Greve geral e surreal

Um casal membro de um sindicato pertencente à CGTP-Intersindical encontrava-se num dilema no passado dia 11, dia de greve geral, antes de sair de casa. O problema era desejar ir à manifestação organizada para protestar contra a absurda proposta do Governo Montenegro sobre uma eventual nova Lei Laboral, uma greve geral que há muitos anos não juntava a UGT e a CGTP. O dilema prendia-se precisamente com a greve geral. O casal, residente na Amadora, não tinha qualquer transporte para se deslocar para o centro de Lisboa. O seu melhor vizinho também tinha decidido não ir à manifestação porque o Metropolitano estava em greve total.

Milhares de trabalhadores ficaram impedidos de ir à manifestação por falta de transporte. O surrealismo estava à vista. Vontade de protestar, sim. Como, impossível. Mais surreal foi o facto de os motoristas de dezenas de autocarros que as centrais sindicais alugaram para transportar manifestantes, terem de trabalhar num dia de greve geral, Portugal político está mesmo dividido ao meio. De um lado, os conservadores e neofascistas. Do outro, a esquerda democrática e radical.

Uma divisão triste para quem deseja um país melhor e uma redução no número de portugueses a viver no limite da pobreza. As centrais sindicais anunciaram que a greve geral foi estrondosa, a melhor de sempre e com uma adesão invulgar a rondar os 80 por cento. A greve paralisou transportes aéreos, ferroviários, rodoviários, marítimos e fluviais, além de escolas, creches, hospitais, centros de saúde, lares para idosos, centros de dia, tribunais, universidades e museus.

O Governo Montenegro veio, com ar de desprezo e arrogância pela realização da greve geral, dizer que a adesão foi diminuta e que não teria passado dos cinco por cento. E a sua demagogia imperou quando “ordenou” aos canais de televisão que controla, que mostrassem bem que na Autoeuropa estavam imensos trabalhadores a não aderir à greve geral. O costume dos números. Para uns, excelente. Para outros, um fiasco. A verdade é que a greve geral mexeu com milhares de portugueses, de uma forma ou outra.

O mais importante nem era a greve geral. O que está em causa é o protesto generalizado, incluindo por parte de alguns antigos dirigentes do PSD e do CDS, contra o conteúdo absurdo e prejudicial da proposta governamental para uma nova Lei Laboral. A preocupação que mais tem crescido nos inquéritos às empresas é a falta de trabalhadores, muitas áreas de actividade enfrentam sérias dificuldades com a falta de pessoal qualificado e as limitações ao recrutamento de mão-de-obra estrangeira a pôr em risco os objectivos do PRR.

Num contexto de escassez de mão-de-obra os salários reais têm crescido nos últimos anos acima da inflação, com destaque para a área da construção, com valorizações acima de oito por cento. Face a este cenário o que resolveu o Governo na sua fúria ideológica? Abrir um incompreensível conflito social em torno das leis laborais, já profundamente revistas várias vezes este século.

Nada se tem percebido sobre a abertura negocial do Governo relativamente aos temas principais da sua proposta. Obviamente que ao fim de quatro meses de orelhas moucas do Governo, tinha de ser organizada uma greve geral. Retrocesso no pacifismo laboral é o Governo pretender a possibilidade de despedimento sem processo nem justa causa nas empresas até 50 trabalhadores, com a dispensa de reintegração caso o despedimento seja considerado ilegal pelo tribunal, a possibilidade de contratar em outsourcing no dia seguinte ao despedimento colectivo, com banco de horas individual, com contrato a prazo para toda a vida, com a possibilidade de reclassificação profissional com a redução de salário, com obrigatoriedade dos pais das crianças trabalharem ao fim-de-semana ou com a descriminalização do trabalho não declarado e pago por baixo da mesa.

Estas são algumas das “inovadoras” propostas do Governo, que em nenhuma altura aceitou retroceder, mas que em nada contribuem para a competitividade, a modernização digital e a qualificação dos trabalhadores. Depois de meses de hipocrisia do diálogo e de inocentes lamentos acerca de uma greve “inoportuna”, Montenegro veio misturar a ameaça sobre o cumprimento dos serviços mínimos, e o terrível impacto económico da greve geral. Simplesmente balelas com uma vaga de demagogia de promessas sobre salários que nem lembrariam aos sindicatos como pedidos ao Pai Natal…

Até Bagão Félix e Silva Peneda vieram já reconhecer a inoportunidade e natureza desequilibrada da reforma da legislação laboral. E estas personalidades não são sindicalistas, nem socialistas e muito menos frequentaram manifestações de protesto ou participaram em greves.

O mais surreal disto tudo, é que o Governo irá esperar que depois de se ter esquecido a greve geral e passado o Natal possa impor a máquina trituradora que levará os trabalhadores portugueses a perderem direitos como nunca sonharam. Só falta que a aliança PSD/Chega anuncie que o regime democrático também será alvo de uma reformulação laboral…

15 Dez 2025

Aonde? Em Espanha

O abuso sexual de menores é assustador. A Polícia Judiciária tem apanhado cada vez mais predadores pedófilos que, especialmente através das redes sociais, conseguem convencer menores a trocar fotografias despidos. Fazem-se passar por adolescentes da mesma idade, prometem tudo e chegam ao ponto de marcar encontros, alguns em casa dos predadores, onde violam os menores, sejam do sexo feminino seja do masculino. Muitos casos acontecem no seio familiar. Alguns comentadores já apoiaram a ideia da castração química. Nada mais irrealista porque a doença ou o vício é de tal ordem que se isso se viesse a verificar, os predadores abusariam na mesma com os dedos das mãos.

Um homem que abusou sexualmente de várias jovens menores, todas amigas dos seus filhos, foi condenado a uma pena de 26 anos de prisão. O homem durante os contactos tinha prometido presentes e a experiência de drogas. Os crimes aconteceram entre o final de 2021 e Outubro de 2023. O arguido foi acusado pelos crimes contra liberdade sexual e contra a saúde pública. O caso foi denunciado depois de o pai de uma das vítimas o ter denunciado às autoridades, após a filha ter sido internada várias vezes pelo consumo de droga. Depois disso, o caso passou para as mãos da Unidade de Apoio à Mulher.

Segundo se viria a provar o homem interpelava as amigas de escola dos filhos quando estas iam a sua casa., oferecendo-lhes dinheiro, estupefacientes e presentes, em troca de favores sexuais. Perante os factos, o homem negou todas as acusações, afirmando que apenas lhes dava boleia. A polícia acedeu ao telemóvel do suspeito onde viria a encontrar as provas de mensagens trocadas entre o suspeito e as vítimas. Nas galerias do telefone encontrou fotos e vídeos íntimos das raparigas.

O procurador do caso pediu que fossem aplicadas as medidas de liberdade condicional que variavam entre cinco e dez anos, e penas de inabilitação para o exercício da autoridade parental durante cinco anos, bem como para o exercício de qualquer profissão ou ofício que implicasse contacto directo e regular com menores por um período de até vinte anos.

No entanto, o tribunal em julgamento, analisou todos os factos em pormenor e deliberou que os acontecimentos ocorridos com as várias menores eram de uma gravidade extrema e sentenciou o arguido a 26 anos de prisão.

Mas, afinal, aonde ocorreu o descrito? Em Espanha…

É verdade, em Espanha, para nossa infelicidade, já que temos assistido em Portugal a decisões judiciais absurdas em que os abusadores sexuais de menores saem do tribunal apenas com a pena de “liberdade e residência”. Têm existido casos, em que juízas não perdoam os predadores e sentenciam-nos a alguns anos de prisão. Casos muito escassos.

Ora, aqui está uma matéria que merece ser atendida numa futura reforma da Justiça portuguesa. Este tipo de gente que abusa sexualmente de menores, incluindo pais ou padrastos, não merece perdão algum. Este tipo de criminosos tem de ser severamente punido. Uma psicóloga com quem contactámos afirmou que “estamos perante casos de traumatismo mental nos menores que ficam para toda a vida”, acrescentando que “os abusadores sexuais de menores não podem continuar em liberdade e sabe por quê? Dou-lhe um exemplo: um abusador é proibido de se aproximar de menores pelo tribunal, mas se entra no elevador do seu prédio ao mesmo tempo que um menor, o mais certo é dar-se de imediato a tentativa do abuso”.

Os casos em Portugal de abuso sexual de menores têm tido os mais diferentes cenários. Alguns, por culpa dos próprios pais, que autorizam os filhos menores a sair à tarde ou à noite com a justificação de que vão estudar para casa de uma amiga e, afinal, os filhos vão para festas onde reinam os estupefacientes e a bebida. Ou mesmo para um bar ou discoteca. Ainda recentemente uma menor foi violada às três horas da madrugada por um motorista da Uber e os pais afirmaram que a filha tinha saído de casa depois de eles estarem a dormir. Pergunta-se: e por que não retiraram as chaves da porta ou uma cópia das mesmas das mãos da filha?

O problema é grave e está a agudizar-se. Os menores, em grande maioria, estão a receber uma educação dos pais quase inexistente. Os pais trabalham de manhã à noite e mal têm tempo para dar atenção ao que se passa nos computadores dos filhos, quanto mais ministrarem as boas regras de educação e os cuidados a terem no relacionamento com outros menores, muitas vezes, os tais “menores” que nas redes sociais se fazem passar por amigos da mesma idade e que, ao fim e ao cabo, estamos perante o início de um crime hediondo.

