter um trabalho importante. Foi um processo em que também foi preciso convencer as autoridades portuguesas. Houve relutância por parte de Portugal? Não quer dizer que tenha havido relutância. Debatíamo-nos com duas visões que, podemos dizer, antagónicas. Uma tendia a ser dominante e que era uma visão muito pessimista que dizia que, no dia em que Portugal se fosse embora, acabaria a língua portuguesa. Acho que houve uma negociação muito competente por parte de ambos os lados no sentido da salvaguarda do português e que estava já designada na Declaração Conjunta. Era necessário saber se assim aconteceria efectivamente. A verdade é que os primeiros anos não foram fáceis. Foram anos de ainda alguma turbulência, o que é normal. Estávamos a passar de um regime colonial mesmo que com características próprias, para um novo tempo e uma nova administração com uma população que tinha aumentado muito com pessoas vindas do Continente e que não tinham raízes em Macau. Tudo isto eram vicissitudes em que era necessário perceber qual seria resultado. Um outro factor importante: Macau também tinha mudado muito o seu perfil. As pessoas quando aqui chegavam vindas de Portugal diziam que aqui ninguém falava português e, como tal, a língua iria a acabar. Foi necessário convencer Portugal de que isso não iria acontecer e que tínhamos noção de que a parte chinesa também tinha interesse nisso. Qual era a receptividade por parte da administração chinesa? Havia consciência de que Macau não era uma cidade como as cidades chinesas e bastava atravessar as Portas do Cerco para notar isso. É essa diferença quase imaterial, que faz a especificidade de Macau. Por algum motivo é uma região administrativa especial. Esta diferença também se marca por este cruzamento com uma outra cultura que está muito presente mesmo de uma forma que, se pode dizer, etérea. Edmund Ho tinha a perfeita percepção desta particularidade. Claro que havia algumas forças contrárias, mas, muito rapidamente, o Governo Central percebeu que a língua portuguesa era uma ferramenta para o mundo. Não era apenas uma relação com Portugal, mas sim com África, com o Brasil e uma relação com Timor também. Temos este esforço extraordinário que a administração chinesa em Macau faz, o investimento na língua, na comunicação social, de querer verdadeiramente que exista cá uma formação de quadros bilingues percebendo que são muito relevantes para o território e para a China. Não posso deixar de recordar que, por volta de 2011, estive na China e que um vice-ministro me dizia que o objectivo da China era formar 5000 professores de português. E estão nesse caminho. O que é que significa o Congresso de Lusitanistas nesse sentido? É um reflexo desse investimento? Significa também essa aposta. O Congresso de Lusitanistas é esse ponto áureo de tudo aquilo que tem sido feito e da maneira como as autoridades de Macau se têm emprenhado verdadeiramente no projecto da língua portuguesa. Trazer aqui um congresso de Lusitanistas, trinta anos depois de uma chegada a Macau de um especialista em língua portuguesa é um acontecimento incomensurável, é muito importante. Numa entrevista que deu há uns anos, falava, por exemplo, da necessidade de mais traduções para uma maior divulgação do português. Como está este aspecto? Nos três anos em que não estive em Macau, mas que não deixei de estar ligada ao território, foi lançada uma colecção que se chamava “Biblioteca Básica de Autores Portugueses”. Eram traduções para chinês, feitas na China, em que editámos quase 40 obras. Foi muito importante trabalhar com os tradutores chineses e, em muitos casos, o que fiz foi tirar das gavetas traduções que eles tinham feito e que estavam enterradas porque não tinham tido condições de serem editadas. Havia coisas extraordinárias. Houve também algumas traduções feitas propositadamente para esta colecção. Um exemplo é “O Memorial do Convento” do José Saramago. Tive a possibilidade de levar o Saramago, antes do Nobel, a Pequim para fazer a apresentação desta obra e foi um sucesso extraordinário. A tradução que foi feita de “O Memorial do Convento” ganhou o principal prémio de tradução da China. Na altura traduziu-se desde o Camilo Pessanha ao Eugénio de Andrade. Depois foram também traduzidos o Eça de Queirós, o Júlio Dinis, etc. Já existiam antes algumas traduções mas eram dispersas e com esta ligação arranjou-se uma unidade. Foi preciso muita determinação para o conseguir e muito apoio, nomeadamente, dos tradutores. Hoje em dia, o Instituto Cultural de Macau tem estado a fazer uma ou outra tradução e isso é muito importante. Lançámos, em Lisboa, a tradução de Camões e de poetas chineses. Julgo que também é necessário traduzir autores chineses para português, até porque há um acolhimento muito grande. Infelizmente, a maior parte das traduções de autores chineses é feita via inglês ou francês mas há um grande interesse pela literatura clássica chinesa e já temos exemplos de traduções feitas pelo professor António Graça de Abreu. Também é necessário maior investimento na tradução de autores portugueses. Claro que a tradução para chinês é um projecto duplamente caro. Com a necessidade que existe de tradutores, o que se passa é que estes profissionais se fizerem traduções técnicas são muito mais bem pagos do que os tradutores literários e o trabalho de tradução literária é muito complexo. Acabamos por ter muito pouca gente a faze-lo. Espero que o Instituto Cultural possa também aí ter uma intervenção. Há pelo menos duas entidades em Macau com um trabalho relevante na edição e livros traduzidos e de obras que juntam as duas culturas, nomeadamente a Livros do Meio e a Associação Amigos do Livro e que contribuem para o papel de plataforma local. Só Macau é que pode ser essa plataforma até porque pode intermediar com a China. Julgo que o papel de Macau é essencial. Aquilo que é sempre uma dificuldade tem que ver com a distribuição dos livros de Macau em Portugal. E são livros muito apetecidos. Há muita gente interessada por aquilo que é feito em Macau, quer as traduções, quer a literatura, quer os ensaios. Felizmente já há gente que lê em chinês, mas falta, de facto, um meio para a distribuição dos livros de Macau em Portugal. As obras chegam com grande dificuldade a Portugal. Não há um ponto onde as pessoas saibam que se podem dirigir e comprá-las. Deveria existir uma forma de serem adquiridas digitalmente. Há muito trabalho a fazer nesse sentido e Macau tem de o fazer. A língua como expressão de uma identidade. Se falarmos de língua portuguesa, estamos a falar de múltiplas identidades. Essa é a parte mais interessante. Como dizia o professor Adriano Moreira, actualmente o português é também a língua dos portugueses e é cada vez mais uma língua de outros povos, e que tem os saberes e sabores desses outros povos. É uma língua de múltiplas identidades e é assim que deve continuar a ser construída. O português é uma língua de várias identidades e penso que isso está muito presente nas artes. É muito importante não esquecer este lado como um lado fundamental para que estas identidades permaneçam, tenham desenvolvimentos, transformações e continuidades. Outra dimensão, que é aquela com que trabalho mais, é a internacionalização da língua portuguesa. Aí, vemos que cada vez há um interesse maior do mundo pelo português. Tem que ver com a enorme mudança a que assistimos. A velha separação entre norte e o sul e em que norte pontificava sobre o sul está diluída. Prova disso é a própria agenda 20/30 das Nações Unidas que vem dizer claramente que deixa de haver os países ricos e pobres, os doadores e os beneficiários, e que, afinal, os indicadores de desenvolvimento dão para todos. Os países desenvolvidos também têm muitas bolsas de subdesenvolvimento e de pobreza e vemos que os países pobres também têm bolsas de riqueza. O mundo que se está a impor é o mundo do hemisfério sul onde temos um Brasil e temos uma África pujante, onde temos toda uma América Latina que está também a fazer um caminho muito forte e muito interessante na forma como entendem a educação e como se projectam na economia. Hoje em dia, parece-me que é óbvio, não há economias fortes sem educação e sem aposta na cultura, o que promove uma coisa que é um bem essencial: a criatividade. O mundo do sul está a impor-se e a verdade é que nesse mundo do sul a língua mais falada é o português e todos os indicadores nos dizem que no final do século, onde se vai falar mais português é mesmo em África. O continente africano vai ser pujante e vai ser também onde o português será umas das três línguas mais faladas, juntamente com o árabe e com o inglês. Tudo isto nos permite compreender porque é que a China aposta tanto no português. É uma visão muito estratégica. Em meu entender há duas línguas que vão crescer exponencialmente: o espanhol e o português. Temos a vantagem de que estas línguas também se entendem entre si e isso forma uma comunidade, para já de 700 milhões, que se entende e que até tem relações culturais de proximidade. Não é por acaso que temos como secretário-geral das Nações Unidas, um português. Portugal é também visto como um bom mediador e como um país que cumpre os seus tratados internacionais. Foi isso mesmo que a China disse ao país quando foi defender António Guterres: “confiamos em Portugal porque cumpriu tudo aquilo a que se comprometeu em, relação a Macau”. Tem defendido, apesar das contestações, que o acordo ortográfico integra esse processo de internacionalização. A CPLP tem um instituto que se ocupa da língua portuguesa com o qual colaboro e onde tenho de ouvir, infelizmente, que a questão do acordo ortográfico é uma questão de Portugal e que todos os outros países já a resolveram. Angola não resolveu, é verdade, a Guiné Equatorial também não resolveu mas é porque ainda nem iniciou um processo de integração do português no seu sistema, mas tirando isso todos os outros países já resolveram essa questão pelo que já é uma não-questão. Só continua a ser debatida por Portugal nos termos que ainda é mas que, penso, são cada vez menos justificáveis. Será ainda durante mais uma geração, mas, desde 2011, no sistema de ensino só existe o acordo ortográfico. Vem aí uma geração que não se vai lembrar da língua portuguesa antes do acordo? Sim. Está há quase oito anos à frente do Instituto Camões. Que balanço é que faz do trabalho desenvolvido ao longo deste tempo? Estive em várias configurações institucionais dentro do Instituto Camões e em todas elas encontrei “tsunamis”. A primeira, ainda como Instituto Camões, quando foi nos foi passada a rede de ensino básico e secundário no estrangeiro que representava cerca de três vezes a dimensão do instituto. Fizemos, pela primeira vez, a avaliação dos professores, a introdução da certificação da aprendizagem, programas de ensino e o programa de incentivo à leitura. Conseguimos ainda chegar aos países em que têm professores que não fazem parte da nossa rede. No conjunto apoiamos quase 660 professores. Não temos rede oficial, mas apoiamos também os Estado Unidos, o Canadá, a Venezuela e a Austrália. Por outro lado, temos tido um crescimento muito grande daquilo que é o português na vertente de língua estrangeira. Nós hoje estamos, em termos de língua, em 78 países e temos cerca de 90 mil alunos. Temos relações institucionais com 358 universidades e também aí fomos reforçando a qualidade do ensino, sobretudo na construção de uma rede coerente em que há uma grande aposta na formação de professores. Outra coisa que tem sido muito gratificante é o reconhecimento do português como acesso ao ensino superior. A nossa vitória mais recente, porque era quase impossível, foi nos Estado Unidos em que, finalmente, os exames de acesso às universidades já contemplam a língua portuguesa. Foi um salto qualitativo muito grande. Além do ensino superior temos também apostado muito na integração do português nos sistemas curriculares. Está-se a passar em África e o primeiro caso, e de grande sucesso, é a Namíbia, mas também estamos no Zimbabué e na Suazilândia. Na Europa estamos em países como a Roménia, a República Checa e a Bulgária que também estão a introduzir o português. Pela primeira vez, os últimos relatórios do British Council reconhecem o português como uma das grandes línguas internacionais. Em 2012 tive o segundo tsunami que foi a fusão com a Cooperação para o Desenvolvimento. Sendo uma área muito distinta, também foi possível trabalhar de forma interessante. A cooperação portuguesa tem na educação uma das suas áreas fundamentais de intervenção nos países parceiros. Aí, a minha coroa de glória, do ponto de vista da língua e pela primeira vez, está associada a um projecto na área da justiça em Timor Leste em que já existe uma componente de língua portuguesa. Não se trata de ensinar português mas de uma formação especifica. A nossa última aposta tem sido na modernização e no digital. O futuro passa pelo desenvolvimento de parcerias. Não é possível fazer crescer a língua portuguesa sem parcerias e esse é o repto que temos. Trabalhar com as universidades de outros países de língua portuguesa. Foram ainda aprovados planos de acção para a internacionalização da língua portuguesa.
Sofia Margarida Mota SociedadeTerapeutas | Ho Ion Sang apela à revisão de carreiras [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap]necessária a alteração das carreiras relativas aos terapeutas, de modo a atrair mais profissionais locais. A ideia foi deixada pelo director do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, Ho Ion Sang, ao HM. O objectivo é colmatar a escassez de pessoal a trabalhar na área. A falta é cada vez maior, na medida em que as necessidades no ensino especial têm vindo a aumentar. “Os casos que precisam do auxílio especializado na área do ensino especial são cada vez mais”, diz o director. As especialidades que se mostram mais urgentes são a terapia da fala, ocupacional e a fisioterapia, refere Ho Ion Sang. O director do Centro da Política da Sabedoria Colectiva vinca que os serviços disponíveis no território não são suficientes, pelo que, além da revisão do regime de carreiras, é necessário criar mais cursos no ensino superior nestas especialidades, para que seja possível dar resposta ao próprio desenvolvimento do território. O também deputado não deixa de fazer referência à situação actual, em que a maioria dos terapeutas é formada no exterior. Mais ainda, muitos há que foram estudar no estrangeiro e que não regressaram ao território. A razão, aponta, tem que ver, por um lado, com o facto de não encontrarem em Macau segurança quanto ao futuro profissional e, por outro, não terem a área de formação que querem a funcionar devidamente. Para incentivar o regresso, Ho Ion Sang sugere a credenciação dos terapeutas o mais rapidamente possível, para que se dignifique a profissão e se garanta o desenvolvimento na carreira. Não residentes de fora Apesar da escassez de recursos humanos na área da terapia, Ho Ion Sang não pondera a contratação de mão-de-obra especializada do exterior. “Com certeza, as vagas que exigem um alto nível profissional devem ser oferecidas aos locais, quer sejam vagas de formação ou vagas de trabalho. Penso que este é um princípio”, aponta o deputado. Por outro lado, considera, o Governo deve avançar com a maior brevidade com um mecanismo que garanta a existência de terapeutas no território e capaz de lhes dar garantias de futuro. Apesar de a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude já ter anunciado a revisão de carreiras para este sector, Ho Ion Sang considera que não é suficiente. “É necessário um calendário concreto, uma vez que os trabalhos já estão em atraso”, remata.