Sulu Sou pede debate sobre sufrágio universal

[dropcap]O[/dropcap] deputado pró-democrata Sulu Sou continua a apelar à necessidade do sufrágio universal para eleger o Chefe do Executivo. Para o efeito, Sou entregou ontem um pedido de debate à Assembleia Legislativa (AL) para que o tema ser discutido em reunião plenária.

O deputado é contra a eleição do elemento que vai ocupar o mais alto cargo do Governo por um colégio eleitoral composto por 400 membros, deixando de fora 310 mil potenciais eleitores considerando a população local com direito de voto. Aliás, este método de eleição por um circulo restrito é mesmo contra os princípios da Lei Básica, defende. “Os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) gozam do direito de voto e de serem eleitos nos termos da lei”, cita no pedido de debate entregue ao hemiciclo.

Aprovação social

Em causa está ainda a aceitação por parte da população de um governante que não teve o direito de eleger. “A forma como o Chefe do Executivo é eleito afecta directamente a aceitação do Governo da RAEM pelos residentes e também determina se o Executivo tem legitimidade suficiente para governar”. Estas premissas são essenciais para salvaguardar a estabilidade política a longo prazo, com a eleição de um Governo pautada pelo princípio da transparência e da aceitação social, reitera.

Por outro lado, através do sufrágio universal, o acesso ao cargo de Chefe do Executivo deixa de ser apenas “um privilégio privado de um pequeno círculo” e só com uma eleição democrática é possível “que todos os cidadãos de Macau tenham direitos iguais e liberdade para participar nesta eleição”.

Acresce ainda que só dando este direito aos residentes é possível “afirmar, de facto, que Macau é governado pelas suas gentes”, com “um elevado grau de autonomia” cumprindo assim os desígnios da politica nacional de “Um País, Dois Sistemas”.

12 Jul 2019

ONU | Último relatório revela que mudanças climáticas ameaçam progresso e desenvolvimento sustentável

A promoção do desenvolvimento sustentável corre a um ritmo demasiado lento. A conclusão é do último relatório da ONU, que está em discussão até dia 18 em Nova Iorque e que faz o balanço das metas a atingir até 2030. António Guterres apela a mais ambição por parte dos governos

 

[dropcap]O[/dropcap]s desenvolvimentos alcançados ao longo das últimas décadas no âmbito do desenvolvimento sustentável do planeta estão em fase de regressão. O alerta foi dado na passada terça feira pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a divulgação do relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A razão, segundo o documento, deve-se aos impactos das mudanças climáticas e a “crescente desigualdade entre e dentro dos países” que estão a “minar o progresso na agenda de desenvolvimento sustentável. O resultado é a reversão de “muitos dos ganhos alcançados ao longo das últimas décadas que melhoraram as vidas das pessoas”, aponta o documento lançado no dia de abertura do Fórum Político de Alto Nível da ONU sobre a temática – um evento anual de revisão das metas.

A recessão é “particularmente evidente nos objectivos relacionados com o meio ambiente”, aponta o documento que destaca as faltas no cumprimento de metas nas acções climáticas e de protecção da biodiversidade. Este último aspecto vai de encontro a outros relatórios oficiais emitidos recentemente que alertaram sobre “uma ameaça sem precedentes à biodiversidade”.

Recorde-se que de acordo com a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecos Sistémicos, as próximas décadas podem levar à extinção de mais de um milhão, das cerca de oito milhões de espécies – animais e plantas – conhecidas no planeta, de acordo com os dados revelados em Paris, numa apresentação realizada no passado dia 7 de Maio.

A situação foi sublinhada no encontro da ONU pelo secretário-geral António Guterres na abertura do evento que teve início dia 9 e se estende até dia 18. “O ambiente natural está a deteriorar-se a uma taxa alarmante: os níveis do mar estão a subir; a acidificação dos oceanos está a acelerar; os últimos quatro anos foram os mais quentes já registados; um milhão de espécies de plantas e animais estão em risco de extinção e a degradação do solo continua sem controlo”, disse.

Mas a degradação ambiental não está apenas a ameaçar a vida de fauna e flora. A própria existência condigna do ser humano também enfrenta sérios riscos. De acordo com o relatório da ONU, as “condições climáticas extremas, desastres naturais mais frequentes e severos e o colapso dos ecossistemas estão a causar maior insegurança alimentar e a agravar seriamente a segurança e a saúde das pessoas, forçando muitas comunidades a sofrer com a pobreza, o deslocamento e as desigualdades crescentes”.

Respostas necessárias

Para combater as ameaças crescentes, o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Económicos e Sociais, Liu Zhenmin, frisou, na abertura da reunião, a importância de “fortalecer a cooperação internacional e a acção multilateral para enfrentar os desafios globais monumentais”, até porque “o tempo está a passar e é necessário tomar acções decisivas sobre mudanças climáticas”. “Os desafios assinalados neste relatório são problemas globais que exigem soluções globais”, acrescentou Liu na mesma ocasião. “Assim como os problemas estão inter-relacionados, as soluções para a pobreza, a desigualdade, as mudanças climáticas e outros desafios globais também estão interligadas”, acrescentou.

António Guterres não deixou de apelar aos países por mais ambição na resolução de uma questão urgente. “Está claro que uma resposta bem mais profunda, mais rápida e mais ambiciosa é necessária para promover a transformação social e económica necessária para alcançar os nossos objectivos de 2030”, afirmou o secretário-geral da ONU.

O Fórum Político de Alto Nível da Organização da ONU, está a ser realizado em Nova Iorque e conta com cerca de 2 000 participantes. O objectivo do encontro é analisar os avanços e desafios para atingir até 2030 os 17 objectivos que a organização internacional definiu em 2015. Estes objectivos agem sobre áreas como a erradicação da pobreza e da fome, saúde, educação, protecção ambiental ou igualdade de género.

Pobreza estagnada, fome a aumentar

Apesar da “extrema pobreza continuar a cair”, de acordo com a definição da ONU, a queda tem vindo a desacelerar de tal modo que as metas a atingir em 2030 se encontram ameaçadas. “A queda desacelerou de tal modo que o mundo, caso se mantenha o ritmo actual, não vai alcançar a meta de ter menos de 3 por cento da população vivendo nesta condição até 2030”, lê-se.

De acordo com as estimativas actuais, é mais provável que essa taxa fique em torno de 6 por cento o que representa 420 milhões de pessoas afectadas.

Na base da diminuição de ritmo, estão “conflitos violentos e desastres naturais”. O documento aponta como exemplo o Médio Oriente em que “a extrema pobreza era calculada em menos de 3 por cento, mas os confrontos na Síria e no Iémen levaram a um aumento da taxa de pobreza na região, deixando mais pessoas sem ter o que comer e sem ter onde morar”.

Uma das consequências da pobreza é a fome, fenómeno que tem vindo a crescer com 821 milhões de pessoas subnutridas em 2017, segundo dados compilados pelo relatório. O continente africano continua a ser o mais atingido, onde o problema afecta um quinto da população, o equivalente a mais de 256 milhões de pessoas.

António Guterres defendeu que o combate à fome pode passar pelo apoio à agricultura em pequena escala. “Produtores de alimentos em pequena escala e em regime familiar precisam de um apoio muito maior, e de um maior investimento em infra-estruturas e tecnologias para manter a agricultura sustentável, o que é necessário com urgência”, defendeu.

O documento recorda que os países em desenvolvimento são os mais afectados pela falta de investimento no sector. “A proporção de pequenos produtores em países da África, Ásia e América Latina varia de 40 por cento a 85 por cento, bem acima do índice europeu, por exemplo, que fica abaixo dos 10 por cento”, aponta o relatório.

De pouca saúde

A saúde é outra área que continua ameaçada. Segundo o relatório da ONU, “pelo menos metade da população mundial — o equivalente a 3,5 mil milhões de pessoas — não tem acesso a serviços essenciais de saúde”. Em 2015, segundo a pesquisa, estimava-se que 303 mil mulheres morreram devido a complicações na gravidez e no parto”. Os números referem-se à escala global, mas a maioria dos casos que afectam a saúde reprodutiva das mulheres tem lugar na África Subsaariana.

A pesquisa da ONU aponta ainda que o progresso nesta matéria está em fase de estagnação, sem desenvolvimento com a rapidez necessária para combater doenças como malária e a tuberculose. Recorde-se que, de acordo com os objectivos estabelecidos, o alvo é eliminar por completo estas doenças enquanto ameaças à saúde pública até 2030. “São necessários esforços coordenados para alcançar a cobertura universal de saúde, o financiamento sustentável da saúde e para enfrentar o impacto crescente das doenças não transmissíveis, inclusive (as associadas a) saúde mental”, afirmou Guterres.

Igualdade sem progresso

A nível global, nos últimos 12 meses, 20 por cento das mulheres entre os 15 e os 49 anos sofreram de actos de violência física ou sexual por parte dos parceiros. O índice de agressões é mais alto nos 47 países mais pobres do mundo designados pela ONU como países menos desenvolvidos.

A pesquisa denuncia “progressos insuficientes” no combate às questões estruturais que estão na base do problema. Entre os problemas elencados pelo documento, estão “a discriminação legal, normas e atitudes sociais injustas, o processo de tomada de decisões sobre questões sexuais e reprodutivas e os baixos níveis de participação política”. “Estes desafios estão a minar os esforços para cumprir os objetivos da ONU”, acrescenta o relatório.

António Guterres considera impossível o cumprimento das 17 metas para o desenvolvimento sustentável previstas para 2030 “sem alcançar a igualdade de género e a afirmação social da mulheres e meninas”, disse.

Ainda assim, há alguns aspectos destacados como alvo de desenvolvimento positivo. “O levantamento recorda a queda significativa na ocorrência da mutilação genital feminina e no casamento infantil”, ressaltando, no entanto, “que os números para essas violações de direitos continuam altos”.

12 Jul 2019

Crédito Social | Sistema de avaliação de cidadãos contrário à Lei Básica

A implementação do sistema de crédito social em Macau é contra os princípios da Lei Básica, defendem advogados e juristas. A possibilidade de ter no território o mecanismo de avaliação surgiu após a divulgação, na passada sexta-feira, do plano trienal de Guangdong para a Grande Baía. O documento destaca o desenvolvimento do sistema como acção a implementar até 2020

 

[dropcap]O[/dropcap] alarme soou quando foi noticiada que a implementação do sistema de crédito social se poderia aplicar a Macau e Hong Kong, notícia que surgiu com a divulgação plano de acção trienal 2018/2020 de Guangdong para a Grande Baía.

Apesar de ambíguo, o documento deixa entender que a aplicação é restrita à província do continente. De acordo com o artigo 75º, onde é feita referência ao sistema de crédito social, o Governo regional de Guangdong pretende “acelerar o estabelecimento do sistema de crédito social e o sistema de supervisão e controlo de mercado. Estudar e formular os regulamentos do crédito social da Província de Guangdong e explorar a implementação de incentivos de crédito e punição disciplinar para as empresas na Grande Baía”. De acordo com o plano de acção, trata-se apenas de um projecto unilateral da Província de Guangdong, em que o sistema de crédito social é implementado sem incluir as duas regiões administrativas especiais da China.

No entanto, a informação deixa de ser clara no artigo 42º do parecer sobre a implementação das “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, divulgado também no passado dia 5. Aqui, as directrizes vão no sentido de “estudar e formular os regulamentos de crédito social provincial de Guangdong, estabelecer um mecanismo de recolha e partilha de informações de crédito totalmente plena, uma “lista vermelha e negra” e um sistema de recompensa e punição conjunta de crédito”. De seguida é mencionada a “cooperação com Hong Kong e Macau para a partilha de informações de crédito, os padrões de avaliação de crédito, o reconhecimento mútuo de produtos de crédito, reconhecimento mútuo de instituições de serviços de crédito, explorar de forma judicial a implementação de incentivos de crédito e medidas disciplinares na cooperação entre as empresas na região”. A referência deixa antever a partilha de dados que podem ser usados no sistema de punição e recompensa, também conhecido como sistema de crédito social chinês.

Impossível em Macau

Recorde-se que o sistema de crédito social permite às autoridades acompanharem as actividades quotidianas dos cidadãos, que vão desde o pagamento da renda e contas de casa, às compras on-line e mesmo os comportamentos diários e inter-acções sociais em espaços públicos.

Para o jurista António Katchi, “as autoridades de Macau também não poderiam, nem aplicar directamente as normas do Interior da China respeitantes ao sistema de “crédito social”, dado que elas não vigoram em Macau nem criar normas semelhantes”. Tal deve-se à colisão “frontal” destas normas do continente com o princípio da continuidade no respeitante à manutenção da “maneira de viver” e com o princípio da igualdade, previsto na Lei Básica.

É também a afronta “à maneira de viver” que começa por ser apontada pelo advogado Jorge Menezes. “Esta é uma das ideias essenciais da Lei Básica e do desígnio que esteve na origem histórica de uma região administrativa especial”, explica, pelo que tal sistema seria “frontalmente inconstitucional”. “Teria o potencial de virar à nossa maneira de vier de pernas para o ar, de adiantar o relógio da história 30 anos”, acrescenta.

Mas os problemas não se ficam por aqui. “O direito à privacidade é outro. A inviolabilidade da dignidade humana, outro ainda”, diz apontando os exemplos de direitos fundamentais “expressamente protegidos pela Lei Básica”.

Por outro lado, atenta contra o princípio da não discriminação, ao rotular a “credibilidade” dos cidadãos. “As pessoas não podem ser distinguidas pelas suas convicções ou por atributos meio arbitrários, como seria o caso”. E a lista continua para Menezes, na medida em que “o direito ao bom nome e reputação implica o direito de não escravizarem o nosso futuro ao nosso passado. Seria um uma espécie de registo criminal da normalidade quotidiana”, sublinha.

Katchi acrescenta ainda que esta medida iria contra “a própria ideia de Estado de direito, que postula uma separação clara entre o Direito e as demais ordens normativas – moral, religião e ordem do trato social (regras de cortesia)”. “Consoante o seu conteúdo, as referidas normas poderiam ofender ainda diversos direitos fundamentais: liberdade pessoal, liberdade de expressão e direito à reserva da intimidade da vida privada”, remata.

Vida devassada

A reserva da intimidade não pode ser violada, prevê a Lei Básica, e um sistema que recolhe permanentemente dados pessoais atenta a este princípio, defende o advogado Sérgio de Almeida Correia. “Acho que esse tipo de recolha de dados não seria admissível face àquilo que nós temos na Lei Básica, porque os dados individuais e aquilo que é a reserva da intimidade dos residentes é protegida pela própria lei básica”,

O sistema “credibiliza” os cidadãos com a atribuição de uma pontuação que define se são ou não de confiança. Os “maus cidadãos” podem sofrer penalizações que vão desde a interdição a serviços públicos, impedidos de entrar num avião ou mesmo de comprarem um bilhete de comboio.

Já aos “bons cidadãos” são oferecidos brindes, descontos e facilidades nos transportes ou mesmo na emissão de passaporte.

A este respeito, Sérgio de Almeida Correia entende que o sistema representa “uma devassa e uma recolha de elementos da vida privada de cada um, e com consequências do ponto de vista prático no seu quotidiano”, tendo como consequência a introdução de elementos de diferenciação entre cidadãos, que não têm base legal.

Por outro lado, o sistema de crédito social “não está previsto em lado nenhum [aqui em Macau]” pelo que “seria uma intervenção abusiva nos direitos individuais dos residentes” e mesmo “nos direitos humanos”.

Além da oposição à Lei Básica, a medida atenta contra os tratados internacionais a que o território está sujeito. “Temos também o pacto internacional de direitos civis e políticos, e dos direitos económicos, sociais e culturais que estão em vigor em Macau, e esse é um tipo de intrusão que eu acho não está previsto e que é condenado à luz dos pactos”, acrescenta o advogado.