9 Dez 2025

Comemorações agradaram a alguns fascistas

Há mais de 50 anos, o povo português, incluindo os “bufos” da PIDE/DGS, saiu à rua a comemorar o maior dom que um povo pode ter: a liberdade. Um golpe militar tinha acabado com uma ditadura política com mais de 40 anos. Os militares do Movimento das Forças Armadas (MFA) tinham conseguido derrubar um regime opressivo que levou anos a prender e a deportar quem defendia a liberdade, a democracia, o socialismo e o comunismo. Os tempos seguintes ao golpe militar foram conturbados porque logo nos apercebemos que esses militares também tinham as suas opções políticas e também começavam a fazer o jogo deste ou daquele partido político. Mário Soares e Álvaro Cunhal regressaram do exílio e no primeiro 1º de Maio a festa foi estrondosa e de uma união popular nunca vista. Com o decorrer do tempo fomos assistindo que as divergências entre os militares do MFA apoiadas por certos partidos raiavam o limite do radicalismo.

No dia 28 de Setembro de 1974 assistimos a uma tentativa de golpe de Estado protagonizada por sectores conservadores, liderada pelo Presidente da República, general António de Spínola e onde imperava na altura a chamada “maioria silenciosa” que tinha como objectivo travar o processo democrático, mas, essencialmente, controlar as decisões sobre a descolonização. O sector de esquerda do MFA conseguiu proibir uma manifestação de apoio a Spínola e recordamo-nos que foram colocadas barricadas nas entradas de Lisboa, a fim de impedir a entrada de apoiantes de Spínola. Como consequência foram presos vários organizadores da manifestação, o general Spínola demitiu-se de Presidente da República e o evento marcou a derrota da tentativa de viragem à direita e o reforço do controlo do MFA sobre o processo revolucionário. Primeira nota importante: nunca ao longo de mais de 50 anos de democracia, os democratas de esquerda comemoraram a vitória do 28 de Setembro de 1974.

Em 11 de Março de 1975 assistimos pessoalmente à tentativa de outro golpe de Estado, desta vez, comandado mesmo pelo general António de Spínola contra o governo da altura apoiado pelos militares de esquerda do MFA. A intentona iniciou-se com o bombardeamento ao Regimento de Artilharia Ligeira nº 1 (RAL 1) tendo sido morto um soldado que se encontrava deitado numa das casernas. Nos arquivos da RTP têm de estar as imagens da perfuração do telhado e o sangue na cama e no chão da caserna. O RAL 1 foi cercado por tropas para-quedistas, afectas a Spínola, e as negociações duraram quase todo o dia. A intentona viria a falhar por falta de apoio popular a Spínola e devido à resistência que se registou por parte dos militares do RAL 1 e de muitos populares. O fracasso da tentativa de golpe viria a provocar a fuga de Spínola para Espanha e depois para o Brasil. Segunda nota importante: os democratas de esquerda em mais de 50 anos de democracia nunca comemoraram a vitória sobre a intentona de interromper o processo revolucionário.

O Verão que se seguiu foi muito “quente” com várias disputas no seio do MFA e com os partidos de direita a agudizarem o confronto com o Partido Comunista e outros partidos de esquerda radical. Tudo viria a terminar em 25 de Novembro de 1975.

Nesse dia, os militares de esquerda do MFA ocuparam a RTP e o capitão Duran Clemente, ao usar da palavra directamente nos estúdios da televisão pública, foi interrompido de um momento para outro e a emissão passou a ser dirigida dos estúdios do Porto. Simultaneamente no quartel da Polícia Militar, os militares ali em serviço comandados pelo major Tomé viram-se confrontados pelos militares comandos da ala direita do MFA, comandados pelo capitão Jaime Neves e pelo major Ramalho Eanes. O tiroteio foi uma realidade. Morreram dois militares comandos e outros da Polícia Militar. No Palácio de Belém, onde residia o Presidente da República, general Costa Gomes, pediu-se a prisão do estratega do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho e a ilegalização do Partido Comunista. Ao fim da tarde, com as tropas dos Comandos a controlar todas as operações a seu favor, realizou-se uma reunião do MFA onde a ala moderada, liderada pelo major Melo Antunes, conseguiu que Otelo não fosse preso e que o Partido Comunista se mantivesse como um partido legal ao serviço da democracia. O 25 de Novembro, uma disputa política, mas essencialmente entre militares, foi de imediato anunciado como uma “heroica” reposição do estado democrático. Terceira nota importante: nunca em mais de 50 anos de democracia as forças políticas de direita se lembraram de comemorar oficialmente o 25 de Novembro de 1975.

Na semana passada, constatámos que o 25 de Novembro foi oficialmente comemorado com pompa e circunstância e, obviamente, com o apoio das forças políticas de direita e da extrema-direita, com a discordância do Partido Socialista e de outros partidos políticos de esquerda e, com a agravante, de se ter comemorado a data em plena Assembleia da República com a presença do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

A verdade, é que fomos testemunha de posições de indivíduos defensores de políticas fascistas e neonazis, afirmando que as comemorações do 25 de Novembro “eram muito mais importantes que as do 25 de Abril”. Já não temos quaisquer dúvidas que o sistema político em Portugal está em mudança. Uma mudança perigosa. Uma mudança em que os racistas, xenófobos e neonazis avançam com propostas no Parlamento que colhem o apoio do eleito Governo Montenegro que se anuncia democrático. Não, meus amigos. Temos de nos compenetrar que a mudança política a que assistimos poderá terminar numa ditadura disfarçada de democracia, onde as prisões e a falta de liberdade de imprensa serão uma realidade.

1 Dez 2025

Presidentes para todos os gostos

A campanha eleitoral para os candidatos a Presidente da República está na estrada. Os pretendentes ao palácio de Belém são mais que muitos e para todos os gostos. No dia 18 de Janeiro do próximo ano, o povo português é, mais uma vez, chamado a dirigir-se às urnas para votar em quem pretende ser o novo Presidente de Portugal. Há candidatos da extrema-direita à extrema-esquerda. O voto é secreto, mas a maioria do povo já tem uma ideia em quem irá votar. Uma coisa é certa: os portugueses querem continuar a viver em democracia e não aceitam teses xenófobas, racistas e neonazis. As sondagens valem o que valem. Normalmente erram no resultado final. No entanto, certos canais de televisão tudo têm feito para influenciar o voto num certo sentido.

Hoje, deixo-vos aqui o que pensamos de cada um dos candidatos.

André Ventura – Um candidato anti-sistema político em vigor, que tem defendido o ódio pelos imigrantes, que preconiza uma mudança nas leis da nacionalidade e até na própria Constituição da República. É visível que apenas se candidata para tentar manter a sua base eleitoral para futuras eleições legislativas, apesar de o seu Partido Chega, ter vindo a perder adeptos. Nos debates televisivos que já participou só sabe gritar e apresentar os mesmos argumentos que anuncia desde que fundou o partido. Não se adivinha sequer que possa participar numa eventual segunda volta das eleições presidenciais.

Marques Mendes – O antigo comentador televisivo e dirigente do PSD resolveu candidatar-se porque o seu companheiro Luís Montenegro lhe garantiu que teria o apoio da Aliança Democrática PSD/CDS, que de momento governa o País. Marques Mendes apresenta-se como um candidato de facção. Sem dúvida, que os adeptos do governo Montenegro irão votar nele. No entanto, nem todos os militantes do PSD apoiam esta candidatura. Para esses militantes, Marques Mendes é um Marcelo Rebelo de Sousa número dois, com menos conhecimento da legislação constitucional. As sondagens fabricadas para sua valorização já chegaram a apresentá-lo como estando à frente das intenções de voto. Não cremos, sinceramente, que o povo escolha um Presidente que apenas iria para Belém defender todas as propostas de Montenegro.

Almirante Gouveia e Melo – Um candidato que recolheu de imediato, ao anunciar a sua candidatura, o apoio popular esmagador por ter sido um homem de seriedade e de organização quando se registou a pandemia do vírus Covid-19. Uns, apoiam novamente um militar na Presidência de Portugal. Outros, são radicalmente contra a eleição de um militar. Dizem que não tem experiência política e que não sabe explicar em que área política se situa. Como é que um cidadão que chega a almirante não sabe de política? Como é que não acompanhou as vicissitudes da política nos 50 anos de democracia? Impossível. Gouveia e Melo sabe perfeitamente os apoios que tem e que ideias possui para ser um Presidente diferente. O problema, é que os seus adversários políticos sabem que Gouveia e Melo sabe demais, como por exemplo, quem recebeu “luvas” na aquisição dos submarinos de alta tecnologia Arpão e Tridente, não tendo existido qualquer investigação do Ministério Público quando os intervenientes alemães no negócio estão presos. Os seus adversários querem a todo o custo afastá-lo, por Gouveia e Melo saber todos os podres de quem o quer afastar. É um dos candidatos fortes a vencer as eleições, à primeira ou à segunda volta.

António José Seguro – Um candidato experiente na política e na vida académica onde tem mantido um vasto contacto com jovens. Foi secretário-geral do Partido Socialista e após a “guerra” com António Costa hibernou. Passados 10 anos regressa trazendo consigo a sua seriedade, o seu conhecimento político da realidade portuguesa e a sua serenidade na análise dos problemas nacionais. O Partido Socialista, ou uma parte dele, viu-se obrigado a anunciar que apoiava este candidato. Seguro agradeceu o apoio, mas sublinhou a sua independência. Seguro desde que anunciou candidatar-se a Presidente, tem subido paulatinamente nas intenções de voto dos portugueses, especialmente entre um “centrão” moderado que inclui social-democratas e socialistas. Poderá surpreender e seguir para uma segunda volta.

