David Gonçalves, presidente da Associação para a Cooperação Científica: “Futuro da ciência em Macau é risonho”

Criada o ano passado, a Macao Association for Scientific Cooperation between China and Portuguese Speaking Countries (ASCMAC) pretende dar a conhecer projectos de investigação desenvolvidos nas universidades destes territórios, em áreas como o mar ou a nanotecnologia, entre outros. O académico da USJ David Gonçalves, presidente da associação, acredita que a investigação científica em Macau está no bom caminho para crescer ainda mais

 

A primeira assembleia-geral da ASCMAC foi em Abril. Porquê a criação desta entidade?

Esta associação surgiu da vontade de investigadores que trabalham em várias universidades do território, que acharam que fazia falta uma entidade que pudesse agregar e trazer maior visibilidade aos projectos de cooperação na área científica entre os países de língua portuguesa e a China, que passassem através de Macau. Quem trabalha nas universidades sente que há muita coisa a acontecer, projectos de colaboração em muitas áreas científicas, desde as humanidades, ciências sociais e áreas mais tecnológicas, mas que depois acabam por não ter visibilidade. Esse é um dos objectivos da associação.

Pode dar exemplos de projectos em curso?

Temos projectos na área do mar, que tem muito interesse para os países de língua portuguesa e para a China. Temos alguns que foram desenvolvidos por investigadores de Macau e universidades que estudam o mar na China e também em Portugal. Temos um estudo de poluentes marinhos e microplásticos, por exemplo. E é este tipo de projectos aos quais queremos dar mais visibilidade. Mas temos exemplos na área da robótica, electrónica, nanotecnologia.

Além da visibilidade, quais são os restantes objectivos?

Termos meios para desenvolver actividades de cooperação entre os países de língua portuguesa e a China que passem através de Macau, para que a associação seja, também ela, dinamizadora dessas acções de cooperação. Às vezes existem dificuldades em colocar os dois lados a falar um com o outro, ou colocar investigadores de Macau e da China em contacto com interlocutores dos países de língua portuguesa e vice-versa. Muitas vezes existem barreiras linguísticas e os canais de comunicação não estão abertos. Sendo nós investigadores localizados em Macau, que desde sempre foi uma plataforma preferencial para esta colaboração entre pessoas, achámos que estávamos bem posicionados para facilitar canais de comunicação.

Quais são os planos que pretendem desenvolver para já?

Termos pontos de contacto nos vários países que fazem parte do universo lusófono, em Macau e na China, de forma a que quem esteja à procura de colaboração e de colaboradores numa determinada área científica possa colocar essas questões à nossa associação. Queremos ser agentes facilitadores de investigadores dentro deste leque alargado. O facto de termos esta área alargada é uma das vantagens na colaboração da China com os países de língua portuguesa na área científica. Isso permite a realização de projectos com grande cobertura geográfica, mesmo ao nível das ciências sociais e questões interculturais. Estas são áreas em que estes dois mundos são muito fortes e que têm muito para oferecer à ciência.

É fácil juntar meios académicos diferentes? As universidades de alguns países de língua portuguesa podem não estar tão desenvolvidas, por exemplo, em comparação com o ensino superior deste lado do mundo.

Penso que é fácil. Um dos objetivos da colaboração científica internacional deve passar por desenvolver mais, e mais depressa, a ciência onde ela está menos desenvolvida, e continuar a desenvolver a ciência onde ela está mais desenvolvida. Estes projectos de cooperação podem ser extremamente eficientes a promover a transferência de conhecimento e de tecnologias de uns países para outros de maneira a acelerar o nivelamento da capacitação científica, que eu acho ser positivo para todos.

O papel de Macau enquanto plataforma é um dos desígnios que faz parte do léxico político local e nacional. Acha que a associação pode colmatar a falta de cooperação entre universidades na resposta a este desígnio?

A associação não é uma entidade de universidades, mas de investigadores que pertencem a diversas universidades. Isso que pergunta está além da nossa ambição. Obviamente que é uma associação muito jovem, e se o seu desenvolvimento for significativo poderá vir a agregar universidades de vários pontos do mundo. Essa agregação pode começar a definir estratégias que juntem mais o ensino superior nos dois universos. Mas esse não é o nosso foco.

Essa união do ensino superior em Macau tem de existir para responder aos desafios impostos pela cooperação regional, com projectos como a Grande Baía ou a Ilha de Hengqin?

O ensino superior tem funcionado de uma forma relativamente eficiente tendo em conta o desenvolvimento dos países. Portanto, se por um lado é bom haver estratégias comuns entre as várias instituições de ensino superior, para que caminhem num determinado sentido, por outro lado também é bom haver diversidade e até competição entre essas várias instituições, porque isso também acelera o próprio desenvolvimento. É preciso um pouco das duas coisas. Mas parece-me que, num mundo cada vez mais globalizado, as instituições de Macau têm a ganhar em desenvolver mais e mais parcerias com instituições de outros lados do mundo. Nesse aspecto, sendo instituições em Macau, estão bem posicionadas para servirem de ponte entre a China e os países de língua portuguesa. Há bons exemplos, mas poderiam ser em maior número, sobretudo no que diz respeito à criação de programas de ensino ao nível dos doutoramentos e mestrados que possam ser realizados a três mãos. Isso ainda oferece algumas dificuldades, por questões burocráticas essencialmente. Esse é o caminho que se tem de fazer e que tem de ser acelerado se as universidades do território não querem ficar de fora do que é um padrão que está a acontecer em todo o mundo.

Considera que a investigação em Macau está no caminho para se tornar referência a nível mundial?

Se olharmos para os indicadores de produtividade científica de Macau, sem dúvida que temos assistido a um crescimento exponencial em termos de publicações. Macau tem, de facto, crescido muito nas últimas décadas e isso reflecte um investimento público do Governo, mas também alguns investimentos de instituições privadas. Macau está no bom caminho. Ultimamente assistiu-se a uma maior pressão para financiar mais projectos de transferência tecnológica do que projectos de investigação científica de base, digamos assim. Neste momento, está a haver alguma transformação do tipo de investigação desenvolvida em Macau. Ainda é um pouco incerto qual vai ser o resultado dessa alteração de política governamental. A integração na Grande Baía pode ser bastante estimulante para desenvolver ainda mais a investigação que se faz no território. Macau não está, nem de perto nem de longe, numa posição de ser uma referência mundial em nenhuma área científica, mas está bem posicionada para poder vir a ser. É preciso uma constância no investimento e não haver demasiadas inflexões nas estratégias seguidas, porque se não perde-se o desenvolvimento feito em décadas.

Porque é que Macau está ainda nesse patamar, apesar de existirem recursos financeiros no ensino superior?

O ensino superior em Macau é muito jovem, e o investimento em ciência e o surgimento de uma instituição financiadora é algo muito recente se compararmos com outras regiões do mundo. Macau tem feito um percurso bastante positivo no curto espaço de tempo que tem de desenvolvimento científico. Diria que os indicadores mostram um crescimento muito rápido e exponencial da ciência no território. Seria difícil Macau estar noutra posição tendo começado tão tarde.

A investigação que se faz tem credibilidade?

Quando olhamos para os indicadores verificamos que temos cada vez mais publicações em revistas de referência a saírem dos laboratórios de Macau. Esse é um bom indicador de que a ciência que se está a fazer no território é cada vez melhor, de melhor qualidade e também em maior quantidade. É um caminho que tem tudo para ser consolidado agora com estas novas mudanças da gestão da Ilha da Montanha e da abertura à Grande Baía. O futuro da ciência em Macau é risonho, não tenho dúvidas.

Que actividades estão a ser ponderadas para o futuro?

O que está na calha, no imediato, é a organização da primeira conferência que junte todos os investigadores que têm projectos em colaboração com a China e países de língua portuguesa e que os apresentem. Não temos ainda uma data, mas será para final deste ano início do ano que vem. Com essa conferência queremos dar a tal viabilidade aos projectos, de modo a que qualquer pessoa possa perceber o que se está a fazer em termos de investigação científica. Mas também queremos dinamizar novos projectos.

21 Out 2021

Agressão | Deputados exigem explicações sobre saída de doente do São Januário 

Uma mulher agredida num supermercado terá “sido obrigada” a deixar o Centro Hospitalar Conde de São Januário por ordem de um homem que disse ser médico, mas que a família diz não saber quem é. A mulher foi posteriormente internada no hospital Kiang Wu. Os deputados José Pereira Coutinho e Che Sai Wang exigem explicações dos Serviços de Saúde

 

Os deputados José Pereira Coutinho e Che Sai Wang exigem explicações dos Serviços de Saúde de Macau (SSM) sobre o caso de uma mulher, funcionária num supermercado da cadeia Tai Fung, e agredida por dois clientes no passado dia 10, que terá sido “obrigada” a deixar o Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ) no dia 14, sem que a família tenha sido notificada da alta. Além disso, a família queixa-se que um homem, vestido com uma bata branca e que disse ser médico, mas que não apresentou qualquer identificação, terá acompanhado a doente no processo de saída.

O caso foi ontem denunciado pelos deputados José Pereira Coutinho e Che Sai Wang, que exigem explicações dos SSM. “Acho uma situação bastante estranha que merece explicações por parte do director dos SSM [Alvin Lo] e da secretária [para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U], que tutela os SSM”, disse Pereira Coutinho.

O marido da mulher agredida, de apelido Leong, adiantou aos jornalistas que o homem em causa “disse que era médico”. “Quando fui ao hospital e vi que a minha esposa ia sair, confrontei esta pessoa, pois também não sabia quem era”, frisou Leong, que disse não ter nenhum documento comprovativo da alta da esposa.

Depois de deixar o CHCSJ, já em casa, a mulher sentiu tonturas e contactou o patrão, senhor Wong, sobre como deveria proceder. Este aconselhou-a a dirigir-se ao hospital Kiang Wu e garantiu que pagava todas as despesas médicas. “Ela ficou ferida em contexto de trabalho e fazemos todos os esforços para a apoiar. Quando ela foi dispensada pelo CHCSJ, o marido ligou-me e eu disse para irem ao Kiang Wu”, adiantou.

Em observação

Pereira Coutinho assegura que a direcção do CHCSJ “nunca telefonou ao marido ou a qualquer membro da família para a irem buscar ao hospital”. “Ela estava com ferimentos, e continua com eles”, frisou o deputado.

A mulher tem hematomas e dores nas costas, tendo feito também três raio-x, dois no CHCSJ e um no Kiang Wu, onde permanece internada.

O deputado disse que a mulher “foi obrigada” a deixar o hospital público. “Achamos estranho que uma pessoa, que não sabemos quem é, sem acompanhamento dos médicos, tenha obrigado a senhora a sair do hospital. Exigimos que haja uma averiguação para saber quais as condições em que a senhora foi autorizada a deixar o hospital, e que sejam dadas explicações sobre este senhor, de bata branca, que não se identificou.”

O marido assegura que a esposa não estava em condições para ter alta, pois sentiu tonturas em casa. “Sabendo que esse caso teve um grande impacto social, devido aos vídeos que começaram a circular nos meios de comunicação social e nas redes sociais, porque é que não se chamou a família para explicar o estado clínico desta senhora antes de a mandar para casa?”, questiona Coutinho. O HM tentou obter uma reacção por parte dos SSM, mas até ao fecho desta edição não foi obtida resposta.

20 Out 2021

História | Carlos da Maia, o Governador que imaginou a San Ma Lou, morreu há 100 anos

Antes de Carlos da Maia a zona cristã da península de Macau não se misturava com a chinesa. Foi durante o seu mandato como Governador (1914-1916) que começou a construção da Avenida Almeida Ribeiro, entre outras obras importantes para o território, mas o seu Governo não esteve isento de críticas. Republicano convicto e maçom, acabaria assassinado em Lisboa a 19 de Outubro de 1921 naquela que ficaria para a história como a “Noite Sangrenta”

 

Faz hoje 100 anos que José Carlos da Maia, Governador de Macau entre 1914 e 1916, foi assassinado no episódio trágico da I República em Portugal que ficaria conhecido como a “Noite Sangrenta”. Mais do que um republicano convicto, com ligações à Maçonaria e ao pai da primeira República na China, Sun Yat-sen, José Carlos da Maia foi um governante que, em Macau, avançou com a construção de uma série de obras importantes para o território, uma delas a Avenida Almeida Ribeiro. A via estabeleceu, assim, a ligação entre a Praia Grande, onde funcionava o centro político e financeiro de Macau, e em que as elites portuguesa e macaense dominavam, com o Porto Interior, onde vivia a maior parte da comunidade chinesa.

Arnaldo Gonçalves, num artigo intitulado “A Primeira República, Macau e os Maçons”, escreve que este projecto de Carlos da Maia “uniu a cidade cristã e a cidade chinesa”, além de que o Governador “deixou, segundo vários repórteres, uma imagem de competência, rigor e dinâmica”.

Num texto publicado no HM em 2010, da autoria de Margarida Saraiva, e intitulado “Um Jovem Romântico, uma Nova Avenida e um Beco sem Saída”, o arquitecto Mário Duque falou da importância do projecto urbanístico, que foi concluído em 1918.