Em suma, para Sérgio de Almeida Correia, “uma intromissão desse género não teria cobertura legal e seria perfeitamente abusiva”. Perante o desagrado público com a possibilidade de implementação do sistema de crédito social em Hong Kong, o Governo de Carrie Lam foi peremptório e não hesitou em esclarecer que a medida não vai ter lugar no território vizinho.

O HM tentou contactar o Executivo liderado por Chui Sain On acerca deste assunto, no entanto não recebeu qualquer resposta até ao fecho da edição.

Entretanto, de acordo com o site Liberty Times Net, as regiões de Macau, Hong Kong e Taiwan, terão sido mencionadas no site oficial do sistema de crédito social chinês. No entanto, depois da polémica levantada em Hong Kong, o HM não encontrou menções às regiões administrativas especiais e a Taiwan na mesma página.

Muito além de Orwell

O sistema de crédito social foi lançado em 2014, na apresentação no plano quinquenal do Conselho de Estado do Governo Central com o objectivo de “estabelecer a ideia de uma cultura de sinceridade, promovendo honestidade e valores tradicionais” Este sistema vai avaliar a credibilidade, a confiança e as boas intenções dos cidadãos – através das redes sociais e dos seus comportamentos em espaços públicos que estão, no continente, sob vigilância. A partir de 2020, a adesão é obrigatória em toda a China continental.

Atentado às liberdades

Para o deputado Sulu Sou a ideia de implementação do sistema de crédito social chinês em Macau é inadmissível. “É um atentado a todos os direitos e liberdades fundamentais e vai totalmente contra a Lei Básica” disse ao HM. No entanto, as recentes notícias que apontam o desenvolvimento deste sistema dentro do quadro da Grande Baía são preocupantes e devem ser esclarecidas. “Não é possível admitir qualquer ligação a este sistema dentro do projecto da Grande Baía”, acrescentou.

 

Neto Valente nega sistema de crédito social em Macau “nos tempos mais próximos”

Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), fez ontem comentários quanto à possibilidade do sistema de crédito social, que está ainda a ser testado na China, vir a ser implementado em Macau. “Não estou a ver que isso venha a ser implementado em Macau nos tempos mais próximos. Não creio que haja algum projecto sobre isso e, aliás, nem a China tem isso implementado em todo o lado. Ainda está em experiência piloto, para ver se funciona ou não”, lembrou.

O sistema em questão visa dar pontos aos cidadãos pelo seu comportamento cívico, estando previstas sanções ou limitações a quem não atingir determinados níveis impostos pelo Estado. Em Macau, devido ao facto de vigorar a Lei Básica e não a Constituição chinesa, não se coloca, para já, essa questão, disse o causídico.

Questionado sobre a possibilidade de virem a ser cobradas dívidas com recurso ao sistema de crédito social, graças à partilha de dados pessoais entre entidades privadas, Neto Valente alerta para a ilegalidade dessa medida.

“Ouço dizer que através das câmaras aparecem multas em casa de pessoas que deixaram o carro estacionado ou que passaram o sinal vermelho sem que tenha havido polícias. Isso não é proibido, pelo contrário. A polícia tem apanhado criminosos e suspeitos através de câmaras.”

Contudo, “existir uma identidade privada a filmar pessoas sem autorização para transmitir os dados para outras entidades privadas com vista à cobrança de dívidas difíceis não me parece que seja necessária a Lei Básica, pois isso não tem permissão em nenhuma lei”, apontou. O responsável adiantou que só em casos pontuais, e autorizados pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais, é possível que isso aconteça.

Mesmo na área do jogo isso não é permitido, lembrou Neto Valente. “Em relação aos junkets, mas não só, não sei se no futuro não haverá uma lei que permita fazer isso. Antes de existir meios informáticos havia algumas jurisdições, como nos EUA, onde se fazia recolha de dados de jogadores que criavam problemas em casinos. Essas listas eram divulgadas pelo mundo fora para quando essas pessoas fossem detectadas em determinados casinos, e até eram feitos avisos. Isso foi proibido. De acordo com a lei dos dados pessoais que temos em vigor isso não é permitido.”

11 Jul 2019

Uma Faixa, Uma Rota | Chui Sai On defende comércio livre com países lusófonos

“Macau, uma cidade Mundial dentro da estratégia nacional ‘Uma Faixa, Uma Rota’” foi o tema do colóquio realizado ontem na Torre de Macau onde se reuniram governantes, académicos e representantes de vários sectores sociais. Chui Sai On defendeu que o território deve apostar na livre circulação comercial entre os países de língua portuguesa e a China, e no apoio do território na internacionalização do renminbi

 

[dropcap]D[/dropcap]esenvolver o livre fluxo comercial entre a China e os países de língua portuguesa pode ser a afirmação de Macau dentro do projecto nacional “Uma Faixa, Uma Rota”.

A ideia foi defendida ontem pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, no discurso de abertura do “Colóquio de Intercâmbio” sobre o posicionamento do território no âmbito da estratégia do Governo Central. “Através da Comissão de Trabalho para a construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’, iremos promover, a passos firmes, os vários trabalhos focando-nos no planeamento geral e no ‘livre fluxo de comércio, na integração financeira e no entendimento entre os povos”, apontou Chui.

Este trabalho será feito tendo em conta os países de língua portuguesa, com Macau a “desempenhar plenamente o seu papel de plataforma de serviços de cooperação comercial”, acrescentou o Chefe do Executivo.

No que respeita à promoção do entendimento entre os povos, a ideia é “aproveitar as vantagens decorrentes do estabelecimento em Macau de um número considerável de chineses regressados do exterior e das amplas relações com os países do sudeste asiático, os de língua portuguesa e a União Europeia (EU)”.

Aqui, o foco é a promoção do território enquanto base para a formação de quadros bilingues em chinês e português e centro de intercâmbio na área da cultura entre a China e os países lusófonos. Neste sentido, Chui Sai On recordou que “Macau é uma cidade onde as culturas chinesa e ocidental se fundem e tem sido, desde tempos remotos, um importante entreposto da “Rota da Seda Marítima”. Desta forma, e tal como já tinha sido referido pelo Presidente chinês, Xi Jinping, “Macau continua a ter um estatuto especial e vantagens singulares e pode continuar a desempenhar um papel insubstituível”.

Chui Sai On não deixou de sublinhar que “a construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ é uma oportunidade estratégica que permite que Macau acompanhe o desenvolvimento internacional”.

Por outro lado, o governante prometeu que a RAEM vai continuar a assumir-se como “centro de serviços comerciais (…), de distribuição dos produtos alimentares (…) e de centro de convenções e exposições para a cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa”.

No final da sua intervenção, o Chefe do Executivo deixou a promessa de que Macau não vai desperdiçar as vantagens de que dispõe e aproveitar o facto de o Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa estar sediado no território para contribuir para o desenvolvimento de mais investimentos e operações financeiras em renminbi com os países lusófonos.

Posto de câmbio

Também o presidente da Associação de Bancos de Macau e da sucursal de Macau do Banco da China, Li Guang defendeu a importância do território no reconhecimento internacional da moeda chinesa.

Para o responsável, esta internacionalização do renminbi é cada vez mais importante tendo em conta o actual desenvolvimento das relações comerciais entre a China e os países de língua portuguesa. Na sua intervenção defendeu que o território “deve melhorar os serviços de liquidação de renminbi com estes países em termos de amplitude e profundidade”.

Cabe ainda a Macau, fazer a ligação financeira com os países lusófonos e dar apoio às empresas locais de modo a “aproveitar a oportunidade” oferecida pela estratégia “Uma Faixa, Uma Rota” para que a China possa “obter um espaço mais amplo neste palco internacional”.

Recados dados

Na mesma ocasião, o subdirector do gabinete de ligação da China em Macau, Yao Jian, deixou alguns recados ao território. Para o responsável, se Macau quer realmente ser uma cidade de relevo dentro estratégia nacional “Uma Faixa, Uma Rota”, são necessárias três medidas, todas ligadas ao desenvolvimento do território enquanto plataforma, mas que divergem nas áreas de actuação.

Em primeiro lugar, Yao destacou a necessidade de Macau continuar a apostar na realização de acordos multilaterais. Para o efeito o território deve aproveitar o papel de “ponte” entre os interesses da China e os dos países de língua portuguesa, que representam para Pequim “uma porta de entrada nos mercados africanos, europeus e sul-americanos”.

A segunda sugestão aponta que Macau deve ter em atenção o estatuto de “porto franco e zona aduaneira distinta”, características que permitem a promoção cada vez maior da livre circulação de bens, de pessoas e de capital.

Por último, cabe ao território reforçar a cooperação no que respeita à formação de talentos, acrescentou Yao Jian.

Atalho para a Europa

Macau deve ser o protagonista no desenvolvimento de relações com a UE defendeu o presidente fundador da Cheung Kong Graduate Shool of Business, Xiang Bing. Para Xiang, “a UE tem um papel muito importante no comércio global”, pelo que “a cooperação estratégica entre a China e a UE se torna cada vez mais importante”. Tendo em conta que “Macau e os países da UE têm uma boa história de cooperação e um bom relacionamento”, perante um “contexto de grandes mudanças globais e nesta nova época de desenvolvimento chinês (…), Macau pode ser a ponte de colaboração e a ligação emocional [com a UE]”, disse na sua intervenção. Neste sentido, cabe ao território “desempenhar o papel de ‘janela’ com os países e os territórios de língua portuguesa”, disse.

Este papel do território é tanto mais importante dado o momento actual, “marcado pela crescente importância da UE no comércio global” e do “relacionamento entre os países Europeus e a China”. Por outro lado, é de aproveitar as tensões que se vivem com os Estados Unidos, tanto em relação à China como em relação à própria Europa, “para conseguir uma maior aproximação com a UE”, considerou já em declarações à margem do evento.

O especialista em economia internacional apontou ainda a importância do “círculo económico do confucionismo”, ou seja, uma nova área económica da qual constam países que de alguma forma têm as suas culturas influenciadas pela filosofia do pensador chinês. Fazem parte deste círculo o Japão, Coreia do Sul, Macau, Hong Kong, Taiwan e Singapura, “que juntos formam uma potência económica de liderança internacional”.

O académico sugeriu ainda a criação de um instituto comercial luso-chinês para promover as relações comerciais entre as partes. Além disso, Xiang Bing referiu que Macau tem de apostar no desenvolvimento “nas áreas da educação e das indústrias criativas e culturais”, para se poder valer das suas vantagens “particulares” no sentido de contribuir para as politicas nacionais.

O colóquio realizado ontem foi organizado pela Direcção dos Serviços de Estudo de Política e Desenvolvimento Regional.

 

Rota cultural

A participação de Macau na estratégia nacional “Uma Faixa, Uma Rota” deve ter em conta o intercâmbio cultural, apontou ontem a presidente da Casa de Portugal no território, à margem do colóquio realizado ontem. “Macau não pode estar exclusivamente dependente da parte económica, porque se só se pensar na parte económica, Macau é tragado muito facilmente”, disse preocupada com o facto de o debate acerca da participação local na estratégia nacional estar a ser dirigido essencialmente à área económica. “Só vejo que Macau possa sobreviver neste contexto se houver um investimento muito grande na parte cultural, e que isso dê força, estatuto e uma identidade”, acrescentou a responsável.

Mi Jian, o ausente

A grande ausência no simpósio organizado pela Direcção dos Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional foi o seu representante máximo, Mi Jian. Em sua substituição, o subdirector, Ung Hoi Ian, justificou a falta com a necessidade “do director se deslocar a uma outra reunião, em Macau, sobre a Grande Baía”. A não comparência de Mi Jian sucede à entrega de uma carta ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC), assinada por funcionários do organismo que acusam o director de irregularidades. Apesar da denúncia, Ung Hoi Ian afirmou que “está tudo a funcionar normalmente”. “O funcionamento está bom, normal. Todos trabalham para as reuniões e para estas palestras. Todos os nossos funcionários estão a trabalhar normalmente”, apontou. Relativamente à missiva, o responsável desvalorizou a seu papel. “Eu próprio penso que não é nada de maior. O ambiente de trabalho da nossa direcção de serviços é muito harmonioso, e eu próprio também acho que o nosso director não se preocupa muito com a carta da queixa”, apontou aos jornalistas à margem do evento.

10 Jul 2019

Turismo | Académico publica artigo que contesta taxa turística

Glenn McCartney já o tinha afirmado, mas agora publicou um artigo na revista científica “Current Issues on Tourism” a demonstrar a ineficácia da implementação de taxas turísticas em Macau

 

[dropcap]A[/dropcap] implementação da taxa turística em Macau carece de fundamentação científica e rigorosa e não corresponde às exigências locais. A conclusão é do académico especialista em turismo da Universidade de Macau Glenn McCartney, de acordo com um estudo publicado no passado mês de Junho na revista científica “Current Issues on Tourism”. “A ideia de implementar uma taxa turística carece de escrutínio e rigor científico e vai contra a investigação feita sobre o alcance de uma moldura tributária equitativa”, começa por apontar.

Tendo em conta que o Governo deu como exemplo o que é praticado em Veneza para sustentar a possibilidade de implementar uma taxa turística em Macau, o académico explica o que se passa na cidade italiana, e que difere da situação local.

“As autoridades de Veneza aprovaram a introdução de um imposto turístico em Maio de 2019, com o objectivo de reduzir o número de visitantes diários na cidade que é património mundial”, refere salientando esta diferença de classificação se comparada a Macau, que define como “a cidade do jogo”.

As taxas na cidade italiana variam entre 2,5 e 10 euros por pessoa “dependendo da época” e as receitas são destinadas “à compensação dos crescentes custos ambientais, operacionais e de conservação do património” criados por mais de 24 milhões de visitantes na cidade onde vivem apenas 50 000 habitantes. Destes visitantes, cerca de 15 milhões são excursionistas e “o imposto é visto como uma táctica para garantir que até mesmo esse segmento contribui com alguma quantia para poder visitar a cidade e pagar pelos esforços públicos e administrativos que essa visita implica”.

Dinheiro, para que te quero

Para o investigador é claro que, “tradicionalmente, os impostos sobre o turismo implementados em algumas regiões do mundo serviram para fazer frente à escassez nos cofres dos governos e não para controlar o turismo de massa”.

A necessidade financeira não é um argumento que se aplique ao território, porque “em 2020, prevê-se que Macau se torne o destino mais rico do mundo, ultrapassando o Qatar”, escreve.

Como tal, “o desafio do turismo para Macau não é económico, mas sim baseado no fracasso da implementação de estratégias para gerir adequadamente a chegada de visitantes em massa nas últimas décadas”.

Por outro lado, este tipo de taxas pode originar retaliação por parte de outras regiões que entendam que os seus cidadãos estão a ser injustamente tributados. “Por isso, vale a pena considerar potenciais respostas das autoridades chinesas para impostos adicionais”, acrescenta, tendo em conta que a maioria dos visitantes de Macau é oriundo do continente.

Faltas na consulta pública

Glenn McCartney aponta ainda lacunas no documento de consulta pública sobre a referida taxa. De acordo com o investigador, o inquérito não é claro. Quando se pergunta aos residentes se são ou não a favor da implementação da medida, diz-se que o destino do imposto é o desenvolvimento das atraccões turísticas locais e o investimento em subsídios que contribuam para o bem-estar social. Contudo, não consta do documento os custos que a medida requer, nomeadamente no que toca aos métodos de colecta e aos valores recolhidos.

Se nalguns casos as tarifas turísticas são de facto para a “gestão da qualidade do turismo e para compensar desafios como a sazonalidade e a capacidade de ocupação”, tal não é o caso por cá.

“No caso de Macau, o imposto turístico não foi apresentado como parte de uma estratégia global de turismo para gerir os surtos de visitantes sazonais”, lê-se.