Cotrim Figueiredo – Um candidato que foi líder da Iniciativa Liberal, um partido que mais se assemelha ao Chega do que ao PSD. Cotrim poderá ser uma surpresa, especialmente no voto dos jovens e das mulheres. Pessoalmente é uma pessoa cordial, conhecedora dos dossiês políticos, com experiência nos corredores do Parlamento Europeu e que se apresenta como defensor de um liberalismo moderno e reformista. Pode surpreender na percentagem de votos, mas não cremos que chegue para disputar uma segunda volta. A mobilização ao redor de Cotrim está a ser activa e influente. O seu resultado irá depender muito das críticas que anunciar contra o Chega, caso contrário, os militantes social-democratas descontentes com Marques Mendes não o irão apoiar e podem optar pelo voto em Seguro.

António Filipe – Este candidato é um Senhor. Sério, deputado da Assembleia da República durante muitos anos, conhecedor da Constituição do primeiro ao último parágrafo, afável e popular. Não renega as suas raízes de comunista, mas muitas vezes discordou das directrizes do Comité Central do seu partido, o PCP. É um candidato que tem percorrido todo o País e que se senta nos cafés a ouvir as queixas das populações. Tem conseguido uma base de apoio maior que a do seu próprio partido. Já ouvimos socialistas a dizer que votarão na sua candidatura. António Filipe é culto, excelente comentador, amigo dos desprotegidos e poderá obter um resultado surpreendente, apesar de as sondagens encomendadas pela AD o colocarem sem significado eleitoral. Talvez se enganem.

Catarina Martins – A candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda devia ter-se mantido na insignificância que se tem registado no seu partido, que mês após mês tem visto fugir eleitores para o Livre. Catarina não tem quaisquer hipóteses de obter um bom resultado, porque a crise que grassa no Bloco em nada a ajuda a conquistar eleitores. Sabe do que fala, aponta erros à governação de Montenegro, defende os reformados de miséria, mas não existe na sua candidatura uma máquina que a pudesse promover a uma candidata credível de conseguir um bom resultado.

Sobre o candidato do Livre e de outros pretendentes ao “trono” de Belém não nos vamos pronunciar pelo facto de não terem qualquer hipótese de serem eleitos. Na nossa modesta opinião, as eleições irão ser disputadas entre Gouveia e Melo e Marques Mendes ou António José Seguro. E numa segunda volta, se Seguro estiver presente, toda a esquerda poderá coexistir com a tese de Álvaro Cunhal de tapar os olhos e colocar a cruz em Seguro.

24 Nov 2025

Acabaram os direitos dos trabalhadores

O futuro dos trabalhadores portugueses vai ser muito negro. A maioria dos direitos conquistados com muita luta após o 25 de Abril de 1974 tem vindo a perder-se e agora poderá levar uma machadada forte. O Governo de Montenegro prepara-se, com o apoio do Chega, para apresentar aos deputados da Assembleia da República legislação que fere indubitavelmente os principais direitos adquiridos pelos trabalhadores. Um exemplo? Os patrões poderão despedir sem justa causa quando lhes apetecer.

Em 24 de Julho, o Governo anunciou com inusitado entusiasmo na reunião do Conselho de Ministros a aprovação de uma vasta revisão da legislação laboral com a designação de Lei Trabalho XXI, destinada a destruir quase por inteiro a Agenda para o Trabalho Digno aprovada em 2023.Não se tratava de uma mera reforma. Tinha sido aprovado um ante-projecto de diploma com alterações profundas, que mexem em cerca de uma centena de artigos do Código de Trabalho. Não se tratava de algo leve e a matéria em causa foi logo entregue para discussão aos parceiros sociais. Estes, ao tomarem conhecimento das intenções do Governo, ficaram de tal modo perplexos que andaram estes meses todos a estudar artigo por artigo e concluíram que o caso era de tal forma grave que há muitos anos que não se juntavam as centrais sindicais UGT e CGTP para uma greve geral, a qual está marcada para 11 de Dezembro.

Entretanto, os comentadores televisivos afectos à governação tendencialmente para o neofascismo, vieram logo em defesa de que algo teria de mudar na lei laboral porque as empresas não aguentavam a situação económica degradante em que estavam a caminhar. Nunca se ouviu um comentador dessa estirpe falar nas centenas de empresas que obtém milhões de euros de lucro. Os debates televisivos tinham uma intenção: era distrair as atenções dos aspectos mais relevantes da proposta governamental, enquanto o ritual do diálogo social era praticado em pleno Verão com a concertação social em serviços mínimos e o País a banhos olhando de soslaio para as notícias sobre o descontrolo dos incêndios e as urgências fechadas nos hospitais. Por seu lado, as confederações patronais manifestavam um júbilo previsível sobre as propostas do Governo. Mas, assim que a UGT e a CGTP anunciaram a greve geral eis que o primeiro-ministro veio logo a público com audição repetida em mais de dois dias, para divulgar o patético.

Luís Montenegro descarrilou de imediato ao associar o protesto sindical a intuitos partidários colocando no mesmo saco a relação da UGT com o PS e a da CGTP com o PCP. Marcelo Rebelo de Sousa foi sibilinamente incorrecto como sabe ser quando pretende ser parcial e partidário sem despir a casaca presidencial. Veio dizer que a greve é precipitada por não existir sequer uma proposta legislativa. Presidente chico-esperto é outra coisa.

Não há uma proposta de lei apresentada na Assembleia da República, mas está no site do Governo desde Julho um longo articulado com inúmeras propostas controversas tais como: fim da obrigatoriedade de reintegração do trabalhador em caso de despedimento julgado como ilegal pelos tribunais; possibilidade de contratação imediata de trabalhadores em outsorcing para substituir trabalhadores despedidos em caso de reestruturação empresarial; flexibilização das condições de despedimento sem justa causa; regresso do “banco de horas” individual, até 50 horas semanais ou 150 anuais, com base na ficção de igualdade negocial entre patrão e trabalhador; autorização para a contratação a prazo até três anos (termo certo) ou cinco anos (termo incerto); as mulheres serão severamente penalizadas com mais horas de trabalho e menor remuneração; eliminação da dispensa de trabalho nocturno e ao fim de semana de trabalhadores com filhos até aos 12 anos; tornar quase impossível o reconhecimento como contrato de trabalho das actividades de distribuidores de refeições ou motoristas da TVDE, que são considerados profissionais liberais; alargamento substancial das áreas sujeitas a serviços mínimos em caso de greve; as regras dos contratos colectivos deixam de se aplicar aos trabalhadores em regime de outsorcing e a lista quase não tem fim. Tudo em prejuízo dos direitos dos trabalhadores. Já há quem diga que este Governo de Montenegro é pior que o de Passos Coelho, de má memória.

Em bom rigor, o anúncio da greve geral dá um precioso mês, tanto ao Governo como aos parceiros patronais, para clarificarem qual a evolução possível para que se possam distinguir na abertura e espírito negocial de imposição unilateral.

O quadro de apresentação desta vaga de enfraquecimento dos direitos laborais e de criação de instabilidade adicional, sobretudo afectando as famílias e os jovens trabalhadores, surge numa altura em que o mercado de trabalho está no nível mais alto de sempre, com 5,3 milhões de trabalhadores activos e o desemprego está ao nível mais baixo desde a crise financeira internacional de 2008. Mesmo assim, o que se constata é que existe uma falta de trabalhadores, e que se tem acentuado com as restrições à contratação de estrangeiros, pelo que esta cruzada ideológica pela desregulação do mercado de trabalho é inimiga das famílias que trabalham. Concluindo: os trabalhadores no futuro vão enfrentar imensas dificuldades porque, infelizmente, o regime político está a virar para uma política quase antidemocrática e, quem sabe, se um dia não teremos legislação que proíba uma greve…