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteEntrevista | Rui Vieira Nery, musicólogo É, desde 2012, o director do Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesas. Rui Vieira Nery tem estado no território no âmbito do 12º. Congresso de Lusitanistas e acredita que a cultura, com o tempo, pode ter o lugar que merece nas prioridades políticas portuguesas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] seu interesse pela música não é de estranhar, dado o seu contexto familiar, mas acabou por se formar, inicialmente, em História. Porquê?Pois, sou filho de um grande guitarrista de fado, um dos melhores do seu tempo, o Raul Nery, e, como tal, cresci a ouvir fado em minha casa. A minha mãe era uma melómana apaixonada por música clássica. De uma maneira ou de outra, a música fez sempre parte, desde criança. Ao mesmo tempo, interessei-me sempre por história e, a par da minha aprendizagem como pianista, que foi como comecei, sempre me interessei por pensar a música numa perspectiva histórica. Quando fui fazer o curso de História, acabei por perceber que podia ser historiador sem deixar a música. Foi por isso que escolhi a musicologia histórica e acabei por fazer o doutoramento em Musicologia na Universidade do Texas. Deixei de tocar, deixei de ser intérprete, mas continuei sempre ligado ao universo da música, embora numa perspectiva mais historiográfica. Não tem saudades de tocar? Tenho muitas. Mas era muito exigente comigo e não teria gostado de continuar a tocar se não conseguisse chegar a um nível que considerasse satisfatório e, para o conseguir, teria de me dedicar inteiramente à prática instrumental, que não poderia acumular com o meu trabalho de musicólogo. Tive de fazer uma opção e escolhi aquilo que achei que poderia fazer melhor. Mas custa-me muito e sinto muito a falta de fazer música. Uma das suas obras tem que ver com o encontro de culturas no mundo, “O Vilancico Português do Século XVII: Um fenómeno Intercultural”. Esta multiculturalidade de que hoje em dia tanto se fala já vem de há muito. Sim. Uma coisa que é característica do processo de globalização em que as chamadas Descobertas portuguesas se inserem é o encontro de culturas. Portugal levou consigo uma matriz cultural europeia e depois encontrou, nos vários lugares a que chegou, culturas vivas e ricas. Ao contrário de outros países que estiveram em expansão colonial nesse período, Portugal incorporou muitas das componentes dessas culturas que foi encontrando na sua própria cultura. Costumo dizer que somos uma cultura eminentemente mestiça e que essa é uma das características mais individuais da cultura portuguesa. Essa capacidade de experimentar outras canções, outras danças, outros temperos e outros namoros. Daí nascem muitas manifestações culturais e artísticas que são o resultado desse diálogo intercultural. Isto acontece logo a partir do séc. XVI. O estudo a que se refere é sobre o vilancico religioso desta altura em que temos cantigas em português, espanhol e em crioulo, cantadas na igreja, mas compostas por compositores portugueses de formação, digamos, “clássica”, que incorporam ritmos, melodias e danças populares de África e do Brasil. Temos também um exemplo mais acabado e mais moderno que é o próprio fado. Começa por ser uma dança cantada afro-brasileira, depois é apropriado pelos portugueses e transformado num fenómeno puramente nacional. O fado é “nosso”? Claro que é nosso. As primeiras manifestações que encontramos descritas e que tratam do fado são do Brasil, do início do séc. XIX. As primeiras manifestações da prática documentada em Portugal são já da década de 1820/30 e tudo indica que esta dança cantada, como muitas outras que foram chegando a Portugal ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi apropriada pela cultura popular de Lisboa e foi transformada localmente. Costumo dizer que se um brasileiro tivesse chegado a Portugal em 1850 e visse cantar e dançar o fado em Lisboa perguntaria: ‘Mas o que é que eles estão a cantar e a dançar?’ Ou seja, Portugal apropria-se deste fado e fez dele uma manifestação puramente portuguesa. Integra este Congresso de Lusitanistas dedicado à língua portuguesa e à cultura de língua portuguesa e que, cada vez mais, se alarga a várias expressões. Penso que a Associação Internacional de Lusitanistas (AIL) tem tido uma preocupação em alargar o seu âmbito e passar do estudo da linguística e dos estudos literários em português para um estudo das várias culturas de expressão portuguesa. A língua não existe no vácuo, mas sim como um veículo de comunicação e de cultura. A língua é a comunicação do dia-a-dia, mas também é a poesia, a prosa, o cinema, o teatro e, de certa maneira, marca o nosso olhar sobre o mundo. As artes plásticas feitas por uma comunidade que fala português estão marcadas por um olhar que também tem a influência da língua e das suas estruturas. Como tal, faz sentido que não estudemos apenas a comunicação oral e escrita e que se veja, cada vez mais, o português como um veículo de culturas. Uma das coisas mais interessantes no caso do português é, precisamente, a riqueza e a variedade dessas muitas culturas a que serve de base. O português transformou-se num grande mosaico de expressões culturais diferentes, umas vezes concordantes, outras vezes em conflito, mas todas elas enraizadas na mesma língua. A AIL e os seus congressos seguem essa tendência. Estamos no final do encontro. Qual o balanço que faz? É um balanço muito positivo. Em primeiro lugar, pelo próprio facto de termos vindo para Macau. O último congresso foi em Cabo Verde e era muito importante que a AIL fizesse um congresso agora na Ásia, porque isso é a universalidade da própria língua portuguesa e da vitalidade destas comunidades que falam português. Por outro lado, e independentemente do lugar em que o congresso se faz, o nível científico é muito elevado. Estamos perante investigadores de múltiplas nacionalidades com um alto nível de pesquisa, de reflexão científica e de produção intelectual, e estamos aqui, a partir da língua portuguesa, a discutir questões de grande actualidade, podemos mesmo dizer questões de ponta, no debate científico internacional. Pode dar alguns exemplos dessas questões de ponta? A questão da própria diversidade cultural, do diálogo intercultural, da cultura como um veículo de inclusão ou de exclusão social. Tudo isto são questões muito importantes. A questão da ligação entre cultura erudita e cultura popular. São aspectos que estão na agenda dos estudos culturais em todo o mundo, e que nós aqui estivemos a discutir a partir da língua portuguesa e das culturas de expressão portuguesa. Como é que vê o valor da língua portuguesa para a China? É um valor óbvio. A China tem vindo a emergir como um grande parceiro geopolítico, cultural e económico à escala planetária. É muito importante estreitar, cada vez mais, as relações entre a cultura ocidental e a cultura chinesa porque somos parceiros naturais, digamos que numa nova ordem mundial que seja sustentável, justa e equilibrada. A aposta que a China faz no desenvolvimento do estudo da língua portuguesa é muito importante. O Governo Central definiu como prioridade importante o estudo e a promoção do português, e Macau, dentro dessa perspectiva, tem um papel de plataforma fundamental. O território é, naturalmente, um espaço de articulação. Macau tem um conjunto de instituições de ensino superior de grande qualidade e o Instituto Politécnico, em particular, tem feito um trabalho extraordinário. Estamos no bom caminho. A língua e o seu ensino podem ajudar-nos a descobrir as culturas de outras partes e de outras áreas. Para a semana vou estar no Congresso Mundial das Humanidades em Liége, na Bélgica, e é presidido por um investigador chinês. Este fenómeno está cada vez mais a suceder. Já há uma representatividade da investigação chinesa? A investigação chinesa é gigantesca e só por ignorância é que tem havido esta espécie de separação artificial entre o mundo académico europeu e norte-americano, por um lado, e o mundo académico chinês. Só temos a ganhar, de um lado e do outro, com a troca de experiências e de sabedorias. Temos um futuro muito entusiasmante nesta descoberta mútua e penso que o português pode ser um dos veículos nessa comunicação. Temos um espaço de língua comum que junta estas valências e que faz a ponte com esta realidade tão importante como é a realidade chinesa, o que acho muitíssimo positivo. Estamos perante um tempo áureo da língua portuguesa? Estamos a atravessar um período difícil para o planeta. Difícil em termos da paz mundial, em termos da justiça social, da sustentabilidade ecológica. Mas dentro desse quadro, que tem muitos elementos preocupantes, a entrada clara da China nas inter-relações à escala global é um factor muito positivo para a paz e para o desenvolvimento. Neste sentido, há perspectivas muito entusiasmantes de futuro, se todas as partes se souberem relacionar e encontrar caminhos partilhados. Está neste congresso a representar a Fundação Calouste Gulbenkian, um nome maior na cultura em Portugal. Como é que está a cultura portuguesa? Tem aspectos muito positivos, sendo que o principal é a grande quantidade de jovens agentes culturais que foram formados nas últimas duas, três décadas. Parece um lugar-comum, mas temos possivelmente a geração com maior número de profissionais da cultura com formação avançada. Naturalmente, aumenta a massa crítica e aumenta também o topo de gama dessa massa crítica. Temos, como nunca tivemos, um grande número de artistas, de escritores, de músicos, de investigadores nas áreas culturais. Este é o lado positivo. O lado negativo é o facto de a sociedade portuguesa ter dificuldade em encontrar formas de acolher essas novas gerações de profissionais da cultura e de lhes dar oportunidades de aplicarem a formação especializada. Acredito que, pouco a pouco, vamos tendo mais consciência da importância que este sector tem para o desenvolvimento global do país. Não é um luxo, não é um objecto decorativo para o qual se olha depois de se tratarem das coisas “importantes”. É parte das coisas importantes. É um factor de desenvolvimento essencial. Diria que, em termos das políticas públicas para a cultura, ainda há muito que fazer. Precisamos de mais orquestras, de mais teatros, de mais apoios para o cinema, de mais galerias de exposição, de mais oferta cultural à população em geral. É disso que estamos a falar: oferecer o acesso à cultura aos cidadãos, o que é uma obrigação constitucional. Tudo isso existe, penso, numa escala muito pequena em relação àquilo que seria o potencial do país. Hoje em dia fala-se muito da marca Portugal. É reconhecida internacionalmente em grande parte pelo impacto da cultura. Pelo cinema que ganha prémios em todos os festivais, pela música que faz um enorme sucesso em todo o circuito da world music, pelos escritores portugueses já traduzidos em muitas línguas, pelos sapatos que têm um design original e criativo. Já são efeitos da transferência da área artística para a área económica. Estamos a falar de factores de desenvolvimento essenciais para o país e que precisam de maior investimento na esfera cultural para depois terem esse impacto reprodutor. Mas sou um optimista por natureza e acredito que os próprios cidadãos irão ter, cada vez mais, noção desta necessidade de cultura e irão passando isso para as esferas de decisão política.
Sofia Margarida Mota Perfil PessoasPerfil | Nelson Moura, jornalista [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu no coração do Porto, na Sé, e desde pequeno que se interessa pelas notícias do mundo. “Todos os fins-de-semana ia com os meus pais à praia e, enquanto eles liam o jornal, eu lia as minhas bandas desenhadas”, recorda. Mas não ficava por aí. “Quando acabava as bandas desenhadas, os meus pais já tinham acabado os jornais e era altura de eu lhes pegar”, conta. A razão tem que ver com o facto de sempre ter gostado de ler, mesmo que não entendesse bem o que lia. A formação numa área ligada à comunicação social era evidente. “Estudei Ciências da Comunicação na Universidade Católica de Braga. Acabei em 2011 e depois fiz um estágio profissional de seis meses na secção do Porto da revista Visão.” No entanto, o mercado de trabalho em Portugal não era o melhor e, de modo a abrir horizontes e procurar mais possibilidades, Nelson Moura foi fazer um curso de jornalismo internacional na London School of Journalism. Não contente, prosseguiu com um mestrado na mesma área, em Cardiff, que foi fundamental na sua formação, diz. “Aprendi mais num ano neste mestrado do que nos três em Portugal”, aponta. A razão é simples: “Foi um curso muito prático com um leque de alunos muito internacional”. Para Nelson Moura, as falhas que teve em Portugal deveram-se a circunstâncias específicas, até porque era um curso que ainda estava a ser consolidado naquela universidade. Por outro lado, os primeiros dois anos foram, na opinião do jornalista, muito teóricos. “Como escrever e como entrevistar, por exemplo, não eram áreas muito exploradas no ensino”, compara, sendo que em Inglaterra era enviado para a rua e tinha de se “desenrascar”. A caminho do Oriente O Oriente apareceu primeiro com Taiwan. Nos últimos meses de mestrado em Cardiff e com os colegas asiáticos teve conhecimento de um projecto do Ministério do Turismo de Taiwan. A ideia era escrever uma peça acerca da cultura daquela região. “Era um projecto de divulgação turística e tinha direito a uma bolsa. Fiz uma candidatura para escrever acerca dos aborígenes de Taiwan, um conjunto de tribos descendentes dos maori da Polinésia, que chegaram ali e se estabeleceram”, conta. Foi uma altura muito rica culturalmente. “Viajei pelo país e fiz entrevistas a várias tribos que ainda existem. São pessoas que ainda têm uma grande proximidade com a terra e com o ambiente à sua volta. São atléticos. Diz-se mesmo por lá que os aborígenes podem ser comparados, se falarmos no Ocidente, aos descendentes africanos, que são os melhores em música e no desporto”, refere o jornalista. Depois de terminado este projecto e porque gostou de viver em Taiwan, decidiu aprender a língua. Inscreveu-se na universidade em Taipé onde, durante um ano, esteve a aprender mandarim. No entanto, como a maior parte dos alunos eram estrangeiros, a comunicação acabava por ser toda em inglês. “Por outro lado, as pessoas acabam por ter a tendência para se isolarem, com outros estrangeiros”, explica Nelson Moura. Por isso, e de modo a embrenhar-se na língua, mudou de estratégia e foi aprender mandarim para uma escola profissional que ensinava a língua a trabalhadores estrangeiros. “Eram só vietnamitas e japoneses que não sabiam falar inglês”, conta. Foi ali que acabou por aprender “muito mais chinês do que na universidade”. Foram dois anos para assimilar a cultura, a língua, o país. “É um país muito acolhedor”, recorda. Macau, um lugar difícil Depois dos estudos e de ter trabalhado como professor de Inglês, jornalista freelancer que “escrevia artigos de vária ordem” e sem conseguir visto de trabalho, decidiu mandar o portfólio para os vários jornais de Macau. “Acabei por ser chamado para onde estou agora, o que até calhou bem.” “O meu português está, há muito, bastante enferrujado na escrita, por isso ainda bem que estou a trabalhar em inglês, onde me sinto mais à vontade”, explica. Está em Macau há cerca de um ano e a adaptação não foi fácil. “Macau é o oposto de Taiwan”, diz. “O território é muito fechado, com muito trânsito e não há para onde fugir. Em Taiwan, a meia hora da cidade, de comboio, conseguimos estar na praia ou na montanha, conseguimos estar no meio da natureza e aqui é impossível”, diz. “Macau é como uma panela de pressão”, metaforiza, tendo em conta os limites e a humidade. As coisas foram, com o tempo, melhorando. Agora já sabe onde ir para relaxar e evitar as multidões. “Dantes gostava muito de ir ao templo que fica por detrás do Jardim de Camões. Era um lugar mágico. À noite está cheio de gatos e incenso, e era um dos poucos sítios em que me sentia bastante relaxado. Agora vivo mais perto de Coloane e o meu sítio de eleição é a praia de Cheoc Van porque atrai muito menos gente do que Hác-Sá”, remata o jornalista do Porto.