Acresce ainda o facto de que em Macau será difícil “esconder” a taxa turística dentro de outros produtos, como as passagens aéreas, por exemplo. “Uma taxa turística como a que está a ser discutida para Macau exige mais visibilidade se se pretende reduzir a procura”, remata.

O autor termina o artigo reiterando a necessidade de uma estratégia de “branding local”, ao invés de se rodear o problema com medidas como a taxa turística. Glenn McCartney justifica a opinião com o facto de Macau não ter uma imagem turística para além do jogo e de apesar das várias valências turísticas do território sentir-se falta de uma marca que as una .

 

Taxas inflacionadas

A população de Macau defende que a taxa turística tenha um valor de, pelo menos, três dígitos, ou seja mais de 100 patacas. A informação resulta da recolha de opiniões que a Direcção dos Serviços Turismo (DST) sobre a viabilidade de implementação de uma taxa aos visitantes.

No entanto, a DST vai “fazer uma análise mais profunda e detalhada”, e o montante do imposto será de acordo com o resultado das pesquisas e tendo como referência a taxa turística de outras cidades, disse o subdirector do organismo Hoi Io Meng ao programa “Fórum Macau”, no passado domingo. De acordo com o responsável, “os resultados preliminares da pesquisa mostraram que as opiniões não são unânimes quer no sentido de apoiar ou recusar a taxa turística” e que é necessária mais investigação. No total, a DST recebeu mais de 12 mil opiniões de residentes, 1,500 de turistas e aproximadamente 150 opiniões do entidades do sector turístico.

9 Jul 2019

Chefe do Executivo | Ho Iat Seng levantou ontem boletim de propositura

[dropcap]E[/dropcap]ram 13h30 quando Ho Iat Seng deu entrada nos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), na Rua do Campo, para levantar o boletim de propositura para se candidatar a Chefe do Executivo.

O objectivo agora é conseguir o apoio de pelo menos 66, dos 400 membros do colégio eleitoral, necessários para que possa avançar com a candidatura ao mais alto cargo do Governo. “Não é possível ganhar o apoio de todos os membros da comissão eleitoral, mas vou-me esforçar o mais possível”, disse aos jornalistas. A ideia é conseguir a concordância “de todos os sectores” com os quais pretende ter encontros.

Entretanto, e ainda durante a manhã de ontem Chan Weng Fu, também interessado em candidatar-se ao cargo de Chefe do Executivo, dirigiu-se aos SAFP com a mesma intenção que o ex-presidente da Assembleia Legislativa.

Aos jornalistas confessou que, para já, ainda não tem nenhum apoio confirmado, mas acredita que depois de divulgar a candidatura e reunir com membros do colégio eleitoral a situação vai mudar.

Para Chan, na corrida para Chefe do Executivo, “ter experiência política não é o mais importante”. O que interessa mesmo é “o amor à pátria e a Macau”, disse. O aspirante a candidato defendeu ainda que para promover o desenvolvimento local é necessário “ter uma mente mais inovadora”.

O boletim de propositura tem de ser entregue, juntamente com os apoios do colégio eleitoral, até ao próximo dia 23 de Julho.

9 Jul 2019

Eleição CE | Sulu Sou volta a apelar ao sufrágio universal

[dropcap]O[/dropcap] deputado pró-democrata Sulu Sou voltou a apelar ao sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo na sua intervenção na Assembleia Legislativa na passada sexta-feira. O pedido aconteceu “51 dias” antes do processo eleitoral que tem lugar a 25 de Agosto e que vai ditar o próximo dirigente máximo do Governo. Esta situação “só serve, directamente, os 400 membros da Comissão Eleitoral” e “só se realiza para cumprimento dos requisitos legais exigidos, e como sempre, vão ficar de fora 310 mil eleitores qualificados”, aponta Sulu Sou.

De acordo com o deputado, o direito de voto é apenas “privilégio de alguns e o seu exercício serve bem a troca de interesses”. “E nós, os mais de 99 por cento de eleitores qualificados, ficamos relegados ao papel de ‘cidadãos de segunda’”, comentou o pró-democrata.

Caminhos sinuosos

Sulu Sou teme que esta segregação possa culminar em instabilidade social e dá como referência Hong Kong, isto porque, “quem se senta no lugar de Chefe do Executivo, independentemente de quem seja, não tem legitimidade para governar, e a legitimidade é o mais importante”.

De acordo com Sulu Sou, “em termos políticos, um Governo oriundo de um círculo restrito não precisa de se responsabilizar perante os cidadãos, e estes também não podem recorrer à votação, que é o meio mais pacífico para exigir ao Governo que assuma responsabilidades”.

É por isso que quando o descontentamento popular é grande, “não se consegue impor a calma”, justifica.

Apesar da situação actual não permitir o sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo, Sulu Sou tem esperança que as circunstâncias mudem. “O sufrágio universal para o Chefe do Executivo pode acontecer um dia, sabemos que não há nenhuma lei que o proíba, e nessa altura centenas de milhares de pessoas de Macau vão retomar os votos em falta”, rematou.

8 Jul 2019

Abusos sexuais | Deputadas pedem medidas preventivas

Depois da denúncia recente de mais dois casos de alegados abusos sexuais de crianças, as deputadas Agnes Lam e Wong Kit Cheng pedem acção ao Governo para prevenir e tratar estas situações. Lam sugere uma revisão legislativa que permita a gravação de depoimentos das vítimas para usar em tribunal, enquanto Wong Kit Cheng apela à promoção da educação sexual

 

[dropcap]A[/dropcap]gnes Lam e Wong Kit Cheng reservaram as suas intervenções antes da ordem do dia no plenário da passada sexta-feira para pedir medidas de protecção para menores de modo a prevenir casos de abuso sexual de crianças.

Depois da recente divulgação de mais dois casos de abuso que terão vitimado duas meninas é necessário “reforçar as medidas de protecção de menores”, começou por dizer Agnes Lam. “Há dias ocorreram dois casos de abuso sexual que deixaram a sociedade indignada, em que duas meninas de 6 anos foram abusadas, uma pelo pai e a outra por um trabalhador de limpeza não residente”, recordou.

A deputada entende que a actual legislação não oferece garantias de prevenção. “O regime de tratamento para os casos de abuso sexual de crianças tem lacunas e merece aperfeiçoamento urgente. Portanto, espero que o Governo o reveja, tendo em conta estes dois casos, para reforçar a protecção dos menores”, disse.

Investigações protegidas

Além da revisão legislativa, Agnes Lam recorda a necessidade de medidas que protejam as vítimas ao longo da investigação. “Quando as crianças sofrem experiências terríveis e há sinais de abuso sexual, as autoridades de investigação criminal têm de ter um tratamento especial para recolher as provas junto das vítimas, senão, podem causar-lhes uma nova ofensa”, refere a deputada. Agnes Lam acrescenta que apesar de serem destacadas agentes femininas para a recolha de provas, com formação para inquirir crianças, as vítimas “precisam de repetir cinco ou sete vezes o que se passou, e esta repetição pode até chegar às oito a dez vezes, se se tiver em conta ainda o depoimento em tribunal”.

Esta situação deve-se à legislação vigente que não contempla a gravação de depoimentos para servirem em julgamento. Como resultado, as crianças são obrigadas a “relembrar várias vezes o que aconteceu” o que “é, sem dúvida, uma nova ofensa às vítimas, dificultando a recuperação psicológica”.

Neste sentido a deputada apela ao Governo que tome como referência as práticas de Hong Kong e Taiwan, que permitem a prestação de depoimento através de gravação, evitando repetições.

Prevenção pela educação

Já para Wong Kit Cheng, a aposta do Executivo para a prevenção do abuso sexual de menores deve ter como foco a aposta na educação sexual.

Para a deputada, além da moldura penal aplicada a estes casos, o mais importante é prevenir. “Quanto à protecção dos menores contra o abuso sexual, é mais importante a prevenção do que o tratamento”, apontou. Como tal, e “face ao aumento do número de casos de abuso sexual de crianças, os alunos têm de ter educação sexual, e também tem de haver a participação conjunta dos pais, professores e de toda a sociedade”.

Neste sentido, cabe à Direcção de Serviços de Educação e Juventude “coordenar a integração dos recursos de educação sexual dispersos pelas escolas, associações e instituições de serviços sociais, e estudar a definição das linhas sistemáticas de desenvolvimento da educação sexual, concretizando a sua divulgação nas diversas faixas etárias”.

Wong sugere ainda a criação de um centro independente de recursos educativos sexuais, que proceda à gestão uniformizada “de materiais didácticos para a educação sexual, dos cursos para os formadores, e trabalhos sobre educação sexual para alunos, encarregados de educação e sociedade”.

8 Jul 2019

Chefe do Executivo | Ho Iat Seng renuncia a todas as funções na Assembleia Legislativa

Ho Iat Seng já não exerce qualquer função na Assembleia Legislativa. Em conferência de imprensa, Ho falou dos desafios que enfrentou no hemiciclo ao longo de uma década, mostrou-se contra a retirada do artigo 25º da lei de bases de protecção civil e contra a abertura das comissões à sociedade. Na hora da despedida, o candidato a Chefe do Executivo aproveitou para sugerir ao seu sucessor que oiça mais a população

 

[dropcap]H[/dropcap]o Iat Seng deu mais um passo rumo ao topo da hierarquia governativa de Macau. Na passada sexta-feira o presidente da Assembleia Legislativa (AL) renunciou ao cargo de deputado deixando de exercer qualquer função no hemiciclo.

A comunicação pública foi feita no início da reunião plenária num pequeno discurso. “Como é do conhecimento de todos, a renúncia ao cargo de deputado determina a renúncia ao cargo de presidente, pelo que após esta comunicação deixarei também de ser presidente da AL”, começou por dizer. “Sendo este o meu ultimo plenário e o meu último acto quero agradecer a confiança e apoio que todos me prestaram desde que iniciei funções na AL”, prosseguiu Ho não poupando agradecimentos aos deputados, ao Governo, à população e aos funcionários da Assembleia.

Após o discurso, Ho Iat Seng foi aplaudido por quase todos os deputados presentes. Agradeceu com uma vénia aos colegas, movimento que também repetiu frente às bandeiras da China e da RAEM, acabando por sair da sala após cumprimentar os deputados presentes.

A reunião prosseguiu com Chui Sai Cheong, vice-presidente da AL a assumir a direcção do plenário.

Horas antes da despedida oficial, Ho Iat Seng reuniu com a comunicação social. Num encontro de mais de uma hora, o presidente da AL fez o balanço dos 10 anos de hemiciclo, primeiro como vice-presidente, cargo que desempenhou entre 2009 e 2013, e depois como presidente. Com a renúncia, Ho passa a ser o primeiro presidente do hemiciclo a não cumprir um mandato por completo desde a fundação da RAEM.

Do balanço que fez da década em que integrou a AL, Ho Iat Seng destacou o crescente trabalho legislativo produzido e ressalvou haver espaço para aperfeiçoamento. “Há margem para melhorias, sobretudo no que diz respeito à fiscalização do trabalho legislativo e ao trabalho das comissões”, apontou. Sobre o seu trabalho, Ho, apesar de se mostrar satisfeito, assinalou a necessidade de “satisfazer as expectativas da população”.

É também no equilíbrio entre a legislação produzida e as necessidades dos residentes que se encontram os maiores desafios legislativos, apontou. Como exemplo, Ho Iat Seng recordou 2014 e as demonstrações de desagrado da população acerca do regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos. Protestos que motivaram o Governo a retirar a proposta.

Sobre esta situação Ho Iat Seng acrescentou que “é preciso ter muito cuidado, porque as leis não se devem dirigir a um só destinatário, mas sim à população em geral”, pelo que “é necessário respeitar a população”. Para Ho, este caso “foi um alerta” para que se tenha em conta a legislação “que possa ser contrária aos interesses da população”.

Por outro lado, quando questionado acerca da abertura das comissões ao público, o candidato a Chefe do Executivo considera a exposição do que é debatido em sede de comissão pode gerar confusões. “Será que temos de abrir as comissões? Será que a população tem de ouvir todas as opiniões debatidas” questionou, acrescentando que “isso pode causar preocupação”, porque “a população às vezes não consegue compreender” e “não é uma boa solução ter muitas situações polémicas a serem discutidas na sociedade”. Para Ho, a transmissão em directo das reuniões de comissão não é um passo no sentido da transparência, porque pode originar mal-entendidos. “É preciso ter cuidado, uma total abertura nem sempre é benéfica”, sublinhou.

Faltas e recomendações

Por fazer, enquanto presidente e deputado da AL, ficou a lei do código tributário. “Já temos a lei da reserva financeira, a lei do enquadramento orçamental e acho mais preocupante agora não ter a lei do código tributário”, referiu, tendo em conta o desenvolvimento económico e social do território.

Para o seu sucessor fica o conselho: “ouvir mais a população e explicar” os conteúdos dos vários processos legislativos.

No entanto, no que respeita ao artigo 25º da proposta de lei de bases da protecção civil, que também tem sido contestado por vários sectores, Ho coloca de lado a retirada da proposta de lei, admitindo, no entanto, que pode ser melhorado durante o processo de análise na especialidade que está a decorrer.

Recorde-se que segundo este artigo, podem ser criminalizadas “notícias falsas, infundadas ou tendenciosas” em situações de catástrofe. “Retirar um artigo não é viável. Durante a apreciação devemos adoptar a devida atitude de abertura, porque do debate nasce a luz. Podemos alterar – por que não? O Governo não insiste na redacção do artigo. Desde que se clarifique o conceito da norma, não se deve retirar o artigo”, disse.

Por outro lado, Ho Iat Seng considera que a polémica que o referido artigo tem gerado deve-se à falta de esclarecimento e de informação acerca do mesmo. “É uma questão de esclarecer a população e reduzir o mal-entendido”. Feitas as devidas explicações, o ex-presidente da AL acredita que “a população vai entender”.

Os mesmos esclarecimentos devem também visar os deputados que receiam este ponto, acrescentou. Se o descontentamento persistir “os deputados podem sempre chumbar este artigo” aquando da votação na especialidade da proposta de lei de bases da protecção civil.

Entretanto, é sempre possível dar opiniões e o Governo já mostrou estar aberto para as receber. “O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, é uma pessoa que aceita opiniões”, referiu.
Para Ho, este artigo é importante na medida em que a propagação das tais “notícias falsas” podem acarretar dolo e “quando há uma situação dolosa, que cause o pânico na sociedade, as pessoas têm de ser punidas”.

Acresce ainda a salvaguarda do “primado da lei” e das garantias previstas no sistema jurídico local. Nesse sentido, o candidato a Chefe do Executivo assegurou não haver razões para medo.

Mais juristas portugueses

A AL contratou mais dois juristas, que chegam a Macau em Outubro, para integrarem a equipa de assessoria, aumentando para cinco o número de contratações de especialistas portugueses.

Estas contratações sucedem-se à não renovação dos contratos de Paulo Taipa e Paulo Cardinal. Para Ho Iat Seng, a saída dos juristas foi “um procedimento normal”. “Acho que se trata de uma situação normal. Todos os contratos têm a sua duração, a não ser que sejam sem termo e não é por causa da saída de dois assessores que não estamos a contratar mais portugueses. A mobilidade das pessoas é muito importante”, disse.

Por outro lado, Ho Iat Seng sublinhou que a decisão de afastar Taipa e Cardinal não foi tomada apenas por si, mas pelo colectivo de deputados que compõe a Mesa, à qual presidia.

Os dois novos juristas contratados, que chegam em Outubro, juntam-se a outros três que passaram a integrar a equipa de assessoria após a saída dos dois assessores no final do ano passado. A AL contratou a juíza desembargadora Maria José da Costa Machado, Paulo Henriques que saiu dos Serviços de Administração e Função Pública para desempenhar funções na AL e o procurador Manuel Magriço que, actualmente, exerce funções como adjunto do gabinete da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem.