17 Nov 2025

O roubo do governo aos pobres

Em 2023, o antigo primeiro-ministro António Costa decidiu que as famílias ou os cidadãos a viver sozinhos, que tinham dificuldade em pagar a renda da casa passavam a usufruir de um subsídio mensal de 200 euros. O ex-chefe do Executivo para o efeito, e para outros apoios, cativou a verba necessária – cerca de 3.200 milhões de euros – até 2028 no Orçamento do Estado de 2024. Logo em 2023, cerca de 180 mil pessoas passaram a ser beneficiários do subsídio de renda. Em Janeiro deste ano, com o governo de Luís Montenegro, mais de 90 mil beneficiários iam desmaiando. Pessoas pobres, a sobreviver com imensas dificuldades viram o subsídio de renda suspenso. Foi o desvario. Os beneficiários não sabiam como resolver a situação e obter justificações para a suspensão absurda. Contactaram associações de reformados, de inquilinos e a comunicação social. O caso foi notícia e a notícia continua a ser divulgada até aos dias de hoje.
Os beneficiários ficaram informados de que a decisão partira do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), o qual tinha analisado os processos dos beneficiários e deixado de enviar a ordem para o Instituto da Segurança Social a fim de este efectuar as transferências das verbas para as contas bancárias dos beneficiários. Iniciou-se uma correria para a porta do IHRU, pois, este instituto não atendeu nunca os telefonemas, nunca respondeu aos mails e na porta entregam-se apenas 20 senhas de atendimento por dia, quando se encontram mais de 100 pessoas. No local, incluindo algumas em cadeiras de rodas que vêm de fora de Lisboa. O caos e o descontentamento revoltante, estão instalados. As televisões fizeram várias reportagens e ao confrontarem o IHRU, este também nunca respondeu aos jornalistas, como na semana passada foi salientado no diário ‘Público’.
Em Julho, numa reunião na Assembleia da República, o ministro da Habitação, Pinto Luz, foi confrontado pelos deputados do problema grave que estava a decorrer com prejuízo para cerca de 180 mil pobres. O ministro respondeu aos deputados pedindo desculpas pelo sucedido, que iria tratar rapidamente do assunto e que o subsídio de renda seria reposto com o pagamento de retroactivos. Passaram-se meses e a situação mantém-se na mesma.
Em Outubro passado, as televisões noticiaram que o IHRU tinha anunciado que o reembolso e o pagamento de retroactivos aos beneficiários seria pago até ao fim de Outubro. Terminou o mês passado e nada foi pago. Inacreditavelmente, o mesmo ministro veio à televisão afirmar que o IHRU tinha já pago a cerca de 40 mil beneficiários, mas que se tinham encontrado várias “incongruências” nos processos dos restantes beneficiários. Nada mais falso. Quais incongruências? A incongruência é do próprio governo que estava a roubar o dinheiro cativado para milhares de pobres. Um exemplo da incongruência do governo: um casal tinha um certo rendimento e com direito ao subsídio de renda. Começou a receber o subsídio mensalmente. Entretanto, morre um dos cônjuges e obviamente que o beneficiário/a ao ficar sozinho passou a declarar às Finanças, em sede de IRS, um rendimento menor. Ora, o IHRU alega que a incongruência é traduzida no rendimento que é menor que o quantitativo da renda da casa e, que por esse motivo, o beneficiário não poderá receber o subsídio. A incongruência do governo está patente porque se a cidadã ou o cidadão que passou a ter um rendimento menor que o valor da renda é precisamente factual que necessita muito do subsídio estatal para fazer frente ao pagamento da renda da casa.
Este assunto está a chocar os populares e os políticos não afectos ao governo. Todos são unânimes em afirmar que o governo não tem o direito de roubar os pobres, com a agravante de se tratar de uma verba cativada até 2028.
Nós pusemo-nos em campo e conseguimos falar com um assessor ministerial que nos confidenciou algo de vergonhoso e indecente. O governo tem estado com falta de tesouraria e alegadamente teria ido às verbas do subsídio de renda para colmatar o pagamento de outros itens. Isto, é inadmissível, a ser verdade. E mais: os beneficiários que têm visto o reatamento do pagamento resumem-se ao número permitido com as verbas que paulatinamente o governo vai repondo nos cofres do IHRU.
Estamos perante um caso da maior falta de seriedade, dignidade e humanismo por parte do governo.
As televisões não têm deixado cair o assunto em saco roto e já em Novembro o tema voltou a ser alvo de comentários televisivos que apontam para a desumanidade que está a ser praticada pelo governo. É incrível como o presidente do IHRU e os seus apaniguados não respondem aos jornalistas e aos beneficiários que viram o seu subsídio suspenso. Na passada sexta-feira, dia 7, data concreta em que mensalmente era pago o subsídio, mais uma vez milhares de pobres nada receberam e continua a lenga-lenga por parte do ministro e do IHRU de que existem “incongruências”, quando nós sabemos que alegadamente as verbas respeitantes ao pagamento dos subsídios teriam sido desviadas para outros fins. Deplorável é o que estão a sofrer milhares de portugueses pobres. Injectam-se milhões de euros na TAP, planeia-se a construção de um TGV, a construção de uma terceira ponte sobre o rio Tejo entre Lisboa e a Margem Sul, seguem milhões de euros para a Ucrânia e simultaneamente não se pagam 200 euros a quem vive com reformas de 500 euros, paga uma renda de 250, água, luz, alimentação e medicamentos e vê o subsídio de 200 euros suspenso por este governo, que em maldita hora esses beneficiários foram contemplados…

10 Nov 2025

A droga mata que se farta

Já lá vai o tempo em que o ópio transmitia inspiração a Camilo Pessanha. Em que uma ganza acalmava e dormia-se bem. Hoje, a droga mata. Mata centenas de jovens que se viciam em heroína, cocaína e substâncias psicoactivas químicas e que destroem o cérebro. Os viciados nas mais diversas drogas injectam-se nas veias e quando não existe pureza no produto apanham overdose e morrem. Houve jovens em Portugal que, afectados pela ressaca, bateram nos pais por estes não lhes facilitarem o dinheiro pretendido e de seguida suicidaram-se. As mortes por overdose aumentaram 16 por cento em 2023 em relação ao ano anterior totalizando 80, revelou um relatório do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) divulgado o ano passado, sendo a cocaína a droga mais responsável pela mortalidade.

Há dias, um menor de 14 anos matou a mãe com uma pistola do pai e a Polícia Judiciária já juntou aos autos dados indicadores que o jovem andava a consumir canábis em excesso. E o que são os drogados? Simplesmente uns dependentes dos negócios milionários do crime organizado onde os chefes dos traficantes ganham milhões de euros.

Na semana passada, assistimos a dois casos em Portugal de bradar aos céus. Uma mega-operação da GNR que descobriu várias quintas nos arredores do rio Tejo onde eram fabricadas e guardadas 13 lanchas rápidas, 11 galeras, um camião, 30 motores sofisticados, 16 carros topo de gama, 750 mil euros em dinheiro e muitas armas de fogo e brancas. Foram detidos 32 suspeitos de ligação ao tráfico de droga internacional, uma operação que contou com a cooperação da Guardia Civil espanhola. Assim, foi desmantelada uma rede criminosa a operar em Portugal e que se dedicava à construção e movimento de lanchas para o transporte de droga vinda de grandes navios oriundos da Colômbia e Brasil. A referida operação decorria há 32 meses. No decurso da investigação foram identificados diversos suspeitos de nacionalidade espanhola. A investigação ao longo de três anos ainda levou à detenção em Espanha de dezenas de traficantes de droga e toneladas de estupefacientes.

Igualmente na semana passada, o país ficou chocado com a morte de um militar da GNR e de outros três que ficaram feridos após uma colisão entre uma embarcação da GNR e outra alegadamente pertencente a narcotraficantes no rio Guadiana, perto de Alcoutim, Faro. Segundo um observador do acidente, os traficantes atiraram propositadamente a sua lancha contra a da GNR, abalroando-a e matando um dos militares a bordo, tendo de seguida pegado fogo à sua lancha numa das margens do rio para que não existissem provas de posse de droga. O mesmo observador, disse que se “tratou de um autêntico acto homicida”. O Presidente da República descreveu a situação como “dolorosa” e “lamentável”. Entretanto, a Polícia Judiciária e a GNR já detiveram dois suspeitos de terem estado envolvidos no abalroamento da embarcação da GNR que causou a morte do militar. Ao que tudo indica, os dois suspeitos já estavam referenciados por tráfico de droga em Espanha. Os suspeitos foram detidos quando tentavam atravessar uma ponte, num carro de matrícula espanhola, a caminho do país vizinho. Teriam na sua posse avultadas quantias de dinheiro.

Ao contactarmos um porta-voz da GNR, este afirmou que “Normalmente, quando se trata de cocaína a origem é a América do Sul e os traficantes fazem a trasfega no Atlântico. Se for tráfico de haxixe, a proveniência é o norte de África, passando o produto estupefaciente de uma embarcação maior, no Mediterrâneo, para estas lanchas que depois tentam entrar na Europa, servindo-se de Portugal e Espanha.”

Antes de se colocarem em fuga, os suspeitos terão ficado encalhados na margem do rio, incendiando de seguida a lancha eventualmente cheia de droga. O mesmo porta-voz adiantou que “normalmente nestes casos, as embarcações vêm do alto mar, fazem o desembarque (da droga) tanto no Guadiana como no rio Pedras, em Espanha, queimam a lancha e depois escapam.”

Toda esta actividade criminosa é facilitada porque os militares não têm os meios necessários para um combate eficiente. O Governo limita-se a lamentar quando acontece uma tragédia e lá vão o Presidente da República e a ministra da Administração Interna a correr para o funeral do militar morto pelos traficantes dando um ar de grande pesar. Uma cena que os familiares dispensavam porque o importante é o desprezo que as autoridades têm dado aos apelos das associações das forças de segurança para que as verbas aumentem para o combate ao tráfico de droga. E de tal forma é significativa a nossa posição, que só horas depois do fatal acontecimento de Alcoutim é que o Presidente Marcelo promulgou um diploma que regula o uso de lanchas rápidas. Possivelmente se o diploma tivesse sido promulgado há meses o militar da GNR não teria morrido. Como diz o povo, depois do assalto, trancas à porta…

4 Nov 2025

Ao que isto chegou

Um menor de 14 anos mata a mãe com uma arma do pai. Fomos ficando habituados a ler notícias tristes de filhos que roubam as joias da mãe para certos vícios ou que batem na mãe ou no pai porque estes não lhes dão dinheiro a fim de comprarem estupefacientes. Agora, a linha vermelha foi ultrapassada. Um menor diz que “a minha mãe chateava-me muito”, pega na arma do pai e mata a mãe sem apelo nem agravo. Ao que isto chegou.