“Nesta avenida configurou-se o mesmo esquema urbanístico que muitas das cidades europeias adoptaram, não só por vias das profundas transformações que sofreram, para se adaptarem aos transportes mecânicos e a novos moldes da vida urbana. Neste contexto, conduziram-se os novos meios de locomoção aos centros das cidades, fazendo do local da “gare” a nova recepção da cidade e dotando esse local de hotéis ao novo estilo da vida, os “hotéis de gare” (que muitas vezes pertenciam à mesma empresa que explorava o meio de transporte).”

Mas o mandato de Carlos da Maia foi também importante pela introdução de uma série de novas obras, como recorda o jornalista e autor João Guedes no artigo “Atribulações de um republicano português na República da China (1914-16). Foi neste período que Macau e as ilhas ficaram ligadas pelo primeiro sistema de comunicações através da telegrafia sem fios, foi criada a inspecção de incêndios e implementada a construção de um sistema de escolas primárias. Na área da saúde foi construída a leprosaria na antiga ilha de D. João, além de ter passado a ser atribuído um subsídios aos três principais hospitais do território, Kiang Wu, S. Rafael e S. Januário.

As críticas

Mas a visão de José Carlos da Maia nem sempre foi fácil de implementar e não esteve isenta de críticas. João Guedes destaca, no mesmo artigo, que “a par dos sucessos que a história lhe reconhece, Carlos da Maia também conheceu o fracasso em dois pontos importantes do seu mandato”. Um deles foi “a tentativa de levar a cabo e concluir as obras de regularização do Porto Interior”, enquanto que o outro foi “a implementação uma Carta Orgânica de Macau”.

Num artigo publicado na Revista Cultura do Instituto Cultural, intitulado “João Tamagnini de Sousa Barbosa e a Primeira República Portuguesa”, o investigador Fernando Mendonça Fava, da Universidade de Coimbra, aborda as críticas que se ouviam na Câmara do Parlamento, em Portugal, em 1916, e de como o macaense Tamagnini Barbosa sempre defendeu Carlos da Maia.

“Ainda quanto à actividade parlamentar de Tamagnini Barbosa, foi notável a empenhada defesa que fez, na arena parlamentar, do comandante Carlos da Maia, governador de Macau de 1914 e 1916. Este, um dos heróis da República, por actos de bravura cometidos durante a Revolução de 5 de Outubro de 1910, era agora acusado de, enquanto no exercício do cargo de governador de Macau, ter feito uma gestão danosa dos negócios e interesses do território.”

As críticas versavam sobre “um conjunto vasto de assuntos respeitantes à administração de Carlos da Maia” e uma delas prendia-se com o facto de existir “um projecto de obras aprovado superiormente pelo Ministério das Colónias, no qual se recomendava a empreitada geral como método de execução mais rápido, mais económico e mais eficiente”. Alegadamente, “o governador Maia acabara por ignorar a recomendação e por fazer as referidas obras por administração directa, contra a indicação de opiniões mais autorizadas e com prejuízo para a Fazenda Nacional”.

No entanto, conforme recorda Fernando Mendonça Fava, a intervenção de Tamagnini Barbosa “esvaziou de sentido e conteúdo muitas dessas acusações”.

A veia republicana

O período em que José Carlos da Maia governou Macau ficou marcado por grandes tensões políticas. Do lado da metrópole caía a Monarquia e instaurava-se a República, a 5 de Outubro de 1910. No ano seguinte, seria também instaurada a República na China, atribuindo indirectamente o papel de abrigo a Macau com muitos refugiados chineses que queriam escapar ao novo regime. Carlos da Maia nunca se opôs a esta vaga de refugiados. Ao mesmo tempo vivia-se o período da I Guerra Mundial (1914-1918).

Nascido na cidade algarvia de Olhão, em 1878, José Carlos da Maia foi oficial da Marinha de Guerra Portuguesa. “Na panóplia dos militares republicanos, Carlos da Maia era sem dúvida o segundo dos seus mais prestigiados líderes, quase a par de Machado Santos”, descreve João Guedes.

Antes da sua partida para Macau, Carlos da Maia foi deputado à Assembleia Constituinte de 1911 e à Câmara de Deputados do Congresso da República. Já depois de deixar o cargo de Governador, Carlos da Maia foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa, de Janeiro a Março de 1918, e Ministro da Marinha durante três meses e meio em 1918.

Os primeiros anos da República portuguesa foram marcados por intensa instabilidade política, social e económica, não só devido à participação de Portugal na I Guerra, mas também por questões intrínsecas ao novo regime político.

Morte em Lisboa

A revolta radical conhecida como “Noite Sangrenta” levaria à morte não apenas Carlos da Maia mas também outros republicanos, como António Granjo, então primeiro-ministro demissionário, Machado Santos, considerado o “fundador” da República, o chefe de gabinete do ministro da Marinha, um ex-colaborador de Sidónio Pais e um motorista.

Num artigo sobre o centenário da efeméride, publicado no jornal Público, e intitulado “A Noite Sangrenta. Como há cem anos a República se suicidou”, David Pontes escreve que circulou nas ruas de Lisboa a chamada “camioneta-fantasma” que transportou o grupo de revoltosos comandados por Abel Olímpio, um cabo da Marinha, também conhecido como “O Dente de Ouro”, bem como soldados da GNR e outros voluntários.

A “camioneta-fantasma” chegou à casa de José Carlos da Maia e foi Abel Olímpio que terá usado o argumento de que Carlos da Maia “era responsável por marinheiros terem sido ‘deportados para África’ no período de Sidónio Pais”, lê-se no artigo. Levado na camioneta, Carlos da Maia seria assassinado pouco tempo depois.

Após a morte do marido, Berta Maia ainda tentou perceber as verdadeiras razões que conduziram ao assassinato, mas em vão. A viúva ainda perseguiu “a pista da conspiração monárquica”, mas, “aos poucos, o assunto foi sendo esquecido, mesmo quando, em 1926, novos dados indiciavam a existência de ‘mandantes políticos’”, descreve o historiador Luís Farinha ao Público.

O episódio da “Noite Sangrenta” foi uma revolta radical movida por interesses políticos e tensões governativas, que “matou a I República, por mais tentativas de reorganização à direita e à esquerda que se sucedessem; foi uma sombra sobre os últimos cinco anos da I República; a ideia de que o país é ingovernável”, concluiu Luís Farinha à mesma publicação.

19 Out 2021

José Luís Peixoto, escritor: “Cada livro é um degrau para os próximos”

O mais recente romance de José Luís Peixoto, “Almoço de Domingo”, à venda em Macau, tem como figura central Rui Nabeiro, o pai dos cafés Delta. Apresentado no fim-de-semana passado no FOLIO – Festival Internacional de Literatura de Óbidos, Portugal, o romance foi construído a partir de entrevistas com Rui Nabeiro e representa o interesse do escritor em explorar a fronteira “dúbia” entre ficção e realidade

 

Há pouco, na sessão de autógrafos, falava com uma leitora sobre o livro “Uma Casa na Escuridão”, que já faz 20 anos. Esperava ter chegado até aqui?

Sempre tive essa esperança. Ainda assim, nunca foi muito garantido. É por isso que hoje, quando constato que, passados 20 anos, ainda aqui estou, a publicar livros num caminho sempre ascendente, com cada vez mais leitores e mais reconhecimento, é muito gratificante. Dá-me também muito entusiasmo para o que aí vem, porque na escrita olhamos sempre para o futuro, a trabalhar em algo que está por vir.

Isso passa por uma evolução como escritor, na forma de escrita? Já se aventurou pela poesia e pela literatura de viagens com o livro sobre a Coreia do Norte. Pretende agora trazer algo de novo?

Às vezes tenho a sensação de que cada livro é como um degrau que depois me leva aos próximos. Na verdade, quando olho para cada livro que escrevo, como é o caso deste último, [Almoço de Domingo], tenho sempre a sensação de olhar para os anteriores e de encontrar neles o que me levou a escrever esse livro. Neste momento, estou num ponto em que tem sido muito interessante para mim trabalhar a fronteira muito dúbia entre a ficção e o factual.

E a não ficção.

Entre a ficção e o que é o histórico, de certa forma. Tenho vindo a tratar disso noutros livros com relações autobiográficas assumidas, como no caso do livro da Coreia do Norte ou no “Caminho Imperfeito”, que fala da Tailândia e que também tem essa dimensão de não ficção. Também já inclui figuras e pessoas conhecidas que todos sabemos que existem ou que existiram, como é o caso de José Saramago no romance “Autobiografia” ou de Rui Nabeiro neste último livro. Tem sido muito interessante, porque passear nessa fronteira assenta um pouco quase neste mal-entendido, que existe desde há séculos, sobre o que é real e não é, o que é verdade e não é. Muitas vezes são colocadas essas questões assentando-as no debate ficcional e autobiográfico quando, de facto, esta questão não se prende com esses temas, porque existe uma verdade na ficção também. Ainda assim, é um tema que recorrentemente é trazido e que hoje em dia se encontra muito em múltiplos aspectos da nossa sociedade. Lembro-me dos reality shows, por exemplo.

Uma realidade um bocado construída.

Sim, um bocado fabricada. Acho interessante reflectir sobre isso, porque as ficções, na vida, são muitas, e de vários tipos. É muito comum, no nosso dia-a-dia, darmos por ficcionais coisas que têm uma dimensão biográfica importante, e darmos como concretas coisas que são muito trabalhadas ficcionalmente.

No caso de “Almoço de Domingo”, o que é real e ficcional na “personagem” de Rui Nabeiro?

É muito curioso porque, sendo o Rui Nabeiro uma pessoa tão concreta, presente, puxa-nos logo para essa dimensão do quotidiano, do real. Mas, por outro lado, neste livro vemos que ele está dividido em três partes que correspondem a três dias concretos, que são 26, 27 e 28 de Março de 2021. O livro chegou às livrarias antes dessas datas, então claro que tudo o que aconteceu foi ficcionado. Mas quando construí esses episódios tive em consideração os hábitos e as características do Rui Nabeiro. Mas é uma construção. O mesmo acontece, talvez de uma forma mais subtil, em relação aos acontecimentos do passado. Esses detalhes parecem insignificantes, mas são eles que constituem a experiência de estar e de ser. Este livro é, na sua essência, um texto de ficção. Para mim é muito interessante todos os vínculos que ele estabelece com o real, por muito que isso depois acrescenta à própria leitura e identidade do texto, até sob ponto de vista prático. O facto de o próprio Rui Nabeiro sentir que a sua história é contada ali, acho fascinante.

Ele transmitiu-lhe isso?

Recebi essa informação sempre um bocadinho indirectamente. Sempre que lhe fiz essa pergunta directamente ele escapou. Ele nunca foi muito objectivo, mas ouvi ele responder a essa pergunta a várias pessoas e a dizer que estava contente. E isso para mim é suficiente.

Fizeram várias entrevistas.

Sim, tivemos conversas em que eu chegava com as minhas questões e temas preparados, e normalmente falava sobre assuntos sobre os quais tinha mais dúvidas e sobre detalhes. São eles que dão vida às descrições e precisava muitas vezes que ele me desses detalhes. Mas em alguns momentos a minha memória e as minhas referências também foram muito úteis. Descrever, por exemplo, a pequena mercearia que a mãe do Rui Nabeiro tinha quando ele era criança contou muito com as memórias que tinhas das mercearias na minha aldeia.

“Almoço de Domingo” remete para quê?

Para já, “Almoço de Domingo” tem a ver com um momento importante do romance que é, na verdade, o coração do livro, em que existe um cruzamento de vários momentos da vida de Rui Nabeiro e daquela família, as gerações do passado e do presente, e até do futuro. A minha ideia era que esse título exprimisse imediatamente a ideia de família, porque esse é um aspecto muitíssimo importante na vida do Rui Nabeiro, o seu projecto e na forma como ele estruturou toda a sua vida. Ao mesmo tempo, como patriarca, é uma figura que está num ponto em que olha para um lado e vê uma quantidade de gerações do passado que ele testemunhou, e olha para outro e vê as gerações do presente e do futuro que não conheceram essa realidade, e ele é a única ponte entre os dois.

Escreveu o romance “Galveias”, uma aldeia no Alentejo de onde é natural, e este último romance é sobre Rui Nabeiro, uma figura também da região. Este é um livro que faz uma nova homenagem ao Alentejo?

Escrever sobre aquele Alentejo foi uma grande oportunidade que este livro em proporcionou. Porque tem muitas realidades. No caso de Campo Maior é impossível contar a história daquele lugar ignorando a fronteira. É marcante a todos os níveis. Tinha alguns ecos da fronteira quando era criança, chegava ali a televisão espanhola, mas não se compara com essa vida [do tempo de Rui Nabeiro]. Foi interessante acrescentar esse Alentejo ao que eu já escrevi. Vem na sequência do meu interesse por ir alargando o meu retrato desta região. No caso do livro “Galveias”, falando especificamente de espaços, acaba por se encontrar uma forma de ser bastante genérica também. Uma das coisas mais engraçadas, e que me acontece muito, é quando encontro pessoas que me dizem “a minha Galveias chama-se tal”. Galveias passa a ser um exemplo, uma referência. E o Rui Nabeiro tem os seus elementos concretos, mas pode ser a referência de um homem, daquela idade, numa outra região.