Ho Iat Seng foi o terceiro presidente da AL desde a transferência de Administração em 1999 e sucedeu a Susana Chou e Lau Cheok Va. A saída de Ho do órgão legislativo tem efeitos imediatos e os 32 deputados têm agora 15 dias para eleger o próximo presidente do hemiciclo.

Já a eleição suplementar para o lugar de deputado pelo sector comercial, industrial e financeiro pode ser realizada dentro de um prazo de 180 dias.

8 Jul 2019

Mok Ian Ian sublinha importância da Feira do Livro na promoção de políticas nacionais

[dropcap]C[/dropcap]ozinha, livros, países de língua portuguesa e políticas nacionais são os ingredientes que este ano alimentam a segunda edição da Feira do Livro Internacional.

De acordo com a presidente do Instituto Cultural, Mok Ian Ian, o evento é uma oportunidade para desenvolver as relações entre a China e os países de língua portuguesa dentro do quadro das políticas nacionais. A ideia foi expressa na cerimónia de abertura do evento que se prolonga até ao próximo domingo no Venetian. “Desejo que, com a realização da Feira Internacional do Livro de Macau, possamos promover uma cooperação intensa com os países de língua portuguesa, os países ao longo da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e a China na área do comércio, dos direitos de autor e das publicações”, afirmou Mok Ian Ian.

A par desta faceta, a responsável frisou ainda a importância do certame no contexto regional. “Também acreditamos que, através do papel que Macau desempenha como ponto de encontro entre ocidente e oriente, o fortalecimento das relações entre o interior da China e o mundo contribui para a construção da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e para a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, acrescentou.

Já o presidente da Companhia de Publicações da China, Tan Yue, destacou, na mesma ocasião, a importância deste tipo de acontecimentos para a troca de conhecimentos e experiências entre as editoras. Para Tan, através deste tipo de eventos é possível, “desempenhar bem o papel entre as várias editoras, insistir na manutenção da diversidade cultural, explorar a cooperação em publicações e noutros campos com base nos direitos de autor, contribuindo para a publicação de livros e para a prosperidade cultural”.

Descoberta de sabores

A feira deste ano dá um especial destaque à gastronomia. Para o efeito, além de uma banca dedicada à apresentação de livros internacionais, há ainda apresentações de cozinha ao vivo, protagonizadas por chefes internacionais.

Mok Ian Ian destacou a integração no programa da 24ª cerimónia internacional de entrega dos prémios “Gourmand World Cookbook” conhecidos como os “Óscares” da gastronomia e do vinho.

O evento que vai na segunda edição custou ao Governo quatro milhões de patacas. A área de exposição é de 3000 metros quadrados onde estão dispostas 60 editoras de mais de 20 países e regiões. Os expositores incluem editores de países de língua portuguesa: Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau.

5 Jul 2019

Concursos por sorteio | Presidente do IC quer evitar “muitos” concursos públicos

Mok Ian Ian aguarda oportunidade para realizar um concurso público geral para contratar serviços de segurança para todas as instalações do Instituto Cultural, para evitar que cada serviço o faça de forma independente. Esta é a justificação de Mok Ian Ian para os concursos por sorteio promovidos pelo IC para contratos que chegam aos 10 milhões de patacas

 

[dropcap]A[/dropcap] presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian justificou ontem a contratação por sorteio de serviços de segurança para algumas das instalações do organismo como uma forma de dar tempo para que se possa realizar um concurso público geral para a adjudicação de um contrato que abranja a totalidade dos serviços.

“Na segunda metade deste ano vamos continuar a fazer as adjudicações por sorteio para que depois, quando todos os contratos tiverem terminados, se fazer apenas um concurso público geral para todos os serviços”, disse ontem Mok Ian Ian aos jornalistas, à margem da cerimónia da abertura da Feira Internacional do Livro de Macau.

De acordo com a responsável, “não é preciso estar sempre a abrir concursos para a prestação de serviços para cada um dos organismos”, disse, acrescentando que o IC “tem várias instalações como o conservatório, bibliotecas salas de exposições, etc., em que cada uma tem a suas necessidades”.

Por outro lado, o IC tutela agora mais serviços, desde a integração de algumas das valências do extinto Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. “Depois da integração de alguns departamentos do antigo IACM, o IC, em conformidade com o princípio de facilitação do trabalho administrativo, pretende trabalhar no sentido da integração administrativa”, apontou Mok.

Uma questão de sorte

As justificações de Mok Ian Ian surgem um dia depois da divulgação por parte do deputado Au Kam San de que o IC tem estado a fazer a adjudicação de contratos para prestação de serviços de segurança, avaliados em mais de 10 milhões de patacas, através de sorteio electrónico. De acordo com Au, o organismo liderado por Mok Ian Ian evitou realizar concursos públicos, como acontecia nos anos anteriores, o que contraria o regime das despesas com obras e aquisições de bens e serviços. “Segundo o IC, este ano houve uma reforma interna e o contrato dos serviços de segurança não vão ser distribuídos por concurso público. Em vez disso, o IC vai utilizar um sistema de distribuição electrónica, em que convidou várias empresas para participar”, referiu o pró democrata.

Segundo o regime das despesas com obras e aquisições de bens e serviços, as obras com valor superior a 2,5 milhões de patacas ou os bens e serviços adquiridos com valor acima de 750 mil patacas têm de ser adjudicados por concurso público. Só em casos de excepção, por conveniência, o concurso pode ser dispensado.

Mok Ian Ian fez ainda questão de sublinhar que, relativamente ao projecto da Biblioteca Central que vai ter lugar no edifício do antigo tribunal, toda a estrutura e elementos arquitectónicos vão ser preservados. “O IC já transmitiu às Obras Públicas a necessidade da preservação completa do edifício do antigo tribunal, incluindo todos os elementos e características arquitectónicas que compõe o estilo único e o valor cultural do edifício”, disse.

5 Jul 2019

Dupla de criativos publicou “O Pequeno Livro Amarelo” com frases de Xi

Uma dupla de criativos publicou um livro com centenas de frases do Presidente Xi Jinping. Conhecer melhor a forma como pensa o actual líder chinês foi a intenção criativa e – “algo absurda” – de Julie O’yand e Fernando Eloy

 

[dropcap]H[/dropcap]á um pequeno livro amarelo, à venda na internet, que reúne 300 citações do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, proferidas ao longo do seu mandato, iniciado em 2013. É uma obra de reflexão, entretenimento e alguma subversão, num estilo de leitura simples e atractivo, assinado pela jornalista e argumentista chinesa Julie O’yang e pelo jornalista e documentarista português Fernando Eloy.

“The Little Yellow Book” foi lançado em Fevereiro de 2019, por altura das comemorações do Ano Novo Chinês, quase um ano após o Congresso Nacional aprovar, com 2958 votos a favor, a deliberação de remover a limitação do termo de mandato presidencial, em Março de 2018, que antes era de dez anos no total. O actual líder, no final do seu primeiro mandato de cinco anos, passou a ter o poder de conduzir, por tempo indefinido, os destinos da grande China.

“A ideia de fazer este livro começou quando Xi Jinping tomou a decisão de retirar o limite ao termo da sua presidência, podendo permanecer para a vida no lugar. Esse foi para nós um momento de viragem e tivemos vontade de questionar pessoalmente o Presidente da China. Isso tornou-se um livro”, revelaram os autores ao HM.

A pergunta que Julie O’yang e Fernando Eloy quiseram colocar foi, antes de mais, quais as ideias essenciais que o Presidente Xi tinha para o desenvolvimento da nação. Qual o seu sonho para fazer o país avançar. Foi assim que começaram a coligir as suas frases e aforismos, para uma análise e divulgação dos princípios defendidos por Xi Jinping, à semelhança de um certo livro vermelho de propaganda, escrito por Mao Tse Tung em meados do século XX.

“O “Pequeno Livro Amarelo” espelha o seu famoso antecessor e segue o mesmo formato, com o mesmo padrão de narrativa. O “Pequeno Livro Vermelho” é o livro com mais tiragens no mundo, depois da Bíblia, sendo uma obra de propaganda que se tornou num ícone da China. O nosso não é um trabalho de propaganda, mas uma aproximação ao tradicional gosto chinês de coligir citações de sábios anciãos, incluindo o Confúcio e o ex-líder Mao. Sentimos que isso irá acontecer, mais cedo ou mais tarde, com os pensamentos de Xi. E quisemos abordar todas as suas considerações sobre a China”, afirmaram.

Integridade e ironia

A publicação, assumidamente uma “proposta de arte política, com um ângulo de certo modo absurdo”, foi um processo criativo de “comunicação com base na honestidade”, que pretende “convidar os leitores a questionarem” o que se está a passar no mundo. “O Presidente Donald Trump prometeu atacar este país sobre o qual poucas certezas se têm. E, enquanto isso, o domínio da China sobre o futuro global das nações tem estado em grande evidência, com a democracia ocidental em processo de autofagia a corroer-se por dentro”.

“A ambição do Partido Comunista Chinês tem sabido explorar bem o espectáculo desta crise política auto-infligida. E neste contexto actual globalizado, existe naturalmente ironia. A relevância e a integridade são coisas que nos interessam”, comentaram O’yang e Eloy, que dedicam este livro a “todos os leigos que têm curiosidade em saber algo mais sobre a China contemporânea. Sentimos que esta leitura devia ser uma espécie de viagem rápida e abrangente”.

Nesta versão não censurada, e não autorizada pelo próprio, os autores organizam as declarações de Xi Jinping em 23 capítulos sobre diversos temas pertinentes, como o “Sonho Chinês”, “Partido Comunista”, “Confucionismo”, “Meu País, Meu Povo”, “Um País, Dois Sistemas”, “Lei e Virtude”, “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos”, “Corrupção e Disciplina”, “Internet e Dados”, “Media”, as “Relações Internacionais”, a “Guerra Comercial”, “Uma Faixa, Uma Rota”, e até a “Revolução da Casa de Banho” em que o Governo “tudo fará para solucionar os problemas que afectam a qualidade de vida das massas”, entre tantos outros temas, estando reservado um capítulo extra para considerações finais e um poema do grande Xi.

“Like” para os autores

A curadoria das frases do livro é da responsabilidade de O’yang, com edição e design de Eloy. Julie O’yang é uma ex-capitã do Exército de Libertação Chinês que se tornou autora, artista, empresária e argumentista, tendo procurado exílio na Europa durante os anos 1990, onde trabalha e reside, desenvolvendo projectos como jornalista e criadora de conteúdos de rádio e televisão na Holanda e Dinamarca. Fernando Eloy nasceu em Lisboa e iniciou a sua carreira profissional como jornalista e DJ nas rádios pirata dos anos 1980, tornando-se produtor de eventos e jornalista free-lancer para vários órgãos de comunicação. Veio para Macau em 2001, onde tem realizado documentários, produzido filmes promocionais e criado conteúdos para canais e aplicações online. Ambos foram colunistas do jornal Hoje Macau.

O livro tem 180 páginas e encontra-se à venda na Internet, em diversos formatos electrónicos, para Kindle, Kobo, iBooks e Google Play, por cerca de 8 dólares americanos, ou quase 65 patacas. “Quem no mundo não ama um bom líder?” é uma das frases proferidas pelo homem que “gostaria de pressionar o botão do “Like” a favor do grandioso povo chinês”. Há outras 298 para conhecer.

4 Jul 2019

Taxista condenado a pagar 70 mil patacas por agressão a passageira

[dropcap]S[/dropcap]etenta mil patacas é o valor que um taxista vai ter que pagar de indemnização por ter agredido uma passageira que recusou pagar uma tarifa excessiva. A sentença foi dada pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) e o caso que remonta a 2016 quando a vítima e o taxista entraram em discussão por estar a ser pedido um valor acima da tarifa normal.

De acordo com o acórdão do TSI, a passageira “quis pedir ajuda, por telefone, à polícia e o réu saiu do táxi, entrou para o banco traseiro e deu, com o punho direito, três socos fortes e consecutivos no rosto esquerdo” da passageira. A agressão resultou numa equimose na orelha, “inchaços e escoriações”. Depois da agressão, a vítima dirigiu-se ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para receber tratamento.

No processo penal que correu no Tribunal Judicial de Base (TJB), o taxista foi condenado pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física a uma pena de multa 12 mil patacas. A vítima, independentemente do processo penal, intentou também uma acção de indemnização cível no TJB que decidiu fixar o montante dessa indemnização, por danos não patrimoniais, em 25 mil patacas.

Inconformada, a passageira interpôs recurso para o TSI, entendendo que o réu deveria ser condenado ao pagamento de 100 mil patacas de indemnização, “pelos danos morais sofridos”.

 

Notícia alterada às 15h30, com a data da ocorrência ser corrigida de 2006 para 2016.
4 Jul 2019

Contratações Públicas | População quer menos burocracia e mais informações

Não à obrigatoriedade de comissões para os procedimentos gerais de ajuste directo das contratações públicas e mais divulgação das informações acerca dos concursos foram algumas das ideias mais defendidas na consulta pública sobre a nova lei da contratação pública. O relatório foi divulgado ontem

 

[dropcap]A[/dropcap] obrigatoriedade de uma comissão de avaliação de propostas para a locação ou aquisição de bens por parte dos serviços públicos, por procedimento geral de ajuste directo “é impedimento à eficiência dos trabalhos”, apontam as opiniões recolhidas durante os dois meses da consulta pública relativa à nova lei da contratação pública.

De acordo com o relatório divulgado ontem pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), muitos serviços públicos consideram que a constituição obrigatória de uma comissão de avaliação para a realização dos trabalhos do acto público e de avaliação da proposta neste tipo de regime contraria a própria finalidade do sistema de ajuste directo. Importa referir que este procedimento apenas se aplica aos casos que envolvem serviços com valores entre 10 mil e 100 mil patacas. Ou seja, ao invés de promover a eficácia dos procedimentos, a medida prevista no novo diploma, prejudica “a eficiência e a eficácia da Administração Pública”.

A constituição de uma comissão de avaliação de propostas está prevista mesmo no caso em que os serviços obtenham apenas uma proposta de um fornecedor ou de um prestador de serviços o que pode levar a situações injustas. A razão, aponta o relatório, prende-se com a avaliação das propostas ser “assumida repetidamente por determinados trabalhadores dada a escassez de pessoal dos serviços”.

As opiniões expressão na consulta sugerem que o procedimento geral por ajuste directo seja idêntico ao sumário, nomeadamente nas situações em que não seja realizado concurso público ou de consulta.

Há também quem considere que o Governo deveria optar por aumentar os valores do procedimento geral de ajuste directo caso queira manter a obrigatoriedade da formação de comissões.

Mais transparência

Do outro lado do espectro, o Governo justifica a necessidade da comissão com o objectivo de promover a transparência do processo. “Embora o valor da contratação seja relativamente baixo, para evitar que alguns trabalhadores incumbidos da contratação formulem, livremente, propostas de adjudicação inapropriadas aos serviços públicos, propõe-se no documento de consulta o dever de constituir a comissão de avaliação de propostas para assumir as tarefas relacionadas com o acto público e a avaliação de propostas”, lê-se.

Recorde-se que a nova legislação aumenta o limite mínimo do montante das contratações de 2 milhões de patacas para 15 milhões de patacas para que se proceda a um concurso público.

É preciso informar

Outra das áreas que também suscitou grande número de opiniões diz respeito ao artigo referente às “disposições legais para promover a transparência da contratação e salvaguardar o direito à informação por parte dos participantes e da população em geral”.

De acordo com o relatório, “a sociedade e a população entendem que, para além da publicitação das situações propostas no documento de consulta”, há outras informações a serem integradas neste âmbito. De entre as sugestões destaca-se a publicação das informações de projectos de contratação, independentemente do valor e do procedimento da contratação e a divulgação das informações relativas a projectos de contratação sob “dispensa de consulta”. “Em caso da tomada de decisão de não adjudicação, devem ser indicados os trabalhos subsequentes e as regras de acompanhamento”, acrescenta o relatório referindo-se às sugestões recebidas. As opiniões apontam ainda que após a conclusão da adjudicação, deve-se divulgar a lista do pessoal que compõe a comissão de avaliação de propostas, “podendo este acto reforçar mais reconhecimento da imparcialidade do resultado da adjudicação”.