Sofia Margarida Mota Entrevista Manchete PolíticaEntrevista | Isabel Pires de Lima, académica e ex-ministra da Cultura de Portugal Os livros apareceram porque não havia outra hipótese e as escolhas académicas foram consequência de um percurso natural. A política chega porque sempre gostou de dar resposta ao que lhe pedem. Isabel Pires de Lima é uma mulher do Norte, uma investigadora sem papas na língua que explica por que razão é difícil mexer na cultura em Portugal [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que apareceu o interesse pela literatura? Com o quadro familiar. Foi-me induzido o gosto pela leitura em casa. A minha mãe era professora primária e evidentemente que lia. O meu pai tinha estudado em Coimbra, convivido com a geração dos neo-realistas e ainda com o resto dos presencistas, e tinha muito as referências literárias daquela geração. Desde cedo, comecei a ler porque tinha livros em casa. A prática de contar histórias também encheu a minha infância e, na adolescência, tive a sorte de não me ter alheado da leitura. Conquistamos facilmente as crianças para a leitura – o problema vem depois. Perdemos os leitores na adolescência. Se a passam, está ultrapassada a prova. Naquela altura também não havia a cultura impositiva da imagem, nem a oferta cultural que há hoje. Nasci em Braga, fiz lá o meu ensino secundário e fazia férias numa aldeia no norte da ilha da Madeira, de onde a minha mãe é originária. Havia muito que fazer, mas era entre primos. Na verdade, era um período em que lia muitos clássicos porque era o que havia. Fartei-me de ler Camilo. À medida que fui avançando nos estudos, fui-me interessando mais pela literatura, apesar de ser melhor aluna na área das ciências. Tinha um certo gosto pelo francês, apesar de não apreciar muito línguas. Tive hesitações, no secundário estive inscrita em Economia e gostava de Geografia. Acabei por me formar em Literaturas Modernas que, na altura, se chamava Filologia, na área de Português e Francês. Estive muito ligada à cultura francesa e até comecei a minha carreira universitária a ensinar literatura francesa. Só quando enveredei para a preparação do doutoramento é que me fixei na literatura portuguesa e hoje trabalho mais em literaturas de língua portuguesa e nas relações da literatura com outras artes, nomeadamente com as artes visuais. Como é feita essa relação? Voltamos à questão do gosto pessoal. Hoje, quando penso nas minhas opções, percebo que o que andava à procura era de Sociologia que, na época, nem existia na universidade portuguesa. Mas aquilo de que gostava verdadeiramente na vida era ter sido artista visual, artista plástica. Não sou nada dotada, não desenho bem, mas é uma área que me interessa muito. Para este gosto foi fundamental o meu contexto familiar. Os meus pais viajavam bastante, eu também comecei a viajar sozinha muito cedo e ia a museus e galarias de arte. Fui-me formando bastante nesse campo. Por outro lado, como já disse, comecei por ensinar literatura francesa e um dos pratos fortes do meu programa foi o surrealismo francês. Estudar o surrealismo na literatura implica o trabalho no campo das artes visuais. Não faz sentido falar em literatura surrealista sem falar em artes plásticas. O surrealismo é de facto um campo em que o cruzamento interartístico semiótico é muito importante. Já tinha gosto e aprofundei-o muito. Nos últimos 15 a 20 anos tenho estado ligada a um instituto de investigação, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Também integro o Conselho de Administração da Fundação de Serralves. Estou mergulhada nas artes. O seu doutoramento foi em literatura portuguesa do século XIX. Sim, trabalhei sobre Eça de Queirós numa perspectiva sociológica. Hoje tenho noção de que andava à procura de uma área nas ciências sociais. Quando comecei a preparar o doutoramento, acabei por me fixar felizmente na literatura portuguesa. Acabei por lá ir parar também por necessidades da própria universidade. Escolhi um escritor realista e adoptei uma metodologia teórica associada à sociologia da produção literária. Não fui para a sociologia da recepção. Fixei-me no Eça, que não era evidente para mim até porque, um pouco ingenuamente, pensava que o essencial sobre o Eça estava feito. Mas na Universidade não havia muito trabalho com perspectivas contemporâneas sobre o Eça e “Os Maias” em concreto, pelo que foi uma espécie de pânico quando me foi dada esta obra. Assustou-a porquê? Porque achava que era uma obra-prima intocável e pensei que já estivesse muitíssimo explorada. Hoje estas questões não se colocam aos jovens investigadores. Há centenas de jovens a fazer doutoramentos. Na época era uma coisa raríssima e havia a ideia de que existiam campos em que era preciso explorar áreas que nunca tivessem sido exploradas. O que não é verdade. Fui empurrada para “Os Maias” e ainda bem, mas aconteceu-me aquilo que acontece a quem trabalha com clássicos: nunca mais se vê livre deles. “Os Maias” é uma obra que faz parte do currículo do ensino secundário. Os jovens desta idade estão preparados para entender este tipo de clássicos? Os Maias são a obra-prima do Eça. Talvez não seja o romance mais fácil para uma iniciação ao contacto com o autor. Talvez fosse mais fácil “O Primo Basílio”. Muitos estudantes são iniciados no Eça através de contos ainda antes de “Os Maias”. Talvez não seja o romance mais fácil, por ser um romance muito longo e nós hoje temos poucos leitores de longo fôlego – e não apenas na adolescência, temos mesmo poucos leitores. O que é que se está a passar com o hábito de ler? A literatura perdeu poder simbólico e perdeu muita capacidade de atractividade para preencher os espaços de lazer. As solicitações hoje são imensas e de variadíssimo tipo. Há uns anos tínhamos muito mais tempo. Não havia televisão ou internet. Não existiam as solicitações visuais e de imagem que há hoje. É difícil escapar ao império da imagem. A leitura é muito exigente: exige um espaço de solidão, de prática individual, um espaço de um certo silêncio, tudo aquilo que nós não temos, nem em casa. Se calhar, hoje em dia, os jovens até têm mais estas situações na escola do que propriamente em casa. Por isso temos perdido muitos leitores. Por outro lado, por que lêem mais as mulheres? As mulheres ainda estão tendencialmente mais reduzidas ao espaço doméstico. Estão muito mais em casa, têm mais espaços de solidão, há mais mulheres sozinhas do que homens sozinhos e tudo isto converge para levar este género a ler. Outro aspecto actual é que há mais mulheres com formação superior do que homens. Depois, por razões culturais, são mais induzidas a uma espécie de formação individual, de atenção ao mundo íntimo que pode ser feita através da literatura. Os homens ainda são mais educados no sentido do êxito fora de casa. Da literatura à política. A política foi um acaso, como muitas outras coisas na minha vida. Tenho tido na vida a seguinte atitude: sou muito empenhada no meu trabalho onde quer que esteja, mas não sou muito ambiciosa. Não sendo ambiciosa, tenho uma atitude perante a vida de uma certa curiosidade intelectual, e raramente me furto às propostas e desafios que me fazem. Não tenho medo da mudança e é até uma coisa estimulante. A política veio ter comigo. Não estou inscrita em nenhum partido político mas, desde muito cedo, respondi sempre às solicitações da comunidade da cidade onde vivo, o Porto. Ia a diversas acções e palestras quando me era pedido. Atenção que fiz isto numa altura em que a própria universidade não via isso com muito bons olhos, já nos anos 1970 e mesmo 1980, porque era considerado uma dispersão àquela coisa que era o trabalho académico puro e duro. Mas sempre estive muito articulada com a vida cultural da cidade. Quando me propuseram integrar uma lista de candidatos a deputados pelo Partido Socialista, devo dizer que foi uma grande surpresa. Não estava nada à espera. Acabei por ir para o Parlamento um bocadinho por curiosidade. Acabou por ser ministra da Cultura. Foi também surpreendente o convite que me foi feito. Desta vez menos, porque já estava na Assembleia da República (AR) e sempre ligada, de alguma forma, à cultura e às questões da língua. Fui sondada pelo então primeiro-ministro José Sócrates, com quem não tinha uma relação de grande proximidade. Curiosamente, de vez em quando falávamos de poesia, porque era uma área de que ambos gostávamos. Quando saí do Governo, continuei na AR mais um ano e meio. Enquanto ministra da Cultura, quais foram os maiores desafios que encontrou? Diria que o mais difícil foi o pôr um pouco de ordem numa casa bastante desorganizada. A cultura tinha ganho um estatuto de Ministério há relativamente poucos anos. Foi criada uma estrutura bastante ampla dentro do Ministério com uma multiplicação de direcções gerais, por exemplo. Logo a seguir, antes de mim, há o primeiro quadro comunitário de apoio à cultura. De repente há dinheiro para injectar, o que fez com que houvesse uma espécie de pujança do próprio ministério com o ministro Carrilho. Quando cheguei já não estávamos no tempo das vacas gordas, as vacas já estavam a emagrecer bastante, o que fez com que tivesse de existir contenção de meios. É preciso ainda lembrar outra coisa: no primeiro Governo de José Sócrates, encontrámos um défice de 7,5 por cento e, em cerca de ano e meio, reduzimos para três por cento. Isto obrigou a muita contenção orçamental. Foi preciso fundir organismos e isso gera sempre grandes tensões internas dentro do Ministério. São acções que levam sempre a perdas de pequenos e grandes poderes. Esta foi uma das dificuldades. Outra dificuldade foi a aposta que, claramente, fiz em políticas de descentralização. A cultura em Portugal era, de facto, muito em Lisboa. Apostar em políticas que prestassem atenção ao resto do território também gera algum incómodo. Ainda por cima, eu era uma ministra vinda do Porto e mulher, e não membro do Partido Socialista. Estas três coisas juntas dificultaram um bocadinho a minha vida. Fiz esta opção de descentralização também porque, entretanto, com os tais dinheiros comunitários que tinham chegado, tinha havido a construção de equipamentos descentrados. Alguns deles estavam fisicamente de pé, mas não acontecia nada lá dentro. Outra das dificuldades foi lidar com – e vou usar palavras que nunca usei enquanto estava no Ministério – uma certa mentalidade subsídio-dependente. Mas, atenção, acho que há razões para que exista esta subsidiodependência. Hoje já há um público mais alargado, mas naquela época não havia públicos. Muitas vezes dizia uma coisa que chocava um bocadinho quem me ouvia, nomeadamente no âmbito de acções do Partido Socialista: não é só a cultura que depende de subsídios em Portugal. A maior parte dos empresários também o é. Ninguém se escandaliza quando se atribui um subsídio a uma fábrica de salsichas, mas se for para a cultura é um problema. A razão é que na fábrica as pessoas vêem um retorno para a economia e, na cultura, o retorno é muito lento. Hoje já é bastante visível, mas é muito difícil fazer perceber isto. O que é que se pode fazer? É preciso fazer perceber às pessoas que o investimento na cultura é barato. Num Orçamento de Estado, são tostões. Todavia, a filosofia orçamental continua a ser do corte na cultura. Por mais que se tente explicar isso num Conselho de Ministros, designadamente a um primeiro-ministro, é sempre muito difícil passar a mensagem. Por exemplo, tentar acentuar que o pouco que se investe em cultura potencia enormemente o muito que se investe em educação. Esta relação é dificílima de se fazer entender e é uma coisa óbvia. Importa também dizer que não é só difícil em Portugal. Há excepções. O Reino Unido é uma delas, mas também tem uma organização muito diferente. Por outro lado, não é fácil lidar com os agentes culturais. Estou a incluir os criativos e os agentes no terreno. São pessoas muito individualistas e é muito difícil definir quem é o interlocutor. Enquanto o ministro da Educação sabe que o seu interlocutor é o sindicato, o ministro da Cultura recebe o grupo A que não se dá bem com o grupo B e o B fica chateado porque recebemos o A. Depois são também grupos inorgânicos. Isto tudo acrescido do facto de que estes agentes têm uma fácil cobertura da comunicação social. Costumo dizer a brincar, mas é a sério, que o artista e o agente cultural têm sempre um amigo na comunicação social, o que faz com que, de repente, uma coisa pequena ganhe uma dimensão extraordinária. Há solução para esse problema no que respeita aos criativos e agentes? Não é fácil. Tentámos alterar as regras dos concursos para apoios a projectos em várias áreas. Para que isso acontecesse fomos falar com todos os grupos do país, o que levou uns meses, de modo a poder fazer o levantamento. Era extraordinária a diferença de realidades e de reivindicações, e inclusivamente de comportamentos. Muitas vezes, os grupos reagem muito mal a qualquer tentativa que o Estado faça de controlo do seu investimento. Mas essa é uma obrigação de quem gere dinheiro público. Quando falávamos de controlo de bilheteira, era logo um nervoso geral. Depois, há sempre aquele fosso entre os grupos que são dependentes de subsídios e aqueles que praticam uma arte que é mais comercial e que não dependem desses dinheiros. No entanto, também têm outras reivindicações e tudo isto gera muita tensão. Por outro lado, é preciso entender que há áreas em que o Estado tem forçosamente de intervir e que vão ser sempre dependentes, a não ser que tivéssemos uma mentalidade e uma dinâmica empresarial que não temos. Por exemplo, dentro do património, não há empresas em Portugal a sustentarem os arquivos, como mecenato, por exemplo. Mas os arquivos têm de existir e têm uma manutenção elevadíssima. São áreas onde não é possível não pensar em investimento do Estado e ainda há muito por fazer. Há muita coisa feita, o tecido cultural português mudou muitíssimo desde o 25 de Abril para cá. Uma das áreas em que acho que tivemos muito sucesso foi no campo da educação e da saúde, e mesmo da segurança social e, claro, da cultura, onde tivemos muitos sucessos, pese embora a percepção colectiva não seja essa. A cultura tem a seu favor e contra si o facto de ser muito transversal. Hoje há a percepção de que estas transversalidades atingem todos os campos e todas as áreas. Não imagina quanto me sentia pregador no deserto ao falar em turismo cultural. Isto não foi assim há tanto tempo. Hoje penso que é realmente chato ter razão antes do tempo. Mas era muito claro, para quem se move neste universo da cultura, que Portugal tinha potencialidades a desenvolver ao nível do turismo cultural, muito mais do que ao nível do sol e da praia. Já na altura defendia que o Ministério da Cultura deveria ser da Cultura e Turismo, como já o é em alguns países. Claro que também tenho a percepção de que este boom do turismo cultural teve circunstâncias facilitadoras, como a perda do turismo no Magreb. Mas também é verdade que hoje o turismo de longo curso é mais facilitado. Mas, na Europa, era claro que Portugal tinha muito potencial.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeCPU | Parque junto à Assembleia Legislativa não é consensual O terreno junto ao edifício da Assembleia Legislativa vai ser parcialmente convertido num edifício para estacionamento. Não há uma posição unânime no Conselho de Planeamento Urbanístico [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ter mais um parque de estacionamento. Essa é a ideia de aproveitamento do terreno adjacente à Assembleia Legislativa (AL). No entanto, nem todos os membros do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) concordam. “Os funcionários do tribunal não têm um local para estacionar. Com um parque tão grande, não me parece que seja nem justo, nem razoável não ser aberto aos moradores da zona e aos funcionários dos serviços”, apontou Chan Tak Seng. Li Canfeng, presidente do CPU, justificou a planta em discussão na reunião plenária de ontem. “A AL não tem lugares de estacionamento suficientes”, disse. O responsável avançou ainda que “não há muitos moradores ali e, como os funcionários da AL vão começar a usar o novo parque, os lugares de estacionamento no exterior ficarão vagos”. Por outro lado, sublinhou que “é embaraçoso não haver lugares de estacionamento suficientes quando são organizados eventos políticos”. Verde discreto Outra das questões levantadas acerca do edifício de 18 metros de altura que está planeado para aquela zona tem que ver com o facto de alguns dos membros considerarem que o local deveria ser aproveitado enquanto espaço verde. Apesar de considerar a aproveitamento do lote enquanto parque de estacionamento como “admissível”, até porque “em quase todas as zonas da cidade a falta de estacionamento é crescente”, o arquitecto Rui Leão não entende porque é que o estacionamento não é feito no subsolo, recordando que no local há uma praceta e um espaço de representação para o edifício da AL. O arquitecto salientou ainda que “a configuração profunda desta praceta permite uma vista para o lago, ou seja, tem uma função urbana clara”. Para Rui Leão, uma construção com 18 metros, “que é basicamente a mesma altura do edifício da Assembleia, vai tirar enormemente a representatividade da fachada principal da AL e também do passeio marginal de quem vem do centro da cidade até àquela zona”. Rua experimental Outro assunto abordado ontem teve que ver com a Rua do Teatro, que está a funcionar como projecto-piloto na implementação de um planeamento uniformizado. A responsabilidade é do Instituto Cultural e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSOOPT). O tema surgiu no contexto do debate da manutenção de duas fachadas naquela artéria. A representante do IC, Leong Wai Man, justificou a manutenção das fachadas não pelo seu valor arquitectónico, mas pelo seu papel no contexto em que se inserem. A responsável explica que, já no ano passado, o secretário Raimundo do Rosário, ex-presidente do CPU, solicitou que fosse definida uma rua “não muito grande” de modo a que fosse possível fazer um planeamento uniformizado. De acordo com Leong Wai Man, a Rua do Teatro foi a eleita consensualmente para protagonizar o projecto. “Tem edifícios novos e antigos e é uma rua marginal, estando perto do rio”, explicou Leong Wai Man, acrescentando que se trata de “uma rua com características diversas e, por isso, testemunha também a evolução da nossa cidade”. Aterros com destino ambiental A zona dos novos aterros junto do aeroporto pode vir a albergar um depósito de gás liquidificado. O projecto foi apresentado ontem na reunião plenária do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) sem, no entanto, reunir consenso. “Nas zonas periféricas, que construções futuras vão ser desenvolvidas?”, questionou Chan Tak Seng. As Obras Públicas esclareceram que a área é especialmente dedicada a construções com carácter industrial, sendo o objectivo de todo o aterro a concretização de um espaço ligado a indústrias relacionadas com a protecção ambiental. “Esta zona é para desenvolver projectos ambientais. Teremos também terrenos para sucatas automóveis ou materiais residuais”, afirmou Li Canfeng. O presidente do organismo adiantou ainda que o Corpo de Bombeiros já foi ouvido sendo que “tem de existir uma distância de segurança com os edifícios à volta”. A zona destinada ao depósito de gás tem uma área de 7500 metros quadrados e irá ser concessionada. “Não estamos a falar de uma concessão de 25 anos para uso privado e a concessão vai seguir o que for estipulado no contrato”, assegurou.