19 Out 2021

Novo livro de Maria Helena do Carmo conta a vida de Pedro Gastão Mesnier, secretário do Governador Visconde de São Januário

Se dominasse a língua chinesa, Maria Helena do Carmo escreveria sobre Deng Xiaoping, que segundo a sua óptica mudou a China para sempre. Por enquanto, é sobre a história de Macau que se debruça. O seu mais recente livro, “Macau no tempo áureo do comércio”, conta a história de Pedro Gastão Mesnier, secretário do Governador Correia de Almeida, Visconde de São Januário, e do fim do comércio de cules

 

Como chegou a Pedro Gastão Mesnier, uma figura histórica ligada a Macau e que é quase desconhecida?

Eu também a desconhecia, até que António Aresta escreveu sobre o Pedro Gastão Mesnier e finaliza com a frase “quem sabe se um dia Maria Helena do Carmo não faz daqui um romance”. Fiquei intrigada. Foi um desafio, um estímulo ele escrever isso. Fui verificar quem era o sujeito e vi que tinha morrido muito novo, com 37 anos. Questionei-me como alguém que morreu tão novo se tornou numa figura tão importante. Investiguei em Macau e na Biblioteca Nacional em Portugal coisas que escreveu. Durante a pandemia tive a sorte de encontrar online os boletins da província de Macau e Timor nos anos em que Pedro Gastão Mesnier lá esteve. Ele era um dos escritores dos boletins. Consegui saber o que ele fez na Índia. Soube da história anterior, da ida para Londres aos 17 anos, e que já estudava línguas orientais ainda em miúdo. Tive acesso a extractos da sua vida, porque ele escreveu nesses boletins sobre a viagem que fez com o então vice-rei da Índia, que depois foi Governador de Macau, Januário Correia de Almeida, Visconde de São Januário. Deram uma volta pela Índia e depois encontrei testemunhos sobre tudo o que se passou em Macau. Achei extraordinário, um homem que conviveu com o príncipe da Rússia, futuro Czar, com o rei do Sião. Mas houve outro aspecto que me intrigou bastante.

Qual foi?

Estudei a história de Macau desde os seus primórdios e sempre achei que Macau era uma cidade muito pobre, mesmo já tendo entrado no negócio do ópio.

Falamos de que data?

Até ao século XVII Macau não estava muito mal porque havia negócios de Goa para o Japão. A partir de 1640 tudo se transformou, deixámos de ter Malaca e em Macau começa a sentir-se um certo empobrecimento. A minha tese foi sobre a primeira metade do século XVIII, sobre a pobreza que se prolongou até à segunda metade do mesmo século. E estranhei que no século XIX tenha surgido imensa riqueza.

Deu-se então o “tempo áureo do comércio”, que dá nome ao livro.

Exacto. Os chineses que levavam uma vida muito humilde, mas alguns construíram palacetes, e isso intrigou-me. Dei então com o comércio dos cules, que já tinha começado em Amoy, com uma firma francesa, que, entretanto, foi seguido por outros portos, inclusivamente por Hong Kong. Mas foi sendo proibido o comércio por outros portos, devido aos tratados de comércio assinados com a China. Só Macau não concluiu o tratado.

Não foi ratificado.

Sim. E assim aproveitaram Macau para ter uma porta de escoamento dos cules. Eram feitos contratos por oito anos, e claro que os chineses estavam interessados em sair [do país], porque no tempo dos imperadores pagavam muitos impostos e eram extremamente pobres. Como acabou a escravatura, a necessidade de mão-de-obra levou os franceses a buscarem trabalhadores [chineses] com contrato de trabalho. No início não havia problemas, mas depois quando virou negócio encontrámos uma série de chineses a aliciarem outros, porque ganhavam com isso.

Gerou-se um caso diplomático e de violação de direitos humanos.

Macau era o único porto onde continuava esse comércio e aquilo começou a ser abusivo. Havia macaenses e chineses envolvidos no negócio, donos de embarcações e com armazéns. Nessa altura, os pobres lavradores [chineses] já iam para as Américas, Cuba, África, sobretudo América Central, para os caminhos-de-ferro na Califórnia. Era mão-de-obra barata. E depois começa um comércio de quase escravatura, porque quem os recebia ficava com as suas cédulas e não os deixavam ir embora.

Qual o papel do Visconde de São Januário para travar este comércio, já na qualidade de Governador?

Teve de facto atitudes muito correctas, mas não foi o primeiro a tentar formas disciplinadas de negócio. O Visconde da Praia Grande foi talvez o primeiro. Mas o Visconde de São Januário conseguiu terminar com o negócio dos cules.

Mas quem teve a mão mais forte para a proibição deste comércio? Foi o Governador de Macau ou o ministro da metrópole, à época, Andrade Corvo?

Tenho a impressão de que os ministros aqui em Portugal não tinham muito a ideia do que se passava noutros locais. Não estavam presentes e sabiam apenas o que lhes era contado. É natural que tenha sido o Visconde de São Januário, através do correio diplomático, que tenha levado à decisão de Andrade Corvo.

O comércio dos cules era uma pedra no sapato nas relações entre Portugal e a China?

Era, apesar de o Visconde de São Januário já acordado verbalmente em 1872… e penso que o Pedro Gastão Mesnier também teve um papel importantíssimo porque investigou muita coisa e foi emissário do Visconde de São Januário a Cantão, com outros sinólogos. Fez um trabalho de investigação muito importante sobre o que se estava a passar. E era ele que informava o Governador.

O que mais a surpreendeu na figura de Pedro Gastão Mesnier?

O facto de ser um aventureiro, de ser extremamente inteligente. Nunca concluiu um curso, mas esteve cinco anos em Coimbra. Devia ser uma daquelas pessoas que queria saber tudo. Ele retornou a Coimbra [depois de sair do Oriente] para ir novamente com o Visconde de São Januário para as Américas, largou de novo a sua licenciatura. Mas era um escritor admirável. Os extractos que encontrei sobre o tufão [um dos maiores que assolou Macau] mostra como era admirável na sua escrita. Admiro as pessoas cultas e ele era muito culto. Algumas coisas inventei, como o amor que teve [no Japão]. Mas há um enredo amoroso verdadeiro.

O romance macaense?

Sim, o do barão que se apaixonou pela cunhada e teve uma filha com ela. O nome dela está registado nas Famílias Macaenses. A filha ficaria em Hong Kong órfã, porque os pais morreram cedo, quando tinha 13 anos. E era ilegítima, o que naquela época era igual a ser renegada. Falo da Madre Teresina, que no livro é Teresa de Trento, e coloco-a a falar com a amante do barão. Há uma rua em Macau com o nome Madre Teresina.

O livro acaba por abordar também como era a comunidade macaense na época, mais conservadora.

Exacto, e logo pelo facto de serem cristãos. Tinham posições elevadas, porque os macaenses eram os únicos intérpretes dos europeus e nasceram na terra, dominavam o terreno. E a maioria dos macaenses eram ricos. Na altura, muitos chineses preferiam pertencer a Macau e serem considerados macaenses, dava um certo estatuto. Mas claro que a China mudou imenso desde então. Admiro imenso Deng Xiaoping. Se tivesse capacidade para ter acesso a fontes chinesas, se soubesse traduzir, era para mim um homem excepcional [para escrever sobre].

Fala de um romance?

Não, uma biografia. Eu vou muito para o real.

Escrever sobre Macau e a sua história continua a ser um desafio? Ainda existem muitos temas por explorar?

De facto, existem. Não sei se vou continuar devido a vários factores. O primeiro tem a ver com a minha idade, a visão, a saúde. Tenho também de encontrar um tema muito apaixonante que consiga investigar.

18 Out 2021

FOLIO | Exposição de Rosa Coutinho Cabral e Carlos Morais José em Óbidos

“Visto com os pés, escrito com os olhos” é o nome da exposição de rua que integra a edição deste ano do FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, e que conta com fotografias de Rosa Coutinho Cabral e textos de Carlos Morais José. As imagens foram capturadas na Rua Direita, em Óbidos, e remetem para outras perspectivas da realidade

 

Serão poucas as vezes que olhamos para baixo e encaramos as coisas sob a perspectiva dos nossos pés, ignorando o que os nossos olhos vêem. Foi com este pensamento que a realizadora e encenadora Rosa Coutinho Cabral fotografou pedaços da Rua Direita, em Óbidos, imagens que podem agora ser vistas na rua principal da histórica vila portuguesa, numa exposição que integra a edição deste ano do Festival Literário Internacional de Óbidos (FOLIO) ontem inaugurada.

Carlos Morais José, director do HM e escritor, é o autor dos textos que acompanham as imagens. “Os textos não são explicativos mas sim alusivos às imagens que a Rosa captou, acrescentam coisas que não estão nas imagens mas que se podem imaginar a partir delas ou que se podem ver num outro plano. Quer seja um plano do realmente visível, ou um plano simbólico e imaginário”, referiu ao HM.

As imagens foram captadas na última edição do FOLIO, conforme contou Rosa Coutinho Cabral ao HM. “Fiquei atraída pelas texturas quase pictóricas das paredes, os restos e as marcas dos equipamentos, como caixas de electricidade e bueiros, as faixas de azul anil e amarelo. São marcas que conferem à Rua Direita de Óbidos uma fisionomia particular mas que é praticamente invisível aos olhos, porque está ao nível dos pés.”

A cineasta e encenadora descreve que, nesta exposição, “como em tudo na arte, não há uma mensagem em particular”, mas sim “uma forma de abordar o real ou aquilo que nos rodeia”. “Eu tive essa vontade de, de certa maneira, tornar visível uma matéria que é bastante invisível”, apontou.

Esta mostra nasceu também graças ao apoio da editora portuguesa Ler Devagar. Foi a própria Rosa Coutinho Cabral que convidou Carlos Morais José para a elaboração dos textos, dando continuidade a uma colaboração antiga.

“Pareceu-me, quando estava a fotografar, que seria muito interessante ter temas que não coincidissem com o que se via, mas com o que não se vê ao nível dos olhos”, afirmou.

O lugar do outro

A edição deste ano do FOLIO tem como tema “O Outro” e esta mostra pretende, aliás, ser o reflexo de isso mesmo, criando outras perspectivas. Até porque, como escreve Carlos Morais José a propósito da mostra, “em cada lugar há uma outra imagem”.

“A ideia que ficou desta experiência de escrita e de fotografia é que, de alguma maneira, cada uma das imagens é um outro a partir do outro, são experiências de produção artística e literária. Não só aquilo que se vê a partir dos pés é uma outra forma de ver, é um outro olhar, e depois há uma parte invisível que vem das próprias palavras”, disse a autora das imagens.

Acima de tudo, Rosa Coutinho Cabral diz ter ficado “muito feliz” pela aceitação do projecto e pela oportunidade de colaborar novamente com Carlos Morais José. O autor do texto acaba por ser “a outra pessoa, neste caso o meu outro, nesta proposta de alteridade entre as imagens e as palavras”.

Para Carlos Morais José, é sobretudo “muito gratificante” o facto de esta mostra estar patente na rua e não num espaço expositivo fechado.

Óbidos e Pessanha

Muito mais do que abordar os inúmeros outros, esta exposição acaba por também estabelecer uma ligação com a relação que o poeta português Camilo Pessanha tem com a vila de Óbidos, onde viveu e trabalhou antes de ir para Macau, nos primórdios do século XX.

“A memória da sua passagem pela cidade ficou registada, entre outros documentos, no poema ‘Castelo d’Óbidos’, incluído [na obra] Clepsydra. Mais recentemente, o FOLIO convidou-me, enquanto escritor de Macau, para estar presente. Este ano a nossa relação continuou. Seria interessante manter esta ligação entre as duas cidades, os seus escritores e talvez entre os seus festivais literários”, adiantou Carlos Morais José. A mostra “Visto com os pés, escrito com os olhos” está patente até 24 de Outubro.

Portas abertas

O FOLIO começou ontem e promete dar ao público 11 dias de literatura, música e arte com a presença de 175 autores e escritores. Esta edição marca o regresso do FOLIO aos eventos presenciais depois da pandemia, com um programa que inclui 160 actividades e 16 mesas de autor e debates, além de outras iniciativas.

A título de exemplo, a conversa de ontem juntou autores como Leïla Slimani e Juan Gabriel Vasquez e foi o ponto de partida para as mesas por onde passarão Isabel Lucas, Itamar Vieira Júnior, Jeferson Tenório, Paulo Scott, Fernando Rosas, Lilia Schwarcz e Richard Zimler.

A escritora chinesa Jung Chang também estará presente, juntamente com autores como Mário Lúcio, Mário de Carvalho, Alberto Manguel, Pedro Mexia, Ricardo Araújo Pereira, Dulce Maria Cardoso, João Paulo Borges Coelho, Ana Margarida de Carvalho, Ana Luísa Amaral, Amália Bautista e Tatiana Levy, entre outros. O tema da edição deste ano é “O Outro”, com a inclusão de uma novidade: a banda desenhada. O programa celebra também a obra do escultor José Aurélio e os 50 anos da galeria Ogiva, em Óbidos, da qual foi fundador.