Houve, no entanto, uma opinião contrária à da maioria, que defende que a divulgação de informações deve ocorrer de acordo com a protecção de dados pessoais “sendo necessário ter em conta a protecção da identidade dos membros da comissão de avaliação de propostas”.

Para a consulta pública, que teve aconteceu ao longo de dois meses e terminou a 4 de Janeiro, foram recebidas 120 opiniões. A nova legislação pretende actualizar o regime que está em vigor “há quase 35 anos, desde a sua promulgação em meados da década de 80 do século passado”, referiu a DSF. “Hoje em dia, as disposições da parte do articulado dos respectivos decretos-leis apresentam-se, notoriamente, desfasadas no âmbito das necessidades motivadas pelo actual desenvolvimento socioeconómico de Macau, das exigências da implementação de boa governação na administração pública e da elevação de eficiência administrativa, bem como das solicitações sociais sobre o aumento da transparência (…) e o reforço de fiscalização”, justifica o organismo no relatório.

4 Jul 2019

Tradução Automática | Sistema desenvolvido pelo IPM utilizado em dez serviços públicos

Transformar Macau num centro de referência na área da tradução de português e chinês é o objectivo do projecto de tradução automática desenvolvido no IPM. O sistema já é usado em dez organismos do Governo para facilitar o trabalho dos tradutores, mas os horizontes alargam-se à Grande Baía e às relações culturais e comerciais entre a China e os países lusófonos

 

[dropcap]S[/dropcap]ão já dez os serviços públicos que utilizam o sistema de tradução automática, entre o par de línguas chinês e português, desenvolvido pelo Instituto Politécnico de Macau (IPM). Entre eles estão a Assembleia Legislativa, o Fórum Macau e os Serviços de Educação e Juventude que já contam com a ajuda de um mecanismo de tradução de inteligência artificial (IA) que garante fiabilidade de cerca de 90 por cento das traduções, apontou ao HM a directora da Escola de Administração Pública do IPM, Rita Tse, durante uma visita às instalações do laboratório.

Na base do sucesso está um sistema para o qual colaboram três instituições: o IPM, a Universidade de Línguas de Guangdong e uma empresa de tecnologia de ponta de Pequim.
Juntos desenvolvem e alimentam continuamente o software, Computer-Aided Translation – CAT – “a mais avançada tecnologia do mundo nesta área”, cuja particularidade, e grande vantagem, reside no facto de em vez de traduzir palavras, a tecnologia permite a tradução de frases, apontou o coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do IPM, Gaspar Zhang.

“Comparando com as tecnologias anteriores este tipo de tecnologia é mais natural, lógica e humana”, acrescentou. Tendo em conta a sua experiência enquanto tradutor, Zhang sublinha a importância deste avanço tecnológico comparado com os dispositivos que têm sido disponibilizados. “Antigamente não utilizávamos a IA, usávamos mecanismos em que eram introduzidas palavras e as regras gramaticais. As palavras ficavam isoladas e as regras secas e não se conseguia estabelecer uma relação entre uma coisa e outra, pelo que não funcionou. Agora, com a AI ao nosso serviço, é possível outra abordagem”, acrescentou.

Como uma criança

O cerne do sistema está instalado no laboratório de tradução automática do IPM, criado em 2016. É ali que são introduzidos mega dados que permitem a assimilação e processamento de informação pela máquina. Com este processo, a informação é acrescentada aos dados anteriores o que resulta na aprendizagem artificial. “Nós alimentamos a máquina com os dados e a própria máquina pode aprender, digerir e juntar a informação. Ao aprender, a máquina está a melhorar a qualidade do seu próprio sistema”, salientou o coordenador.

O maior desafio para garantir a fiabilidade da tradução, é a introdução de dados, porque só com informação de alta qualidade se conseguem traduções “sofisticadas”. “É como treinar a fala de uma criança”, refere Rita Tse.

Línguas mães

A aposta na tradução do par de línguas chinês e português foi feita por vários motivos entre eles a história do próprio instituto. “O IPM tem uma história longa na área do ensino da tradução de português e chinês” disse o professor da Escola de Línguas e Tradução, Yang Nan.

A este factor junta-se a necessidade constante de traduzir documentos no território que tem ambas as línguas como idiomas oficiais. Para o efeito, a grande maioria dos dados tratados são conteúdos de documentos oficiais. “O nosso contributo será sempre apoiar Macau para facilitar o trabalho de tradução no Governo. Há todos os dias documentos para traduzir e queremos ajudar os serviços públicos nessa tarefa”, apontou Gaspar Zhang.

De modo a que melhor se entenda como o processo que envolve tecnologia neural se aplica aos serviços públicos, Rita Tsé explica que, basicamente, o sistema pega em qualquer documento, em qualquer formato, texto ou imagem, e traduz para um texto dividido em frases. Estas parcelas passam depois pelo crivo da revisão a cargo dos tradutores. É aqui que se corrigem erros, que não se vão repetir no futuro dado a capacidade de aprendizagem da máquina, e alterados conteúdos conforme as necessidades. No final, a base de dados com que o sistema passa a trabalhar já é maior e mais fiável.

Tradutores indispensáveis

É este trabalho humano que faz com que os tradutores continuem a ser indispensáveis. Para Gaspar Zhang, o sistema de tradução automática não representa uma ameaça aos profissionais locais, mas sim um “auxílio precioso”. “Estamos no séc. XXI, numa sociedade de mega-dados e IA em que qualquer tradutor profissional tem de saber utilizar as tecnologias como apoio e dominar várias ferramentas”, apontou.

Para Rita Tse que trabalha directamente com os tradutores dos serviços públicos, onde o sistema de tradução automática já é utilizado, “este mecanismo não compete com os humanos, mas serve de auxílio porque já não vão precisar de perder horas a traduzir um documento e podem apostar na constância da tradução e na partilha de informação”. Por outro lado, acrescentou, os tradutores vão ser sempre necessários, para “melhorar as traduções das máquinas e acrescentar sempre um nível superior na qualidade da tradução”.

A importância de um mecanismo exemplar na tradução destas duas línguas é tanto mais pertinente quando Macau pretende desempenhar o papel de plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Este factor permite ao território ter acesso à recolha de dados bilingues essenciais para serem introduzidos no sistema, apontou Yang Nan.

Com o projecto de cooperação inter-regional da Grande Baía, a importância de um auxílio como este é ainda maior. “O mais importante aspecto no contexto da Grande Baía, e um dos maiores obstáculos a superar, é o da linguagem presente nos documentos e mesmo contratos comerciais”, ponta Rita Tse. Com a tradução automática, criam-se condições para que ambas as partes – chinesa e países lusófonos – tenham condições para se entenderem melhor.

Gaspar Zhang sublinha que há muitos países de língua portuguesa que pretendem ter negócios na China utilizando Macau e desta forma podem ser auxiliados. “Sabemos também que Cantão é a província chinesa com mais colaboração com países lusófonos e podemos prever a utilidade deste sistema nas relações comerciais e de intercâmbio resolvendo o problema da língua”, apontou Gaspar Zhang.

Futuro promissor

Além destas utilidades a médio prazo, a metodologia que usa a inteligência artificial pode servir várias áreas e ser um importante contributo no âmbito cultural. “Este tipo de sistema é aberto a todas as possibilidades: dentro do mundo do cinema pode ajudar na legendagem; em palestras e conferências, dado o reconhecimento de voz, pode ajudar na tradução imediata; podemos aprender mais sobre a cultura portuguesa sem saber a língua”, exemplifica a directora da Escola de Administração Pública.

Para a concretização do projecto contribuíram mais de 200 pessoas entre investigadores, docentes e alunos, estes últimos a quem é dada a possibilidade de estagiarem, tanto na área da engenharia informática como da tradução. Nos últimos dois anos o laboratório reuniu cerca de 10 milhões de pares de frases bilingues.

 

UM a caminho

A Universidade de Macau (UM) anunciou também o lançamento de uma plataforma de tradução online chinês-português-inglês, em Dezembro do ano passado, para tradutores profissionais em vocabulários mais técnicos. “A plataforma permite que tradutores profissionais estabeleçam conjuntos de vocabulário especializados relacionados com um determinado sector”, explicou, na altura a UM em comunicado. O sistema utilizado é o UM – CAT, uma plataforma “adequada para escritórios governamentais e empresas que lidem com uma grande quantidade de tarefas de tradução multilíngue no seu trabalho diário”, apontava a universidade. O UM – CAT foi desenvolvido pelo Laboratório de Linguagem Natural da UM e pelo Laboratório de Tradução Automática Português-Chinês.

 

Na crista da onda

O sistema de tradução automática do IPM é mais fiável do que os conhecidos Google e Baidu quando se trata do par de línguas português e chinês. A conclusão é de uma avaliação interna e sistemática do mecanismo que utiliza a tecnologia neuronal CAT, realizada pelo IPM. “Podemos ver que na área da tradução chinês/português a nossa plataforma tem um valor de desempenho comparativamente mais alto do que as outras duas”, apontou o professor da Escola de Línguas e Tradução, Yang Nan. Aliás, é neste par de línguas que o sistema tem as condições necessárias para competir, apontou a directora da Escola da Administração Pública Rita Tse, porque Macau “tem peritos e experiência, além de séculos de cultura portuguesa”, acrescentou.

3 Jul 2019

Glenn Timmermans, académico: “Holocausto está além da compreensão”

A necessidade de dar contexto à matéria que lecciona levou Glenn Timmermans, professor de literatura inglesa na Universidade de Macau, a dedicar especial atenção ao período do Holocausto nazi. A partir daí, o docente desenvolveu um programa que tenta trazer todos os anos a Macau um sobrevivente de um dos “períodos mais negros da história ocidental.” A próxima convidada é Eva Schloss, que partilhou a infância com Anne Frank e viveu Auschwitz

 

O que o levou a sentir necessidade de ensinar a história do período do Holocausto em Macau?

[dropcap]S[/dropcap]ou professor de literatura inglesa. Estou em Macau desde 2001 a ensinar e uma das disciplinas que lecciono é literatura do séc. XX. Depois de dois ou três anos a ensinar em Macau, e a falar da guerra e de Auschwitz percebi que era impossível entender a história recente se não se souber o que aconteceu durante o período do Holocausto nazi. O Holocausto é a grande crise da civilização ocidental, foi o ponto mais baixo desta civilização. Como é possível entender a literatura ocidental, pelo menos a literatura da segunda metade do séc. XX, se não se souber o que aconteceu no Holocausto? Os meus alunos questionavam muitas vezes o que era isso. Foi quando parei e pensei que não iria avançar na área da literatura até que eles soubessem o que se passou. Um livro como o “Lord of the Flies”, de William Golding, surgiu porque o autor esteve no exército em 1945, altura em que percebeu a depravação da humanidade. Um livro como este tem relação com o fenómeno do Holocausto. Samuel Beckett em “À espera de Godot” mostra como tudo perde o significado. Penso que se trata de uma consciência pós-Holocausto. É uma crise na filosofia ocidental. Temos muito que nos orgulhar no ocidente, a cultura é extraordinária, mas no meio do séc. XX as pessoas mais cultas, as pessoas que ouviam Bach e Beethoven e todos os grandes filósofos, foram as pessoas que cometeram o maior crime da história. Esta situação ultrapassa todas as assunções do que somos, o que conseguimos, qual é o valor da cultura. Há esta ideia de que se souber tocar piano ou violino, de que se se for culto, as pessoas são melhores. Mas Adolf Eichmann, o “arquitecto” do Holocausto era um conceituado violinista. Isso para mim é incompreensível. Foi assim que comecei a introduzir aos poucos o Holocausto nas minhas aulas.

Agora está à frente de um programa totalmente dedicado a esta matéria.

Senti que precisava de ajuda e em 2007 fui a Israel fazer um curso no Yad Vashem, em ensino do Holocausto. Felizmente, com o apoio de Sheldon Adelson, que faz a sua fortuna em Macau e é um grande doador para o Yad Vashem, todos concordaram que uma pequena parte das doações seria destinada a levar académicos chineses a ter formação em Israel. Vou levar o próximo grupo em Setembro. Temos agora centenas de candidatos por ano, e só podemos levar trinta. Depois, em 2012 a universidade tentou americanizar-se e introduziu a Educação Geral, o que foi uma oportunidade. Pediram-me sugestões de ensino para esta área e eu avancei com a proposta de ensinar o holocausto enquanto disciplina independente. Disse que lhe queria chamar “O genocídio do Holocausto e direitos humanos”. Pediram-me para deixar cair a parte dos direitos humanos, mas eu neguei. Ainda continuo a ensinar esta disciplina que se está a tornar muito popular. No próximo semestre vou ter três turmas cada uma com 70 alunos. Os alunos, inicialmente, na sua maioria, sabiam muito pouco sobre este assunto.

Como tem sido a reacção dos estudantes?

Os alunos dizem muitas vezes: se o Hitler matou tantos judeus era porque existia uma boa razão. Respondo dando exemplos dos próprios chineses e da sua diáspora no sudeste asiático. Tal como com os judeus, há comunidades chinesas que têm muito sucesso e que, muitas vezes, são vítimas de preconceito. Sabemos que na Indonésia muitos chineses são mortos, sabemos que actualmente na Malásia, os chineses são muitas vezes mencionados como ameaça potencial. Porque, tal como acontecia com os judeus, há esta ideia de que os chineses conseguem controlar a economia. De facto, quando emigram, e tal como os judeus que estavam na Europa, acabam por ter sucesso económico e isso torna-os alvo de ressentimento.

Acha que esse ressentimento contra judeus contribui para o Holocausto de alguma forma?

De alguma forma sim. O Hitler andava a procura de um bode expiatório e os judeus que em 1933 eram 500 mil na Alemanha, menos de um por cento da população, controlavam muitas áreas. Quando Hitler procurou um bode expiatório aproveitou para dizer, “olhem estes, não são alemães, mas dirigem orquestras, são responsáveis por jornais, gerem negócios”. Encontrou quem culpar. Não faria sentido culpar pelas dificuldades que se viviam as empregadas domésticas, mas sim aqueles com algum sucesso. Claro que o antissemitismo tem uma história de mais de dois mil anos, mas, de facto, com o que se passou no Holocausto, os judeus acabaram por ser o bode expiatório associado ao colapso económico alemão.

Depois de um período tão negro, como se justificam os crescentes movimentos racistas na Europa?

A Angela Merkel, e isto para seu crédito, abriu as fronteiras da Alemanha aos refugiados na sua maioria sírios, mas a outros também. Ela apenas o fez porque existiu um Holocausto e foi uma forma de reafirmar que a Alemanha não pode nunca mais voltar a apoiar este tipo de descriminação. A Alemanha tinha a obrigação moral, mais do que qualquer outro país de abrir as suas fronteiras. Isto, está agora a criar outros problemas com o crescimento dos movimentos de extrema-direita no país que a culpam pelo problema dos refugiados. Na Europa vemos estes movimentos a ganharem força na Hungria, Polónia, etc..

Apesar da Polónia ter sido muito massacrada na 2ª Grande Guerra Mundial…

Sim, e está a tornar-se muito extremista. Tinha andado muito decente nos últimos 20/30 anos e temos também o ódio aos judeus da velha guarda da direita, na Alemanha e na Hungria. Mas estes sentimentos estão também a crescer na França, e agora dirigido aos muçulmanos. Os judeus acabaram por estar identificados com Israel e na Inglaterra existe antissemitismo dentro do partido trabalhista. Temos uma oposição de esquerda que parece ter um problema com o racismo. Israel era querido da esquerda, historicamente, nos 50 e 60, mas agora que Israel está muito identificado com os Estados Unidos da América, e a esquerda odeia os Estados Unidos, os protegidos passaram a ser os palestinianos.