Sofia Margarida Mota Entrevista Manchete PolíticaEntrevista | Chan Chak Mo, deputado e empresário É deputado eleito pela via indirecta pelos sectores culturais e do desporto. Chan Chak Mo acredita na revisão da Lei de Terras e é contra o controlo do arrendamento no território. Entende que os negócios não interferem com a política e garante que luta sempre pelo bem comum [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá no final de mais uma legislatura. Qual foi a matéria que esteve em análise na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), à qual preside, em que foi mais complicado trabalhar? Foi a lei referente às partes comuns dos condomínios. Foi um assunto em que as opiniões divergiram muito. Os proprietários, por exemplo, queriam que os seus locais tivessem condições de trabalho, ao mesmo tempo que não queriam gastar muito dinheiro com as manutenções dos espaços. Por outro lado, as empresas de gestão de condomínios queriam uma lei em que todas as pessoas tivessem de pagar a sua parte para manter os edifícios e os serviços necessários. As empresas de gestão também consideram que, se não têm o seu investimento de volta, desistem dos serviços e os edifícios acabam por não ser bem mantidos. Se existirem 100 proprietários em que 50 não pagam, não é justo para a metade que paga. O dinheiro que é pago não é suficiente para assegurar as despesas de condomínio. Alguns proprietários compram casas, não para viver, mas para investir e arrendar, e por isso acabavam por nunca pagar as despesas de manutenção. Com a nova lei, mesmo com a venda da fracção, os proprietários têm sempre de pagar as despesas de condomínio nem que seja aquando da venda, em que é descontado o montante em falta. No momento da transacção, as dívidas também são claras. Até agora não havia qualquer obrigação de pagamento neste sentido. Pensa que está garantida uma forma de assegurar os custos das despesas de manutenção dos edifícios? Sim. Assegura, pelo menos, que as empresas encarregadas da administração dos condomínios possam ter dinheiro suficiente para algumas das necessidades, como a manutenção regular, e que, daqui a uns dez anos, possam ter como pintar os edifícios. Penso que é uma boa lei. Mesmo na votação na especialidade na Assembleia Legislativa, esta lei poderá vir a dar discussão, mas a posição do Governo é clara e é boa. Acha que vai ser aprovada? Não sei. Vai depender da posição do Governo. A lei do tabaco, que também esteve em análise, foi de mais simples tratamento? Não foi tão difícil. A alteração maior que teve foi a permissão de salas de fumo nos casinos. Ng Kuok Cheong opôs-se muito a isso, mas ele sabe a necessidade desta alteração. Penso que foi mais para ter um ponto de vista político porque era algo que era preciso fazer. Nesta lei fizemos alterações importantes também. Por exemplo, as salas VIP, em que até agora era permitido fumar – o que era prejudicial para os croupiers que ali trabalhavam –, vão passar a ser isentas de fumo. Não interessa o montante que seja apostado, o apostador tem de se dirigir à sala de fumo. Penso que é um passo em frente. Por outro lado, a economia de Macau depende maioritariamente do negócio dos casinos. Não se encontra nenhuma cidade no mundo que se possa comparar a Macau neste sentido. Não acha que é muito limitativo depender apenas da indústria do jogo? É, mas é a única coisa que temos. Somos muito pequenos. Não temos indústria, nem força financeira. Não temos bolsa, por exemplo. Não temos inovação tecnológica. Não temos sequer pequenas indústrias como a produção de jóias ou de relógios, nada. Desde o início do século que temos o jogo. Sem os casinos, o Governo não tem muito onde ir buscar dinheiro. Os sistemas de educação, de saúde, a segurança social, têm todos dinheiro vindo dos casinos. O caso de Macau é mesmo muito particular. Cerca de 70 por cento do dinheiro vem do jogo. Como deputado, tem a seu cargo a representação dos sectores cultural e desportivo. Um dos aspectos em que o Governo insiste é no turismo cultural enquanto fonte de diversificação económica do território. O que pensa acerca disso, enquanto representante do sector? Macau está a fazer um excelente trabalho no que respeita ao património. O problema é que este trabalho no património não sustenta o desenvolvimento de negócios. Temos de prestar atenção a uma cultura combinada em que é integrado o factor negócio. Por exemplo, se formos a Milão, temos ao lado da catedral uma série de negócios ligados às lembranças, temos cafés e coisas desse género. E é isso que também temos de fazer. Macau olha para o património como sendo sagrado e não podemos fazer nada ali. Mas se virmos os edifícios históricos na Europa, estão todos cercados de negócios e são locais onde há publicidade que também é uma fonte de rendimento. Quando se fala de património, não interessa apenas manter os edifícios, é preciso pensar que há uma série de coisas que podem ser feitas com esses espaços. Aqui não, aqui as acções são no sentido de não tocar neste património. É necessário fazer com que os edifícios históricos coincidam com as ideias de se fazer negócio, dinheiro e atrair turistas. Um turista que venha a Macau, passeia no centro histórico durante duas horas e depois faz o quê? Outra coisa é a reserva de espaços para as grandes companhias poderem fazer publicidade. É uma forma de rentabilizar os espaços. Se eu for o dono de um edifício, como é que posso fazer dinheiro com ele se não me autorizarem a fazer um restaurante? Pedem-me dinheiro para a manutenção, mas se me permitirem tirar algum rendimento com um negócio ou com a autorização de ter publicidade no exterior do meu edifício, posso conservar este edifício também melhor. Mas aqui, se tenho um edifício histórico, não posso fazer nada. Como é que um museu pode fazer dinheiro se não se paga nada? Mas também há muitos lugares como museus com entradas gratuitas, mesmo na Europa. Sim, mas podem ser feitas coisas à volta desses edifícios que o justificam. O sector pelo qual foi eleito é da cultura e do desporto. Como está o desporto em Macau? O que tem sido feito? É muito difícil falar de desporto em Macau de uma forma nacional. Mais uma vez, o território é muito pequeno e não somos, nem podemos ser parte do Comité Olímpico Internacional (COI). Hong Kong, por exemplo, antes da transferência de soberania, já fazia parte do COI, separadamente de Inglaterra, e é por isso que continuam separados da China também. Macau não. Na altura da administração portuguesa, ninguém se preocupou com isso e depois, como somos pequenos, fazemos parte da China, mesmo neste aspecto. A melhor coisa que fizemos foi fazer parte do Conselho Olímpico da Ásia. Integramos os Jogos Asiáticos, mas Macau é tão pequeno que não conseguimos ter um sistema bem desenvolvido para o treino de atletas profissionais. Mesmo com atletas, eles não conseguem sobreviver e precisam de um emprego. Já há atletas agora que vão para Hong Kong para as escolas de desporto. Seria possível fazer o mesmo – escolas especializadas – em Macau? Estamos a tentar abrir o Instituto do Desporto a isso, mas vai levar tempo. O Governo, nos últimos anos, também devido à recessão no jogo, cortou algum financiamento ao sector. É cada vez mais difícil conseguir financiamento para ir a qualquer competição internacional. Há analistas que consideram que Chan Chak Mo e Vitor Cheung Lup Kwan não têm um contacto próximo com a cultura e com o desporto que justifique a vossa representação do sector. Como olha para estas críticas? Não tenho de lutar por benefícios na AL. Sou membro do Conselho de Desporto e posso dar a minha opinião aí. Na AL, penso que a minha atitude mais valiosa é enquanto homem de negócios porque também o sou. Por outro lado, temos o Ma Chi Seng que está sempre preocupado com o desporto e, como tal, deixo-o fazer os comentários acerca do sector. É só isso. Não é que não tenha nada a dizer, só não quero fazer ninguém perder tempo porque tenho um canal directo para mostrar a minha opinião quando se trata de desporto. No que respeita à Lei de Terras. Disse há umas semanas que acredita que o Governo irá dialogar acerca de uma possível revisão. Sim, penso que vai haver alguma mudança no que respeita à interpretação da Lei de Terras. O princípio básico tem que ver com o facto de que se um concessionário não fez nada de errado, não há razão para que lhe seja retirada a concessão. Esta é a questão que tem de se ver, a forma como é interpretada a lei. Se não é da responsabilidade do concessionário o não aproveitamento dentro dos prazos, se é da responsabilidade do Governo, deve-se considerar dar mais tempo aos concessionários. Esta é a direcção certa. É candidato de novo pelo sufrágio indirecto. O que pretende fazer? Sou uma pessoa discreta. O que quer que diga pode ser mal-entendido ou pode levar a pensar que estou a falar pelo Governo por ser membro do Conselho Executivo. Por isso, prefiro não expressar a minha opinião. Faço o meu trabalho. Há um ditado chinês que diz que se for uma pessoa boa para todos, então poderei dormir bem. É isso que faço. Não é para proveito pessoal. Tenho muito que fazer, tenho muitos negócios, tenho muito com que me preocupar. Durmo bem. Isso leva-nos a outra questão. É um homem de sucesso nos negócios. Não acha que esse aspecto pode colidir com o trabalho político? Não. Eu só interfiro, não em nome pessoal, mas em nome dos negócios. Por exemplo, eu dirijo restaurantes, quando está em discussão o sector, eu falo do geral, nunca dos restaurantes em particular, mas sim de todo o sector da restauração. Só quero que sejam melhoradas as condições do sector e os procedimentos que são necessários fazer, de modo a que toda a indústria seja mais “user friendly”. Se quero mudar alguma coisa, é para o benefício do sector por inteiro. As burocracias são uma loucura em Macau. Ter uma licença pode demorar dois anos. São necessárias mudanças nesse aspecto? Sim. Fazer coisas em Macau é um processo muito lento. Uma licença de construção pode levar dez anos. Tem-se manifestado contra a lei sindical. Porquê? Não tenho nada contra ela, mas acho que não temos um sistema que necessite dessa legislação, como acontece na Europa ou nos Estados Unidos. Porquê? Porque estamos a falar do direito à greve. Sem falar nos meus negócios, vamos dar como exemplo os casinos. Se as greves forem autorizadas, os funcionários vão pedir aumentos anualmente e, se não foram dados, há a ameaça de greve, e todo o território morreria. Penso que se trata de um jogo de poder. Os sindicatos querem com este tipo de leis controlar também os trabalhadores. Em Macau, há as leis laborais que penso que funcionam muito bem. Há um departamento responsável pela defesa dos trabalhadores, porquê criar sindicatos? A economia em Macau é boa, não são necessários. Tem património imobiliário em Macau. O que acha das alterações ao arrendamento? Sou contra. Não é por ser proprietário. Depois da recessão dos rendimentos dos casinos, já voltou tudo ao normal, porque é que se há-de controlar as rendas? Tem de ser uma economia livre. As propriedades têm de estar num mercado livre. Mas não acha que as rendas são muito altas e que estamos perante um cenário de especulação imobiliária? Nos negócios, é sempre necessário que haja alguém que combata e alguém para ser combatido. São precisos dois para dançar o tango. Mesmo que controlem o aumento da renda, os proprietários podem arranjar forma de contornar a situação: passam a cobrar por outras coisas, como por exemplo pela mobília. Na compra e venda, se o banco só dá, por exemplo, 15 por cento para a compra de uma casa, o proprietário pode negociar com o interessado e avançar com 30 por cento e fazer negócio com isso. Por muito necessária que seja a lei, vai sempre existir forma de a contornar, porque se trata de um acordo mútuo. Por outro lado, não pode existir nas maiores cidades do mundo um desenvolvimento saudável do mercado imobiliário se existir controlo de terras e de rendas. Podemos olhar para Nova Iorque ou Detroit, em que quando os proprietários são impedidos de aumentar a renda, deixam de fazer obras nos edifícios velhos. Os prédios acabam por ficar extremamente deteriorados. As pessoas não sentiriam uma maior estabilidade, sabendo que não teriam grandes oscilações nas rendas? As pessoas podem assinar os contratos que quiserem. O controlo das rendas não é uma coisa boa.
Sofia Margarida Mota Entrevista Eventos MancheteEntrevista | Hélder Macedo, escritor e investigador A poesia chegou cedo, o acto de dizer não também. Porque bateu o pé contra o sistema, saiu de Portugal para voltar uma e outra vez, para ainda não estar lá, estando. Hélder Macedo é um nome incontornável do passado-presente da literatura portuguesa. Está por estes dias em Macau [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ez parte do Grupo do Café Gelo. Como é que funcionava esta tertúlia, influenciada ainda pelo Orpheu? A obra de Fernando Pessoa começou a ser publicada, de facto, nos anos 1940. Nos anos 50, ainda era uma coisa recente. Fernando Pessoa era mítico, havia várias obras não só do Pessoa, como do Sá Carneiro, etc., que não eram acessíveis. O Gelo foi um bocado um acidente. Éramos jovens, com 19 ou 20 anos, e mais ou menos por acidente começámos a encontrar-nos – uns conheciam-se, outros não –, basicamente para fugirmos aos cafés literários. Porquê? Eram chatos? Eram chatos, eram estabelecidos, eram senhores pomposos, importantes. Aconteceu que um grupo de pintores alugou um quarto num sótão perto do Rossio. Não cabiam todos. Eram quatro pintores que partilhavam aquele espaço. Uns desciam e o café mais próximo era o Gelo que, nessa altura, era frequentado por uma clientela de pequena burguesia, pacata, nada intelectual, nada literária. Ia para lá para estar sossegada, não estar naquele ambiente dos cafés literários e dos cafés para estudantes. Uns foram atraindo outros para conversarmos. Eu tinha sido colega de liceu do Gonçalo Duarte, pintor, que me disse que ali tinha uma gente interessante, que eu ia gostar. Fui. Tinha conhecido o Manuel de Castro nessa altura também, ainda no liceu. Uns levaram a outros e sentimo-nos mais ou menos unidos por uma atitude existencial e política, de certa maneira, que era essencialmente de recusa do ‘status quo’, do salazarismo e até das carreiras literárias, da Brasileira, do espírito de promoção e de autopromoção que havia. No meio disto tudo, aparece lá o Mário Cesariny de Vasconcelos que, nessa altura, era um escorraçado social. Nós conhecíamos a obra dele, tinha publicado um livro ou dois. Gostámos muito dele e ele passou a ir ao Gelo. Ele também atraiu outras pessoas. Criou-se um bocado a ideia de que o Café Gelo era uma espécie de segunda ou terceira leva do surrealismo em Portugal. É e não é. E não é porquê? Todos nós beneficiámos da existência do Surrealismo, como beneficiámos da existência do Orpheu, do Futurismo, dessas coisas todas. Mas, com algumas excepções, nem os pintores, nem os escritores que depois vieram a ter o seu bocado de obra se podem caracterizar, de facto, como surrealistas. Herberto Helder não é um surrealista. É um homem que bebeu, com certeza, do Orpheu, mas bebeu da tradição bárdica do século XIX, bebeu da leitura da Bíblia, como se vê pela poesia dele. O Manuel de Castro era um homem muito interessado pelas coisas esotéricas, mas não era um surrealista. Eu não sou um surrealista. Alguns foram mais directamente influenciados pelo Surrealismo, como o Ernesto Sampaio, por exemplo, um nome de referência, extremamente importante – era a pessoa que, na altura, mais sabia de Surrealismo em Portugal, um excelente escritor. E depois também outros mais associados directamente à influência do Mário Cesariny: o António José Forte, o Virgílio Martinho, embora escrevesse mais prosa. Esses assumiram-se como surrealistas. Mas o Herberto, eu, o Manuel de Castro, não. As pessoas gostam de dar rótulos. Pronto, nada contra. A outra dimensão do Gelo, que é extremamente importante, é a ligação com os pintores. Foram fundamentais. Eles foram, de facto, os fundadores do Gelo. O João Vieira, o Gonçalo Duarte, o José Escada, o Costa Pinheiro. Alguns, depois, foram para Paris; outros, como o Costa Pinheiro, para a Alemanha. Reencontraram-se mais tarde em Paris, onde fundaram o KWY. Quando se fala no Gelo, há três Gelos: um inicial, jovens tacteantes; os que saíram e que continuaram lá fora qualquer coisa associada ao espírito do Gelo; e os que ficaram – e esses tornaram-se muito mais ortodoxos surrealistas e ficaram muito mais sob a influência directa do Mário Cesariny. Um notabilíssimo poeta, mas era um senhor que não brincava em serviço. Fingia que não, mas tinha o olho posto na glória póstuma. Ele guardava tudo, todos os papéis… E aquela mania surrealista de quem é ortodoxo e quem não é, quem é bom e quem é mau, aqueles catálogos que já em França havia e que deu sempre naquelas proliferações. Mas, se há uma coisa que unificava aquela gente toda, era uma atitude de recusa, o dizer ‘não’, o não querer pactuar política e socialmente, o desrespeitar as normas estabelecidas. A grande revolução que aconteceu no nosso tempo, recentemente, é de facto a afirmação das mulheres, que é uma coisa maravilhosa. A outra é a grande liberdade sexual, o que é espantoso. Nessa altura, os homossexuais eram perseguidos pela polícia. O Cesariny era humilhado semanalmente porque tinha de ir à polícia dizer que estava a portar-se bem. Nós tínhamos uma atitude de total liberdade em relação à própria sexualidade: cada um dormia com quem quisesse, não era obrigatório nem ser, nem deixar de ser, não entrava no assunto. Isso também era parte dessa atitude de recusa das normas estabelecidas e do sistema. Escrevi um texto que está incluído num livro de ensaios em que uso o título “A Utopia da Negação”: a negação como utopia, como desejo de recusa. O mais importante é sermos capazes de recusar, de dizer não. Os ‘sins’ organizam-se sozinhos, alternativamente. Mas temos de decidir o que não queremos. Se aceitarmos, estamos pactuando no essencial, e isso é que não pode ser feito. Essa atitude vem dessa altura e dessa vivência? Virá dessa experiência. Por outro lado, é uma atitude que levou a esta experiência. Era uma coisa partilhada. Numa loja daquelas muito lisboetas – em que tinha, de um lado, mercearia, e do outro residência do dono – o Manuel de Castro encontrou, na residência, uma coisa impressa que dizia ‘Aqui não se vende’, significando que aquilo não era a loja. O Manuel tirou aquilo e punha diariamente na mesa do café: ‘Aqui não se vende’. A nossa atitude estava, de certa maneira, simbolizada por aquilo. Nós não estamos à venda. Hoje em dia, este tipo de encontros, onde se discute o estado das coisas, da política, da literatura, praticamente não existe. Existe muito menos. É a consequência do desinteresse? Há uma grande proliferação, há muita mais gente que escreve, que pinta, uns bem, outros mal, outros assim-assim. Há uma tentativa um bocado artificial, em Lisboa, de criar uma espécie de grupos. Por exemplo, as pessoas associadas à Abysmo, uma excelente editora, sentem que são um bocado um grupo, mas é mais difícil. Há uma coisa que, felizmente, falta: a repressão. A polícia, o perigo, o proibido, o risco, as torturas, Caxias, choques eléctricos – havia um elemento de risco que agora não há. Vários dos nossos amigos – e eu – aos 18 ou 19 anos, foram presos e torturados, eram uns adolescentes, miúdos. Ainda bem que não existe. Se se quer ser maldito, é por vontade e não por necessidade. Nós tornámo-nos um bocado malditos por sanidade, porque, no fundo, a recusa era a sanidade, a recusa era portarmo-nos mal. Um termo que é muito usado e abusado – o abjeccionismo – não é tanto no sentido que se dá actualmente, da pessoa se portar abjectamente. Não, o mundo em volta é que era abjecto. Ao recusarmos aquilo estávamos, de algum modo, a fazer uma afirmação positiva através da recusa. O que acho muito interessante é que as gerações mais novas estão agora a recuperar um bocado a mitificação do Gelo com o Pacheco, o endeusar literário também do Mário Cesariny, felizmente com algumas consequências muito positivas que foi a redescoberta do Manuel de Castro, que estava esquecido – um notabilíssimo poeta. Consegui que o João Paulo Cotrim publicasse um livrinho do José Manuel Simões, “Sobras Completas”, toda a obra completa dele que ele considerava importante e que me entregou, num envelope castanho, a última vez que estive com ele em Paris. Morreu um ano depois, não querendo voltar a Portugal. Estive uns bons dez anos até conseguir editor e o Cotrim publicou. As “Sobras Completas” é um livro muito giro, muito interessante, muito bom. E há outros que podem ser descobertos. Mas está a haver um interesse grande de várias pessoas a escrever sobre o Gelo. Do Gelo à política. Foi secretário de Estado da Cultura no Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo, numa altura complicada, no pós-revolução. Tinha trabalhado politicamente contra o regime, foi essa a razão pela qual não podia estar em Portugal. Depois regressei e, em 1975, fui convidado pelo então Governo provisório e aceitei ser Director-Geral dos Espectáculos. O Governo caiu, houve um período de várias semanas sem Governo, sem coisa nenhuma, uma coisa perfeitamente caótica. Para entrar no meu gabinete, que era no Palácio Foz, tinha de pedir licença aos piquetes. Nessa altura, como não havia muito mais que pudesse fazer, decidi publicar umas notas sobre o que poderia ser eventualmente uma política cultural, o que se poderia fazer. E isso foi publicado no Diário de Notícias que, na altura, era dirigido pelo Saramago. Decidi não continuar, voltei para Londres. No Verão de 1979, eu e a minha mulher fomos de férias a Portugal, de carro, pacatamente. Chegámos a Lisboa, fui ver os meus amigos, que se reuniam no café Montecarlo – o Carlos de Oliveira, o José Cardoso Pires, o Herberto Helder – e o [Augusto] Abelaira diz-me que se falava em mim para secretário de Estado da Cultura. Ri-me muito e disse-lhe: ‘Ah, e fala-se de si para ministro da Saúde’. Quando cheguei a casa dos meus pais, à noite, um telefonema a convidar-me. Fiquei muito surpreendido. O que deve ter acontecido foi que a Maria de Lourdes deve ter lido essas notas, achou que a coisa fazia algum sentido e decidiu convidar-me. Era um Governo provisório, diziam que era 100 dias mas afinal foram cinco meses, foi pouco tempo e, como tal, aceitei. Nunca quis ter uma carreira política. Devo ter sido a única pessoa em Portugal que foi director-geral e membro do Governo e que não tem um chavo de pensão de coisa nenhuma. Portanto, nunca quis coisa nenhuma e queria, precisamente, ter a minha total independência. Depois de o Governo se ir embora, tive três convites para deputado, de vários partidos. Recusei, não quis ter uma carreira política. Mas alguma coisa foi feita e que, depois, por ódio pessoal do Sá Carneiro à Maria de Lourdes Pintasilgo, foi apagada. O que é que foi apagado? Para já, uma coisa sem precedentes na democracia: suspenderam em bloco todos os actos que podiam ser suspensos do Governo da Maria de Lourdes Pintasilgo. Não só na cultura – nos serviços sociais, no trabalho. Tudo suspenso, para tornar a coisa uma espécie de não-Governo, o que é ideológico porque a Maria de Lourdes, sendo católica, tinha um programa muitíssimo mais à esquerda do que o Partido Socialista. Por outro lado, era uma posição antifeminista por ser mulher, que ainda por cima vivia com outra mulher. Na área da cultura posso dizer três