15 Out 2021

Deputadas pedem apoios económicos mais abrangentes 

Após o anúncio de novas medidas do Executivo para apoiar a população e o sector empresarial, que continua a sofrer com os efeitos da pandemia, várias deputadas defendem que os apoios devem ser mais abrangentes. Song Pek Kei defende, segundo o jornal Ou Mun, que o Governo deveria ter como referência o limite máximo de rendimentos familiares para a candidatura à habitação económica, para que os grupos mais vulneráveis possam receber apoios directos.

A deputada pede que o Governo implemente de novo as medidas da primeira ronda de apoios, incluindo a isenção de tarifas de água e luz por um período de três meses.

Já a deputada Lo Choi In, espera que seja lançada uma nova ronda do cartão de consumo com um valor de oito mil patacas para grupos mais vulneráveis, desempregados e recém-licenciados.

Para a deputada de Jiangmen, o Executivo de Ho Iat Seng deveria criar um subsídio com um montante máximo de cinco mil patacas para as pequenas e médias empresas (PME) poderem contratar desempregados.

Lista de queixas

A deputada Ella Lei considera que o Governo deveria considerar implementar uma nova ronda do cartão de consumo, tendo referido o encontro de terça-feira com o Chefe do Executivo. Ho Iat Seng disse que as três rondas do programa de cartão de consumo acabaram por ajudar financeiramente as PME em 68 por cento.

Em declarações ao Jornal do Cidadão, Ella Lei disse ter recebido muitas queixas de proprietários de salões de beleza, centros de explicações e espaços culturais, uma vez que desejam ter mais detalhes sobre os critérios adoptados pelo Governo para encerrar este tipo de estabelecimentos comerciais no contexto da pandemia.

Estes comerciantes fizeram notar à deputada que não foram ainda informados sobre o prazo de reabertura dos seus espaços e exigem do Governo um mecanismo de apoio para os sectores que foram obrigados a fechar portas devido à pandemia.

15 Out 2021

AL | “Fase muito crítica” obriga jornalistas a ter uma dose da vacina e teste 

Os jornalistas que façam a cobertura da tomada de posse dos deputados, este sábado no hemiciclo, devem ter pelo menos uma dose da vacina contra a covid-19 e um teste válido por um período de 48 horas. Autoridades dizem que medida “rigorosa” é necessária devido à “fase crítica” da pandemia

 

Uma medida “demasiado rigorosa” e que obriga as pessoas a vacinarem-se, o que vai contra a ideia já deixada pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng. Esta foi uma das críticas deixadas pelos jornalistas sobre a obrigatoriedade de uma dose da vacina e teste de despistagem à covid-19 com validade de 48 horas para a presença na tomada de posse dos deputados e eleição do presidente e vice-presidente da Assembleia Legislativa (AL), agendada para este sábado. Os repórteres criticaram ainda o facto de esta medida poder restringir o seu trabalho.

No entanto, os responsáveis do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus dizem ser uma medida necessária, adoptada com base num parecer emitido por este organismo a pedido da AL.

“Estamos numa fase muito crítica da epidemia porque não passaram 14 dias após o surto. Ainda estamos numa fase de encerramento de todos os espaços de entretenimento, e nesse dia precisamos de medidas bastante rigorosas para prevenir as possibilidades de infecção. Para os que têm a declaração que não podem ser vacinados podem participar sem vacina, caso contrário devem ter pelo menos uma vacina”, adiantou a médica Leong Iek Hou, coordenadora do Centro.

Confrontada com as medidas em vigor nos restantes serviços públicos, que apenas exigem a realização de testes de sete em sete dias por parte dos trabalhadores, Leong Iek Hou garantiu que não afastam a possibilidade “de adopção, por parte das entidades, de medidas mais rigorosas, sobretudo agora que há uma certa instabilidade”.

Boa notícia “em breve”

Sobre o alívio das restrições nas fronteiras, Leong Iek Hou prometeu “uma boa notícia muito em breve”, uma vez que a situação “depende da evolução da epidemia em Macau”. De frisar que ontem o assunto foi abordado numa reunião entre dirigentes da União Geral das Associações de Moradores de Macau e o Chefe do Executivo, a propósito do relatório das Linhas de Acção Governativa para 2022.

Tai Wa Hou, coordenador do plano de vacinação, garantiu que “há muitas pessoas a vacinarem-se, o que são boas notícias”. Actualmente a taxa é de cerca de 80 por cento nas faixas etárias superiores a 40 anos, mas de apenas 24 por cento nos mais idosos.

Quanto à toma de uma terceira dose para quem foi vacinado com a Sinovac ou Sinopharm, as autoridades ainda estão a estudar essa possibilidade.

Entretanto, foi declarado, esta segunda-feira, um novo caso de infecção de covid-19, considerado uma recaída do exterior. Trata-se de um residente de 20 anos diagnosticado com covid-19 nos EUA em Agosto e que não estava vacinado. Ao entrar em Macau, vindo dos EUA e Singapura, testou “um fraco positivo” no teste de zaragatoa, além de ter tido resultados de anticorpos IgM e IgG positivos. O homem está internado no Centro Clínico de Saúde Pública do Alto de Coloane, estando neste momento sem sintomas. As autoridades não consideram este caso de infecção como sendo importado. Tai Wa Hou adiantou também que não está excluída uma nova ronda de testes em massa, com um orçamento que ronda as 49 milhões de patacas.

12 Out 2021

FCM | Cultura macaense revelada a alunos em Portugal

Os alunos de uma turma do ensino primário da Escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, vão saber mais sobre a cultura macaense graças ao projecto “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, levado a cabo pela Fundação Casa de Macau. Esta iniciativa tem a duração de três anos e poderá contar com a participação da Escola Portuguesa de Macau

Ensinar a cultura macaense aos mais pequenos é aquilo a que se propõe a Fundação Casa de Macau (FCM) no seu mais recente projecto, intitulado “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, desenvolvido em parceria com o agrupamento de escolas D. Filipa de Lencastre, em Portugal. O protocolo foi assinado no passado dia 24 de setembro.

O projecto, que arrancou já este mês, começou com uma turma do ensino primário da escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, podendo ser alargado a outras escolas. A ideia é que esta iniciativa dure até 2024, ou seja, durante três anos lectivos, conforme explicou ao HM a secretária-geral da FCM, Joana Silva.

“A professora [Elisabete Correia Marques] definiu áreas que serão trabalhadas, sempre com a temática de Macau no horizonte. Vamos trabalhar com os alunos a culinária macaense, as festividades e os costumes. Também vamos procurar ter uma interacção com outras disciplinas. Vamos tentar, por exemplo, que na disciplina de expressão plástica os alunos possam fazer réplicas de cerâmica chinesa.”

Para já, a única entidade que está associada a este projecto é o Centro Cultural e Científico de Macau, mas há também a ideia de juntar a Casa de Macau em Lisboa. Está também na calha a realização de um intercâmbio com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), sendo que poderá ser realizada uma visita de estudo ao território, ainda sem data prevista.

“Como é um projecto para ser feito em três anos temos tempo para ir inserindo outros parceiros”, adiantou Joana Silva.

Visitas e pesquisas

A primeira actividade deste projecto passou por uma visita de estudo às instalações da FCM, na zona do Príncipe Real, no passado dia 8. “A Fundação acaba por ser, ela própria, um mostruário [da cultura macaense]. Depois, os alunos vão trabalhar em aula outros temas mais específicos.”

Além dos estudantes do ensino primário, alunos mais velhos também poderão participar neste projecto que poderá chegar a outras escolas de Lisboa e do país.

“Já antes da pandemia tínhamos esta ideia de que há falta de conhecimento de Macau junto do público infanto-juvenil português, devido à renovação de gerações e falta de ligação. Uma das acções da FCM é precisamente essa [dar a conhecer a cultura]. Já antes fazíamos algumas actividades pontuais com as escolas.”

Joana Silva assume que é “responsabilidade” da FCM mostrar esta cultura “muito ímpar, mas também diferente”. “O facto de as crianças serem muito novas é a idade ideal para absorver [novas coisas] e despertar a curiosidade”, rematou.

Além das visitas, será feita a apresentação de trabalhos, que inclui também a participação dos encarregados de educação dos alunos, e ainda a realização de pesquisa e investigação sobre Lisboa e a RAEM. Entre Outubro de 2022 e Junho de 2024 está agendado um intercâmbio entre turmas. Não está, para já, definido um orçamento para este projecto, sendo que caberá à docente “contactar diferentes organismos públicos e privados com vista a que se estabeleçam parcerias e, eventualmente, alguns patrocínios”.

12 Out 2021

Covid-19 | Dez hotéis abrem portas a testes para TNR 

Locais como o Venetian ou o Grand Lisboa, entre outras unidades hoteleiras, passam a receber trabalhadores não residentes para a realização de testes de despistagem à covid-19. Governo justifica encerramento de alguns espaços comerciais pela dificuldade de se usar máscara no interior

 

Os trabalhadores não residentes (TNR), que têm de realizar testes de despistagem da covid-19 com maior frequência, têm agora dez novos locais para o fazer. A partir de hoje, hotéis no Grand Lisboa, StarWorld, Galaxy, Broadway, Wynn Macau e Wynn Palace e Sands, MGM Macau e MGM Cotai passam a receber estas pessoas. As autoridades decidiram também alargar o horário do Campo dos Operários para o mesmo fim, passando a funcionar até à meia noite.

Segundo os dados avançados ontem na conferência de imprensa do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus, cerca de 22 mil TNR terão de fazer testes nos próximos dias, existindo 35 mil vagas diárias nos cinco postos já existentes.

Outra novidade, é a inclusão de pessoas que trabalham com ar condicionado e elevadores neste grupo prioritário. “Os trabalhadores que estão em espaços interiores por um longo período de tempo, como aqueles que trabalham com elevadores e ares condicionados, são considerados grupos alvo. Já notificamos os seus empregadores”, esclareceu o médico Tai Wa Hou, coordenador do plano de vacinação.

Abrir ou fechar?

Leong Iek Hou, médica e coordenadora do Centro de Coordenação, justificou o encerramento de alguns espaços comerciais, como escolas, bares e ginásios, por oposição à abertura de outros, com a dificuldade de uso de máscara no seu interior.

“Nas instituições de ensino concentram-se muitas pessoas durante um longo período de tempo e há muitas crianças sem consciência da sua protecção. Suspendemos o funcionamento de outros locais por serem sítios onde as pessoas não usam máscara, como o karaoke. Nesta fase estes sítios podem aumentar o risco de transmissão”, declarou.

Questionada com o facto de os restaurantes, locais onde se retira a máscara para comer, permanecerem abertos, Leong Iek Hou referiu que estes negócios “devem adoptar medidas para evitar uma concentração elevada de pessoas”.

“Se não se permitir um número elevado de pessoas a situação é controlada. Nos casinos os códigos de saúde são controlados e todos têm de usar máscara, existindo medidas rigorosas de limpeza e desinfecção. Quanto mais rigorosos formos melhor, para melhor proteger a comunidade”, adiantou.

12 Out 2021

“Kompasu” | SMG prevêem tempestade mais forte do que “Lionrock”

Os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) garantem que a próxima tempestade a passar pelo território, de nome “Kompasu”, deverá ter uma intensidade “mais forte” do que o “Lionrock”, “existindo a hipótese de poder atingir o nível de tufão”. Tal deve-se, em parte, à passagem de uma monção nordeste que se irá intensificar nos próximos dias.

Neste contexto, “nos próximos dias o tempo na região irá tornar-se instável, havendo aguaceiros e trovoadas”, com uma intensificação do vento.

A partir da meia noite de terça-feira que o “Kompasu” deverá encontrar-se a menos de 800 quilómetros de Macau, tendo uma trajectória “relativamente consistente e estável”. Os SMG prevêem que possa “atravessar rapidamente o Mar do Sul da China nos próximos dias”.

Até esta quarta-feira o “Kompasu” vai passar a sul de Macau, a cerca de 400 quilómetros, deslocando-se depois para Hainan. Segundo a mesma nota, “não se descarta a possibilidade de se emitir o sinal de ventos fortes de monção” numa primeira fase. Só depois é que os SMG planeiam emitir o sinal de tempestade “de acordo com a situação”. Nos próximos dias há ainda possibilidade de ocorrer inundações nas zonas baixas do território.

Entretanto o Instituto Cultural (IC) realizou hoje uma inspecção ao estado do património após a passagem do ciclone tropical “Lionrock”, sendo que o estado geral dos bens imóveis classificados de Macau “está basicamente intacto”. O IC descreve que ocorreram apenas algumas infiltrações de água no telhado de alguns edifícios, além de que o templo de Sin Fong ficou “inundado por um curto período” de tempo, devido ao facto de estar localizado numa zona baixa da cidade.

Quanto à chegada do “Kompasu”, o IC apela aos responsáveis dos edifícios classificados para se “manterem vigilantes” e tomarem medidas atempadas para garantir a sua segurança.

11 Out 2021

Alimentação | Pequim tenta reduzir desperdício face a clima extremo

O clima extremo que afecta importantes regiões agrícolas da China constitui um desafio para a segurança alimentar do país mais populoso do mundo, apontam especialistas, numa altura em que Pequim tenta reduzir o desperdício alimentar

[dropcap]O[/dropcap]s efeitos das alterações climáticas na agricultura levaram à acção das autoridades, em particular no combate ao desperdício alimentar.