A mãe, Susana Gravato, de 49 anos, era vereadora do PSD na Câmara Municipal de Vagos. O tribunal já decidiu o internamento do menor em regime fechado e depois poderá ficar na mesma situação mais três anos. O menor cometeu o crime de tal forma consciente que até, após o acto, simulou um cenário de assalto em casa. Ao falarmos com uma psicóloga, esta disse-nos que a mudança na educação dos filhos nos dias de hoje é tenebrosa. Que as redes sociais são uma das razões para a violência se estar a banalizar e que a legislação muito tem de mudar no que respeita ao acesso ao digital.

Miguel Sousa Tavares defendeu a proibição gradual das redes sociais, sublinhando que “Estão a dar cabo do nosso modo de vida”. Vivemos um tempo de educação por reflexo condicionado, acrescentou a psicóloga, para prosseguir salientando “que talvez porque estejamos a ser ultrapassados pelos cães. Vivemos uma época onde tudo é a consequência de um pseudo-trauma que a ignorância se propõe facilmente tratar e que mais não faz senão prolongar e agravar a doença”.

Nós lemos Freud muito cedo, e logo percebemos que, em Freud, quase tudo girava em torno da frustração e do sexo reprimido. Depois, como estava na moda, lemos Piaget achando que nos ajudaria a educar os filhos. Enganámo-nos. Piaget educou, mas foi a nós. Descobrimos que a educação dos filhos não se faz com amarras de teorias, religiões ou modas. A educação dos filhos, antes de tudo tem de ser um acto de amor, caso contrário, o reverso da medalha pode ser fatal.

Na verdade, o país outrora tido como pacífico, ficou chocado ao tomar conhecimento que uma filha tentou matar o pai à facada e arrancar-lhe os olhos para ficar, simplesmente, com uma casa, e no dia seguinte, um filho com apenas 14 anos mata a mãe com a pistola escondida do pai porque “a mãe era chata com os afazeres escolares”. Certo, é dizer que “matou” logo o pai e se matou a si próprio também. A loucura contamina e a maldade também. São gémeas idênticas. Os portugueses não queriam acreditar que se ultrapassou a linha vermelha e que agora os filhos já matam os pais.

Há uns anos, conhecemos José Manuel Anes, que foi presidente do Observatório de Segurança Criminal e Terrorismo. Um homem experiente de todos os aspectos da vida, da segurança, do crime e da espionagem. Não conseguimos entender qual foi a educação que Anes terá dado à sua filha Ana, para que esta o tente matar à facada e ter a “coragem” de ir para as redes sociais dizer que tentou matar o pai porque este tinha colaborado com a Mossad.

É incompreensível por parte de uma filha. José Manuel Anes tinha-nos referido que o cargo que ocupava era de risco, que tinha a noção que um dia podia ser morto, mas certamente nunca imaginou que isso pudesse acontecer pelas mãos da própria filha Ana, que já se encontra presa e que confessou o crime. Efectivamente o mundo mudou, e para pior no que concerne às atitudes das novas gerações. Culpa dos pais? Talvez. Todavia, não deixa de ser repugnante que uma filha, de 53 anos, pegue numa faca e tente matar o seu pai que lhe deu tudo incluindo uma mesada até ao dia de ser atacado gravemente. Ao que isto chegou.

José Manuel Anes foi atacado dentro da própria casa. Há cinco anos que Anes era perseguido pela filha, com ameaças de morte nas redes sociais. A filha pretendia que o pai colocasse em nome dela a propriedade de uma casa na Costa de Caparica. A teoria da filha Ana Anes era a pretensão de ela poder vender a casa e arrecadar o dinheiro, uma vez que estaria desempregada.

É este o móbil do crime apurado pela investigação da Polícia Judiciária. De resto, foi por temer que a filha concretizasse as ameaças que José Manuel Anes, com 81 anos, passou a viver com a actual mulher na casa de uma amiga desta, em Lisboa. Anes tinha recebido antes do dia do crime uma mensagem ameaçadora da filha e logo no dia seguinte a mesma tocou à porta da casa onde estava a viver e Anes abriu, pensando tratar-se da entrega de uma encomenda. Foi desde logo atirado ao chão pela filha, que a seguir o agrediu com vários murros pelo corpo todo. Depois, com um objecto cortante, atingiu-o na cabeça, pernas, mãos e abdómen, até que, por fim, lhe pressionou os dois olhos com os dedos, deixando-o sem ver. Mas que cena macabra: uma filha que tenta matar um pai com 81 anos, só pela ganância do dinheiro. Qualquer dia, temos todos os meses um pai morto por um filho. Ao que isto chegou…

P.S. – Esta foi a minha 250ª crónica. Quero agradecer fraternalmente ao Director Carlos Morais José o convite que me fez há cerca de cinco anos para estar em contacto com os leitores deste magnífico jornal.

27 Out 2025

O populismo caiu no poço

André Ventura tinha anunciado que nas eleições autárquicas conseguiria a presidência de umas 30 edilidades. Em 308, obteve o resultado “estrondoso” de três Câmaras Municipais. As sondagens que infelizmente ainda temos apresentaram que a vitória pertenceria à AD, o segundo lugar ao Chega e o terceiro para o Partido Socialista. Os comentadores televisivos fartaram-se de elogiar as sondagens e de salientar que seria normal o resultado do Chega porque o PS estava em declínio absoluto desde as últimas eleições legislativas. Enganaram-se, mais uma vez.

Sondagens e comentadores. O Partido Socialista renasceu das cinzas e conseguiu um resultado muito positivo. No cômpito geral não perdeu por muito e em termos de resultados de partidos sozinhos, sem coligações, os socialistas obtiveram quase o dobro das Câmaras Municipais que o PSD. Ficou provado que sem o populismo radical, sem a xenofobia, sem o racismo e sem os gritos de André Ventura, o Chega é um flop a nível local, especialmente pelo interior do País. O populismo caiu no poço e vamos ver quando é que os “bombeiros” o conseguem trazer ao de cima. O Chega ganhou no Entroncamento sem saber bem por quê, ganhou numa edilidade madeirense onde vivem meia dúzia de pessoas e ganhou em Albufeira porque os proprietários dos bares e hotéis conseguiram convencer toda a clientela e vizinhança para votar nos neonazis. Os eleitores de Albufeira irão chorar baba e ranho porque o Chega preconiza no seu programa algarvio que os bares encerrem às duas da madrugada e os proprietários desses estabelecimentos de diversão nocturna exigem que o encerramento seja às quatro horas da madrugada. O descontentamento local irá imperar e certamente que se traduzirá em próximas eleições. Isto, em Albufeira, porque no resto do Algarve o Chega pensava ganhar tudo. Nem aquela espécie de taberneiro que no Parlamento está sempre a gritar e a limpar o suor da careca, conseguiu vencer em Faro.

O mapa global divide-se entre a AD/IL e o partido rosa. O cavaquistão terminou ao fim de várias décadas. Viseu que teve sempre aquele Ruas, que pinta o cabelo e o bigode querendo parecer que tem menos 30 anos, teve uma derrota como nunca esperou. Em Lisboa e Porto, o caso já deu muito que falar. As vitórias da AD e seus pares da Iniciativa Liberal em Lisboa, e no Porto com o apoio verbal de Rui Moreira, o edil que terminou os seus polémicos mandatos, foram obtidas por uma margem mínima e até à meia-noite do domingo eleitoral as televisões só falavam em empate técnico. Triste, foi ver Luís Montenegro, que na sua qualidade de primeiro-ministro versus presidente do PSD, no dia das eleições a apelar ao voto nos seus companheiros candidatos, indo em absoluto contra a lei. Montenegro cantou vitória, mas podia ter sido um pouco mais humilde porque a vitória autárquica foi tangencial e perdeu muitas Câmaras importantes como Braga e Coimbra.

O povo, mostrou, desta vez, um grande sentido cívico e a abstenção foi das menores da história eleitoral. Em muitas mesas de voto as filas foram enormes e a espera muito demorada. Era a tradução que a abstenção iria baixar. Mesmo assim, não deixou de existir a falcatrua. Numa região do País lá veio a velha ilegalidade de um partido ter mandado imprimir boletins de voto semelhantes aos que foram entregues aos eleitores e depois propuseram que os seus apaziguados levassem um boletim no bolso já com a cruzinha no partido em causa e quando trouxessem o boletim em branco que a mesa de votos tinha entregado, recebiam dois mil euros. Nada mau para uns milhares de “mercenários”.

De eleições está o povinho farto, mas nada sobre a matéria vai acabar. Já estão na estrada os pontas de lança dos candidatos a Presidente da República. A variedade é enorme, mas quase toda para o mesmo lado. Na direita central temos o almirante Gouveia e Melo com Marques Mendes. Ainda mais à direita surge o “bocas” André Ventura e Cotrim Figueiredo que foi líder da Iniciativa Liberal. Pelo lado esquerdo moderado surgiu António José Seguro e só no sábado passado é que o Partido Socialista resolveu apoiar oficialmente o candidato António José Seguro. Tarde demais. E mesmo assim, a ala socialista mais à esquerda irá votar em António Filipe do PCP, ao bom estilo de Álvaro Cunhal, que alvitrava que por vezes tem de se tapar os olhos para votar em quem não pertence ao partido.

Desta vez, as sondagens parece que vão acertar. Uma empresa de sondagens, na qual temos a maior confiança, obteve num inquérito nacional realizado na semana passada, que haverá uma segunda volta entre Gouveia e Melo e António José Seguro. Contudo, quando os inquiridos foram confrontados com a decisão final na segunda volta, a vitória pendeu para o almirante.