coisas: quem criou o Museu de Arte Moderna no Porto foi o Governo da Maria de Lourdes numa sessão pública onde eu estava. Este projecto ficou parado durante uns tempos e depois foi reaproveitado pela Maria Teresa Gouveia, que criou Serralves. A origem de Serralves foi a negociação que fiz em mandar para o Porto, instalado provisoriamente no Museu Soares dos Reis, a colecção de arte moderna do Estado. Uma outra coisa que fizemos foi a compra do prédio da Cinemateca de Lisboa. São coisas que não puderam ser destruídas porque já havia investimento de dinheiro e não se podia recuar. O que fizeram foi obliterar a origem. É impensável que na Cinemateca, que foi um prédio comprado com a minha assinatura, não haja uma referência que esta aquisição foi feita no Governo da Maria de Lourdes. Também não é aceitável que, em Serralves, na sua proto-história, não seja mencionado o mesmo facto. Outra coisa que deixei organizado, e que depois foi feito pelo João de Freitas Branco, foi uma planificação dos teatros nacionais, incluindo a compra do Teatro de São João. Mas isto foi bloqueado mesmo porque foi a tempo. Depois do 25 de Abril houve um painel em que 48 pintores, desde o Pomar ao Escada, pintavam um dos 48 quadrados que faziam o painel. Era um painel fascinante que era, no fundo, a história da pintura moderna portuguesa. Este painel estava instalado no centro de exposições de um pequeno museu em Belém. O director deste museu era o João Vieira, que me disse que as instalações eléctricas naquele local estavam muito precárias. Fiz um despacho para que o espaço fosse encerrado, para que pudéssemos fazer as reparações. O meu sucessor no cargo, como o fecho tinha sido um acto do Governo anterior, mandou abrir o local. O resultado foi que ardeu e o painel desapareceu. Isto é um exemplo anedótico, mas trágico. É pena porque algumas coisas podiam ter ficado melhor, e não ficaram. A planificação da rede nacional de teatros podia ter sido feita. De qualquer forma, o que isto significa é que existiu essa atitude de antagonismo em relação ao Governo da Maria de Lourdes Pintasilgo e do que ela representava. Isso também se manifestou uns anos depois, quando foi candidata à Presidência. Trabalhei com ela nisso e tive várias reuniões, mesmo com militares, e houve uma mudança de atitude porque não aceitavam a ideia de que uma mulher pudesse ser a pessoa que comandava as forças armadas. O que falta hoje em dia à cultura em Portugal? Sou um optimista. Se vivesse em Portugal, se calhar, irritava-me mais. Há sem dúvida mais gente que lê, há uma quantidade muitíssimo maior de gente que escreve. A maior parte é uma porcaria, mas a percentagem dos que têm nível não é, certamente, inferior ao que era. O que há, talvez, é uma grande confusão entre qualidade e quantidade. Tornam-se também grandes sucessos literários pessoas cuja obra não o merece. Mas isto é um fenómeno que acontece em muitos países. Sem citar nomes, se falarmos de escritores que são celebrados como grandes escritores, muitos deles não valem nada. Há outros, menos celebrados, e que são muito bons, mas os escritores excepcionais são poucos em toda a parte. O mesmo acontece na pintura, por exemplo. Há uma democratização da criatividade literária e artística, o que não significa que haja um abaixamento de nível. O que há é gente de baixo nível que produz e que dantes não havia. Se calhar, e sendo optimista, quantidade também pode gerar qualidade. Das pessoas que dantes não tinham acesso nenhum à cultura, agora há mais que o têm e que vão produzindo coisas que se calhar são boas e que, noutras circunstâncias, nunca teriam produzido. A minha atitude é muito mais positiva do que a dos meus amigos em Portugal. Há de tudo e o facto de haver gente que lê aquela péssima literatura de aeroporto, e que compra livros no supermercado, significa que pelo menos lêem. O que faz falta em Portugal é crítica literária. Paradoxalmente, no tempo do Salazar, os jornais portugueses tinham uma coluna de crítica literária. Não era só no Diário de Notícias, mas todos os jornais de Lisboa e do Porto tinham as suas páginas literárias, coisa que agora não existe. Começou por estudar Direito. Foi, mas não acabei o curso porque tive de sair de Portugal a meio. Depois da campanha do General Delgado, envolvi-me numa intentona, as pessoas começaram a ser presas e tive de sair. E como é que apareceu a literatura? Desde pequenino. A minha mãe gostava muito de poesia, lia-me poesia, fazia-me decorar “os boizinhos” do Afonso Lopes Vieira e eu comecei a escrevinhar poesia com uns 11 anos. Fazia umas rimazitas. Naquela altura fazia três coisas: escrevia poesia, andava de bicicleta e jogava futebol. A sua escrita é biográfica, especialmente a poesia. Os romances não são biográficos, com excepção de “Partes de África”, que tem elementos autobiográficos, mas também tem falsificações. Conto como se tivesse acontecido, mas não aconteceu. Dava-me jeito, em termos de narrativa, que tivesse acontecido, o que acabou por me dar problemas porque há algumas personagens que são fusões de possibilidades de ser. É o caso de um médico que é a fusão entre um médico abnegado que conheci e um médico corrupto que havia. Misturei os dois e os filhos do abnegado cortaram relações comigo. O inspector da PIDE que também aparece nesse livro e que acabou por salvar, na verdade, São Tomé, é também a fusão de dois que conheci. Também uso a primeira pessoa com muita frequência na minha narrativa e na minha ficção, mas continua a ser uma ficção. Ponho-me nesse hipotético Hélder Macedo a contracenar com gente que não existe. A estratégia aí é dar credibilidade à ficção, mas, por outro lado, torna fictício o narrador. Na poesia é diferente. Escrevo pouca poesia. Não sou um poeta que escreve habitualmente. Costumo escrever poesia em tempos de viragem. É uma coisa interna. A poesia é uma coisa muito íntima? É. E é necessário ter muita cautela para não nos envergonharmos em público. Estamos em pleno encontro da Associação Internacional de Lusitanistas (AIL). Como é que vê este congresso, o primeiro a Oriente? Quem primeiro sugeriu que fosse em Macau, fui eu. Fui presidente da AIL, depois foram simpáticos e elegeram-me presidente honorário, que é uma óptima posição: uma pessoa manda bocas e não tem de fazer nada (risos). Sempre achei que era fundamental sair da Europa. Como presidente e com o Carlos André como secretário-geral, planeámos depois de um congresso em Oxford fazer uma coisa no Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que o congresso aconteceu fora da Europa. Mais tarde, fez-se nos Estados Unidos e depois achámos que era importante fazer em África, e acabou por acontecer em Cabo Verde que, simbolicamente, estava muito bem. A Universidade tinha acabado de ser criada. Depois disso, o passo óbvio era o Oriente. Aí a minha ideia era de que, entre os dois sítios óbvios – Goa e Macau – a escolha fosse Macau, devido à atitude dos chineses. Enquanto em Goa a língua portuguesa foi obliterada tendo tido raízes muito mais fundas do que, alguma vez, teve em Macau, aqui é mantida. Não será muito desenvolvida, mas é mantida. É até é política oficial que podemos ver nos nomes das ruas, nos documentos oficiais. É assumidamente, uma das línguas oficiais e isso é uma atitude inteiramente diferente da atitude indiana. Seria estúpido não escolher Macau. Até como uma afirmação política em relação à Índia. Não é que em Goa tenham obliterado as línguas europeias. Não. O português foi substituído por outra língua colonial, o inglês. Ora, se se mantém uma língua colonial, porque diabo de razão vão destruir uma presença cultural que lá esteve durante 500 anos? Estão a chular a história de Portugal com os monumentos, com as igrejas, retirando a identidade que fazia parte daquela gente e daquela cultura, muito mais do que aqui em Macau. Estas são as razões negativas. Como razões positivas, quando cá vim há quatro anos, a minha ideia era, precisamente, negociar a hipótese de Macau. Fui recebido pelo presidente do Instituto Politécnico de Macau que acolheu imediatamente a ideia, fala um português perfeito, lê Camões e deu-nos condições extraordinárias. A proposta acabou por ser feita em Cabo Verde com muito boas condições. Pode não atrair tanta gente como outros congressos, devido à distância. Tivemos a desistência de umas 40 pessoas do Brasil, 15 dias antes de o congresso começar devido à crise, mas ainda assim, estamos com cerca de 150 pessoas. Na sessão de abertura, a presença do Governo foi notável. O desenvolvimento da língua portuguesa é, obviamente, parte de uma política chinesa. Terão as suas razões, mas a nós também dá jeito.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeEntrevista | Maria José de Freitas, arquitecta Doutoranda em património de influência portuguesa, Maria José de Freitas tem tido um papel activo na preservação da herança local. Macau é um lugar com características particulares que reflectem o intercâmbio cultural de séculos. Para a arquitecta, os jovens locais estão atentos e interessados em manter a história [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]steve recentemente em Lisboa com uma comunicação acerca do património de Macau. O que é que o distingue? Falou-se neste congresso da herança transcultural. A herança que foi vivida e executada por diversos povos em diversas épocas e que, hoje em dia, é também vivida por estas culturas. É um pouco o que se passa em Macau. O território é um ponto de chegada dos portugueses no séc. XVI. Quando cá chegaram já traziam múltiplas influências, já tinham passado por África e pela Índia, por exemplo, e Macau acabou por apanhar todas estas influências que se transmitiram na sua arquitectura. Temos exemplares híbridos com as influências de Goa e da Indonésia. Quando se fala em Macau e se percebe a herança miscigenada do território, nessa simbiose cultural entre o Oriente e o Ocidente, é porque, de facto, isso é visível e quem cá chega percebe essa situação. Está presente no vocabulário e, claro, na arquitectura que é escrita na pedra. Hoje em dia, se se quer continuar a manter alguma diferenciação de Macau relativamente a algumas cidades da região, é importante preservar estes traços de cultura miscigenada. Está a falar de um cartão de visita da cidade? Sim. Já tem vindo a ser utilizado este aspecto como tal. Macau, além de ser conhecida como a cidade do jogo, é também uma cidade cultural, nomeadamente no que respeita a esta mistura. Ao longo da minha carreira, tenho trabalhado com a paisagem urbana e construída. Sendo arquitecta em Macau, o facto de ter tido alguma intervenção nalguns edifícios que estão incluídos na lista da UNESCO é extremamente gratificante, sendo que destaco o Teatro D. Pedro V e as Ruínas de São Paulo. Neste momento, estou a fazer um trabalho acerca de identidade e centros históricos. O meu estudo de caso é o Leal Senado porque foi um sítio muito importante do séc. XVI até à vinda dos governadores. Tem sido também o sítio emblemático onde as pessoas quando têm qualquer coisa a dizer se reúnem. É o local onde há manifestações culturais e políticas. Tem vários edifícios e igrejas, está no caminho das Ruínas de São Paulo. É um sítio de convergência e é o nosso centro histórico. Actualmente está a ser descaracterizado. Há alguns fenómenos de gentrificação, mas também é interessante saber até que ponto é que a população de Macau reage a isso. Como é que está a acontecer esta reacção? Os jovens e os arquitectos estão a reagir. Se reparamos, estão a ocorrer algumas alterações interessantes, por exemplo, na Rua dos Ervanários e na Rua dos Mercadores, ligadas às indústrias criativas. Há também associações de moradores interligadas com a dinâmica destes lugares porque querem manter aquilo que herdaram, escapar a estes circuitos turísticos e também manter um sentido de identidade e de pertença. Mas não estamos num paradoxo se falarmos da promoção de Macau enquanto destino cultural por um lado e, por outro, receamos os fenómenos de gentrificação que cada vez mais se registam no centro histórico? É difícil escapar à gentrificação, mas também acho que a situação é controlável. Têm de existir medidas fortes por parte do Governo, neste caso através do Instituto Cultural, e especificamente com a criação do Plano de Gestão do Centro Histórico, o tal plano que está prometido desde que a lei do património saiu, em 2013, e que já devia estar cá fora. Outro aspecto importante é que este plano deveria surgir em articulação com o plano director, que também não temos. Aliás, as duas leis foram publicadas na mesma altura porque estão intrinsecamente ligadas. Já trabalhei na elaboração de um plano de gestão em Sintra, e foi possível ser feito em dois anos. Aqui também há toda uma recolha de dados que tem de ser feita e em que podemos utilizar a georeferenciação. Já há muito património classificado, desde o Centro Histórico ao Porto Interior. Há uma classificação feita durante a administração portuguesa, o mapa de 1992, que ainda está em vigor. Graças a estas classificações, parte do património local está protegido e isso é uma grande vantagem para a cidade de Macau e para quem está a trabalhar neste plano de gestão: terem existido uma série de situações em que as diversas leis ao longo do tempo permitiram que certos locais fossem preservados. Tudo isso dá confiança ao trabalho. Foi também feito o Plano da Almeida Ribeiro pelo arquitecto Távora, que é valiosíssimo. Tudo isto em conjunto poderia permitir que, rapidamente, fosse feito o tal plano de gestão. Mas, como disse, tem de ser articulado com o plano director e penso que é aqui que reside a situação mais difícil, mas que tem de se concretizar. Na sua opinião, quais os edifícios que falta classificar em Macau? Há muitos edifícios, por exemplo, no Porto Interior, que deveriam ser classificados e não estão. Aliás, acho antes que deveriam ser definidas zonas de tampão mais alargadas e que, nestas zonas, devia seguir-se alguma restrição em termos urbanísticos. Estas restrições não deveriam ser tão exaustivas como para os edifícios classificados. Não falo em edifícios. Gosto mais de falar em zonas, em ruas e becos porque é de tudo isto que se faz a cidade. Não é o edifício em si, é também o espaço que está à volta e que permite que o edifício seja vivido, seja visto, seja usufruído pela população. São estes conjuntos que fazem um todo. Acho que toda a península de Macau deveria ser uma zona tampão e deveria ser preservado o seu interior da melhor forma possível passando, inclusive, pelo controlo do tráfico viário. Tem de haver um plano pensado em conjunto. Tem de ser um plano global e que passe pelas necessidades em termos culturais, sociais, espaços verdes e em articulação viária. E tem de dar oportunidade aos comerciantes locais, aos jovens e às indústrias criativas. Como é que sente que a população local se está a relacionar com o seu património? Tive a sorte de ter sido convidada pela Universidade de São José para dar aulas no curso de Arquitectura. Fiz um trabalho em que usámos como caso de estudo o Hotel Central e o objectivo foi perceber até que ponto qualquer alteração naquele edifício poderia ter impacto na envolvente. Teve muita receptividade por parte destes alunos. Passa por aí a preservação e divulgação do património local? Sim, penso que é por aqui, por estes jovens que se empenham nesta situação e que têm de protagonizar aquilo que vai ser o futuro. Os estudantes de Arquitectura têm muito interesse. Também tenho de dizer que, em algumas conferências em que tenho participado, nomeadamente em Lisboa, curiosamente aparecem grupos de pessoas de Macau de etnia chinesa que se manifestam interessados. No ano passado, no “Heritage 2016”, apareceu um grupo de quase dez pessoas que apresentaram trabalhos muito fundamentados acerca do património local. Continuo a colaborar com este grupo. Há ainda a Associação Embaixadores do Património que também se foca nesta matéria e promove várias actividades ligadas ao turismo cultural com base nesta herança do território. Divulgam ainda este conhecimento junto das camadas mais novas. Recordo uma conferência que fiz aqui em Macau acerca da reutilização dos espaços que são classificados ou com características ligadas ao património, e que vão tendo alterações de forma a que possam ser utilizados hoje em dia. Há que ter também em conta o papel social e cultural que os espaços podem ter nestas circunstâncias. Mas estou a dizer isto essencialmente porque a sala estava completamente cheia. Eram todos muito novinhos. Qual a reacção das pessoas ao terem mais conhecimento acerca de Macau e do seu património, quando o divulga através das suas comunicações? As pessoas ficam maravilhadas, e querem saber e conhecer mais. Já me perguntaram inclusivamente porque é que não se organiza um fórum internacional dedicado ao património aqui, ligado a esta herança. No entanto, ainda nesta minha última participação em Lisboa, de Macau estava só eu e, enquanto os outros conferencistas aparecem ligados a instituições do seu país, eu apareço com o património de cá. Sou portuguesa e não estou representar nenhuma entidade de Portugal nem de Macau. Sou uma “independente”. Não seria pertinente fazer-se acompanhar por uma instituição oficial do território dado ser um dos aspectos muito falados por cá? Sim. Em 2006 houve uma primeira conferência promovida em Coimbra acerca do património classificado de origem portuguesa. Na altura representei Macau. Este ano, conheci também um grupo de chineses bastante forte de Wuhan. Este lugar fica no meio da China e está numa zona de convergência de rotas comerciais. É um grupo bastante forte, tem uma universidade e está a fazer um trabalho interessante no que respeita ao património transcultural. Wuhan tem edifícios com influências culturais de diversos povos e de diversas épocas, e estão interessados em manter a sua preservação. Sendo chineses e estando eu em Macau, faz sentido existir uma colaboração e, eventualmente, promover um encontro cá ou em Portugal para que eles também possam expor o seu trabalho, de modo a que todos possamos encontrar uma linguagem transversal com diversas influências culturais.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteBai Ming | Artista chinês pela primeira vez em Portugal A iniciativa é do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia de Lisboa e leva, pela primeira vez, as obras do artista Bai Ming à capital portuguesa. “Branco e Azul” é a exposição que mostra, entre outros trabalhos, as cerâmicas do criador [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição “Branco e Azul | Bai Ming – Lisboa” já está aberta ao público no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) e é constituída por mais de 200 peças de cerâmica, desenho e pintura. As obras, em exibição até 4 de Setembro, “traçam uma rota de encontro e de fascínio entre o Oriente e o Ocidente”, lê-se na apresentação oficial do evento. Bai Ming é considerado um dos artistas que mais tem contribuído para a renovação e revitalização da criação artística chinesa no campo da cerâmica, garantindo que “toda a inovação dá continuidade à tradição, numa fusão entre o óleo e a tinta-da-china, a abstracção e a decoração, a cerâmica e a escultura, entre a tradição e as novas linguagens”. Como o próprio refere, “viaja livremente entre vários suportes”, com “uma enorme curiosidade quanto a expressões novas e únicas”. O autor é ainda “apaixonado por experimentar diferentes materiais, sentir diferentes expressões em vários tipos de barro, de papel, de tinta”. As suas esculturas, instalações e cerâmicas assentam numa estética de serenidade. No entanto, de acordo com o artista, não será correcto confundir serenidade e quietude. A obra de Bai Ming está em exposição na Sala dos Geradores, no edifício da Central – que se transforma em espaço expositivo também pela primeira vez – e no recém-inaugurado Jardim do Campus Fundação EDP. A iniciativa está integrada no programa “Cooperação Sino-Portuguesa e Resultados do Intercâmbio Cultural ao Abrigo da Iniciativa ‘Uma Faixa, uma Rota’”. Curadores rendidos A curadoria está a cargo de Fan Di’an, presidente da Academia Central das Belas-Artes da China, Rosa Goy e Margarida Almeida Chantre, do MAAT. De acordo com a informação divulgada pelo Portal Martim Moniz, Rosa Goy, curadora da exposição, destaca que “o branco e o azul chegam à Central Tejo através do olhar de Bai Ming”. “O artista traz pela primeira vez, a Portugal, a sua percepção e (re)interpretação da natureza e das formas com as suas cerâmicas e pinturas.” O criador é “detentor de uma técnica tradicional e ancestral, trazendo a Lisboa mais de 200 peças que reflectem não só a sua visão renovada das formas e dos elementos decorativos, mas também a sua observação das mutações e variações na natureza”. Margarida Almeida Chantre salienta o nome desta mostra, referindo que “a evocação da relação entre China e Portugal se faz descobrir nos trabalhos de Bai Ming através da forte presença visual da cor azul”. A tonalidade reflecte o mar, o que “liga à rota de seda e que flui para os elementos da natureza que encontramos nas mais de 200 peças apresentadas em exposição”. Para a curadora, “o artista desconstrói formas e temas gravando nas peças o que vê, o que sente, o que experiencia e o que o rodeia”. Já Pedro Gadanho, director do MAAT, reforça a importância da exposição: “Num dos mais simbólicos espaços institucionais da Central Tejo, mas também no contexto do recém-inaugurado jardim de um campus em estado de aceleração renovada, acolhemos o importante trabalho de um artista que actualiza e expande a tradição da porcelana, como uma das mais fortes expressões artísticas de um país de cultura milenar”. Arte | Bienal abre portas a jovens criadores lusófonos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] VIII Bienal de Jovens Criadores da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) arrancou ontem em Cerveira, em Portugal, com cerca de 250 participantes e a presença de representantes dos vários países membros. Integrada na XIX Bienal Internacional de Arte de Cerveira, que decorre até 16 Setembro, a “Vila das Artes” acolhe, durante esta semana, a VIII Bienal de Jovens Criadores da CPLP, conta com 180 jovens artistas, em início de carreira, entre os 250 participantes. Na cerimónia de inauguração eram esperados os ministros dos nove países da CPLP, numa sessão presidida pelo ministro português da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Com organização do Instituto Português do Desporto e da Juventude, Conselho Nacional de Juventude, em parceria com a Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira e a Fundação Bienal de Arte de Cerveira, a iniciativa tem por objectivo “promover o intercâmbio entre os jovens da CPLP, bem como o debate de temas com base nas perspectivas culturais de cada um e nas diversas formas de expressão”. O presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira e da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, Fernando Nogueira, sublinhou, em conferência de imprensa, quando da apresentação da iniciativa, em Abril, que era “um sonho concretizado” poder “alargar a bienal mais antiga do país e da Península Ibérica aos países da CPLP”. Assim, jovens de Portugal juntam-se a colegas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste no que será, segundo a organização, um encontro entre os jovens artistas dos nove países membros “com base nas suas perspectivas culturais reproduzidas em variadas formas de expressão”.