“Certamente tem impacto na produção e armazenamento de grãos”, explicou à agência Lusa Cao Yang, alto quadro das reservas de grãos da China. “O futuro das alterações climáticas é muito imprevisível e, por isso, devemos atribuir-lhe grande importância. É um teste para todo o mundo”, realçou o também professor da Universidade de Agricultura e Silvicultura da Universidade de Zhejiang, no leste da China.

Níveis recorde de precipitação registados este Verão em Henan, província líder na produção agrícola da China, causaram mais de 300 mortos e obrigaram à retirada de 1,5 milhão de pessoas.

As perdas económicas directas ascenderam a 14.269 milhões de yuans. Fenómenos semelhantes ocorreram na Alemanha e Bélgica no mesmo período.

O país asiático alimenta quase 19 por cento da população mundial com apenas 8,5 por cento das terras aráveis do mundo. Em comparação, o Brasil, por exemplo, tem quase 7 por cento das terras aráveis para 2,7 por cento da população mundial.

Estes números tornam a segurança alimentar ou a gestão das reservas de grãos ou proteína animal em questões de alto interesse para Pequim, explicou Li Peiwu, o director do laboratório nacional da China para experiências agrícolas, à agência Lusa.

“Esta tem sido uma questão para a China desde os tempos antigos”, apontou. “O Governo chinês sempre atribuiu grande importância à segurança alimentar. O secretário-geral [do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping], costuma dizer que os chineses devem segurar firmemente as tigelas de arroz com as suas próprias mãos”, descreveu.

Encher a barriga

Este ano, o país asiático promulgou uma ampla lei, destinada a reduzir o desperdício de alimentos.

Ao comer fora, os anfitriões chineses tradicionalmente pedem comida em excesso, como forma de demonstrar hospitalidade aos convidados, mas os restaurantes podem agora cobrar uma taxa extra aos clientes que desperdiçam grande quantidade de comida. Os estabelecimentos que encorajam pedidos excessivos recebem, primeiro, um aviso e, de seguida, uma multa de até 10.000 yuans por reincidência.

Segundo estimativas oficiais, a restauração é responsável pelo desperdício de cerca de 18 milhões de toneladas de alimentos por ano no país asiático, o suficiente para alimentar até 50 milhões de pessoas, de acordo com a Academia de Ciências Sociais da China.

Mas o retalho representa apenas metade do problema. Uma quantidade equivalente é desperdiçada durante a fase de produção, ou colheita, fixando o total das perdas em cerca de 35 milhões de toneladas.

“Para reduzir as perdas de grãos, devemos contar com o progresso científico e tecnológico (…) no processo produtivo, através da semeadura de precisão, melhoria do nível de mecanização da colheita, e aplicação de conceitos de agricultura inteligente e aprimoramento da capacidade e funcionalidade das instalações de armazenamento”, explicou Li Peiwu.

A campanha contra o desperdício atingiu também figuras que se tornaram célebres nas redes sociais pelos seus vídeos a devorar grandes quantidades de comida.

11 Out 2021

Mais de 700 residentes não participaram na testagem em massa

Um total de 746 residentes continua sem realizar o teste à covid-19 no âmbito da medida de testagem em massa após a ocorrência de novos casos no território. Número reduzido face às 10.190 pessoas, na maioria turistas e trabalhadores não residentes (TNR), que também não foram testadas.

“Muitos dos TNR e turistas já saíram de Macau”, disse a médica Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus. “Uma pequena parte continua a recusar fazer o teste e estamos a acompanhar estes casos. Daremos um prazo de tolerância, mas se até às 21h horas de amanhã [hoje] não realizarem o teste a polícia irá a casa exigi-lo. Caso contrário, terão de fazer uma quarentena de 14 dias”, apontou a responsável.

Relativamente à transferência das mais de 150 pessoas em quarentena nos hotéis onde foram registadas as infecções, 132 foram para o hotel Sheraton, enquanto que os restantes irão para o hotel Treasure. Será ainda feita uma desinfecção geral ao hotel China Golden Crown.

“Até agora a transmissão é apenas entre os agentes de segurança, não há um meio de transmissão com as pessoas que estão no hotel. Apenas queremos transferi-los para satisfazer as suas necessidades psicológicas”, foi referido.

Entretanto, cerca de 600 pessoas, na maioria TNR do Interior da China, estão no centro de acolhimento da Ilha Verde por estarem retidas no território.

Faltas justificadas

Relativamente a quem tem de realizar quarentena em hotéis devido a contacto próximo com os novos casos de infecção, Leong Iek Hou garantiu que a lei os protege de eventuais despedimentos.

“Os Serviços de Saúde vão emitir um certificado para estas pessoas que estão em quarentena. As empresas privadas podem ter regras diferentes, mas segundo a lei [Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis], não podem despedir as pessoas por causa da quarentena.”

Ontem foram também revelados dados sobre o caso de infecção número 71, relativo a um homem de 38 anos, oriundo de Zhongshan. O indivíduo, que não reside em Macau e foi vacinado, partilhou balneário com os seguranças do hotel Golden Crown e efectuou o mesmo trajecto dos casos 65 e 66. O Centro de Coordenação partilhou as suas informações com as autoridades de Zhongshan.

“O risco de transmissão é baixo porque no dia 24 [o homem] fez um teste negativo, mas estava em isolamento, e só no dia 28 teve resultado positivo.”

Sobre o facto de os seguranças terem partilhado o mesmo balneário, foram dadas explicações adicionais. “Estes dois hotéis trabalham com a mesma empresa de segurança, mas nesse vestiário quem tinha tarefas de alto risco frequentou um espaço, e quem tinha tarefas com menos riscos ia para outros espaços. Vamos rever se estas medidas são boas ou más, dependendo dos recursos disponibilizados por cada hotel”, explicou Leong Iek Hou.

Testes | Resultados da segunda ronda são todos negativos

Os resultados das amostras recolhidas por durante o segundo plano de testagem em massa da população deram todos negativo. De acordo com o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus entre as 15h de 24 de Setembro e as 15h horas de 25 de Setembro foram recolhidas, no total, 689.766 amostras, das quais 44.536 dizem respeito a testes de ácido nucleico pagos.

“O Centro de Coordenação (…) manifesta agradecimento pela cooperação e apoio dos residentes de Macau. Agradece ainda em particular aos 2.500 participantes dos vários serviços públicos e profissionais de saúde de instituições médicas, 100 voluntários no âmbito de medicina, bem como aproximadamente 2.000 pessoas das escolas e jovens voluntários”, pode ler-se em comunicado.

30 Set 2021

Justiça | AAM recorre de decisão que decretou processo disciplinar à direcção 

A Associação de Advogados de Macau vai recorrer da decisão do Tribunal Administrativo que decretou ao Conselho Superior de Advocacia a abertura de um processo disciplinar para apurar eventuais responsabilidades na suspensão de um estágio de advocacia

 

O Tribunal Administrativo (TA) decidiu, no passado dia 3 de Setembro, que o Conselho Superior de Advocacia (CSA) deveria abrir um processo disciplinar à direcção da Associação dos Advogados de Macau (AAM) por alegados atrasos na execução de uma sentença, relativa à suspensão de um estágio de advocacia. No entanto, segundo apurou o HM, a direcção da AAM recorreu da sentença.

O advogado estagiário, que voltou a estagiar e cujo patrono é João Soares, não vai, para já, interpor novo processo a pedir indemnização de 60 mil patacas por danos patrimoniais e não patrimoniais, optando por esperar pela decisão judicial do recurso.

O HM tentou obter reacção da direcção da AAM, presidida por Jorge Neto Valente, mas até ao fecho desta edição não recebeu resposta.

Recorde-se que a sentença do TA determinava a extracção “da certidão para remeter ao CSA depois do trânsito em julgado desta decisão”, com base no Código do Processo Administrativo Contencioso, pelo facto de se suspeitar que a direcção da AAM não executou a sentença dentro do prazo, atrasando formalidades no regresso do advogado ao seu estágio.

Segundo o acórdão do TA, a direcção da AAM “fundamentou o atraso na sua execução com a falta de pessoal (…) além das funções administrativas da AAM”, e que teria feito também acompanhado vários processos judiciais”.

Caso de Fevereiro

O caso remonta a 3 de Fevereiro deste ano, quando a AAM suspendeu a inscrição do advogado estagiário que tem João Soares como patrono, tendo comunicado a decisão no dia 8 desse mês aos tribunais e à Comissão de Apoio Judiciário. A AAM foi também informada deste acto através de circular interna.

O advogado estagiário decidiu colocar a direcção da AAM em tribunal e ganhou a acção a 15 de Março. No dia 18 do mesmo mês, a AAM “informou o advogado estagiário para se apresentar de modo a realizar as provas escritas ao 29º exame final de estágio marcadas para os dias 20 e 27 do mesmo mês”.

O advogado estagiário colocaria a direcção da AAM novamente em tribunal, a 20 de Abril, alegando “a falta do cumprimento espontâneo da decisão judicial”, que incluía a informação, a diversas entidades judiciais, do fim da suspensão do estágio. Só no dia 30 de Abril a AAM informou os associados e a 4 de Maio os organismos públicos e judiciais.

30 Set 2021

Covid-19 | PME sufocadas com política do “abre e fecha”

Uma empresa do sector da educação, um ginásio e um bar. O HM ouviu relatos de proprietários que sofrem na pele a política de encerrar espaços de lazer, desporto ou educacionais cada vez que se registam casos de covid-19 na comunidade. Além disso, pedem regulamentação das medidas restritivas

 

Quando fundou a FORMAC, pouco antes do início da pandemia, Susana Diniz não imaginava as dificuldades que iria passar nos meses seguintes. A empresa, que disponibiliza explicações e aulas de línguas para crianças e adultos, fechou durante cinco meses em 2020. A actual política do Executivo de encerrar alguns negócios cada vez que surgem casos de covid-19 no território está a obrigar a microempresária a reestruturar planos todos os meses.

“Não é economicamente aceitável, nem sustentável, que tenhamos de fechar uma semana aqui ou três semanas acolá. Se fechar perco alguns clientes pelo caminho”, adiantou ao HM.

Susana Diniz diz sentir o “sufoco” de quem já não consegue fazer planos, nem sequer, a médio prazo. “Estou ligada ao ensino, as escolas e os centros de explicações fecham, e eu vou pelo caminho. Há cerca de três meses criei um clube de leitura para divulgar o português e para ajudar os miúdos que temos. O projecto estava a correr bem, mas este mês já não vamos conseguir fazer.”

“Gostava de acreditar que o Governo vai terminar com esta política de encerramentos cada vez que é registado um caso. Não esperava que, com apenas dois casos, a solução fosse esta”, apontou. A fundadora da FORMAC questiona porque é que são sempre as Pequenas e Médias Empresas (PME) a “pagar” esta crise. “Porque é que é sempre o mesmo sector, o da educação? São medidas arbitrárias.”

Ao contrário de Agosto, quando foram detectados na comunidade quatro casos de covid-19, ligados a uma só família, e em que fecharam escolas, espaços nocturnos, bem como outros espaços de lazer, incluindo ginásios, desta vez o Governo mandou encerrar apenas escolas, instalações culturais e desportivas.

Perdas de 50 mil patacas

Nuno Fernandes, fundador do Gymnastics Club, virado também para o desporto infantil, foi obrigado a fechar portas em Agosto e perdeu cerca de 50 mil patacas. Desta vez fechou portas, mas apenas por “cooperação com as medidas do Governo”, para evitar aglomerações de pessoas.

“Parece-me que agora houve um cuidado [com a política de encerramentos], mas é sempre difícil quando temos de gerir um espaço e nos vemos privados da sua essência, que é a participação dos clientes. Não conseguimos ainda recuperar dos prejuízos”, disse.

Para Nuno Fernandes, o Governo deveria “regulamentar regras como a lotação máxima de pessoas num espaço, o uso de máscara, a medição da temperatura à porta e o uso dos códigos de saúde. Se houvesse fiscalização dos espaços abertos o impacto nas PME seria menor”, frisou.

Na visão do fundador do Gymnastics Club, o cartão de consumo ajudou a situação socioeconómica, mas não deu apoio directo às PME. “Se cada vez que houver casos na comunidade fecharmos tudo, as PME vão sofrer muito e terão de fechar portas. Não dá para manter o pagamento de rendas e funcionários. Se houvesse medidas como nos restaurantes, com o controlo da lotação, seria mais justo”, considerou.

Gabriel Yung, proprietário do bar Che Che, situado fora dos empreendimentos de jogo, contou que os últimos meses têm sido financeiramente difíceis. “Tentamos cortar nos custos, mas na verdade não sabemos o que podemos fazer.”

Com uma clientela essencialmente residente, Gabriel Yung descreve um círculo vicioso comum a muitos negócios locais. Macau sem turistas é sinónimo de menos dinheiro a circular na economia, afectando os salários dos residentes, o que significa menos patacas na máquina registadora do Che Che.

“No ano passado tivemos o apoio do Governo, que ajudou bastante os negócios locais, mas desta vez não tivemos. O Governo poderia considerar abrir as fronteiras, é tempo de deixar vir as pessoas. Mas tudo depende de como as coisas são feitas”, defendeu.