Pois, tal e qual como escrevemos na passada segunda-feira, Luís Montenegro com esta vitória autárquica não se irá demitir, mesmo que o Ministério Público abra um inquérito judicial contra o actual primeiro-ministro sobre o caso da sua empresa familiar Spinumviva. O homem tem muitos anos de política e sabe tudo sobre como se defender das suspeitas de alegados cambalachos. Portugal continuará a ser governado por um político debaixo de suspeitas graves, mas que em nada afecta a sua vontade doentia de ser chefe do Executivo.

19 Out 2025

Spinumviva “mata” Montenegro

A empresa familiar Spinumviva de Luís Montenegro tem dado água pela barba há muitos meses. Toda a comunicação social tem anunciado as mais diversas suspeitas sobre a actividade e gestão da empresa familiar do actual primeiro-ministro. A empresa familiar era constituída por Montenegro, sua mulher e dois filhos. Já foi indicada como uma sociedade de consultoria, de imobiliário, de gestão de recursos e sabe-se lá mais de quê. O que veio a lume é que entraram na conta da empresa familiar centenas de milhares de euros em contratos com grupos económicos e outras empresas, como a Solverde, detentora de casinos e potencial concorrente ao novo concurso de adjudicação de licenças para casinos.

Montenegro começou a ser falado por ter uma casa em ruínas, em Espinho, que transformou num imóvel de luxo com o empreiteiro privilegiado da edilidade, onde o autarca presidente era amigo íntimo de Montenegro. Entretanto, como Montenegro não tinha declarado à Entidade da Transparência todo o seu património, num total de 55 imóveis, o Ministério Público (MP) resolveu iniciar uma averiguação preventiva (?) à actividade da sociedade em questão, particularmente à construção da referida casa em Espinho e à origem dos fundos para a aquisição de dois apartamentos em Lisboa levada a efeito por Montenegro.

O Ministério Público entendeu que o caso só poderá ser mesmo esclarecido em sede de processo-crime que terá formalmente de ser aberto no Supremo Tribunal de Justiça. Inclusivamente o MP fez saber que o caso devia passar a inquérito judicial por contemplar suspeitas contra Montenegro que incluíam recebimentos indevidos de vantagens e branqueamento de capitais. Recorde-se, que por muito menos, caiu um Governo apenas porque a Procuradoria-Geral da República decidiu inserir num comunicado um parágrafo que referia que o primeiro-ministro António Costa poderia estar sob investigação. No entanto, os casos e casinhos da Spinumviva, a empresa familiar de Montenegro, têm vindo à baila pelos mais diversos motivos. Um deles, porque Montenegro tem fornecido à Entidade da Transparência e ao MP documentação requisitada aos “bochechos”…

Uma das interrogações feitas por diversos comentadores televisivos prende-se com a negação do actual procurador-geral da República, Amadeu Guerra, nomeado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, não ter ainda dado luz verde aos investigadores para passarem de averiguação preventiva (algo que não é carne nem peixe) para um inquérito judicial, à semelhança do que tem acontecido com muitos outros que foram accionados com rapidez a diferentes políticos e presidentes de clubes do futebol.

A Procuradoria de Amadeu Guerra emitiu um comunicado, no qual se lia que “a averiguação preventiva ao caso Spinumviva está em curso e que o MP aguarda ainda documentação” pedida a Montenegro. E qual a razão que Montenegro tem para não enviar a documentação com celeridade? Só que, na semana passada, em plena campanha eleitoral para as eleições autárquicas, rebentou mais uma “bomba” referente a Montenegro.

A comunicação social não cessou de difundir que Montenegro tinha ido de férias para o Brasil e que todas as despesas tinham sido pagas pela Spinumviva. Ui, mais um “casinho” que levou os líderes políticos da oposição a pronunciarem-se, desde André Ventura (Chega) a José Luís Carneiro (PS). E o que respondeu Montenegro? Que tudo era “uma pouca vergonha”. Pouca vergonha de quem? Da comunicação social que tem a obrigação de informar? Pouca vergonha do MP por ter quebrado o segredo de justiça e deixar cair a notícia na CNN Portugal, por os investigadores estarem fartos da atitude de Montenegro e das ordens de Amadeu Guerra? Ou pouca vergonha de ir de férias com tudo pago por uma empresa familiar que diz ser apenas de consultoria?

A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, por exemplo, veio a público lamentar mais uma suspeita referente ao primeiro-ministro, sublinhando que “não queremos acreditar que os tempos da Justiça são os tempos das campanhas eleitorais, não alinhamos nessa narrativa como a que o primeiro-ministro tem vindo justificar o que tem sido o escrutínio durante todo este processo”.

Muito mais longe foi Paulo Raimundo, líder do PCP, que pediu claramente a demissão do primeiro-mistro. Raimundo até pareceu saber algo de confidencial das hostes governativas, porque, na verdade, já foi equacionada a substituição de Montenegro por Leitão Amaro ou Paulo Rangel.

Pela nossa parte, não acreditamos que Montenegro se demita. Só se for aberto um processo-crime sobre todas as suspeitas e a conclusão do inquérito decidir-se por um julgamento a Montenegro na barra do tribunal. Hoje, os amigos leitores já sabem o resultado das eleições autárquicas e se a AD aliada à Iniciativa Liberal (IL) venceu as eleições, então, nesse caso, estou certo que Montenegro não se demitirá nem que caia o elevador de Santa Justa…

O primeiro-ministro não pode é fugir ao julgamento popular que começa a sentenciá-lo como um caso parecido com o de José Sócrates. O povinho já concluiu que Montenegro não cumpriu as leis, que algo se passou no âmbito da corrupção e da lavagem de capitais, que o primeiro-ministro só promete aumento de pensões e salários em campanha eleitoral, que antecipou a entrega do Orçamento do Estado para que em plena campanha eleitoral pudesse anunciar que o salário mínimo iria para perto dos mil euros. De todas as voltas que Montenegro dê ao bilhar, há uma coisa que já não o salva. A sua empresa familiar Spinumviva já o “matou” politicamente aos olhos do povo.

13 Out 2025

Nova Lei dos Estrangeiros aumenta o racismo

O racismo é cada vez mais uma realidade infeliz em Portugal. É suficiente dar-vos um exemplo: numa sala de aula cheia de rapazes e raparigas brancos havia um aluno preto, o Kikas. A professora perguntou aos alunos o que tinham gostado mais até agora na vida. Todos responderam e quando o Kikas se pronunciou sobre o que mais tinha gostado, salientou que tinha sido a volta ao mundo que tinha dado. A professora gritou-lhe, chamando-o “Mentiroso!!!”. Kikas respondeu que não aceitava a ofensa e informou a professora que era filho adoptivo de uma família branca muito rica e que tinha ido passear pelo mundo com os pais. Não satisfeita, a professora ripostou: “Cala-te! Os tipos como tu acabam sempre na rua!” e mandou-o sair da sala dando-lhe falta disciplinar. Este, é um dos muitos exemplos mais deploráveis de atitudes racistas existentes na nossa sociedade.

Na semana passada, a aliança AD/Chega aprovou na Assembleia da República uma nova Lei dos Estrangeiros. As críticas têm sido mais que muitas, fundamentalmente porque esta lei poderá aumentar o racismo em Portugal. Quem veio de imediato a terreiro foi a organização SOS Racismo que se opôs à nova lei dos imigrantes, considerando-a um retrocesso na protecção das garantias dos direitos fundamentais e das liberdades, por alterar as condições de residência e a obtenção de cidadania direccionadas aos imigrantes, incluindo os cidadãos da CPLP. Segundo Mariana Carneiro, directora da SOS Racismo, a aprovação da lei com o apoio da direita radical representa uma violação da Constituição de República Portuguesa e das convenções europeias de direitos humanos, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A dirigente da SOS Racismo ainda denunciou que a imigração tem sido tratada como crime, o que infelizmente, não é novidade, pois Portugal vem trilhando esse caminho há bastante tempo. Mariana Carneiro adiantou que o governo, empossado em Março de 2024, já tinha adoptado uma postura cada vez mais alinhada com a extrema direita cedendo a princípios racistas e xenófobos presentes na sociedade portuguesa. Para a directora da SOS Racismo, a nova lei trata-se de um ataque flagrante às pessoas que escolhem viver e trabalhar no nosso País, enquanto os vistos Gold recebem tratamento privilegiado, quando simultaneamente são implementadas políticas de imigração cada vez mais restritivas aplicadas aos demais imigrantes.

O clamoroso chumbo pelo Tribunal Constitucional da versão inicial da lei sobre autorização de residência de estrangeiros e reagrupamento familiar foi uma preciosa oportunidade dada pelo Presidente da República ao Governo para corrigir o tiro em matérias que são um teste aos valores humanistas, à defesa dos princípios da família e a uma relação privilegiada com os países lusófonos. A solução encontrada pela AD e Chega é um rendilhado jurídico para contornar os argumentos do Tribunal Constitucional mantendo todos os inconvenientes políticos da versão inicial. Mantém como regra o prazo de dois anos para ser pedido o reagrupamento familiar, a contar da concessão da autorização de residência e não do seu pedido com a prova de pagamento de impostos e contribuições para a Segurança Social, apesar das excepções de redução para um ano quando existem filhos menores.