Sofia Margarida Mota PolíticaIACM | Medidas tomadas para as obras na via pública O deputado Zheng Anting pediu mais fiscalização nas obras a cargo do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e o organismo afirma que a implementação de medidas já está em prática. Uma colaboração mais próxima com os Assuntos de Tráfego no acompanhamento de trabalhos e o adiamento de obras para o ano que vem são alguns dos aspectos referidos pelo Governo [dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap]s obras são indispensáveis na via pública” diz o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) enquanto garante que está a tomar medidas de optimização de procedimentos para que os trabalhos que estão a ser realizados causem menos problemas no quotidiano da população. A ideia é deixada em resposta à interpelação do deputado Zheng Anting que questionava o Executivo acerca das fiscalização do andamento das construções e do das situações irregulares de trabalho denunciadas pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC). O IACM fala de medidas concretas, nomeadamente no que respeita à “optimização dos procedimentos de avaliação, autorização e de supervisão do início das obras assim como do condicionamento do trêfego”, lê-se no documento do Governo. O Instituto não seixa de referir que estes procedimentos estão a ser feitos de forma interdepartamental contando com a participação da Direcção para os Assuntos de Tráfego (DSAT). No âmbito da optimização dos procedimentos, o IACM exige, actualmente, “a apresentação dos planos das obras mais concretos, incluindo os recursos humanos, informações sobre os equipamentos e máquinas, o parecer da DSAT e o respectivo condicionamento do tráfego, sendo considerado com fundamental, a conclusão da obra dentro do prazo previsto”, sublinha o organismo. Obras intercaladas O IACM sublinha ainda que, nas reuniões que tem com a DSAT, existe uma análise, agora, “da viabilidade do número de obras requeridas para execução, impedindo de forma temporária a execução de obras sem condições favoráveis”. Por seu lado a DSAT, também tomou medidas em concreto. Em causa está o adiamento de parte dos trabalhos de grande dimensão para o próximo ano, e a categorização das via públicas locais. A medida, esclarece o executivo, tem o objectivo de “proceder e assegurar a supervisão dos trabalhos nas vias, coordenando melhor a realização de diferentes obras para execução conjunta a fim de reduzir a interferência das obras, no tráfego citadino”. De acordo com Lam Hin San, director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, em declarações dadas após a reunião do Conselho Consultivo do Trânsito, na semana passada, as obras de grande escala a decorrer no território associadas aos serviços de tráfego, foram reduzidas de 99 no ano passado para cerca de dez, neste ano. O objectivo, apontou, é “causar menos impacto ao público”. No que respeita às irregularidades referentes aos funcionários, o IACM afirma que já estão em andamento os processos disciplinares respectivos de modo a “apurar a sua responsabilidade jurídica”. Transportes | Au Kam San pede melhores condições das paragens nas Portas do Cerco [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado pró-democrata interpela o Governo para prestar atenção ao terminal subterrâneo de autocarros nas Portas do Cerco. Au Kam San espera uma intervenção que possa atenuar os efeitos do trânsito no local, assim como proporcionar condições aos passageiros. “Devido ao mau design da paragem terminal das Portas do Cerco, quer como se faça, quer quanto dinheiro se gaste, não se consegue compensar as falhas do seu design congénito”, comenta. O deputado refere que os passageiros que esperam pelos autocarros 27, 51 ou 59 têm de se sujeitar aos caprichos da meteorologia. Com uma paragem que tem uma coberta demasiado pequena, no entender do pró-democrata os utentes ficam à mercê da chuva e do sol. As três carreiras referidas têm ali a sua paragem terminal, no espaço subterrâneo do lado da Unidade Táctica de Intervenção da Polícia. O deputado mostra-se particularmente preocupado com a carreira 51 por ser, de acordo com Au Kam San, muito frequentada por residentes de idade avançada da zona de Seac Pai Van. Apesar da promessa das autoridades de fazerem um estudo para apurar uma forma viável de melhorar as condições dos passageiros em espera, o deputado não se encontra satisfeito. Au Kam San pede o resultado do referido estudo, assim como um ponto de situação sobre o estudo para o novo plano da via exclusiva para autocarros. Finalmente, o deputado exige que seja ligada a cobertura da paragem das carreiras 27, 51 e 59 até à cobertura de paragem de táxis.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaLei de branqueamento de capitais com revisões regulares [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] legislação referente ao branqueamento de capitais vai ser revista periodicamente. A garantia foi dada pelo próprio secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, em declarações à comunicação social no passado sábado. Lionel Leong não adianta a periodicidade mas afirma claramente o objectivo da medida: “continuar a corresponder às necessidades exigidas pelo Grupo Ásia/Pacífico contra o branqueamento de Capitais (APG, na sigla inglesa) e aperfeiçoar conforme as novas conjunturas trazidas pelo desenvolvimento da indústria”, lê-se no comunicado enviado à comunicação social. Em causa está o sector do jogo. O secretário adiantou ainda que, apesar da avaliação positiva dada a Macau no encontro do APG realizado na semana passada, em Colombo, o Executivo considera que há espaço para vários melhoramentos. No que respeita às necessidades apontadas pela organização no sentido de aumentar a eficácia na acusação e julgamento de crimes contra o branqueamento de capitais, a recente revisão da legislação já indica um passo no sentido de melhorar o desempenho do território nesta matéria. Nota positiva Na semana passada, Macau recebeu uma nota positiva no encontro da APG em Colombo e foi classificado com “Eficácia Substancial” no domínio da supervisão. De acordo com o Gabinete de Informação Financeira (GIF), esta atribuição “não é muito frequente entre as jurisdições avaliadas a nível mundial”. O relatório referente ao território que obteve aprovação do APG, aponta que “os requisitos de licenciamento no sector do jogo para as concessionárias, subconcessionárias e promotores de jogo é robusto”. Além disso, o mesmo documento refere que Macau tem vindo a aplicar medidas respeitantes ao “licenciamento e avaliação de idoneidade” que incluem “os promotores de jogo e os seus colaboradores”. O relatório dá ainda uma nota positiva ao trabalho da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), por esta possuir “uma equipa de auditoria experiente e adequadamente qualificada” para a supervisão das medidas adoptadas. “A qualidade dos relatórios de auditoria analisados durante o processo de avaliação foi considerada bastante satisfatória”, assinalava, na semana passada, o comunicado do GIF. DSAL continua a inspeccionar Também no sábado, Lionel Leong fez referência aos acidentes de trabalho que têm ocorrido no território. O secretário destacou o trabalho recente da Direcção Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) em que foi feita a fiscalização a mais de 550 estaleiros. O resultado foi a suspensão de obras em 31, a ordem de multa a mais de 100 e 150 recomendações de melhoramento. De acordo com Lionel Leong, a DSAL vai continuar com as acções de fiscalização de modo a levar as entidades envolvidas ao cumprimento das regras de segurança no trabalho. Polícia sem recursos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Divisão de Investigação de Crimes Relacionados com o Jogo queixa-se que não tem recursos para trabalhar eficazmente. A informação é dada pelo deputado Ng Kuok Cheong que afirma ter recebido uma carta de um grupo de agentes da autoridade a revelar a falta de recursos humanos no terreno. Consequentemente, e de acordo com a missiva, Ng Kuok Cheong apela ao Governo para tomar medidas. Em causa, está o devido tratamento dos crimes relacionados com o jogo. “Os trabalhos na Divisão de Investigação de Crimes Relacionados com o Jogo são constantes, quer seja dia ou de noite, porque os casos são muitos e não conseguimos tratar de tudo”, diz a carta, segundo o deputado. O incumprimento do tratamento dos casos deve-se ao número insuficiente de polícias que, de acordo com Ng Kuok Cheong, têm diariamente de lidar com mais de uma dezena de casos. “Em muitos casos, mesmo saindo de madrugada, o trabalho é reiniciado às nove da manhã do dia seguinte”. Para os agentes queixosos, a falta de profissionais pode também colocar em causa a integridade física de quem está de serviço. “Num caso de sequestro há, muitas vezes, apenas dois a três polícias a trabalhar e, caso os suspeitos ofereçam resistência, estes agentes podem estar em perigo”, adiantam os queixosos. Os remetentes da carta enviada a Ng Kuok Cheong referem ainda que este tipo de tratamento é desumano. A razão, apontam, tem que ver com o facto de terem um horário excessivo de trabalho, e, salientam, “há mesmo casos de perda de consciência”. Ng Kuok Cheong quer saber junto do executivo a veracidade das declarações que recebeu, sendo que apela à tomada de medidas nesta matéria. O deputado considera que a indústria do jogo é um pilar importante para a economia de Macau e, como tal, cabe ao Governo mobilizar recursos para a segurança de quem nela trabalha.
Sofia Margarida Mota SociedadeAuto-silos | Detectadas quase 40 gestões irregulares Foram feitas de surpresa uma série de inspecções aos auto-silos locais. O objectivo foi assegurar que as condições contratuais estavam a ser cumpridas. Os Serviços para os Assuntos de Tráfego detectaram 38 casos de gestão irregular [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 38 os casos de irregularidades no que respeita à gestão dos auto-silos de Macau. A informação foi dada ontem pelo responsável máximo da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), Lam Hin San, após uma reunião do Conselho Consultivo do Trânsito. “Verificámos irregularidades no que respeita aos contratos celebrados”, começou por dizer o responsável. As infracções detectadas dizem essencialmente respeito ao incumprimento contratual relativo ao número de trabalhadores que têm de estar de serviço. “Por exemplo, exigimos um certo número de funcionários no próprio local, mas durante a nossa inspecção verificámos que os trabalhadores eram insuficientes”, apontou Lam Hin San. Outro dos aspectos em incumprimento diz respeito à manutenção dos próprios parques, nomeadamente no que toca à falta de limpeza. Duas empresas já pagaram a multa a que foram sujeitas, quatro estão com ordem de pagamento, 11 casos têm processo aberto e há ainda 21 auto-silos em que as provas já estão recolhidas e que vão ser sujeitos a processo. O castigo vai além da multa e as empresas infractoras poderão mesmo não poder participar nos próximos concursos públicos para gestão destes equipamentos. “Provavelmente não vamos convidar estas empresas a participar nos concursos”, sublinhou o director. As multas podem ultrapassar as dez mil patacas diárias, sendo que, uma vez atingido o montante de 150 mil patacas, o contrato de concessão é anulado. Alterações definitivas Outro dos aspectos discutidos ontem na reunião do Conselho teve que ver com alterações de carácter permanente da circulação rodoviária na Taipa. A zona que rodeia o Parque Central da ilha vai deixar de ter dois sentidos e passar a ser de sentido único. Com a medida, a DSAT espera aumentar a segurança para as pessoas que andam naquela zona a pé. “O sentido único é mais seguro para os peões que não precisam de, no momento de atravessar a estrada, estare atentos aos dois sentidos”, disse o responsável. Milhões de passageiros Nos primeiros seis meses deste ano, a DSAT contabilizou um total de 103 milhões de passageiros que utilizaram os autocarros de Macau, sendo que o dia de maior congestionamento nos transportes públicos aconteceu a 29 de Maio, altura da comemoração do festival de barcos-dragão. Circularam no território, nesse dia, 662 mil passageiros. “É um novo recorde”, afirmou o director dos Assuntos de Tráfego. Com o novo ano lectivo, os autocarros, garantiu o responsável, vão ser reforçados. Cerca de 50 por cento dos passageiros dos transportes públicos usaram o terminal de autocarros das Portas do Cerco. De modo a facilitar a circulação naquela zona, a DSAT já procedeu ao aumento de autocarros no piso superior do terminal, o que “melhorou muito o serviço”, disse Lam Hin San. O acesso aos táxis também vai ser melhorado naquele ponto da cidade. “Vamos fazer obras de melhoramento da tomada de táxis, de modo a que possam ser recolhidos passageiros para cinco táxis ao mesmo tempo. O mesmo vai acontecer na zona do Terminal Marítimo do Porto Exterior, em que as alterações vão permitir a tomada de três táxis em simultâneo”, explicou. Ainda relativamente aos serviços de táxi, Lam Hin San afirmou que vão ser acrescentados veículos à frota de radiotáxis, sendo que, admite, não é uma tarefa fácil. Em causa está a desproporção na procura deste serviço: “Nas 24 horas diárias, em cerca de 11 são procurados 80 por cento dos táxis disponíveis, enquanto nas restantes 13 horas são procurados apenas 20 por cento”. Poucas obras de grande escala [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e acordo com Lam Hin San, director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, em declarações dadas ontem após a reunião do Conselho Consultivo do Trânsito, as obras de grande escala a decorrer no território associadas aos serviços de tráfego, foram reduzidas de 99 no ano passado para cerca de dez neste ano. O objectivo, apontou, é “causar menos impacto ao público”. Um dos trabalhos a ser feito é a repavimentação da Rua do Campo, inicialmente prevista para ser efectuada durante as férias de Verão, mas agora adiada para o período do Natal. Em causa está o impacto destes trabalhos e “nessa altura Macau vai estar já com menos obras”, explicou. Para que as obras causem o menor dano possível à circulação naquela que é uma das vias com mais movimento do território, a mudança de datas também “permite aos passageiros planearem melhor as suas viagens”. Garante o director que os trabalhos serão efectuados em cinco dias e, durante o período nocturno, a circulação poderá ser aberta a veículos.