29 Set 2021

Bienal de Veneza | A memória do colectivo YIIMA em representação de Macau

Depois de uma bem-sucedida exposição no Museu Berardo, em Lisboa, o trabalho do colectivo YIIMA, composto pelos artistas Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, vai representar Macau na Bienal de Veneza 2022. A curadoria está a cargo de João Miguel Barros que tentou transportar as memórias captadas pelo colectivo em sonhos

 

A notícia surpreendeu João Miguel Barros, fotógrafo e advogado, mas deixou-o sobretudo satisfeito pelo enorme reconhecimento que contém. O trabalho do colectivo YIIMA, de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, exposto em Lisboa em 2019, vai representar Macau na Bienal de Veneza de 2022, mas desta vez com o nome de “A Alegoria dos Sonhos”.

Esta foi a forma que o seu curador, João Miguel Barros, encontrou para ajustar um trabalho que captou as memórias sócio-culturais de Macau e que tem agora de responder à temática da Bienal, “The Milk of Dreams”.

As obras do colectivo YIIMA, constituídas essencialmente por fotografias, em que Ung Vai Meng e Chan Hin Io encarnam a figura de anjos, estiveram expostas, pela primeira vez, no Museu Berardo, mas a adaptação foi agora essencial.

“Quisemos construir uma história que tivesse correspondência com a realidade”, contou João Miguel Barros ao HM. “O trabalho deles ajusta-se muito a este projecto do sonho, porque há sempre dois anjos nas cenas que produzem uma memória e um tempo que querem registar. Com esta alegoria quisemos construir uma ponte entre Macau e Veneza, em que Macau é o ponto de partida e Veneza o ponto de chegada.”

Neste universo comunicacional, o ponto de partida é a “vivência cultural dos lugares e das pessoas, as memórias”, enquanto que a chegada é feita através de um sonho. Veneza passa então “a ser o testemunho de toda esta carga de memória e do património”.

O desafio, segundo João Miguel Barros, passa agora pela instalação e montagem, sujeitos a restrições de espaço, uma vez que no local arrendado pelo Governo de Macau não é possível usar as paredes.

“Além das fotografias em grandes dimensões vamos ter uma estátua grande que vai ter de ser instalada num pedestal, num pátio da casa que foi destinada a Macau. Vamos ter também elementos multimédia e levar vários objectos típicos das famílias chinesas para uma sala, como se fosse um bazar, e que surgem nas fotografias”, explicou o curador. Este bazar vai, na sua perspectiva, “suscitar uma enorme curiosidade” junto do público.

Preservar identidade

O projecto foi um dos 24 que se apresentaram a concurso para a representação da RAEM na Bienal de Veneza e João Miguel Barros considera que “ser um português na equipa que representa Macau é um elemento importante em termos de multiculturalidade que temos de evidenciar” no território.

Para alguém que quer desenvolver ainda mais a carreira como fotógrafo e curador, trata-se de um “desafio muito estimulante no futuro”. Mas João Miguel Barros considera que tanto Guilherme Ung Vai Meng, antigo presidente do Instituto Cultural, como Chan Hin Io mereciam este reconhecimento.

“O trabalho de ambos é de extrema importância e precisa de ser reconhecido em Macau de uma outra forma. É muito sério e muito importante na perspectiva artística, porque tem a fotografia performance, muito planeada pelos dois, com um cenário representado numa performance que dá origem à fotografia final.”

Mas mais do que esta componente, o curador destaca o facto de, com este projecto, se reunirem memórias de Macau que vão aos poucos desaparecendo com o desenvolvimento inevitável do território.

“Há outras componentes que têm de ser avaliadas, mais sociológicas e históricas, na defesa do património cultural material e imaterial. Há muitos anos que ambos fazem um registo apurado e documental, através da fotografia, das enormes e profundas transformações que Macau vai sofrendo ao nível das tradições e dos lugares”, rematou.

28 Set 2021

Deputados nomeados, escolhas que não surpreendem

A entrada de Kou Kam Fai, Chan Hou Seng e Cheung Kin Chung para a lista dos deputados nomeados pelo Chefe do Executivo não surpreende os analistas ouvidos pelo HM. José Sales Marques não esperava a escolha de um macaense e descreve Chan Hou Seng como “uma pessoa capaz, trabalhadora e discreta”. O académico Leung Kai In destaca a maior proximidade a Pequim face a 2017

 

Terminadas as eleições, marcadas pela desqualificação de vários candidatos, o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, nomeou sete deputados para a Assembleia Legislativa (AL) na última quinta-feira. A entrada de nomes como Kou Kam Fai, Chan Hou Seng e Cheung Kin Chung não surpreende os dois analistas com quem o HM falou.

José Sales Marques, economista, chegou a trabalhar com Chan Hou Seng quando esteve na Câmara Municipal de Macau Provisória, na abertura do Museu de Arte de Macau (MAM). “Parece-me uma pessoa válida e um profundo conhecedor da cultura chinesa. Ele trabalhou comigo em todo o processo de abertura do MAM e é uma pessoa capaz, trabalhadora e discreta.”

Chan Hou Seng, com 58 anos, tem mestrado em Literatura e profissionalmente exerce funções como investigador especializado no Instituto de Pintura e Caligrafia da Academia da Cidade Proibida e director-geral da Sociedade de Arte do Selo Hou Kong.

Sales Marques não tinha, contudo, esperanças quanto à possibilidade de Ho Iat Seng vir a nomear um deputado macaense. “Já há algum tempo que não tenho essa expectativa de ver ser nomeado um macaense. Não foi uma surpresa”, declarou.

Mais perto de Pequim

O académico Leung Kai In destaca o facto de este grupo de deputados ser mais próximo de Pequim em relação às escolhas feitas em 2017. “O último grupo de deputados nomeados era, na maioria, composto por académicos, mas este grupo tem, além de académicos, representantes de empresas pró-Pequim, como é o caso da Agência de Viagens e de Turismo China (Macau)”, disse o responsável, referindo-se a Cheung Kin Chung.

Este, além de presidir a essa empresa, é ainda gerente-geral da Macau CTS Hotel Management (International) Ltd e possui um mestrado em gestão de empresas, além de ser doutorado em Gestão Turística.

“Penso que este é o acordo ‘normal’. No entanto, Ho Iat Seng referiu que ia escolher pessoas com diferentes opiniões para desempenharem o cargo de deputados. Onde estão as outras vozes? Penso que o Gabinete de Ligação teve um importante papel neste processo de escolha”, adiantou Leung Kai In, que destaca a pouca representatividade que estes deputados têm tido no hemiciclo.

Kou Kam Fai, o outro novo rosto dos deputados nomeados, tem 56 anos, é doutorado em gestão e exerce o cargo de director da Escola Secundária Pui Ching. De saída deste grupo estão os académicos Joey Lao, economista, e Davis Fong, especialista na área do jogo, bem como Chan Wa Keong, advogado.

28 Set 2021

Departamento de português da Universidade de Macau com maior procura

Dora Nunes Gago, actual directora do departamento de português da Universidade de Macau, acredita que a pandemia poderá ter levado a um aumento da procura pelo idioma, não apenas ao nível da licenciatura mas também de disciplinas opcionais. A responsável está de saída do cargo

 

O facto de Macau ter as suas fronteiras praticamente fechadas há mais de um ano devido à pandemia da covid-19 pode ter levado os alunos a optar pela língua portuguesa no ensino superior. A ideia é deixada por Dora Nunes Gago, directora do departamento de português da Universidade de Macau (UM).

“Tem havido um significativo aumento da procura, não apenas pelo curso mas também por disciplinas opcionais”, disse ao HM. “A pandemia poderá ter impulsionado a procura. Alguns alunos, sobretudo os da China, poderiam ter pensado em estudar noutros países mas acabaram por vir para Macau. O aumento do número alunos tem-se sentido na licenciatura, nas opcionais e também ao nível dos mestrados”, frisou.

Actualmente, o departamento conta com 311 alunos na licenciatura em Estudos Portugueses, além de que 513 são estudantes da Faculdade de Direito. Há ainda 553 alunos de português oriundos de outras faculdades. No total, o departamento possui 1377 alunos e 34 professores.

Em busca de director

Apesar do efeito positivo que a pandemia possa ter tido na procura pelo ensino da língua, a verdade é que trouxe outras condicionantes, uma vez que o departamento ainda não conseguiu contratar um novo professor de literatura, dado que, com as fronteiras fechadas, os candidatos não conseguem prestar provas presenciais.

Directora desde Julho do ano passado, Dora Nunes Gago assume estar temporariamente no cargo, enquanto está a ser seleccionado um novo director de departamento. “Não gostaria de continuar no lugar”, assumiu.

Apontando que a grande mais valia do departamento é a investigação, Dora Nunes Gago considera que a UM “tem estado no bom caminho” relativamente às respostas que o ensino superior tem de dar em matéria de cooperação regional.

“As políticas que o Governo tem anunciado [sobre a cooperação com Hengqin] são positivas e podem levar a um aumento do interesse na língua portuguesa e no seu desenvolvimento. Esta poderá ser uma língua mais empresarial”, rematou.

27 Set 2021

Ismael Hipólito Djata, artista plástico da Guiné-Bissau: “A cultura foi o pilar para a independência”

Inaugurada na terça-feira no edifício do Fórum Macau, a mostra “Destruição da Humanidade” não é apenas a visão do artista guineense Ismael Hipólito Djata sobre inversão de valores, mas também um grito de alerta sobre a forma como a cultura é tratada pelas autoridades da Guiné-Bissau. Juntamente com os irmãos, também artistas, Ismael Hipólito Djata chamou para si a responsabilidade agitar o panorama artístico guineense

 

A sua exposição, intitulada “Destruição da Humanidade”, foi inaugurada esta semana. Como encara esta oportunidade de expor em Macau?

É uma alegria enorme fazer uma exposição em diferentes países, para que os povos possam apreciar as nossas obras e entender as mensagens. Temos obras com linguagens universais, é a nossa cultura e realidade, a nossa convivência. É sempre um enorme prazer receber este tipo de convite. Macau é uma região asiática, mas de língua portuguesa e é uma enorme felicidade ter recebido este convite.

Porque decidiu dar esta nome à sua exposição? Qual a principal mensagem que quer transmitir com as suas obras?

Esta exposição é composta por três partes. Na primeira parte tento mostrar imagens de fora da minha cultura. Somos um povo com 36 etnias, diferentes dialectos e modos de vestir, mas somos um povo unido. Temos uma rica diversidade cultural, só que o país não está a aproveitar a cultura para se desenvolver. Mas a cultura foi o pilar para a independência, e por isso peguei em algumas imagens culturais e tentei desfazê-las, para mostrar que a nossa cultura está cada vez mais a perder-se. Há ainda uma parte na exposição que fala do universo, que é a destruição da humanidade. [Essa representação] é feita com a imagem descascada de um senhor velho e dentro da sua cabeça estão algumas peças. Esse quadro fala-nos do universo e da sabedoria dos mais velhos, que é tradicional, até na medicina, o modo de falar. A nossa geração não está a aproveitar isso. Alguns quadros falam dessa filosofia, porque, como é uma exposição na Ásia, tentei mostrar alguns dos meus pensamentos ligados à humanidade e não apenas sobre a cultura guineense.

Parece defender que há uma mudança de valores.

Vivi alguns anos na Europa. Não conheço muito a realidade asiática. África não tem fábricas de armas, mas compra armas a outros países. África ainda é escravizada, e nós africanos não estamos unidos e não escrevemos as nossas histórias, que são contadas por outros povos. Ninguém conhece a nossa cultura. Essa é uma parte negra de África, pois temos uma riqueza que está a alimentar outros continentes. Somos o berço da alimentação da Europa, mas nós, africanos, estamos na lista negra em termos do desenvolvimento e de alimentação. Aqui muitos pensam que a Europa está desenvolvida, e de facto está em muitas coisas. Mas e a educação europeia? Tem muita negatividade.

Em que sentido?

Quando estive em França a minha primeira decepção foi ver uma criança a falar mal para os seus pais. Aqui em África isso não existe. Há outros exemplos que eu considero que estão a destruir a humanidade, como o problema da poluição, as alterações climáticas.

Os valores africanos têm então algo a mostrar sobre a preservação da humanidade?

Nós não temos um museu que conte a história de África, das nossas etnias. África é um mosaico cultural muito grande e muito diferente da Europa ou Ásia. Mas quem conta a nossa história? Ninguém. Em França ou na América há museus sobre a cultura africana, porque é que não promovemos a nossa cultura? Porque não fazemos esta divulgação, porque não escrevemos os nossos livros a contar histórias para as gerações vindouras? É preciso que nós, africanos, comecemos a assumir esta responsabilidade e que sejamos divulgadores e protectores da nossa identidade cultural.

O seu trabalho como artista tem, portanto, uma mensagem política e de intervenção social.

Sim. É difícil fugir disso porque vivemos num continente onde existe muita corrupção. Não podemos mostrar só do que é bom e não mostrar o nosso descontentamento.

Falou do projecto de abrir uma galeria de arte em Bissau. O que pretende fazer com a iniciativa?