Todos os anos traz a Macau um sobrevivente do Holocausto nazi. Porquê?

Porque o Holocausto é algo que está além da compreensão. Por mais que estude sobre aqueles acontecimentos e aquela época não entendo e duvido que alguma vez venha a entender. Dentro em breve todos os sobreviventes estarão mortos. Por isso, se os estudantes ouvirem a história directamente de um sobrevivente tem mais impacto do que todas as palestras e todas a aulas que tiverem. Basta uma hora com um sobrevivente e conhecer alguém que esteve realmente lá.

Qual o próximo convidado?

A minha convidada em Janeiro é incrível. Tem 90 anos e é a irmã “emprestada” póstuma da Anne Frank. Elas conheceram-se no início da guerra. O nome dela é Eva Schloss. A mãe, o pai e o irmão eram judeus austríacos e fugiram em 1939. O pai encontrou emprego na Holanda e juntaram-se todos em Amsterdão em 1940, antes do início da guerra. Viviam em frente à família Frank. No Holocausto esconderem-se tal como os Franks, mas foram traídos e o pai e irmão acabaram por morrer em Auschwitz. Entretanto, a mãe de Anne Frank também foi morta. Depois da guerra, o pai de Anne Frank conheceu a mãe de Eva Schloss que acabou por ser criada por ele. Estive com ela recentemente, em Londres, e ela aceitou vir a Macau em Janeiro. Quero que este testemunho, além de ser apresentado na universidade, seja também dado a conhecer às escolas de Macau.

Podemos dizer que há um paralelismo, quando se fala de horror, entre o Holocausto e o massacre de Nanjing, na China?

Nanjing é um acontecimento terrível, mas não deve ser confundido com o Holocausto nazi. Há uma tendência, na China, para comparar esses dois acontecimentos. Em parte por causa da própria linguagem. Em chinês a palavra datusha é utilizada para ambos os acontecimentos. São ambos massacres. Mas o Holocausto não foi um massacre, foi um processo que decorreu primeiro entre 1933 e 39 com propaganda e com as leis contra judeus, e que depois se tornou num processo de matança industrial. Não estou a dizer que o massacre de Nanjing não foi horrível. Todas as matanças o são. Mas o massacre de Nanjing foi aquilo a que se chama realmente de massacre. Os japoneses esperavam conquistar Xangai muito mais rapidamente do que fizeram. Pensaram que iriam ter Xangai em poucas semanas e levou-lhes três meses. Muitos japoneses tinham sido mortos, os chineses combateram corajosamente e, por razões que não são muito claras, Tóquio ordenou que se avançasse para Nanjing. Não havia importância militar em Nanjing. Depois de conquistarem Xangai controlavam o delta do rio Yangtze, aliás controlavam a China. Acho que Nanjing foi o lugar escolhido pelos japoneses para humilharem a China. Quando chegaram lá, os soldados japoneses estavam exaustos, zangados e ficaram loucos. De acordo com os números aproximados, terão morrido 300 mil chineses. Foi muita gente. Mas penso que o mais horrível foram as violações. Sabemos que cerca de 20 mil mulheres foram violadas, e não era apenas uma violação, era o seu horror. Mais uma vez, os alemães eram um povo muito sofisticado e levaram para a frente o Holocausto e aqui, os japoneses eram um povo muito refinado e também cometeram as maiores e mais cruéis atrocidades. Temos estas duas culturas intelectuais altamente refinadas e depois vemos que foram as potências que mais horrores causaram e que cometeram crimes indescritíveis.

A história de Nanjing só começou a ser divulgada muito depois do massacre. Porquê?

A China fez um trabalho muito mau na preservação da sua história. Nanjing, ao contrário do Holocausto, foi durante muito tempo silenciado por razões políticas. Os comunistas não estiveram lá, estavam a combater o Kuomintang e não a combater os japoneses. Ou seja, os comunistas não tiveram nenhum papel nesta história de Nanjing. Por duas razões. Por um lado, por não terem estado lá, e por outro porque se não estivessem a lutar contra o Kuomintang e sim com eles, se calhar juntos teriam derrotado os japoneses. Depois, tanto a China como Taiwan, nos anos 50, queriam investimento japonês. Apenas nos anos 80, quando a China começou a ficar mais forte, se começou a reconhecer o massacre de Nanjing. O primeiro museu dedicado aos acontecimentos só foi criado em 1985, 40 anos depois do massacre. Infelizmente, do ponto de vista histórico perderam-se muitos registos, nomeadamente depoimentos de sobreviventes, fundamentais para documentar aquele período.

2 Jul 2019

Steven Siu anunciou intenção de se candidatar a Chefe do Executivo

Gerir o equilíbrio entre os interesses da população e os de Pequim é o trabalho do Chefe do Executivo, segundo Steven Siu que se apresentou como o novo candidato ao cargo. O anúncio da potencial candidatura foi feito no sábado

 

 

[dropcap]T[/dropcap]em 73 anos, é cônsul honorário da Papua Nova Guiné em Macau, e o quinto candidato a Chefe do Executivo. Steven Siu apresentou a intenção de avançar para a corrida ao mais alto cargo do Governo em conferência de imprensa no passado sábado.

Nascido e criado em Macau, o diplomata avançou para a candidatura motivado por amigos e quer trazer a Macau novas perspectivas.

Siu afirma-se como um oficial diplomático e acredita que se o território continuar a ser governado por empresários, à semelhança do que tem acontecido, vai enfraquecer e perder competitividade no panorama internacional. Como tal, o objectivo de Siu é trazer “um novo olhar para Macau”.

O candidato mostrou-se confiante de que vai reunir os 66 votos dos membros do colégio eleitoral necessários para que a sua candidatura seja considerada. Para já, Siu está certo de que 30 membros o vão apoiar. Quanto aos restantes, a ideia é trabalhar para obter os apoios necessários.

Promessas concretas

Steven Siu pretende um salto na área da economia para Macau. De acordo com o diplomata, a estrutura económica local “é muito simples” e precisa de ser desenvolvida. As sugestões passam pela criação de uma bolsa de valores e a construção de um polo de comércio de ouro que abranja Macau e a Ilha da Montanha.

A ampliação de horizontes é também um objectivo que o novo candidato pretende implementar junto das camadas mais jovens. De acordo com o candidato, actualmente, grande parte da juventude de Macau tem apenas em vista os empregos proporcionados pelos casinos, o que faz com que uma larga faixa populacional acabe por não seguir o ensino superior. Para o novo candidato, a tendência precisa ser atenuada. Sobre medidas neste sentido, Steven Siu aponta a promoção e incentivo à continuidade dos estudos, especialmente no estrangeiro. O objectivo é fazer com que os mais novos tenham uma visão mais internacional e que sejam capazes de a aplicar ao território.

Ainda ligada à área do ensino, o diplomata apoia a criação de um novo curso universitário ligado aos pilares do pensamento chinês, como um curso de cultura do confucionismo, budismo e taoismo.

Pátria em primeiro lugar

Os objectivos de Siu dividem-se em dois grandes grupos. Por um lado, um conjunto de políticas que tenham em vista melhorar as condições de vida e de bem-estar da população. Por outro, a absoluta obediência à liderança de Pequim, porque “o interesse nacional está acima de tudo”. Neste sentido, cabe ao Chefe do Executivo agir enquanto gestor de uma empresa, que deve saber lidar com os interesses da população tendo em conta que quem manda é Pequim.

1 Jul 2019

Carta entregue ao CCAC denuncia irregularidades de Mi Jian

Uma carta entregue ao CCAC por funcionários da Direcção de Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional acusa o responsável do organismo, Mi Jian, de uma série de irregularidades. Contratação de familiares, pesquisas encomendadas a conhecidos, gasto privado de fundos públicos e mesmo fumar onde é proibido são algumas das queixas apresentadas

 

 

[dropcap]O[/dropcap] director da Direcção de Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional, (DSEPDR) Mi Jian foi alvo de denúncia ao Comissariado Contra a Corrupção (CCAC). A missiva entregue por funcionários do organismo apela a uma investigação a Mi Jian.

Na carta dirigida ao CCAC, assinada por funcionários da DSEPDR, as acusações a Mi Jian têm início com a denúncia de contratações à margem do sistema de recrutamento central com o objectivo de beneficiar estudantes de doutoramento e familiares, de acordo com a informação divulgada no sábado pelo canal noticioso All About Macau. Segundo a mesma fonte, Mi Jian terá promovido vários recrutamentos dentro de “um pequeno círculo”. Algumas destas contratações foram para cargos de direcção.

De acordo com os funcionários da DSEPDR, as opções do dirigente são retaliações contra trabalhadores locais, salientando ainda que o director procedeu à suspensão de dois cargos de chefia para dar lugar a profissionais oriundos do continente.

Em causa estão os cargos de Director de Pesquisa de Políticas e de Director do Departamento de Publicidade e Promoção. Os trabalhadores acrescentam ainda que não estão contra a contratação de não residentes, mas não admitem que esta seja feita sem mérito, como alegam ser o caso. Para estes funcionários, muitos dos cargos da DSEPDR estão a ser desempenhados por “alunos de doutoramento incapazes”.

Outro dedo apontado ao responsável está relacionado com o seu comportamento em relação ao Chefe do Executivo, Chui Sai On, e a outros governantes e titulares de altos cargos na estrutura da administração do território. Os funcionários afirmam que Mi Jian tem “duas caras” e que “à frente” dos governantes demonstra respeito e “por detrás” os ridiculariza, chamando-os de “estúpidos”.

 

Dinheiro mal contado

 

Além destes comportamentos inadequados, o director é ainda acusado de fazer uso dos dinheiros públicos para usufruto privado. Em causa está o subsídio de 20 mil patacas que recebe para alugar casa em Macau, gasto num apartamento de luxo, quando é proprietário de um outro apartamento em Zhuhai.

Por outro lado, Mi Jian terá também encomendado estudos a “amigos” para o organismo com a adjudicação de pesquisas a “pessoas do continente que não sabem nada de Macau”. Como tal, “os resultados adquiridos estão afastados da situação real do território”, aponta a missiva. Segundo os funcionários, trata-se de “um grande desperdício de fundos públicos”.

Outros aspectos como a realização de viagens a França e ao Dubai sem qualquer objectivo profissional são também denunciados.

O desrespeito pela lei de controlo e prevenção do tabagismo é outro ponto de destaque. Mi Jian é acusado de fumar em locais proibidos, nomeadamente no seu gabinete. Os funcionários referem que já fizeram queixa aos Serviços de Saúde, sem tenha sido prestada qualquer resposta. Para os trabalhadores, trata-se não só de desrespeito pela legislação, como pelos funcionários porque o fumo de tabaco se espalha aos vários compartimentos da DSEPDR.

Recorde-se que o antigo chefe do Gabinete de Estudo das Políticas do Governo é o primeiro director da nova Direcção de Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional desde Setembro do ano passado, altura em que foi nomeado para o cargo por Chui Sai On.

O CCAC confirmou a recepção da missiva e garantiu que vai dar seguimento ao caso de acordo com os procedimentos habituais.

1 Jul 2019

Renascimento italiano | Seminário marca últimos dias de exposição no MAM

“Desenhos da Renascença Italiana do British Museum” é o nome da exposição que tem estado patente no Museu de Arte de Macau e que chega ao fim este domingo. Margarida Saraiva, curadora da mostra, explica a essência dos desenhos com foco na figura humana, sem esquecer o movimento do corpo, a luz e as sombras que dele emanavam

 

[dropcap]A[/dropcap] exposição “Desenhos da Renascença Italiana do British Museum” chega ao fim este domingo, mas, antes disso, o Museu de Arte de Macau (MAM) organiza um seminário, este sábado às 16h, que explica precisamente a origem da mostra. A apresentação estará a cargo de Margarida Saraiva, curadora, que vai “explorar aos primeiros estágios de elaboração e planeamento até o papel do curador em projectos itinerantes”.

Além disso, Margarida Saraiva “apresentará as obras de arte seleccionadas exclusivamente para a exposição em Macau e os conceitos do renascimento italiano que inspiraram tanto o design gráfico, quanto o de galeria”. Serão ainda feitas duas visitas guiadas em cantonense, no sábado e no domingo.

Ao HM, a curadora traça um retrato das imagens patentes no MAM desde o passado dia 18, e que tem como principal objecto a figura humana.

“A arte da renascença italiana foi dominada pelo desejo de representar com precisão a figura humana. O objectivo era envolver o espectador na narrativa apresentada na pintura e, para alcançar esse objectivo, as figuras tinham que ser naturalistas e expressivas”, adiantou a curadora.

Desta forma, “a prática artística dos jovens que ambicionavam tornar-se grandes artistas concentrou-se progressivamente no desenho à vista do corpo masculino”.

As descobertas arqueológicas acabaram por influenciar o trabalho destes artistas que começaram a “desenhar a partir das estátuas originais ou de gessos, procurando alcançar a musculatura característica da arte clássica”. Nesse período, eram também realizados “estudos mais detalhados de certas partes do corpo, como a cabeça de amigos ou colegas de várias idades, que mais tarde podiam ser usados para representar santos, personagens mitológicas ou heróis clássicos em obras acabadas”.

Nem sempre o corpo humano era retratado tal como ele era. Nesse aspecto, Margarida Saraiva dá como exemplo as imagens com a assinatura de Leonardo Da Vinci, com retratos mais exagerados ou extravagantes, nas quais “uma compreensão profunda da forma humana constitui um trampolim para uma exploração mais criativa da personagem e do seu carácter”.

A caricatura e a luz

Um dos exemplos do exagero de que fala Margarida Saraiva pode ser visto nas duas obras “Caricaturas de um homem e uma mulher idosos”, e que foram feitas entre os anos 1482 e 1499, pintadas com caneta e tinta castanha.

Neste período, Leonardo Da Vinci estava ao serviço do duque de Milão, sendo que as imagens em apreço “podem ter sido concebidas tanto como divertimentos para corte quanto como explorações da fisionomia, a partir da crença segundo a qual o personagem poderia ser interpretado através dos seus traços faciais”.

Margarida Saraiva acrescenta que “ao longo da vida, o artista explorou obsessivamente os contrastes entre o novo e o velho, a fealdade e a beleza, em esboços rápidos de perfis, frequentes nos seus cadernos de anotações: os seus anjos e rostos femininos incorporavam a beleza ideal, mas a essa perfeição Leonardo contrapunha os extremos do ‘grotesco’”.

A curadora diz ainda que “o humor das caricaturas vem em parte da apresentação incongruente dessas figuras exageradas no formato digno do perfil, associado aos retratos de imperadores e reis antigos, em medalhas e camafeus”.

Segue-se “Estudos para o Juízo Final”, de Michelangelo Buonarroti, que data do ano 1534, uma imagem pintada a giz preto. Este desenho foi “especialmente requisitado pelo MAM ao British Museum para a exposição” e estão ligados à “grande obra da maturidade de Michelangelo”, que é o “Juízo Final” da Capela Sistina, no Vaticano, diz Margarida Saraiva. A obra em causa “representa o momento final da história cristã, no qual Deus julga as almas humanas para admiti-las no céu ou condená-las ao inferno”.

Nesse sentido, “a imagem de Michelangelo é consolidada pelos contrastes dinâmicos das figuras, subindo e descendo, e neste desenho ele estuda figuras que se tornarão anjos no fresco final. O ambicioso esforço de detalhe das poses e a poderosa musculatura aumenta a intensidade dramática do tema”.

Além da presença acentuada do movimento, o jogo de luz e sombras também fez parte da visão artística do Renascimento Italiano. “Da mesma forma que a representação naturalista do mundo se tornou fulcral para artistas da Renascença, a compreensão adequada da luz também”, lembra Margarida Saraiva.