Sofia Margarida Mota SociedadeRenovação Urbana | Percentagens ficam definidas no próximo mês O Governo e os membros do Conselho de Renovação Urbana, apesar do aparente acordo quanto à percentagem ideal de condóminos para recuperar um edifício antigo, não elaboraram ainda uma proposta final. Raimundo do Rosário espera que isso aconteça no próximo mês [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] proposta final era para ser apresentada ontem em reunião plenária, já com números definidos, mas isso não aconteceu. Trata-se do documento que vai definir a percentagem de condóminos concordante necessária para que sejam feitas obras nos edifícios antigos. Apesar de não estar ainda concluída, a proposta será, provavelmente, finalizada no encontro do Conselho de Renovação Urbanística (CRU), no próximo mês, disse o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, ontem, no final de mais uma reunião plenária. Em causa está a elaboração do documento que vai alterar as percentagens do número de condóminos necessárias para que se possa fazer obras integradas no plano de renovação urbana do território, sem que seja necessária a aprovação das mesmas pela totalidade dos proprietários. No mês passado, o CRU admitiu ter chegado a um acordo. “O consenso alcançado é de que todos os edifícios com menos de 30 anos, se tiverem de ser submetidos a um processo de demolição ou renovação, vão precisar da aprovação de 100 por cento dos condóminos”, afirmou, na altura o secretário. Já para os prédios que têm entre 30 e 40 anos, terá de ser reunido o voto favorável de 90 por cento dos condóminos, enquanto aqueles que tiveram mais de 40 anos precisam de 85 por cento de aprovações. Para já Raimundo do Rosário prefere não avançar com os números que estão a ser, neste momento discutidos, para “não cair em erro”. Edifícios industriais no mesmo impasse De acordo com Raimundo do Rosário, a questão do uso dos edifícios industriais voltou a ser discutida ontem; no entanto trata-se de outro assunto que “não é fácil”. “A única coisa que foi decidida para aprofundar esta matéria é que irá existir uma reunião com membros de vários serviços públicos antes da próxima plenária do CRU”, disse. O objectivo é discutir “algumas questões mais técnicas acerca destas estruturas”. As dificuldades com a matéria foram explicadas por Raimundo do Rosário. Têm também que ver com a questão das percentagens de condóminos necessárias para que estes prédios possam ser sujeitos a obras de renovação, e “com o uso dado a estes edifícios que pode implicar com regulamentos técnicos, designadamente das Obras Públicas e dos Bombeiros”, explicou o secretário. Relativamente a este assunto, Raimundo do Rosário já adiantou, em Junho, que os edifícios industriais não terão obrigatoriamente de servir para futuras habitações. “Os edifícios já não têm a utilização que tiveram no passado e pretende-se que sejam adaptados para outras finalidades, e não tem de ser necessariamente para habitação. A ideia é revitalizar.” Macau | ETAR fechada para substituição de condutas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) da Península de Macau vai ser suspenso para que seja feita a substituição das condutas subterrâneas de descarga de efluentes. De acordo com um comunicado da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), está danificada uma parte das condutas subterrâneas que ligam a ETAR e a estação de bombagem de efluentes. As obras deverão demorar três dias, entre 24 e 26 deste mês. As águas residuais da península serão, temporariamente, canalizadas para as zonas costeiras através das redes da estação de bombagem. A DSPA promete que vão ser fiscalizadas “constantemente” a qualidade da água nas zonas costeiras e as variações ambientais circundantes. Cerimónia | Corpo de Bombeiros com mais 56 homens [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]omaram ontem posse os 56 instruendos do curso de formação das Forças de Segurança de Macau, que via já na 24.a edição. O Corpo de Bombeiros foi deste modo reforçado com mais de meia centena de elementos. O curso, com a duração de mais de oito meses, é dividido em três fases, incluindo o estágio. Os novos bombeiros estudaram técnicas de salvamento, de combate a incêndios e de gestão de substâncias químicas perigosas. O curso aborda ainda conteúdos relacionados com o Regulamento de Segurança contra Incêndios, o Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Contas | Cavalos continuam no vermelho [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Companhia de Corridas de Cavalos de Macau, que explora o Macau Jockey Club, fechou 2016 com prejuízos superiores a quatro milhões de patacas. O relatório das contas do exercício do ano passado foi ontem publicado em Boletim Oficial. A empresa detém o monopólio das corridas desde 1978, sendo que o contrato termina no próximo dia 31 de Agosto. No relatório, a empresa que tem Angela Leong como vice-presidente informa que a companhia está em processo de aplicação da renovação do contrato de concessão de corridas pelo Governo da RAEM.
Sofia Margarida Mota Entrevista Eventos MancheteEntrevista | Cláudia Varejão, realizadora O filme “Ama-San”, da realizadora portuguesa Cláudia Varejão, integra o ciclo que está a decorrer na Cinemateca Paixão, dedicado ao cinema documental. O interesse pelo Oriente vem de longe. A produção dedicada às “amas”, mulheres mergulhadoras japonesas, já foi galardoada em vários festivais e é um momento de encontro entre a cineasta e este lado do mundo [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que apareceu a ideia de fazer “Ama-San”? Tive conhecimento destas comunidades de mulheres mergulhadoras em 2012, ao ler um livro de poesia de uma amiga, onde encontrei uma referência aos seus corpos que partiam à procura de pérolas, nas zonas costeiras do Japão. Na altura, não sabendo se era uma imagem ficcionada pela autora, comecei a pesquisar. Impressionou-me muito o que fui encontrando, desde a existência desta prática, que tem cerca de dois mil anos de existência, à bravura destas mulheres que arriscavam as vidas num trabalho tão duro. Estamos a falar de um contexto patriarcal, absolutamente dominado pelo poder dos homens e onde estas mulheres, muitas vezes, são o elemento estrutural na economia da família. Preocupou-me também que estivesse diante de uma tradição em vias de extinção. Ao longo do processo, tive a sorte de me fazer acompanhar de pessoas que acreditaram na minha vontade e capacidade de fazer este filme. Recebi uma bolsa da Fundação Oriente de Lisboa para fazer uma primeira viagem ao Japão, onde fiz um levantamento fotográfico de algumas vilas piscatórias onde as “amas” mergulham. Foi nesse período que conheci Wagu, a vila onde mais tarde viria a filmar. Na segunda viagem, em 2014, trabalhei exclusivamente no filme. Contei com a produção da Terratreme Filmes em Portugal, a Pillow Films no Japão e o apoio financeiro do Instituto do Cinema. Para finalizar o filme, contámos com a co-produção com a suíça Mira Film e apoio financeiro da televisão suíça. O Oriente em geral e o Japão em concreto sempre fizeram parte dos meus interesses culturais e até de vivência quotidiana. Não é inocente portanto o meu interesse pelas “amas”. Além da experiência cinematográfica, foi uma experiência pessoal? Sim. Procuro um cinema com fortes laços na realidade, na vida que se move diante dos meus olhos. Geralmente, quando filmo, crio fortes laços de afecto com as pessoas. Desde as pessoas que estão diante da câmara, passando por todas as que estão em redor e as que me acompanham depois, na fase mais isolada de pós-produção. Neste filme criei um laço que me é muito querido com uma das “amas”, a que corresponde à geração do meio, a Mayumi. Foi ela que me ajudou a concretizar muitas das cenas que desejei filmar. Houve um entendimento muito bonito, muito maternal da parte dela para comigo, que se transformou dentro de mim num agradecimento profundo. Ainda hoje, à distância, trocamos mensagens por telefone. Não são escritas por causa da língua, trocamos fotografias semanalmente uma com a outra. Para o público, o que fica, são os filmes. Para nós, que os fazemos, o que nos fica são as memórias, mas sobretudo as relações que criamos para o resto da vida. Existiram algumas dificuldades específicas na produção deste filme? Não tenho propriamente um método para encontrar o meu cinema. Há muitas ferramentas de trabalho que ainda estou a descobrir e a explorar. Em nada muda a minha aproximação à realidade ou à ficção. Eventualmente, apenas a constituição da equipa com quem trabalho. Mas o meu olhar e a forma como o dirijo a quem está diante de mim são sempre os mesmos. Nesse sentido, é possível que se confundam os géneros nos meus filmes. Em verdade, parece-me que a catalogação do género é um conceito criado para o mercado de distribuição e de exibição em festivais e salas. Nós, realizadores, somos mais livres internamente se pensarmos menos isso. Não preparei absolutamente nada com as “amas”, em termos de cenas e narrativas, antes de filmar. O que foi acontecendo foi sendo filmado com a cadência da realidade, do quotidiano, da relação que íamos estabelecendo entre nós e moldado pelo meu olhar com a câmara. Muito pontualmente, repetiu-se alguma cena. Mas pouco. Depois, houve a incompreensão da língua, para ambos os lados. Filmar num contexto em que não se domina o nosso mais seguro cartão-de-visita, a palavra, exige a criação e recriação dos modelos em que estamos habituados a trabalhar e a comunicar. No caso deste filme, o facto de não dominar o japonês, acabou por resultar a favor do próprio filme: deu-lhe uma determinada intimidade. Falava sempre através da minha assistente de realização, a Aya Koretzky, que ia traduzindo aquilo que eu precisava. Por isso mesmo, quando filmava, as “amas” ignoravam a minha presença pois sabiam que não iriam falar directamente comigo. E talvez isso resulte no tal olhar íntimo que se atribui ao filme, na naturalidade dos gestos. É um filme que tem sido destacado um pouco por todo o lado. Mais um trunfo para o cinema português? O filme tem tido um percurso muito fluido no circuito de festivais, com alguns prémios que nos têm deixado a todos felizes. A força que atravessa a vida destas mulheres tem dado que falar. Motiva as pessoas a irem ver o filme e cria um discurso após as sessões. Quer dizer que qualquer coisa no mundo está a mudar. As consciências estão a criar raízes mais profundas, o olhar está mais livre, menos submisso às ideias que carregamos de um passado profundamente desequilibrado para as questões de género. Os estereótipos estão, lentamente, a cair. A curiosidade do público tem enchido as projecções nos festivais e a estreia comercial em Portugal foi um sucesso de bilheteira, tendo em conta o tipo de filme: é de baixo orçamento e é documental. Por todo esse retorno e reconhecimento pelo trabalho da equipa, mas sobretudo pelas “amas”, eu fico feliz. Gostava que a vida das “amas” ecoasse nas nossas próprias vidas, que nos fizesse sentir mais do que pensar. Estas mulheres viraram do avesso a própria sociedade japonesa. São um caso raro, não só no Japão mas em todo o mundo, em que as mulheres conseguiram anular uma série de estereótipos associados à feminilidade. As “amas” conquistaram a sua liberdade através do amor e força, pelo mar, pelas suas famílias, pela vida. São a poesia, mas é ainda mais, tudo verdade. O que falta à indústria portuguesa para que se possa desenvolver e internacionalizar? Portugal não tem uma indústria de cinema. Portugal é dos países europeus com maior dificuldade em produzir os seus próprios filmes. A única fonte de financiamento dentro do nosso país é o Estado português que, através da lei do cinema, cobra uma taxa às operadoras que depois reverte para os cofres do Instituto do Cinema e Audiovisual. Esta é a única verba disponível localmente. E, como é fácil de imaginar, o dinheiro não chega para alimentar nem um terço do potencial que temos no nosso país. Grande parte dos filmes produzidos actualmente recorre a co-produções internacionais, um pouco por todo o mundo. Vivemos com muita dificuldade. Há uma linha imensa de profissionais no cinema, desde produtores, realizadores, técnicos, distribuidores, festivais de cinema, que vivem permanentemente a fazer omeletas sem ovos. O trabalho é extremamente subvalorizado e precário. Somos um grupo de loucos alimentados quase só pela nossa fé e prazer. Para as novas gerações o estrangulamento é uma barreira bruta para darem início aos seus filmes. Ao cinema, e a toda a cultura que se produz em Portugal, falta investimento, estratégia, visão, e responsabilidade do Governo. Vivemos subfinanciados há muitos anos. É assustador que não se aprenda com os erros cometidos no passado. Os cortes no sector são permanentes. Cultura é produção de saber e, por sua vez, crescimento de uma sociedade. É a nossa mais preciosa herança. Sem memória não somos nada. Não posso naturalmente exigir o mesmo financiamento para a cultura e para a saúde. São necessidades de uma ordem muito distinta. As doenças culturais não são visíveis da mesma forma que o nosso corpo se expressa. São doenças que, por exemplo, se reconhecem na forma como as cidades crescem. Estão à nossa volta se as quisermos ver. E enquanto não existir esta consciência generalizada, continuaremos a viver, no sector da cultura, desamparados e a levar as nossas próprias energias ao limite. Para rematar este discurso triste, ainda que necessário, devo dizer que o cinema português está em grande forma. Aliás, sempre esteve. Temos autores com uma obra extraordinária, que são reconhecidos dentro e fora do nosso país e cujo os prémios que permanentemente lhes são atribuídos enchem de orgulho o público em geral. É, para mim, quase comovente que se consiga caminhar tanto e tão longe quando o corpo está permanentemente a ser impedido. Maior sinal de que o cinema que produzimos é dos mais ricos do mundo parece-me impossível. E a ideia de que o público português não vê o seu própria cinema é um boato mal contado. Por exemplo, os números de espectadores que o “Ama-San” tem feito em sala revelam um público muito curioso e participativo. Maior sinal de vitalidade é impossível. Só falta mesmo que olhar dos nossos políticos se encontre com a realidade. Entretanto, nós continuamos, individualmente mas unidos, a cuidar do cinema. O que é que a impressionou deste lado do mundo? O Oriente é, de facto, um mundo específico dentro do nosso mundo. Muito se aprende na diferença. Mas o ser humano é sempre o mesmo. É aí que reside o meu fascínio e o meu olhar: na total diversidade humana que converge num só.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeCentro histórico não cumpre regras sobre instalação de aparelhos de ar condicionado Estão regulamentados. Os aparelhos de ar condicionado, no centro histórico, não devem ser visíveis nas fachadas que dão acesso à via pública. A medida é para ser aplicada na zona sujeita ao Plano da Almeida Ribeiro, mas a realidade é outra [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]em todos os edifícios estão a cumprir o Plano da Almeida Ribeiro no que diz respeito à instalação de aparelhos de ar condicionado. As directivas, há muito implementadas, determinam que estes não devem ser visíveis nas fachadas, mas a prática tem sido bem diferente. Numa das plantas existentes no website da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSOOPT), referentes a uma construção na zona do centro histórico, lê-se: “Deverá prever soluções para a instalação de aparelhos de ar condicionado, de forma a evitar a projecção directa na via pública de água resultante do seu funcionamento”. O documento aponta ainda que os aparelhos “deverão, casos estejam instalados nas fachadas de edifício, ser cobertos com elementos decorativos”. Ao cimo da página, o carimbo vermelho é claro: “Este terreno insere-se na zona sujeita ao Plano da Almeida Ribeiro”. Para a arquitecta Maria José de Freitas, a instalação de aparelhos de ar condicionado nas fachadas de edifícios nesta zona não deveria sequer ser autorizada. Falar de elementos decorativos é o mesmo que dizer que “não há critério”, aponta ainda a arquitecta, que tem trabalho feito na área do património. Na visão de Maria José de Freitas, bastava a DSSOPT dizer que “não se admite aparelhos de ar condicionado na fachada e mais nada”, sendo que o que existe actualmente é apenas uma forma de “tapar o sol com a peneira”. Desculpas não valem Para o arquitecto Mário Duque, estando em causa edifícios históricos, “estes equipamentos têm de estar dentro do regulamento que define a sua instalação e, de acordo com o Plano da Almeida Ribeiro, não se podem exibir ares condicionados nas fachadas a não ser que estas tenham dispositivos próprios para os acomodar”, sublinha. O facto de se tratarem de edifícios antigos – que compõem, na sua maioria, a zona histórica – não pode ser usado como desculpa para que não sejam implementadas as medidas devidas. Mário Duque aponta que não faz sentido a DSSOPT afirmar que esta é uma regra a ser implementada em construções novas, tratando-se de uma zona histórica. “Dizer que o Plano da Almeida Ribeiro só se aplica nos edifícios novos não serve ao lugar”, sublinha o arquitecto, a quem foi transmitida esta informação. Dificuldades antigas Quando se trata de velhos edifícios, as soluções têm de ser ponderadas e criativas. “No entanto, é necessário arranjar um espaço que não seja tão visível e que tenha condições para proteger estas unidades”, diz Maria José de Freitas, sendo que, a utilização dos terraços para este fim é uma solução a ter em conta. “É necessário criar uma regra que defina onde devem ser colocados os ares condicionados”, refere Mário Duque. “A questão pode ser estética, mas é essencialmente construtiva, até porque não se estragam fachadas que duram várias décadas com aparelhos que só duram cinco anos.” O arquitecto sublinha ainda que os principais agentes de degradação das fachadas dos edifícios são as estruturas ilegais e estes equipamentos. Para Maria José de Freitas, a ocultação destes aparelhos “pode dar mais ou menos trabalho, mas é sempre possível”, diz. “Se isso não acontece, penso que é uma falta de cuidado”, remata. Solução pouco à vista A fiscalização do cumprimento legal destas regras está a cargo do departamento de urbanização da DSSOPT. Para Mário Duque, o que está em causa é a incompetência dos próprios serviços. Também Maria José de Freitas aponta o dedo à fiscalização, sendo que considera que é a entidade que “deve ter um papel mais activo”. A arquitecta coloca ainda a possibilidade desta fiscalização ser uma competência do Instituto Cultural e avança com uma sugestão: “A solução passaria pela criação de um grupo interdepartamental que tivesse a preocupação de cuidar da boa aparência e das boas condições de imagem e de habitabilidade daquilo que Macau quer mostrar”, frisa. Dadas as características muitas vezes particulares de cada edifício, Maria José de Freitas considera também que cada caso deveria ser estudado individualmente. “As regras deveriam ser implementadas nos edifícios existentes no centro histórico e nos edifícios que incluem a zona classificada, onde se pretende que existam características visuais e de imagem que transmitam uma impressão de qualidade e que não venham disfarçadas com decorações”, diz a arquitecta. Contactada com a questão, a DSOOPT não deu qualquer indicação no que respeita ao cumprimento das regras relativas à instalação de equipamentos de ar condicionado na zona do Plano da Almeida Ribeiro e do Centro Histórico.