Somos quatro irmãos, pintores, escultores e escritores, e quando começámos os nossos projectos artísticos percebemos que tínhamos um papel, o de sermos embaixadores deste país. Queremos promover a imagem da Guiné-Bissau além-fronteiras. Assumimos o compromisso de ajudar este país a desenvolver-se culturalmente. Como artistas vemos que o país é independente há mais de 40 anos e nunca teve uma galeria de arte. Não há materiais ligados às artes plásticas. Ficamos preocupados com as novas gerações. Achámos que não tínhamos necessidade de ficar na Europa pois é um continente que já está desenvolvido nesta área. Então decidimos voltar para a Guiné e criar uma galeria onde promovemos a arte e também ensinamos. Trazemos pintores internacionais para expor na nossa galeria e os pintores nacionais também. Falamos com as pessoas e também damos apoio em projectos sociais, com escolas, fazemos pequenos donativos para ajudar a combater a pobreza. Queremos também construir um museu e estamos à procura de financiamento. Esse museu vai juntar escolas, por exemplo.

Disse que após 40 anos de independência o país não um forte sector cultural. Como explica tal facto?

Não tem sido implementada uma política cultural na Guiné-Bissau. Temos várias leis do sector que não estão a ser implementadas. A cultura é desprezada pelos governantes, porque para eles não é uma questão económica. Mas a cultura é a identidade de um povo, retrata-nos. E eles não têm essa consciência para conhecer a cultura, porque pensam que não têm benefícios com ela. O Orçamento de Estado dedica a percentagem mais baixa à cultura. Os artistas reclamam bastante: imagine um país sem salas de espectáculos ou de exposições. Dão mais valor aos músicos. Estamos juntos com alguns colegas artistas de diferentes áreas e tentamos reivindicar de forma pacífica que a cultura é também uma alavanca no desenvolvimento de um país.

É embaixador do ONU Habitat. Que funções ou mensagens transmite?

Entre os objectivos do milénio definidos pela ONU, um deles é sobre o urbanismo, a situação social. Então acharam que eu, como artista, podia ajudar a comunidade transmitindo mensagens sobre o urbanismo e de como a arte pode mudar uma comunidade. Todos os anos temos um objectivo para implementar e este ano fizemos a campanha das limpezas em diferentes bairros. Organizamos um campeonato. Pegamos nessas imagens e projectamos nas ruas através do grafitti, para mostrar como podemos ter comunidades limpas e bem organizadas. As casas aqui estão amontoadas, não há limpeza.

Formou-se em Portugal numa área que nada tem a ver com as artes plásticas. Como é que a arte surge na sua vida?

Comecei a ligar-me à cultura aos seis anos, porque na altura tínhamos de iniciar a primeira classe com sete anos. Os meus irmãos já estavam na escola e quando estudavam o meu pai dava-me folhas para eu desenhar e não os incomodar quando estudavam à noite, e eu copiava desenhos. Cresci assim, e comecei a ter interesse por desenho. Os professores pediam-me para ir ao quadro fazer desenhos do corpo humano nas aulas de ciências, os colegas diziam que eu tinha talento e que um dia iria ser artista. Mas eu pensava mais em arquitectura. Tornei-me artista quando a Guiné-Bissau caiu na maior tragédia da sua história: a guerra de 1998. A guerra durou um ano e tivemos de nos refugiar no interior do país. Vi crianças a esculpirem cabaças, a fazer missangas, e aprendi com elas usando o talento que tinha. O meu irmão pegou no meu primeiro trabalho e vendeu-o. Fiquei triste, mas rendeu muito. Quando voltou tinha muitas encomendas. Queria estudar, mas não tinha a ambição de ser artista. Comecei a ensinar os meus irmãos a fazer essas esculturas de cabaças porque sozinho não conseguia fazer tudo, um pintava e outro desenhava. Depois fizemos a nossa primeira exposição. Hoje temos uma responsabilidade nos nossos ombros [com a Irmãos Unidos Arts] e os guineenses sentem muito orgulho do que fazemos. Somos uns dos melhores no país, ganhamos prémios e estamos representados. É difícil deixar as pessoas que já têm confiança em nós.

24 Set 2021

Cultura | Visitas a monumentos e locais históricos aumenta mais de 60 por cento

A aposta das autoridades na promoção de visitas turísticas em Macau levou a um aumento da procura por passeios ligados ao património. É o que revela o mais recente “inquérito à participação dos cidadãos em actividades culturais”, levado a cabo pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Os dados mostram que 123.100 residentes realizaram vistas a museus ou locais ligados ao património, um aumento de 60,6 por cento “devido à promoção das excursões locais”.

Outra actividade muito procurada foi as idas às bibliotecas, que contou com a participação de mais de 150 mil residentes no segundo trimestre deste ano, um aumento de 39,4 por cento em termos anuais. A taxa de participação dos estudantes nesta actividade foi de 80,6 por cento, mais 14,5 por cento em termos anuais.

As idas ao cinema foi outra das actividades culturais mais procurada, desta vez por 124.300 residentes, um aumento de 29,5 por cento em relação ao segundo trimestre de 2020. A DSEC aponta ainda que “33.200 residentes assistiram a filmes ou vídeos produzidos em Macau”, uma redução de 14,2 por cento.

A queda deu-se ainda nas idas aos espectáculos, procurados por apenas 38.600 residentes, menos 5,2 por cento em termos anuais. Um total de 28.200 residentes visitaram exposições, um aumento de 18,2 por cento. Em termos gerais, o número de pessoas que participaram em actividades culturais teve uma grande quebra no primeiro trimestre devido à pandemia, mas com a reabertura de espaços houve um aumento anual de 27 por cento de participação no segundo trimestre. Um total de 291 mil residentes participaram em eventos ligados à cultura.

23 Set 2021

Frank Havermans, artista: “Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora”

Até ao dia 31 de Dezembro quem passar junto à montra do estúdio Improptu Projects, de João Ó e Rita Machado, poderá ver a instalação “Infra#Macau_Artificial Landscapes”, do artista holandês Frank Havermans, que traça um olhar sobre infra-estruturas urbanas e a sua ligação com as pessoas. Frank Havermans fala sobre este projecto e de como considera fundamentais, acima de tudo, os valores culturais de cada um

 

Quando começou este projecto e como surgiu a oportunidade de o desenvolver em parceria com o estúdio Improptu?

Conheci o João [Ó] em Hong Kong, em 2012, quando participámos na mesma exposição. Também participei na Bienal de Arquitectura de Hong Kong nesse ano com uma grande instalação na zona de Wanchai. Quando o João e a Rita [Machado] se mudaram para o novo estúdio e arrancaram com este novo espaço de exposições, com a montra, perguntaram-me se queria ser o primeiro artista a expor lá. Claro que me senti honrado pela oportunidade. Apesar de o João e a Rita estarem mais ligados à arquitectura, o nosso trabalho pode coincidir, uma vez que eu também faço instalações de arquitectura.

Como foi fazer este projecto à distância?

Eu próprio faço este tipo de instalações e deixei o Improptu montar tudo segundo as minhas instruções. Esta foi a primeira vez que fiz algo do género. Diria que trabalharam muito bem. A Rita e o João têm a mesma compreensão da qualidade do espaço e sempre compreenderam como é que as coisas devem ser executadas.

Esta instalação que traz a Macau fala da ligação entre infra-estruturas de cidades como Macau, Hong Kong e Shenzhen. Como começou a sua relação profissional com estes lugares?

Tenho visitado esta região algumas vezes. A primeira vez foi em 2008, quando participei numa exposição do NAI – Netherlands Architecture Institute [Instituto de Arquitectura da Holanda]. Fiquei fascinado com a complexidade e o rápido desenvolvimento desta região. Em 2011 estive em Shenzhen durante três meses numa residência artística. Aprendi mais sobre a cidade e a região desse lado da fronteira. Também estive em Chongqin várias vezes, em Guangzhou e Xangai. Todas elas são cidades cujas infra-estruturas estão em rápido crescimento e desenvolvimento. Alguns destes elementos são tão grandes que apenas os posso comparar com catedrais. As largas estruturas construídas há mais de uma geração conectam-se com uma certa crença. Diria que a nossa é ter um livre transporte de pessoas e bens para que haja um vasto comércio a nível mundial. Estamos a construir uma rede mundial de estradas, linhas ferroviárias, portos e aeroportos, e com tudo isso surgem os edifícios. Na China, e neste caso no Delta do Rio das Pérolas, é claro ver qual é a direcção. E para mim, enquanto artista, isso é muito interessante.

Estas são cidades muito diferentes, mas este projecto tenta, de certa forma, conectá-las?

De facto, são cidades e culturas muito diferentes. O país, as paisagens, o ambiente natural também é diferente. Como estamos cada vez mais ligados com as infra-estruturas a nível mundial necessitamos das mesmas tipologias. Então estamos a criar paisagens artificiais em todo o mundo que são suficientes para nós. Em qualquer aeroporto no mundo as pessoas podem compreender como estar lá, mesmo sem falarem a mesma língua. As tipologias ligam-se a diferentes culturas. Gosto de olhar para os mapas e, virtualmente, viajar por todo o mundo. Olhar de perto certas cidades e aí encontrar este tipo de paisagens artificiais, como os planos dos soalhos de portos. São claramente artificiais e só existem para servir o comércio humano. Isto deixa-me intrigado porque este tipo de ambientes afasta-nos da natureza, e é da natureza que nós vimos. É estranho que, em poucas gerações, estejamos a criar este tipo de ambientes monoculturais mas a uma escala global. Então sim, estas cidades podem ser diferentes, mas estão a mudar para uma tipologia mais geral. As paisagens na montra do Improptu enfatizam esta questão.

Há também, com este projecto, uma ligação a Macau e a Portugal.

É óbvia essa relação. A parte interessante é que, sobretudo com os aeroportos e portos marítimos, as ligações entre os países não são visíveis e não se materializam como as estradas. Qualquer porto ou aeroporto se pode interligar com outro no mundo. Nesta instalação não mostro apenas as ligações de comércio entre os nossos países mas também uso uma tipologia de infra-estruturas que enfatiza as nossas relações enquanto seres humanos. Mas diria que essas ligações globais e de comércio são importantes, mas não tanto como os nossos valores culturais.

O facto de expor este projecto numa montra faz com que seja diferente?

Fiz muitas instalações com o tema do urbanismo, muitas vezes dentro de instituições culturais como galerias, espaços de arte ou museus. Quando me pedem para fazer uma instalação eu tento cada vez mais fazer uma ligação em torno das pessoas ao instalá-la num espaço público. Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora, significa comunicar. Considero sempre o meu trabalho como arquitectura e isso está sempre ligado ao contexto do espaço exterior. Não espero que todos o compreendam, mas não me importo que se levantem questões. Esse é um dos focos do meu trabalho. Penso que a ideia do estúdio de criar uma montra como espaço de exposição tem o mesmo fim. Eles [João Ó e Rita Machado] querem ligar-se às pessoas à sua volta dar a conhecer a arte e a arquitectura. Para mim é um valor acrescentado!

23 Set 2021

Evergrande | Potencial falência pode levar a uma nova crise sistémica

O gigante chinês do sector imobiliário Evergrande Real Estate Group acumulou um passivo preocupante, com uma dívida cinco vezes superior à do banco de investimento Lehman Brothers em 2008, quando caiu. Economistas alertam para os muitos tentáculos do grupo empresarial na economia chinesa e para o potencial impacto a nível mundial e local

 

Há 13 anos os mercados financeiros entravam em pânico com a crise do subprime nos EUA. A queda do banco Lehman Brothers acabaria por rebentar numa enorme crise económica com repercussões mundiais, mas desta vez a bolha parece estar a rebentar deste lado do mundo.

Nos últimos tempos multiplicam-se as notícias do passivo estrondoso, e do consequente perigo de falência, do gigante imobiliário chinês Evergrande, que tem uma dívida na ordem dos 300 mil milhões de dólares americanos, cujos juros vencem esta semana, valor cinco vezes maior do que o Lehman Brothers devia em 2008. Esse montante é ainda sete vezes superior ao que os casinos de Macau ganharam no seu melhor ano em termos de receitas, 2013.

Outro dos aspectos que tem vindo a lume são as dívidas a empreiteiros e fornecedores de um grupo que, nos últimos anos, se dedicou a outras áreas de actividade que não apenas o imobiliário, incluído produtos de investimento. E esse pode ter sido o seu principal erro.

Com sede em Shenzhen e listado na bolsa de valores de Hong Kong há mais de uma década, o grupo Evergrande depara-se hoje com um enorme problema por resolver que pode causar um impacto em cadeia na economia chinesa.

O portal chinês Caixin, na edição de segunda-feira, falava de uma crise parecida com a queda do Lehman Brothers e referiu que nos últimos dois meses centenas de pessoas têm reclamado o dinheiro a que têm direito no 43º andar do Zhuoyue Houai Center, em Shenzhen. Segundo o jornal The New York Times (NYT), as palavras de ordem são o espelho da revolta dos lesados. “Evergrande, devolvam o dinheiro que ganhei com sangue e suor!”, gritavam alguns dos presentes.

A 14 de Setembro, o NYT noticiou que o grupo imobiliário admitiu enfrentar uma “tremenda” pressão financeira, tendo já contratado especialistas para “explorar todas as soluções possíveis” para resolver o quebra-cabeças.

No domingo, o diário noticiou que têm sido discutidas soluções para que o grupo devolva dinheiro investido pelos seus próprios funcionários. Jin Cheng, de 28 anos, disse ao jornal que investiu 62 mil dólares na Evergrande Wealth, o ramo do grupo dedicado a produtos de investimento. “Não temos muito mais tempo”, apontou. O grupo está ainda a tentar desfazer-se de 1,6 milhões de casas que tem em seu nome.