Confirma-se o desaparecimento do regime especial para cidadãos de países da CPLP. Desmentindo a propalada preferência pela lusofonia e violando os nossos compromissos sobre mobilidade no âmbito do espaço lusófono. Por outro lado, estranhamos que se mantenha o privilégio no acesso ao reagrupamento familiar para titulares de vistos Gold, de Blue Card europeu ou para indivíduos considerados altamente qualificados, privilegiando o rendimento sobre a origem ou a integração na sociedade portuguesa. A prova de detenção de condições de habitação condigna e de meios de subsistência continua a ser fixada por portaria com manifesta violação do princípio da reserva de lei em matéria de direitos fundamentais. Mas, todas estas limitações podem ser superadas por despacho ministerial o que é a porta aberta para a discricionariedade ilimitada e a falta de transparência. Mantém-se uma ampla possibilidade de prorrogação até 18 meses do prazo de apreciação do pedido de reagrupamento familiar, bem como a possibilidade de recurso aos tribunais para intimar a AIMA a cumprir prazos de decisão que continua a ser fortemente limitada.

Para termos ideia das más intenções da lei, claro que assuntos como a penalização agravada de quem viola os direitos laborais de trabalhadores estrangeiros, o controlo eficaz da imigração irregular penalizando os traficantes e os empregados ou a responsabilidade patronal pela habitação condigna de trabalhadores sazonais são matérias absolutamente ignoradas. O mesmo acontece com as regras sobre o acesso à aprendizagem da língua portuguesa.

Concluindo, podemos constatar que a nova Lei dos Estrangeiros vai ao encontro dos racistas do Chega e que os imigrantes são o alvo mais significativo para serem cada vez mais prejudicados, dando força aos neofascistas para continuarem a tratar os imigrantes como lixo a atirá-los para fora de Portugal e, isto, é racismo puro.

6 Out 2025

55

O problema da habitação em Portugal é uma das maiores lacunas da sociedade. Muito se tem construído, mas têm sido condomínios de luxo ou imóveis que só as classes alta ou média alta podem adquirir. O trabalhador normal, que vive de um salário aproximadamente entre os 1000 e os 1500 euros, nunca pode pensar em comprar casa. Um jovem, nem sonhar.

Não é por acaso que Portugal é o país da Europa onde os filhos ficam a viver mais anos nas casas dos pais. Mesmo as habitações públicas ou sociais que se construíram na última década, algumas fazendo parte de edifícios com catorze andares, estão completamente ao abandono. Existem prédios em bairros sociais com dez e mais pisos que têm os elevadores avariados há mais de dois anos por falta de manutenção e muitos idosos não saem de casa há mais de mil dias.

Nas grandes cidades podemos observar milhares de casas que estão encerradas. Umas, por litígio entre herdeiros. Outras, simplesmente porque o proprietário tem mais que um imóvel e não quer vender nem arrendar. O governo devia decretar a proibição de uma casa encerrada por mais de três meses. Apenas numa avenida de Lisboa contámos cerca de 200 casas de estores para baixo e sem viver alguém.

No entanto, esta crónica é dedicada a Luís Montenegro que é proprietário, imaginem, de 55 casas. Consequentemente decorre um inquérito no Ministério Público (MP) sobre o caso. Isto, depois da “bronca” a que assistimos com a sua empresa “familiar” que recebeu centenas de milhares de euros de clientes potenciais recebedores de adjudicações do governo Montenegro. Segundo uma fonte do MP, tudo pode acontecer a Montenegro. Se forem provadas graves irregularidades e actos de corrupção, o primeiro-ministro terá obviamente que se demitir. E neste caso, um assessor de um Ministério governamental, adiantou-nos que os ministros Leitão Amaro e Paulo Rangel estariam preparados para assumir o cargo de chefe do Executivo.

55 casas pertencentes a Luís Montenegro é algo de surpreendente e de ofensivo a todos os portugueses que não podem comprar uma casa, que vivem em barracas ou que são sem-abrigo. O esclarecimento tem de ser cabal e o primeiro-ministro, na semana passada, recebeu do MP um pedido de mais documentação sobre a averiguação preventiva que decorre sobre as suas propriedades não declaradas e sobre a actividade da sua empresa “familiar” Spinumviva.

O mais chocante por parte do político que chefia o Governo português prende-se com a sua proibição do acesso público ao número da matriz dos 55 imóveis que declarou à Entidade para a Transparência. Montenegro apresentou a este organismo um pedido de oposição à divulgação do número da matriz dos prédios, tendo a entidade em causa deferido o pedido do chefe do Governo.

O primeiro-ministro declarou seis imóveis urbanos, entre os quais a “célebre” casa luxuosa de Espinho que tem cinco quartos, oito casas de banho e garagem, um apartamento em Lisboa, 46 prédios rústicos, que disse ter herdado da família. Questionado pelos jornalistas sobre a proibição solicitada, o Gabinete do primeiro-ministro não respondeu. O que, e por quê, Montenegro esconde o que possui de imobiliário? Com receio que se descubra que a sua aquisição não foi lícita?

O primeiro-ministro, que detém tantos imóveis, tem de saber o que sofrem os jovens que não conseguem ter uma habitação ou o que gastam os estudantes universitários com grupos mafiosos organizados. Uma filha de um amigo nosso, transmitiu-nos que vivia, em Lisboa, num quarto com outra colega e que pagava 600 euros mensais. Não acreditámos e fomos confirmar.

– Boa tarde, minha senhora!
– Boa tarde…
– A senhora tem algum quarto para arrendar?
– Não, não tenho… bem, quer dizer…
– Quer dizer… como?
– Se o senhor estiver disposto a pagar um quarto onde dormem duas pessoas, eu arranjo-lhe um…
– Como assim? Dormem duas pessoas em cada quarto?
– Sim!
– E são amigos?
– Muitas vezes, não!
– E quantos quartos tem?
– Tenho sete, com três casas de banho…
– Quer dizer, tem sete quartos, cada um com duas pessoas e nem todos têm casa de banho privativa…
– Não…
– E quem vive nos quartos?
– São estudantes universitários… rapazes e raparigas…
– E quanto paga cada um?
– O preço mensal é de 600 euros…
– Desculpe, 600 euros pelo quarto, 300 a cada um, é isso?
– Não, não! Cada um, paga 600 euros e se o senhor quiser um quarto tem de pagar 1200 euros…
– Desculpe, mas não estou a ver bem o filme… a senhora tem sete quartos, cada um rende-lhe por mês 1200 euros, o que perfaz um total mensal de 8.400 euros… e passa recibo?
– Nem pensar!
– Então, ganha 8.400 euros por mês e ainda foge ao fisco?
– Desculpe lá, eu vou fechar a porta porque não sei quem é o senhor, com tantas perguntas… isto, não me está a agradar… o que faz o senhor?
– Sou jornalista…
– PUM!!! (ruído de porta a fechar com força)

29 Set 2025

Criminoso

A política em Portugal está a ultrapassar os limites da decência, da ética e da democracia. Cada vez mais assistimos ao progressivo comportamento de um antigo mau comentador de futebol, autarca do PSD e que resolveu fundar um partido neofascista. Obviamente que falamos de André Ventura. Olhos nos olhos sem qualquer receio das suas ameaças e dos seus capangas.

Esta criatura ultrapassou todos os limites que possam existir na decência da prática política em termos públicos. O homem foi participar num comício em Espanha de um partido de extrema direita. Num país estrangeiro, Ventura teve o desplante de cometer o crime de ofender, insultar e denegrir a imagem do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, eleito democraticamente pelo povo nosso vizinho.

Ventura com o seu discurso no comício, o qual não teve qualquer comparação com os próprios discursos dos membros do partido extremista espanhol que defende causas neonazis, chegou ao descaramento vergonhoso de dizer que “o primeiro-ministro do vosso país é um criminoso que tem de ir para a prisão”.

Criminoso? Que tem de ir para a prisão? Dito por um estrangeiro no país que esse primeiro-ministro está em funções? Ofendendo os milhões de espanhóis que votaram em Pedro Sánchez? Mas o que é isto? Isto, é um crime político e humano. O Ministério Público de Espanha devia abrir de imediato um processo penal contra André Ventura.

Já imaginaram o que aconteceria se Pedro Sánchez fosse a Lisboa e num comício do Partido Socialista, ao discursar, afirmasse que “Luís Montenegro é um criminoso, um corrupto e que já devia estar na prisão”? Obviamente que todos os portugueses sentiriam que um estrangeiro tinha no seu país ofendido e insultado a terceira figura do seu Estado. A revolta seria total, excepto nas hostes dos eleitores do Chega, e pediriam certamente que Pedro Sánchez nunca mais fosse autorizado a entrar em Portugal.

André Ventura chamou “criminoso” ao chefe do Executivo espanhol, mas esqueceu-se de quem é criminoso. Esqueceu-se de um seu deputado que roubava malas nos aeroportos; esqueceu-se de dirigentes seus que foram acusados de pedofilia; esqueceu-se do crime que é receber financiamentos ilegais para o seu partido; esqueceu-se de um mandatário autárquico do Chega que deixou de pagar a renda de um edifício-armazém durante seis meses ao senhorio, deixou de pagar os salários das trabalhadoras e retirou todo o material de laboração do interior do edifício para poder abrir outra empresa noutro local.