Sofia Margarida Mota EventosTam Chi Chun, director do Teatro Experimental de Macau: “Precisamos de actores diversificados” Fez a sua formação em Xangai. Regressou ao território para ter a sua companhia, e é o director e cenógrafo do Teatro Experimental de Macau. Tam Chi Chun dedica-se a trabalhar em projectos que dão relevo à interpretação pessoal e ao teatro musical Estudou na Academia de Xangai, já trabalhou no Continente e mesmo em Berlim. Como é que se passou este regresso a Macau? Vim para Macau por opção. Depois de dez anos fora do território, gostaria de me reencontrar aqui. Como é que apareceu o Teatro Experimental de Macau? A companhia existe desde 2008. O nosso nome inicial era “Teatro Horizonte”. Na altura resolvemos atribuir esse nome por se tratar também do título de uma peça de teatro clássica do dramaturgo americano Eugene O’Neill. Foi também a primeira peça que encenámos. Até 2011, o objectivo da companhia foi apresentar peças de teatro clássicas ao público de Macau. A ideia era trazer ao território os grandes nomes do teatro clássico, desde Shakespeare a Becket e Tchékhov. Em 2011 começámos a ter outros objectivos. Construímos um teatro blackbox com 60 lugares. Tínhamos um espaço para ensaiar e em que podíamos tentar implementar alguns projectos e mesmo conceitos. Foi quando começámos a ter peças originais e mais contemporâneas. Desde essa altura até agora, temos tentado fazer uma coisa diferente daquilo a que podemos chamar “o nosso período clássico”. Foi quando mudaram de nome para Teatro Experimental de Macau? Sim. Precisávamos agora de um nome que tivesse mais que ver com o tipo de trabalho que estávamos e estamos a fazer. Podemos dizer que, desde essa altura, temos desenvolvido trabalho em dois sentidos. Uma das vertentes diz respeito ao trabalho de interpretação individual. É um trabalho de actor. É um trabalho de equipa mas que se foca na interpretação contemporânea. Com a peça “Lungs”, de Duncan Macmillan, usámos técnicas muito ligadas ao teatro físico com uso do corpo em espaços vazios. A ideia era trabalhar o actor no seu isolamento em que só estão presentes o corpo e as emoções. A outra vertente tem que ver com o teatro musical em que começámos um trabalho sério a este respeito. No ano passado fizemos, nesta vertente, o “Sonho de um Aroma” de Wong Teng Chi. Esta foi também a primeira vez em que foi produzida uma ópera por uma companhia local. O facto de estarmos a integrar o teatro musical tem que ver ainda com a minha formação. Quando era pequeno estudei música e penso que trago esse gosto comigo até hoje. Um companhia de teatro experimental depara-se com que tipo de dificuldades no território? Enquanto grupo de teatro, e para subsistirmos, estabelecemo-nos como uma organização sem fins lucrativos, pelo que grande parte do nosso sustento provém de apoios do Governo. No entanto, o nosso conceito de desenvolvimento vai no sentido de nos tornarmos uma companhia de teatro independente, o que é muito difícil. Somos por agora uma organização não-governamental que se dedica ao teatro. A ideia é que, um dia, possamos ter uma equipa de direcção e mesmo de actores que possam trabalhar a tempo inteiro no Teatro Experimental de Macau e, neste momento, não temos ainda condições para isso. Trabalhamos com freelancers. Não é complicado ter uma equipa tão volátil? Por vezes é. Seria melhor conseguir uma forma de conseguir colaborações a longo prazo com os nossos actores, cenógrafos, etc. Quando estamos a trabalhar numa peça nova, por vezes só conhecemos a nossa equipa uma ou duas semanas antes do início dos ensaios e não podemos trabalhar em profundidade. Cada encenador tem a sua metodologia de trabalho e é mais fácil trabalhar com pessoas que já a conhecem e em que a comunicação se torna toda mais simples. Onde vai buscar os seus actores? É difícil encontrar actores em Macau. Apesar de cada vez termos mais jovens a trabalhar na área, não temos actores com maturidade. Os jovens têm muito potencial mas por vezes precisamos de diversidade, mesmo física. Precisamos de actores diversificados, com idades diferentes e constituições físicas também diferentes, e aqui a escolha é praticamente nula. Dos 40 aos 50 anos não consigo encontrar ninguém. Se queremos um personagem que seja um pai ou um avô, não temos. Como tem sido a evolução da resposta do público ao vosso trabalho? Penso que, no período entre 2011 e 2015, altura em que tínhamos a blackbox, muito do trabalho que fazíamos era apresentado ali e foi um período em que tínhamos pouco público. Tratava-se de um prédio industrial e quem vinha ter connosco eram, essencialmente, pessoas que já conhecíamos. No entanto, foi um período em que pudemos experimentar muita coisa no que respeita ao trabalho que queríamos fazer. Depois de 2015 e da apresentação de “Lungs”, tivemos acesso ao espaço do edifício do antigo tribunal. Foi uma mudança importante porque nos permitiu entrar em contacto com uma audiência mais alargada. É um local central e muita gente que passava naquela zona acabava por ver os anúncios das nossas peças e por ir. Reparámos que muita gente, que normalmente trabalha em escritórios e que pertence à chamada classe média, começou a aparecer para ver os nossos espectáculos. Penso mesmo que, para muitos, era a primeira vez que iam ao teatro. É também um espaço que nos permite continuar a explorar o conceito de teatro em blackbox. O edifício do antigo tribunal está destinado a ser a biblioteca central de Macau. Estamos a falar de um espaço que também está a ser “vosso”. O que acham da ideia? Já sublinhámos várias vezes ao Governo a importância que este espaço tem na dinamização cultural e artística do território. Já é um lugar que as pessoas conhecem por ter espectáculos e eventos na área das artes, sendo importante no seu desenvolvimento local. Não é apenas um teatro, as pessoas já sabem que no edifício do antigo tribunal conseguem ver coisas de qualidade na área da cultura. Foi uma conquista muito valiosa e que vai acabar. Não entendo também o que é que o Governo que dizer por espaço multiusos quando diz que a biblioteca será um espaço desses. O antigo tribunal, na área do teatro, transformou-se naturalmente num espaço dedicado a este sector e as pessoas sabem disso. Acho que construímos alguma coisa nesse sentido, não só em termos de audiência, mas também de atmosfera e, uma vez fechado e transformado numa biblioteca, vamos ter de recomeçar outra vez. Com o encerramento do antigo tribunal, muita gente deixará de saber para onde ir. Trabalha essencialmente no teatro. Numa sociedade multicultural como a de Macau, a linguagem pode ser um problema? Temos cada vez mais informação disponibilizada em inglês e temos visto que há cada vez mais turistas a tentarem assistir a peças nossas que entram, por exemplo, no edifício do antigo tribunal e acabam por ficar. No festival BOK, em que participámos, optámos por levar peças em que a linguagem verbal era muito reduzida. Já anunciamos as nossas peças também em inglês e temos ainda o teatro musical. A música é uma linguagem universal. Mas quando utilizamos a nossa língua mãe, o cantonês, torna-se realmente difícil para o público que não a entenda perceber algumas das nossas peças. Vamos cada vez mais tentando ter legendas. Também nos tentamos associar, por exemplo, a associações portuguesas. Há dois anos, através do festival BOK, tivemos como parceira a Casa de Portugal em Macau. Queremos mostrar o nosso trabalho às diferentes comunidades do território. Talvez no ano que vem consigamos convidar artistas portugueses. Quando queremos fazer um espectáculo local, precisamos de artistas locais. Por que não portugueses? O problema é que ainda não nos conhecemos bem, mas tentamos abrir portas para que nos possamos encontrar. Para já, temos as legendas e o teatro musical para chegar a diferentes comunidades. Vão agora entrar numa pausa de Verão. O que vamos ter no próximo ano? Vou a Taiwan encenar mais uma peça de Wong Teng Chi. Gostaria de trazer actores de lá para fazermos um trabalho em Macau. Além das nossas produções, colaboramos ainda com um projecto comunitário que trabalha com a comunidade indonésia. É um projecto que já vai no terceiro ano e queremos que vá ao Festival das Artes. O primeiro ano foi focado na sua história antes de virem para Macau, este ano o foco foi no trabalho corporal em que exploramos as transformações que o corpo sofreu depois de virem para o território e, no próximo ano, queremos juntar estes dois aspectos num trabalho só.
Sofia Margarida Mota EventosOrquestra de Macau | Programa de concertos já é conhecido Kyung Wha Chung, Stefan Vladare e Henning Kraggerud são apenas alguns dos nomes que vão acompanhar a Orquestra de Macau na próxima temporada de concertos. O programa foi divulgado ontem e dele constam espectáculos de música clássica para todos os gostos e idades [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão mais de 25 os espectáculos que vão preencher a próxima temporada de concertos da Orquestra de Macau (OM). A apresentação do programa aconteceu ontem e hoje os bilhetes já estão à venda, sendo que até dia 31 de Agosto, os interessados podem usufruir de um desconto de 40 por cento. A iniciativa tem como tema, nesta edição, “Confraternizando com a alegria musical” e conta com actividades distribuídas por cinco categorias: “virtuosos extraordinários”, “maestros com carisma”, “produções especiais”, “viagem de câmara” e “gala de ópera”. São quatro os espectáculos inseridos na categoria “virtuosos extraordinários”, que têm início com o concerto de abertura da temporada. Marcado para o dia 2 de Setembro, conta com Kyung Wha Chung. “A rainha do violino”, assim é designada pela organização, traz ao palco do grande auditório do Centro Cultural de Macau (CCM) o Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 61, de Beethoven, e de Brahms a Sinfonia nº 4 em Mi menor, Op. 98. Na mesma categoria, a temporada segue a 20 de Janeiro com “três gigantes da música alemã e austríaca – Beethoven, Brahms e Bruckner”, num espectáculo que conta com o pianista Stefan Vladar. A 10 de Março o palco do CCM vai acolher três peças de Dvorak. O intérprete convidado é o violoncelista Mario Brunello, vencedor do concurso internacional Tchaikovsky. A categoria fecha a 22 de Maio com o concerto que junta o compositor, maestro e violinista escandinavo Henning Kraggerud à OM. De acordo com a organização, o concerto mistura “as montanhas íngremes, os belos fiordes e os misteriosos glaciares daquela zona do norte da europa”. A ideia de trazer a Macau o “autêntico som da Noruega” com obras como a “Suite de Holberg”, de Grieg, a “Suite em Lá menor”, de Christian August Sinding, e “Danças Norueguesas”, de Johan Halvorsen. O concerto reserva ainda uma peça do próprio Henning Kraggerud: “O Equinócio”. Tratando-se do centésimo aniversário do nascimento do maestro e compositor americano, Leonard Bernstein, o maestro local Lio Kuokman é o convidado para assinalar a efeméride com um concerto a seu cargo. A organização destaca ainda o espectáculo que conta com a violinista nascida na Alemanha, de origem sul coreana, Clara Jumi Kang, e o concerto de final de temporada com a OM a interpretar a “Sinfonia nº 9”, de Beethoven. Para os miúdos Na categoria das produções especiais, o Instituto Cultural continua a chegar aos mais jovens. A 30 de Junho a organização promete levar o público numa “jornada heróica, diferente de qualquer coisa que já ouviu ou, na verdade, viu”. A organização refere-se à peça “Heróis: uma sinfonia de jogos electrónicos” que apresenta a música de alguns dos jogos electrónicos mais populares incluindo “ The elder scrolls”, “BioShock” e o “Halo”, entre outros. O concerto é acompanhado de imagens projectadas de modo a ser “uma apresentação imersiva”. Para os bebés que ainda não nasceram, tem lugar, a 17 de Março, um concerto em que são interpretadas obras de Mozart, Haydn e Prokofiev numa apresentação especialmente concebida para as futuras mães. A ideia, afirma a organização, é que seja “a primeira experiência musical do bebé”. O Dia Mundial da Criança não foi esquecido e a 2 de Junho, em colaboração com o grupo de teatro infantil Ratão, a OM apresenta “Terra de fadas e magia sinfónica”. A ideia é combinar música, dança e teatro de modo a despertar a curiosidades dos mais pequenos. Do programa destaca-se também a deslocação da OM à comunidade. Neste sentido a orquestra desloca-se às escolas, desde o ensino primário ao superior com eventos musicais especificamente concebidos para cada um destes públicos. A OM vai ainda continuar a dar concertos nos locais classificados como património. De acordo com a organização, é uma forma de “criar experiências musicais únicas num ambiente de encontro entre o oriente e o ocidente”. De modo a estar mais perto da comunidade vão continuar, à semelhança dos anos anteriores, os espetáculos que levam a música clássica à galeia da Tap Seac, à biblioteca e ao museu.
Sofia Margarida Mota PolíticaGás natural | Governo negoceia com Sinoksy um plano a longo prazo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo vai pedir à Sinoksy, concessionária que tem a seu cargo o fornecimento de gás natural, um plano a longo prazo que garanta “a estabilidade e a segurança do seu fornecimento”. A informação é do próprio Executivo em resposta à interpelação da deputada Kwan Tsui Hang. O Governo assegura que em Março deste ano foi restabelecido o fornecimento de energia eléctrica a gás natural com a concessionária e adianta que, para o projecto a longo prazo, ambas as partes estão em negociações. O Gabinete para o Desenvolvimento do Sector Energético não deixa de sublinhar o empenho que tem tido na introdução do gás natural no território enquanto “uma das políticas energéticas do Governo que se destinam a melhorar a qualidade do ar”. Para o feito, afirma, está a ser planeada a utilização desta energia para usos doméstico, nos transportes e uso comercial, sendo que a rede de gasodutos já se encontra em construção nas zonas da Taipa e de Coloane. Em Maio, Kwan Tsui Hang interpelou o Governo sobre o contrato de concessão com a Sinoksy, empresa responsável pelo fornecimento de gás natural. A deputada queria saber qual o ponto de situação das negociações entre o Executivo e a concessionária, que se arrasta há cerca de dois anos. Kwan Tsui Hang lembrava que o acordo para o fornecimento de gás natural foi assinado em 2007, lamentando que a empresa não tenha cumprido os requisitos, tendo deixado, a partir de 2011, de fornecer gás natural à Companhia de Electricidade de Macau (CEM). Para a deputada, a má qualidade dos serviços da companhia concessionária não só afecta a produção de electricidade através do gás natural, mas também impede o desenvolvimento do próprio serviço.
Sofia Margarida Mota PolíticaMelinda Chan pede medidas para edifícios industriais [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão edifícios deteriorados. Um dia serviram as indústrias locais, mas estão, actualmente, sem condições para acolher empresas. As rendas são outro problema que limita o seu aproveitamento e Melinda Chan pede medidas ao Governo. A deputada quer a revisão da lei de modo a que seja alterada a finalidade dos edifícios industriais do território e alargado o âmbito de sua utilização. O objectivo é dinamizar estes locais de modo a manter as estruturas em boas condições e a promover espaços cujo trabalho venha colmatar as necessidades dos residentes. A deputada específica o seu pedido, e insta o Governo para que pondere a remodelação destes edifícios de modo a acolherem empresas ligadas às indústrias culturais e criativas, empresas sociais, e de apoio às PME. Melinda Chan recorda, em interpelação escrita, que já em 2011 o Executivo divulgou um plano de revitalização dos edifícios industriais. O objectivo, refere, seria “aumentar a sua taxa de utilização” depois do declínio das indústrias do território. No entanto, desde a implementação da medida, “foram recebidos 15 requerimentos e apendas dois foram autorizados”, pelo que, diz Melinda Chan, “é evidente que a referida medida não consegue surtir os devidos efeitos”. Necessidades esquecidas Por outro lado, as empresas, essencialmente ligadas às indústrias culturais e criativas do território e que estão alojadas em espaços nos edifícios industriais, contribuindo para a sua manutenção, tendem a abandonar estes lugares. A razão, aponta, tem que ver com a constante subida do valor das rendas, mesmo na ausência de condições de funcionamento. O facto destes edifícios se encontrarem debilitados e sem condições de segurança, nomeadamente no que respeita a equipamentos contra incêndios, tem feito com que equipamentos e serviços como parques infantis, campos de férias e centros de fitness não consigam obter licenças de funcionamento. São, no entender da deputada, serviços necessários à população e que poderiam ter, nos edifícios industriais, as condições necessárias para exercer funções.