O grupo emprega hoje 200 mil trabalhadores directos e dá também trabalho, de forma indirecta, a 3,5 milhões de pessoas.

Analistas ouvidos esta terça-feira pelo South China Morning Post garantem que o grupo pode começar a liquidar alguma da sua dívida a partir de hoje, apesar de ser “pouco provável” que isso aconteça. Matthew Chow e Christopher Yip, analistas da Standard and Poor’s Global Ratings, não acreditam na intervenção estatal. Pelo menos, para já. “Não esperamos acções governamentais para ajudar a Evergrande a não ser que haja risco sistémico de instabilidade. Um resgate por parte do Governo iria abalar a campanha de disciplina financeira no sector imobiliário.”

Um risco “sistémico”

Ao HM, o economista Albano Martins declarou que a crise não surgiu com a pandemia, mas é “sistémica”. O grupo “cresceu, entrou para outros mercados e o seu negócio não produziu liquidez suficiente para pagar as dívidas a tempo. Tem vindo a recorrer à emissão de dívida, que nem tão pouco é garantida.”

O seu “crescimento fortíssimo”, com aposta em várias áreas que nem sempre o grupo dominou, pode levar agora a uma crise “com um risco sistémico” na economia chinesa.

“A China cresceu muito desde 1989 e a explosão da economia fez-se muito à base do investimento em imobiliário. Esta foi uma das grandes empresas que contribui para a explosão do PIB. O regulador [Banco Central Chinês] sabe que se houver incumprimento, e se gerar pânico, espalha-se a todo o sistema chinês e também lá fora”, acrescentou o economista.

Apesar das comparações com a crise do subprime serem imediatas, a economia chinesa não tem o mesmo posicionamento que a economia norte-americana tinha em 2008. “A China vai ter de se habituar a viver à custa de uma economia que é de mercado”, comenta.

O economista António Félix Pontes, que exerceu funções de direcção e administração na Autoridade Monetária e Cambial de Macau, acredita que as autoridades chinesas não vão deixar que esta crise se transforme num caos financeiro e económico.

“‘A Evergrande’ é dos casos que podemos tipificar como ‘Too big too fail’, mas, neste momento, todas as hipóteses estão em aberto. A intervenção das autoridades de supervisão chinesas tarda, o que está a criar sentimentos de pânico entre os clientes, investidores e demais credores, situação que se deveria conter.”

Félix Pontes está, no entanto, “convencido” de que “ainda há tempo para reverter a situação com a reestruturação da dívida [do grupo], o que implicará a injecção de fundos colossais”. O grupo “terá, em contrapartida, de ceder terrenos, edifícios e outros activos relevantes”, aponta.

“Só assim se salvará [a empresa] do desastre financeiro para que está destinada. No entanto, desconfio que a bolha imobiliária na China não começa e acaba no grupo Evergrande. Só se fosse ingénuo”, revela ainda o economista.

HK e Macau, que impacto?

Albano Martins não sabe até que ponto o risco de falência do gigante imobiliário pode ter repercussões em Macau. Desconhece-se a penetração dos bancos locais nesta rede e não existe uma bolsa de valores como em Hong Kong.

No entanto, a situação “pode afectar os bancos que estejam em Macau”, já que, mesmo que não tomem os activos das empresas de outros sectores, podem emprestar dinheiro ou colocar as suas obrigações no mercado.

A queda do grupo, a concretizar-se, terá “efeitos nefastos nos mercados imobiliário e financeiro da China e de Hong Kong, e o fenómeno de contágio para outras economias, incluindo Macau, tem alto grau de ocorrer”, alerta António Félix Pontes.

A nível local “estamos a viver um período de grande instabilidade financeira com a elevada quebra na cotação das acções das operadoras de jogo, e agora com uma eventual crise imobiliário e financeira regional”, rematou.

Rose Lai, docente da Universidade de Macau e especialista na área do imobiliário, defende que o mercado “será ligeiramente afectado devido à venda das casas com grande desconto para que haja saída de dinheiro. Propriedades semelhantes poderão ser afectadas e, consequente, os preços podem baixar um pouco, mas provavelmente não muito”.

EUA prontos a reagir

Na segunda-feira as bolsas registaram com quebras significativas, mas questionada sobre estas inquietações, a porta-voz do presidente dos EUA, Joe Biden, Jen Psaki, relativizou: “Trata-se de uma empresa chinesa, cujas actividades estão sobretudo concentradas na China”. Mas acrescentou: “Dito isto, acompanhamos sempre os mercados mundiais, incluindo a avaliação de todos os riscos para a economia dos EUA e estamos prontos a reagir de maneira apropriada, se necessária”.

Para Karl Haeling, do LBBW, “o risco de contágio só existe se as autoridades chinesas deixarem a Evergrande cair totalmente na falência, mas isto não faz sentido para a China, dados os problemas internos e os cortes de emprego que isso ia causar”.

Além do receio de um efeito dominó, outros factores enervaram os investidores, num panorama de instabilidade, avançou Gregori Volokhine, da Meeschaert Financial Services.

“Não estou convencido de que a China, um país comunista, intervencionista, deixe cair a Evergrande. Para mim, os ventos contrários ao mercado vêm nitidamente de Washington”, contrapôs o analista, citando o impasse sobre a subida do limite da dívida pública dos EUA, “que se tornou uma questão política”.

Pagar obrigações

A Evergrande disse ontem ter chegado a acordo com os detentores de obrigações para evitar o incumprimento de uma das suas dívidas. Numa declaração à Bolsa de Shenzhen, o grupo afirmou que uma das suas filiais, Hengda Real Estate, tinha negociado um plano de pagamento de juros sobre uma obrigação com vencimento em 2025.

Segundo a Bloomberg, Evergrande reembolsa hoje 232 milhões de yuan da dívida devida sobre a obrigação de 5,8 por cento, que se destina ao mercado obrigacionista doméstico. Mas o gigante imobiliário baseado em Shenzhen está longe de estar fora de perigo, dado o montante total da sua dívida. Outros reembolsos são devidos hoje e o grupo ainda não disse como planeia cumpri-los.

23 Set 2021

Literatura | Dora Nunes Gago e Luís Carmelo finalistas dos prémios PEN Club 2021

A directora do departamento de português da Universidade de Macau é finalista na categoria “Ensaio” com o livro “Uma cartografia do olhar – Exílios, imagens do estrangeiro e intertextualidades na Literatura Portuguesa”. Já o escritor Luís Carmelo, colaborador do HM, é finalista na categoria Narrativa com o livro “Cálice”, uma edição da Abysmo

 

Graças ao livro “Uma cartografia do olhar – Exílios, imagens do estrangeiro e intertextualidades na Literatura Portuguesa”, editado pela Húmus, Dora Nunes Gago está entre os 15 finalistas da edição deste ano dos prémios PEN Club. A directora do departamento de português da Universidade de Macau (UM) revelou ao HM estar “muito honrada e feliz” com esta distinção. A lista dos finalistas foi conhecida na quarta-feira.

A felicidade surge só pelo facto de estar no mesmo grupo que o filósofo português José Gil. “Em suma, só me posso sentir grata e honrada por figurar no meio de autores tão reconhecidos.”

Esta obra nasce do trabalho de investigação desenvolvido por Dora Nunes Gago na UM, nomeadamente quanto a “projectos desenvolvidos sobre imagens do estrangeiro e exílios, no âmbito da literatura portuguesa, comparada e também literatura de Macau”.

A académica consultou o espólio de escritores como José Rodrigues Miguéis, disponível na Universidade de Brown, nos EUA, e em outras bibliotecas de universidades estrangeiras.

A última parte do livro foi concluída graças a um trabalho de investigação feito não apenas na Universidade de Brown mas também em Brock, no Canadá, Aveiro e Paris-Nanterre, em França.

O livro finalista dos prémios PEN Club contém dez capítulos e centra-se na representação dos percursos migratórios e da experiência exílica na área da literatura, sobretudo portuguesa, partindo também de um ponto de vista comparativo e de intersecção entre a Imagologia e outras teorias adequadas à análise dos fenómenos de exílio.

Além da análise à obra de Rodrigues Miguéis, são também estudadas obras de Fernanda Dias, escritora que viveu em Macau entre 1986 e 2005, Ferreira de Castro, Jorge de Sena, Maria Ondina Braga e Agustina Bessa-Luís.

Estas são vozes relevantes, mas que ficaram “algo esquecidas no panorama da literatura portuguesa que importa resgatar do silêncio” e que nos trouxeram “lições de humanidade”. O trabalho de Dora Nunes Gago olha ainda para o poeta Carlos Drummond de Andrade e para a escritora macaense de origem chinesa Ling Ling, entre outros.

Uma “ocultação maior”

Na categoria de Narrativa é finalista o escritor português Luís Carmelo, habitual colaborador do HM. Carmelo concorre com a obra “Cálice”, editada pela Abysmo.

Para o autor, a nomeação dá-lhe felicidade, uma vez que este romance “foi criado numa atmosfera evocativa realmente única” na sua vida.

“Cálice” parte da morte de um pai que não mais é do que uma metáfora para a morte de todos os pais, “essa ocultação maior que permanece”. “Trata-se de uma narrativa que testemunha o modo como três gerações de uma família lentamente se redescobrem. A morte do pai é a privação do coro grego a que os filhos desde sempre se habituaram. Recuperá-lo é uma longa viagem que se está sempre a reiniciar”, descreve Luís Carmelo.

A escrita de “Cálice” vai avançando “entre o tempo histórico e o andamento de várias urgências interiores, deixando para o final uma surpresa, porventura um assombro”.

Luís Carmelo não deposita nenhumas expectativas em relação à possibilidade de ganhar o prémio. “É como num jogo de futebol em plena final: que ganhe o melhor. Todos os outros nomeados são meus amigos e prezo-os mesmo muito”, confessou.

20 Set 2021

Plano quinquenal | Especialistas destacam política sobre veículos eléctricos

O ambientalista Joe Chan e o académico Thomas Lei congratulam o Governo pela medida que obriga serviços públicos a escolherem veículos eléctricos, quando for necessário adquirir viaturas novas. Porém, Joe Chan critica a postura conservadora face às metas ambientais para os próximos anos

 

A partir do próximo ano, o Executivo vai obrigar todos os serviços públicos a comprar veículos eléctricos quando for necessário adquirir ou substituir viaturas da frota automóvel. A medida prevista no segundo Plano de Desenvolvimento Quinquenal da RAEM (2020-2025) é para o académico Thomas Lei, da Universidade de São José (USJ), um passo importante.

“É um grande passo em frente o Governo exigir aos departamentos públicos que apenas tenham veículos eléctricos em substituição dos antigos, assim como a construção de estações de carregamento para veículos eléctricos”, disse ao HM. Para o especialista, “como os veículos eléctricos têm zero emissões e não emitem partículas PM 2.5 e NOx [óxido de nitrogénio] para a atmosfera, podem ser uma solução para reduzir as emissões dos veículos nas estradas de Macau”.

Na óptica do ambientalista Joe Chan este é o único ponto positivo das políticas ambientais contidas no novo Plano Quinquenal.

“Vemos que o Governo está a esforçar-se para que os veículos eléctricos sejam mais populares, com mais parques de estacionamento e estações de carregamento, além de que o Governo vai adquirir carros eléctricos. Nos próximos cinco anos, sem dúvida que veremos mais viaturas deste tipo nas estradas.”

Níveis podem melhorar

Outra das propostas do Executivo é manter, até 2025, a emissão de partículas PM 2.5 abaixo das 25 microgramas por metro cúbico. Thomas Lei destaca “o compromisso” de reduzir emissões de dióxido de carbono para a atmosfera nos próximos cinco anos, propondo passar de 53 para 45 por cento.

O académico considera, no entanto, que o nível da emissão das partículas PM 2.5 ainda pode melhorar para atingir os níveis sugeridos pelo Guia da Qualidade do Ar da Organização Mundial de Saúde. Além disso, “o ideal é que haja uma elevada percentagem de dias com ar limpo para actividades ao ar livre”.

Para Joe Chan a redução das emissões de dióxido de carbono “é o único objectivo do Plano no qual vale a pena focarmo-nos”. O ambientalista aponta que “não podemos esperar uma grande melhoria da qualidade do ar nos próximos cinco anos porque continua a ser usado o mesmo objectivo constante no índice de poluição do ar”.

Assim sendo, o ambientalista considera que os objectivos públicos para as zonas verdes são “desapontantes”. Está prevista a plantação de cinco mil árvores e o aperfeiçoamento de 20 mil metros quadrados de zonas verdes. “O Governo apenas diz que vai melhorar a área destinada a zonas verdes em vez de aumentar, o que é verdade, pois no passado a definição de zona verde era ridícula, incluindo espaços abertos dos casinos e cemitérios. Provavelmente, o Governo quer usar os próximos cinco anos para melhorar essas áreas.”

Relativamente a Coloane, Joe Chan entende que “a construção deveria ser restringida nas zonas húmidas e montanhosas” e aproveitados os terrenos ocupados ilegalmente para novos espaços verdes.

20 Set 2021