“Pelo uso eficaz de luz e sombra, numa combinação chamada em italiano chiaroscuro, um artista poderia chamar a atenção para partes específicas de uma cena, sugerir volume e solidez, e representar presenças sagradas através do brilho da luz divina. As gradações de luz serviam igualmente para criar, numa composição, a sensação de distância e perspectiva”, acrescenta.

Artistas como Leon Battista Alberti, entre outros, “levaram os seus estudos de luz mais longe”, uma vez que Alberti “escreveu exaustivamente sobre a base matemática da luz”, enquanto que Leonardo da Vinci “dedicou-se a compreender a ciência da luz e da visão”, ao estudar “a óptica, a anatomia do olho e a difusão da luz na atmosfera”.

Este trabalho acabaria por ter impacto no trabalho de artistas posteriores como é o caso de Ticiano, Raphael e Caravaggio, como se observa na obra “Estudos de uma jovem segurando um livro”.

28 Jun 2019

ANIMA | Falta de trabalhadores residentes põe em risco animais do canil de Coloane

A escassez de pessoal que a ANIMA enfrenta, é agravada pelos limites à contratação de não residentes e à falta de locais que queiram ser tratadores. O entrave pode resultar na incapacidade de cuidar dos 33 cães que estão sob a tutela do IAM no canil de Coloane, e cujo cuidado é assegurado pela associação. Albano Martins teme que os cães acabem por ser abatidos

 

[dropcap]O[/dropcap]s 33 animais que estão sob a tutela do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) no canil de Coloane podem correr o risco de ser abatidos. Em causa estão as dificuldades da Sociedade Protectora dos Animais de Macau – ANIMA, responsável por cuidar dos cães do canil, em contratar residentes para as funções de tratador. “A ANIMA assegura os cuidados prestados por um trabalhador pago totalmente pela associação e na folga semanal, este trabalhador tem de ser substituído por outro local”, explica o presidente da ANIMA, Albano Martins, ao HM.

A partir de Julho vão sair da ANIMA dois tratadores residentes que não podem ser substituídos por não residentes pelo que a associação corre o risco de não conseguir cumprir este serviço no canil de Coloane. “Aqueles animais estão lá há vários anos e são a única excepção à regra do IAM no abate de animais, esse é o grande drama”, acrescenta o responsável, preocupado com a fatal possibilidade caso a associação não consiga assegurar os cuidados dos cães do canil de Coloane.

Em causa está o facto de os trabalhadores não residentes só poderem estar afectos ao espaço da ANIMA, e “se ali não estiverem, violam a lei”. A associação vai perder dois trabalhadores residentes já no próximo mês de Julho e não tem como os substituir, porque não há candidatos para estas funções. “Quando pedimos estes funcionários à Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) eles dizem que não têm”, remata Albano Martins.

O HM tentou saber, junto do IAM, o destino dos animais no caso da ANIMA não poder assumir o seu cuidado, mas não obteve resposta até ao final da edição.

Problema abrangente

A falta de pessoal afecta não só o funcionamento do canil de Coloane, mas também pode colocar em causa o trabalho da própria ANIMA, devido ao limite de quotas impostas à contratação de trabalhadores não residentes. “Estamos constantemente a ter sangrias de pessoas locais”, queixa-se o presidente da associação referindo-se às saídas de quem parte em busca de outras oportunidades, até porque “a ANIMA não é uma multinacional e não pode dar condições como os casinos”. Ainda assim, a lei do trabalho obriga a associação a ter 20 trabalhadores locais para poder empregar 15 trabalhadores não especializados e um especializado que não seja residente.

A quota dos 20 locais foi atingida este mês, altura em que também terminava o prazo dado pela DSAL para que tal fosse efectuado, mas os problemas avizinham-se já para o próximo mês, altura em que vão sair dois tratadores e um administrativo. “Com a saída destes três vamos ficar com 17, sendo que já temos uma pessoa para o cargo administrativo”, refere. No entanto, a dificuldade mantém-se com a falta de tratadores para os cerca de 500 cães e 300 gatos que estão ao cuidado da ANIMA.

Multifunções

A alternativa passa muitas vezes por solicitar aos funcionários do secretariado que dispensam algum tempo para ajudar na lida com os animais, mas não é o suficiente. “Podem-nos ajudar nalgumas coisas, mas o cerne fundamental é haver alternativas”, sublinha Albano Martins.

Acresce ainda ao problema da reposição de folgas quando há feriados. Sem elementos que possa dispensar, os trabalhadores da ANIMA “acabam por levar mais tempo do que o que a lei obriga a usufruir destas folgas, porque não há ninguém para fazer o trabalho deles”, refere o responsável.

A única garantia de estabilidade reside no emprego de não residentes, que, no entanto, está sujeita à referida quota e às limitações do espaço de trabalho. “Os únicos trabalhadores que conseguimos manter são filipinos porque esses não têm o luxo de poder mudar de emprego de um dia para o outro e, como tal, não têm alternativas à ANIMA. Estas pessoas só podem mudar de emprego dentro da mesma categoria, ora não há em Macau sociedades protectoras a não ser a ANIMA. O resto não tem trabalhadores”

Neste momento, a ANIMA tem 36 trabalhadores: 16 não locais, um especializado e 15 não especializados e 20 trabalhadores locais. “Era suposto começarmos a campanha de fundos apenas em Julho, mas vamos ter que o começar ainda antes do final deste mês para conseguir o dinheiro necessário para o arranjo do ar condicionado”, apontou Albano Martins. A aposta vai ser feita junto dos casinos. “Esperamos que a Wynn Resorts mantenha o apoio que nos tem vindo a dar, na ordem do 1.3 milhões de patacas, que já dá para pagar o ar condicionado. Era bom que conseguíssemos arranjar dinheiro para garantir pelo menos mais um trimestre”, ou seja, pelo menos dois milhões de patacas.

28 Jun 2019

Ricardo Araújo Pereira, humorista: “Somos o único animal que ri”

Ricardo Araújo Pereira está em Macau para apresentar “Uma conversa sobre assuntos”. O primeiro espectáculo está marcado para amanhã, às 20h, na Torre de Macau e o segundo para domingo, no Instituto Politécnico de Macau, às 18h. Num encontro com jornalistas, o humorista português falou da importância do riso, das concepções de comédia ao longo da história e da única coisa sobre a qual não consegue fazer piadas

[dropcap]Q[/dropcap]uais as expectativas para os espectáculos aqui em Macau?
Não tenho expectativas nenhumas. Esta é a minha maneira de viver, e é boa porque assim nunca temos grandes desilusões e temos só surpresas. A primeira surpresa foi o facto do primeiro espectáculo ter esgotado e depois as pessoas terem feito uma segunda sessão. Foi muito simpático.

De que assuntos vai falar?
Depende das pessoas, vai haver microfones na sala e as pessoas vão fazendo perguntas. É assim que este espectáculo funciona: as pessoas perguntam-me coisas e depois eu respondo. É bom que tenham coisas para perguntar. Venho de outro continente, venho com muita sabedoria acumulada e é muito importante que as pessoas tenham curiosidade para saber coisas sobre assuntos em geral. É a primeira vez que faço este espectáculo fora de Portugal. As pessoas perguntam tudo sobre o que lhes apetece e é mesmo isso. Perguntam sobre o meu trabalho, sobre o Benfica, sobre as minhas filhas, como sou em casa, o que lhes apetecer.

Com nasceu este espectáculo?
Há dois anos houve em Portugal aqueles grandes incêndios. Estava em casa a ver aquilo e pensei que gostava de fazer alguma coisa. O problema é que eu não sei fazer nada. Isso prejudica muito a minha capacidade para ajudar. Falei com a minha amiga e agente para saber se podíamos fazer uma série de espectáculos gratuitos nas zonas afectadas pelo fogo. Fizemos uns 14 e a receita revertia a favor das vítimas, dos bombeiros, etc.. Basicamente, sou eu a tentar responder a perguntas de pessoas. Às vezes dizendo coisas que já escrevi, fingindo que me estão a ocorrer na altura.

Tendo em conta que a realidade de Macau não é bem a mesma da realidade portuguesa, como se preparou para este espectáculo?
Sim, sim. Estudei muito sobre a actualidade de Macau, perguntem o que quiserem. (risos). Ainda bem que me avisou.

Sobre o assunto China, como vê a ascensão do país na economia internacional e a guerra comercial que decorre com os Estados Unidos?
Aqui, em relação a Macau, fico surpreendido por estar a decorrer um banho turco contínuo. A sensação que tenho é que para vir até aqui ao consulado, estive a comer o ar até aqui chegar para poder passar. Não sei como se aguenta este banho turco constante. Eu fico encharcado em suor ao fim de 30 segundos fora do hotel. Em relação à China e à guerra comercial, não tenho nada para dizer sobre o assunto, mas conheço. Mas não faço ideia. Tenho algum receio de que seja inútil competir numa guerra comercial com a China. Eles fazem coisas muito depressa e muito baratas e, portanto, é capaz de ser difícil. É um país muito grande, e não sei se o facto de o regime chinês ser este, digamos que com um défice democrático, ajuda economicamente porque é mais fácil manter pessoas com salários baixos e tal. Nessa medida, é interessante que o Trump esteja também a tentar instituir um sistema destes no Estados Unidos. Uma coisa assim mais pobre pode ser a resposta adequada. Sou a favor da democracia, está bem?

FOTO: Sofia Margarida Mota

Qual é o papel do humor na análise da actualidade?
O papel do humor é fazer rir as pessoas. E há muitas pessoas que me perguntam: só? Acho que quem pergunta isso, em primeiro lugar nunca tentou fazer rir ninguém, e em segundo não está exactamente a ver o que é que o riso é. O riso é uma coisa demasiado importante para que as pessoas digam: “só?”. Para mim, o “só” fazer rir é a mesma coisa que dizer que aquilo entre o D. Pedro e a Dª. Inês era “só” amor. Ou parece que houve ali uma coisa entre 1939 e 1945 mas foi “só” uma guerra. O riso é muito importante, e é fascinante que os seres humanos riam. Acho extraordinário. Somos bichos que sabem que vão morrer, convivemos diariamente com essa informação e, portanto, é muito bizarro que seres nestas condições achem graça a seja o que for, que riam. Imagine que um condenado à morte está na sua cela e depois vai a andar até à cadeira eléctrica, e nesse percurso vai a rir à gargalhada. Acharíamos isso bizarro, absurdo. No entanto, isto é capaz de ser um bom resumo condensado do que é a nossa vida. Nós sabemos perfeitamente que vamos a caminho da cadeira eléctrica. É ainda mais aflitivo porque o condenado sabe exactamente qual é o dia em que vai ser frito e nós não. Pode ser agora. O certo é que vamos a rir no caminho. Há um humorista norte americano chamado Jack Douglas que tem um livro, a sua autobiografia, que se chama “Aconteceu-me uma coisa engraçada a caminho da campa”. Basicamente, é isso. Fazer rir as pessoas é uma coisa que me parece nobre até. Fico muito satisfeito que o papel do humor seja apenas esse, fazer rir. Às vezes, as pessoas têm a ideia, para mim errada, de que o humor consegue fazer coisas. Que consegue derrubar governos ou impedir acontecimentos. No humor político especificamente, pensam que tem algum poder sobre a realidade, que é capaz de impedir que certas coisas aconteçam, que o mal aconteça e o bem prevaleça. Acho que a eleição de Donald Trump indica que isso não é verdade. O candidato mais violentamente satirizado da história foi eleito. Isso significa que os humoristas não têm assim tanto poder político e ainda bem. Ficaria bastante preocupado se o sistema, se a democracia funcionasse de forma em que as pessoas iam às urnas, votavam e eu dizia que tinha uma piada muito boa e ia derrubar isso. Acho que aquilo que o humor faz, e já é muito, é fazer rir as pessoas.

Como é que é isto de aplicar o humor à realidade, que por vezes não tem grande piada?
A questão é essa. É justamente porque a realidade não tem piada que é necessário o humor. Eu duvido que no paraíso, se existir, alguém ria. A minha avó dizia-me sempre que só me ria do mal. Mas do que é que rimos mais a não ser do mal? Molière escreveu comédias sobre misantropos, hipocondríacos, gente com a mania das grandezas. Comédias sobre pessoas boazinhas não existem. Uma pessoa muito boazinha só tem graça se for tão boazinha que acaba por ser prejudicada. Aí já tem graça. As pessoas riem-se do que é mau, do que é triste, e do que é errado. E o facto de nos conseguirmos rir disso é importante, faz com que nos elevemos acima de nós próprios de um certo ponto de vista. Ser capaz de rir da sua própria desgraça, é vantajoso, reduz peso às coisas. Essa operação de subtração de peso parece-me muito importante. Em 2016, na altura do europeu de futebol um filósofo português chamado Cristiano Ronaldo, proferiu umas palavras célebres no fim do jogo entre Portugal e a Polónia em que íamos a penáltis. Ele falou com o João Moutinho e disse assim: “anda bater o penálti, se perdermos que se lixe” – ele até usou um verbo mais expressivo. Acho que esta atitude é melhor para ganhar do que a atitude do temos mesmo que ganhar. Claro que podemos argumentar que o Cristiano Ronaldo está em posição de dizer “se perdermos que se lixe”, mas mortais como nós não se podem dar a esse luxo. Mas acho que a questão é ao contrário. De facto, ganhamos mais, mais vezes e mais facilmente com a atitude do “que se lixe” do que com a atitude do “temos mesmo que ganhar”. O que a comédia faz é dotar as pessoas de uma espécie de atitude do “que se lixe”. Acho muito saudável. O programa que tenho feito a noite na TVI é sobre isso, é sobre a Assembleia da República, é sobre as comissões de inquérito e sobre o Governo, e acho muito saudável que uma sociedade possa rir-se dos seus dirigentes porque também lhes retira peso a eles e porque encurta a distância.

Esta capacidade de rir e amenizar os problemas políticos não limita a acção no sentido das pessoas não se mexerem para mudar as coisas?
Esse é um dos muitíssimos paradoxos da comédia. O que é que a sátira política faz? Critica. Ou seja, aponta o alvo e destrói-o ou homenageia-o. Isso é interessante. Quando faço pouco do primeiro ministro, estou a atingir o primeiro ministro ou estou a suavizar o mal que eventualmente ele faz às pessoas, a fazer com que elas digam que já estão mais aliviadas e já não vão para a rua tentar mudar isto? Toda a sátira implica um interesse pelo objecto satirizado. A minha questão é: será que o que nós, humoristas, fazemos tem poder? Eu não sou ingénuo ao ponto de dizer que não tem poder nenhum. Qualquer coisa dita publicamente tem a sua repercussão. A minha questão é? Qual a dimensão dessa repercussão? Acho que é muito menos do que o que as pessoas julgam e mais uma vez acho que isso foi provado no caso do Donald Trump. Já tinha sido provado antes. Houve ali uma altura entre a primeira e segunda eleição do George Bush Júnior em que o Jon Stewart era o principal comentador político dos EUA. Toda a gente dizia que ele era o grande crítico do Bush. O Bill O’Reilly, de direita, convidou-o para o seu programa na FOX e disse-lhe: “o que é triste é que vais ter uma influência nestas eleições” e estava danado com isso. Depois aconteceram as eleições e o Bush teve mais dois milhões de votos do que tinha tido para o primeiro mandato. É possível que as coisas tenham algum poder, duvido que seja muito grande e nós não o conseguimos controlar. A comédia é muito mais termómetro do que termóstato. Mede a temperatura em determinada altura, não a regula.

Os países não democráticos não encaram bem a sátira política. Mesmo que não tenha força é temida. Acha que esse papel da comédia é diferente consoante o regime político?
Quando digo isto as pessoas questionam o facto de nos regimes ditatoriais o humor ser das primeiras coisas a ser reprimidas. A minha resposta é: porque eles estão enganados. Eu não concordo com os ditadores. Acho que eles não têm grande coisa a temer sobre isso. Este é mais um dos paradoxos da comédia. Dizem que uma rainha poderosa de Inglaterra – Isabel I – tinha um bobo e que quando o chamava dizia para fazer piadas mais azedas sobre ela porque quanto mais azedo ele fosse à frente dela, mais ela podia dizer que tinha poder para permitir isso. Quando uma pessoa teme aquele tipo de manifestação significa que o seu poder não é assim tão grande. De facto, esses governos reprimem a comédia mas não conseguem fazê-lo. A comédia continua clandestinamente a funcionar. No regime soviético, por exemplo, havia várias piadas muito conhecidas e que iam mudando de país para país. Houve pessoas condenadas à morte por isso.

Ainda hoje, os sinos tocam a rebate numa determinada localidade germânica no dia da morte de um padre que foi morto por ter contado a seguinte anedota: “um soldado alemão está moribundo na guerra e faz o último pedido. Queria que lhe dessem uma fotografia do Hitler e outra do Goebbels. Toda a gente ficou comovida com o patriotismo daquele homem que queria ser enterrado com uma fotografia daqueles dois. O soldado acabou por dizer que queria ir como Jesus Cristo, com um ladrão de cada lado. O padre contou esta piada e foi morto. Mas há mais. Há muitas pessoas condenadas à morte por dizerem piadas. As pessoas iam aos tribunais que as julgavam por causa destas anedotas, eram sentenciadas por um juiz e no fim da audiência, o juiz ia para as traseiras do tribunal, para um bar, e contava as piadas que tinha julgado às pessoas que lá estavam. Mas comédia não é agressão. Há uma tendência perigosa e cada vez maior para se achar que uma piada é uma agressão. O que faço não é bater. Posso explicar a diferença a quem tiver dúvidas. Eu primeiro bato e depois digo uma piada muito desagradável e, em princípio, a diferença fica imediatamente clara. Há várias perspectivas sobre a comédia. Há uma que durou muito tempo, dois milénios, entre Platão e Hobbes, que diz que nos rimos por causa da súbita consciência de que somos superiores àquilo de que estamos a rir. O Thomas Hobbes criou a expressão “glória súbita” em que achamos que somos superiores àquilo de que estamos a rir. É uma manifestação agressiva de superioridade. Depois começa a haver críticas a essa perspectiva.

Há um tipo chamado Francis Hutcheson que tem uma perspectiva curiosa sobre o riso em que questiona este sentimento de superioridade. Se é esse sentimento de superioridade que nos dá vontade de rir, porque não vamos todos passar o domingo numa enfermaria a rir à gargalhada dos desgraçados que lá estão? Após estas críticas, o Kant e o Schopenhauer formularam uma outra teoria: rimos da incongruência, ou seja, aquilo que nos dá vontade de rir é o facto de termos uma expectativa desfeita. Somos o único animal que ri, dizem eles, porque somos o único que é impressionado pela diferença de como as coisas deviam ser e como são na verdade. E depois o Freud veio a seguir e disse: não é bem isso. O riso tem a mesma função no ser humano do que aquela válvula tem na panela de pressão, serve para aliviar. Olhamos para as três teorias e pensamos que se calhar cada uma delas descreve uma parte do processo, mas todas juntas não conseguem descrever a totalidade do processo. Aliás, Freud, mais tarde reformulou aquilo que pensava e disse que é de facto uma questão de superioridade, mas é mais complicada do que o que parece porque é uma superioridade minha sobre mim próprio. O que o humor faz é uma superioridade paternal do super-ego sobre o ego.

Entretanto, o humor tem substituído a informação em muitos programas. Com vê esta situação?
Sobre a substituição, vemos um programa do John Oliver e pensamos: mas porque é que os jornais não disseram isto? Normalmente, a resposta é: porque há mais dinheiro para o entretenimento do que para o jornalismo. Porque os programas de comédia têm um orçamento maior do que uma redacção de jornal. Há uma série de questões relativamente à comunicação social. Em Portugal isso e óbvio. Os grupos de media estão todos a despedir as pessoas que ganham mais e que são os jornalistas mais experientes, e as redações ficam nas mãos de pessoas que ganham 500 euros e que são mais fáceis de controlar por causa disso. E não há grande dinheiro para fazer coisas. Não é só o jornalismo clássico. O Facebook e o Instagram são a vitória ideológica das revistas cor-de-rosa, e a sua derrota comercial. Neste momento, duvido que haja paparazzi em Lisboa. Não é preciso andar atrás da Rita Pereira para saber onde ela anda e o que está a fazer. Ela põe as fotografias no seu Instagram, voluntariamente, e mostra como a vida privada dela esta a decorrer.

Já disse em alturas anteriores que não põe limites aos outros. A si, impõe?
Imponho-me um limite. Se não tiver nada para fazer rir as pessoas, não digo nada. Assim de repente, se há algum tema que nunca tenha abordado? Sim, há. É um tema sobre o qual não tenho nada de engraçado para dizer. Quando uma criança morre, eu calo-me.

28 Jun 2019

Zhuhai | Seguro médico para residentes de Macau arranca a 1 de Julho

Estudantes e idosos de Macau que residam em Hengqin vão ter acesso ao projecto piloto de regime de seguro medico básico do continente. Para tal, só precisam ser portadores do cartão de residência chinês

 

[dropcap]A[/dropcap] data está marcada. No próximo dia 1 de Julho entra em acção o projecto piloto de acesso de residentes de Macau ao seguro básico de saúde em Zhuhai. Para já, a iniciativa vai estar circunscrita à Ilha da Montanha e é aplicável apenas a três grupos de residentes: crianças com idade igual ou inferior a 10 anos, estudantes do ensino primário e secundário e a pessoas com idade igual ou superior a 65 anos.

A informação foi dada ontem em conferência de imprensa pela sub-directora dos Serviços de Saúde, Ho Ioc San. Segundo a responsável, para que os residentes de Macau que vivem em Hengqing tenham direito ao apoio têm de ser portadores do documento de autorização e residência chinês.

Recorde-se que de acordo com as directivas de Pequim, desde Setembro do ano passado, os residentes chineses de Macau, Hong Kong e Taiwan que vivam no continente há, pelo menos, seis meses, podem ter acesso ao referido documento. A medida foi criada para permitir o usufruto de condições apenas dadas aos nacionais. Um dos direitos conferidos é a adesão à segurança social, ou seja, o direito a igual tratamento nacional através do regime do seguro básico de saúde do Interior da China”, recordou Ho Ioc San.

O Governo Central vai contribuir para este projecto com 590 renminbi por ano, enquanto que Macau vai apoiar os adultos – pessoas com mais de 65 anos – com 410 renminbi anualmente, enquanto os estudantes e menores de 10 anos têm o apoio de 180 renminbi.

Passos maiores

O presente projecto piloto vai ter a duração de seis meses a um ano, após a qual vai ser sujeito a avaliação. A ideia é aproveitar a iniciativa da Ilha da Montanha como exemplo para alargar o âmbito de acção tendo em conta as cidades que envolvem o projecto de cooperação regional da Grande Baía. “O objectivo é facilitar a integração dos residentes na Grande Baía para os estudos, para viver e na sua velhice”, apontou.

“Há diferentes regimes entre Macau e Zhuhai e este projecto é para saber como combinar estes dois sistemas”, acrescentou a sub-directora dos SS. A ideia foi reforçada pela directora da Administração de Segurança da Saúde da cidade de Zhuhai, Cheng Zhitao que enquadrou o projecto como uma forma de “dar aos residentes de Macau melhores condições para viver e estudar na Ilha da Montanha, indo de encontro às directivas do presidente chinês Xi Jinping em “apoiar Hong Kong e Macau no plano de desenvolvimento da Grande Baía”.

De acordo com os dados fornecidos ontem pelos representantes dos Serviços de Saúde vivem actualmente 281 residentes de Macau em Hengqin portadoras do documento de autorização se residência chinês, mas “há mais pessoas que vão pedir este cartão de autorização”. Segundo Ho Ioc San, o aumento de pedidos está relacionado com a quantidade de residentes locais, cerca de 3000, que neste momento têm negócios e escritório na área vizinha.

27 Jun 2019

Emissão de dívida chinesa em Macau é “inteligente” mas requer responsabilidade

No próximo dia 4 de Julho vão ser emitidos títulos de dívida do Estado chinês em Macau no valor de dois mil milhões de renminbi. O economista Albano Martins considera tratar-se de uma alternativa segura de investimento para empresas e residentes, se o Governo Central mantiver a estabilidade da moeda

 
[dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 4 de Julho, vão ser emitidos em Macau títulos de dívida do Estado chinês no valor de 2 mil milhões de renminbi. A iniciativa parte do Governo Central que desta forma dá mais um passo para a internacionalização da moeda enquanto recolhe dividendos, o que para o economista Albano Martins é uma “medida inteligente”. “O Governo Central está a tentar obter fundos através de Macau, porque sabe que Macau é uma zona onde há excedentes”, justificou o economista ao HM.

De acordo com o comunicado emitido ontem pelo Gabinete do Porta-voz do Governo, a medida permite “maior desenvolvimento das actividades financeiras com características próprias, bem como a promoção da diversificação adequada da economia de Macau”. A este respeito, Albano Martins considera antes que é mais uma alternativa dentro do mercado de investimento local.

“Não se pode dizer que seja uma diversificação da economia, mas uma alternativa de financiamento numa altura em que as taxas de juro são relativamente baixas”, como tal, “é um aliciante para quem quer colocar as suas poupanças no Estado chinês, porque dá garantias de cumprir as suas obrigações em relação aos pagamentos à data de vencimento”.

Por outro lado, para Albano Martins o valor de dois mil milhões de renminbi não é “nada de especial”, mas o mais importante, acrescentou, é que “o mercado de Macau passa a ter uma nova forma de aplicação dos seus dinheiros que não são apenas os depósitos bancários, o investimento imobiliário ou o investimento noutro tipo de activos reais”. O argumento do economista é também defendido oficialmente: “A emissão de títulos em renminbi fortalecerá ainda a cooperação financeira entre a China interior e Macau, fornecendo, aos investidores, maiores escolhas de investimentos seguros e prudentes”, lê-se na nota do Gabinete.

Mais responsabilidades

Inegável, é o passo para a internacionalização da moeda chinesa através da emissão de dívida pública em Macau, que traz consigo também novas responsabilidades para o Governo Central, nomeadamente no que toca a garantias para a estabilização da moeda, condição fundamental para não desiludir os investidores. “É um activo em renminbi, mas é preciso que haja alguma garantia para que no final deste percurso, ou seja, no final do vencimento, a moeda não valha menos, porque caso contrário é uma aposta que vai criar muitos danos colaterais a quem for investidor”, disse o economista.

Neste sentido, “quando se quer internacionalizar uma moeda o mais importante é a estabilidade da própria moeda”. Em causa está o facto de o renminbi ser uma moeda controlada administrativamente pelo Governo Central, não tendo uma cotação livre no mercado, “como têm as outras que também estão sujeitas a especulação, claro, mas e quando isso acontece os bancos centrais são chamados a colocar a situação na ordem, sendo que o que conta é o jogo entre a oferta e a procura”.

Apesar do renminbi ainda não estar de acordo com as normas dos mercados internacionais, pode apresentar garantias dependendo isso do próprio Governo Central. “Tudo bem desde que não faça esse controlo de forma a que venha a provocar lesões gravíssimas em quem investir na sua moeda”, disse.

Para o efeito, a China “tem de ter uma consciência mais refinada em termos de economia de mercado e não pode manipular as taxas de câmbio apenas porque quer exportar mais ou porque quer fazer com que a sua economia seja mais competitiva”.

No caminho da internacionalização da moeda, a China “pode e deve ser uma alternativa aos Estados Unidos da América, ou pelo menos ser mais uma alternativa ao euro e ao dólar americano, mas é preciso cumprir regras e uma das regras é garantir a estabilidade da evolução da taxa de cambio da sua própria moeda”, reforçou.

Já para o deputado Ip Sio Kai, com ligações à banca, o renminbi é uma moeda “mais razoável” para os investimentos no mercado internacional o que vai atrair a participação do investimento no mercado de títulos por parte dos residentes. Por outro lado, o deputado considera que se trata de uma iniciativa capaz de “ajudar muito nas negociações com os países de língua portuguesa”.

26 Jun 2019

Juventude | Nova política pode incluir Grande Baía, amor à pátria e história chinesa

A preparação dos jovens para o amor à pátria, o ensino de história chinesa e o fornecimento de instrumentos que permitam aos alunos das escolas locais uma melhor integração dentro do projecto da Grande Baía podem vir a fazer parte da nova política da juventude de Macau

 
[dropcap]O[/dropcap] programa da Política de Juventude de Macau, implementado em 2013, vai ser alvo de revisão no próximo ano e pode vir a ter mais áreas de actividade, além das actuais quatro. De acordo com o Conselho da Juventude da Direcção de Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) pode revelar-se necessária a preparação dos jovens para a sua integração dentro do projecto de cooperação inter-regional da Grande Baía, a educação para o amor à Pátria e uma maior aposta no ensino de história da China. A ideia foi deixada ontem pela chefe funcional do departamento da juventude da DSEJ, Io Iok Fong, em conferência de imprensa no final de reunião plenária do Conselho da Juventude. “Na próxima ronda de avaliação vamos rever os aspectos de destaque. Neste momento só há quatro situações e devemos abrir a estes elementos, mas podemos abrir a mais”, disse a responsável.

Actualmente as áreas de destaque da política de juventude, definidas em 2013, são a participação social, a saúde mental e psicológica, a promoção de um ambiente harmonioso e a ascensão profissional, acrescentou chefe do departamento de juventude, Cheong Man Fai.

Entretanto, uma das preocupações da DESJ tem que ver com o papel da internet na formação e valores dos jovens locais, e as medidas a tomar neste sentido são ainda indefinidas. “A internet está cada vez mais enraizada na criação dos valores dos jovens pelo que temos que pensar no que fazer para que não se desviem”, disse. “Mas não podemos fazer muito porque a internet é um meio importante para a ligação internacional”, acrescentou Cheong Man Fai. Resta à DSEJ trabalhar “como pode no cultivo do juízo e raciocínio correctos dos jovens”.

Estudos e especialistas

O actual programa está em acção desde 2013 e termina em 2020 altura em que será apresentada uma nova política de juventude para Macau num projecto com a duração de dez anos.

Antes de avançar com o novo programa, a DSEJ vai em primeiro lugar fazer uma avaliação final do actual, à qual se segue a elaboração das novas linhas de acção tendo em conta as necessidades de ensino e preparação dos jovens locais.

Para já, o organismo está em fase de reunir uma equipa de especialistas capazes de fazer a referida avaliação. O objectivo do Conselho da Juventude é conseguir juntar investigadores que conheçam “bem a realidade de Macau e dos jovens”. Para o efeito a DSEJ está a contactar as instituições de ensino superior “para ver se têm professores e investigadores que possam trabalhar nesta equipa”.

Recorde-se que na avaliação intercalar da política de juventude, a pesquisa foi levada a Cabo pela Universidade Sun Iat Sen, de Guangdong.

A equipa deverá estar pronta “no segundo semestre deste ano, este mês ou no próximo”. Seguem-se os trabalhos de elaboração do novo plano e “para isso vamos recolher opiniões por parte do grupo interdepartamental, do sector educativo e de outros sectores de relevo”, ao que se segue a consulta pública.

Relativamente à taxa de execução da actual política de juventude, foram levadas a cabo 270 actividades, sendo que 90 por cento já estão concluídas. O documento inicial previa a realização de 20 projectos, envolvendo cerca de 60 conteúdos de trabalho.

25 Jun 2019