Criminosas são as divulgações que são feitas pelo jornalista premiado Manuel Carvalho, que acaba de lançar um livro que todos os portugueses deviam ler. Uma obra onde o Chega é absolutamente desmascarado ao lerem-se as mais diversas acções “criminosas” do Chega e de André Ventura. Um partido neonazi que em 2019 apresentou-se ao país dizendo que vinha para defender os “portugueses de bem, arrasar o sistema, limpar Portugal dos bandidos, expulsar imigrantes e erguer a Quarta República”.

Forjado no sensacionalismo, o partido que galgou a escada do poder até se tornar a segunda maior força parlamentar em 2025 revelou-se um projecto político dominado por contradições, casos, vendettas e ambições desmedidas. Provocador em todas as linhas políticas que apresenta, trouxe polarização à vida democrática, cavalgou preconceitos e contribuiu para extremar a sociedade.

Mas quem financia o Chega? Que enredos esconde? O que revelam os bastidores? A que redes internacionais está ligado? Como convive com saudosistas da ditadura e neonazis? Quais os perfis, percursos e métodos que disputam no interior do partido? Como atraiu eleitores de outros partidos? Que correntes religiosas e políticas disputam o poder? Como usa e reinterpreta o passado e a actualidade para conquistar sectores sociais fragilizados, jovens e zonas negligenciadas do país? Tudo isto, é respondido na obra excelente do jornalista Manuel Carvalho.

E é este André Ventura que sem qualquer vergonha, depois de ter tentado cativar o almirante Gouveia e Melo para que o militar apoiasse o Chega e em contrapartida o almirante receberia o apoio do Chega nas eleições presidenciais – o que foi rejeitado pelo almirante -, veio agora armado em Messias anti-sistema candidatar-se a Presidente da República. E mais: para terminar a semana em oportunismo puro, Ventura infiltrou-se numa manifestação de protesto de um grupo de imigrantes com a intenção de levar uma bofetada, ao estilo da de Mário Soares na Marinha Grande, para poder ficar como mártir e angariar mais apoios.

Obviamente que todos os portugueses que não esquecem os assassinatos, torturas e prisões durante a noite perpetrados pela PIDE de Salazar e Caetano, que não esquecem as mortes dos seus filhos numa guerra colonial absurda, que não esquecem os entes queridos que foram deportados para o Tarrafal e para Timor, que não esquecem a falta de liberdade e que não esquecem a censura na comunicação social, nunca irão votar numa criatura que mente diariamente com todos os dentes que tem na boca.

O anúncio de Ventura como candidato a Presidente da República foi um chorrilho de ofensas a tudo e a todos, inclusivamente ao candidato Gouveia e Melo que Ventura tanto desejava apoiar, mas que teve uma virtude: os portugueses defensores da democracia ficaram a saber que uma qualquer vitória de Ventura, em qualquer eleição, representará o regresso do fascismo a Portugal. E depois disto tudo, o “criminoso” é o socialista Pedro Sánchez…

22 Set 2025

As duas faces do Moedas

Todas as moedas têm duas faces. Alguns políticos também têm duas faces. Portugal assistiu a mais uma tragédia quase semelhante à de Fevereiro de 1941: um ciclone que provocou 100 mortos; à de Setembro de 1954 quando um comboio descarrilou e provocou 54 mortos; à de Maio de 1963 quando a queda da plataforma da estação do Cais do Sodré caiu e fez 49 mortos; à de Julho de 1964 quando um reboque de passageiros de um comboio no Porto e morreram 90 pessoas; à de Setembro de 1966 onde um incêndio na Serra de Sintra matou 25 militares; à de Novembro de 1967 quando as cheias em Lisboa mataram 362 pessoas; à de Setembro de 1976 quando um avião caiu nas Lages e morreram 68 passageiros; à de Novembro de 1977 quando um Boeing da TAP se partiu em dois no Funchal e provocou a morte de 131 passageiros; à de Janeiro de 1980 quando um sismo na Terceira matou 73 açorianos; à de Abril de 1984 quando uma colisão entre um autocarro e um automóvel, em Paredes, fez que morressem 17 pessoas; à de Setembro de 1985 quando em Alcafache chocaram dois comboios e mataram 150 passageiros; à de Maio de 1986 quando um choque de comboios na Covilhã matou 17 pessoas: à de Fevereiro de 1989 quando um Boeing 707 da Independent Air que fazia escala em Santa Maria foi embater no Pico Alto morrendo 144 passageiros e tripulantes, sendo o maior desastre aéreo em Portugal; à de Dezembro de 1992 quando um avião da companhia Martinair partiu-se em dois em Faro morrendo 56 pessoas; à de Dezembro de 1999 quando um avião da SATA se despenhou na Ilha de S. Jorge matando 35 passageiros; à de Março de 2001 quando colapsou a ponte de Entre-os-Rios e morreram 59 portugueses; à de Fevereiro de 2010 quando um forte aluvião na Madeira provocou a morte de 51 habitantes; à de Junho de 2017 quando o dramático incêndio de Pedrogão Grande e outros Concelhos deixou mortas 66 pessoas; à de Outubro de 2017 quando 440 incêndios em todo o país mataram 50 pessoas. Isto, é histórico. Tal como ficará na história das tragédias em Portugal a queda do Elevador da Glória que tirou a vida a 16 passageiros e outros cinco estão em estado crítico.
O país ficou chocado porque existem vários meios de mobilidade do mesmo género em Lisboa e noutros locais do território nacional. Tornaram-se inacreditáveis as informações que já vieram a público: manutenção de uma empresa externa à Carris, cujo contrato já terminara e que normalmente era uma manutenção “visual”…; protestos há muito tempo por parte dos trabalhadores da Carris alertando que a manutenção dos elevadores de Lisboa não era competente e profícua; despedimento na Carris dos trabalhadores mais experientes em manutenção de elevadores; uma peça que se partiu numa carruagem e que exercia a ligação do cabo condutor à outra carruagem. Resumindo: irresponsabilidade, negligência, ganância e crime laboral. Responsável máximo? O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, engenheiro Carlos Moedas. Um edil que em quatro anos tem deixado Lisboa muito pior de quando a encontrou e que quer continuar no “tacho”. Da pior forma. Tirando a água do capote sobre a tragédia do Elevador da Glória, arranjando subterfúgios para fugir à responsabilidade indicando que não cometeu nenhum erro, colocando-se debaixo da aba do primeiro-ministro, abandonando reuniões importantes assim que se começou a falar na sua demissão. Obviamente que Carlos Moedas não foi à Calçada da Glória cortar nenhum cabo dos elevadores. Se não foi sabotagem e dizem que todas as regras foram cumpridas, mas mesmo assim morreram pessoas, então é porque há regras de segurança que ninguém sabia que também precisavam de serem cumpridas. Moedas tem duas faces: a de fingir que é muito responsável e competente, numa face e na outra, um político sem o mínimo de dignidade. Nem sequer tomou como exemplo os casos dos ministros Jorge Coelho e Carlos Borrego que se demitiram na hora sem terem qualquer culpa nos incidentes verificados. Carlos Moedas tem ainda uma agravante: pediu por duas vezes a demissão do ex-presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, quando foi o caso da disponibilidade de informação à Embaixada da Rússia. Sendo os casos completamente diferentes. Na tragédia da Glória morreram portugueses e estrangeiros e a imagem de Portugal na Europa e América ficou pela rua da amargura. Carlos Moedas cometeu ainda um “crime” maior. Teve a pouca vergonha de ir à televisão dar uma entrevista de justificações bacocas sobre a tragédia e, a dado momento, ofendeu quem já não se pode defender.

Mentiu descaradamente sobre as razões da demissão do ministro Jorge Coelho devido à morte de tantos portugueses quando caiu a ponte de Entre-os-Rios, simplesmente por ter a tutela ministerial das pontes. A segunda face de Moedas é lamentável e, de tal forma, que alguns familiares das vítimas já iniciaram o processo de pedido de grande indemnização ao Estado, leia-se à Carris ou à Câmara Municipal de Lisboa, com o intuito principal de que não volte a acontecer que a inoperacionalidade da manutenção de aparelhos semelhantes mate mais pessoas.

Carlos Moedas, o político com duas faces, perdeu a oportunidade de ficar na história pertencendo às páginas da dignidade, da rectidão e da responsabilidade. Com todo o seu comportamento ficará na história, mas nas páginas pintadas de preto.

15 Set 2025

Sem abrigo

O texto que passo a escrever inclui conteúdos que demoraram três meses a recolher, em vários locais de Lisboa, nomeadamente no Parque das Nações, na Estação do Oriente, no Terreiro do Paço, no Cais do Sodré, na Avenida Almirante Reis, na Avenida 5 de Outubro, na Avenida dos Estados Unidos da América e na Avenida de Roma.

Isto, porque o número cada vez maior de sem-abrigo nas ruas da capital do país aumenta de mês para mês e constitui a maior vergonha para o apoio social estatal. Recordo que o Presidente Marcelo, a dada altura do seu mandato tentou, “sonhando”, acabar com os sem-abrigo. Visitou vários locais onde se abrigavam os despejados da sociedade, falou com eles, mostrou-se muito sensibilizado e após verificar as contrariedades para terminar com a vergonha, nunca mais se ouviu o Presidente da República falar em tal desiderato. Os sem-abrigo existem a dormir na rua pelas mais diversas razões.

Desemprego, morte ou abandono dos pais, droga, despejo de residência, divórcio e sequência de prisão. Conversámos, com muita dificuldade, com vários sem-abrigo e todos eles repetiram a mesma coisa: gostar de ter uma casinha. É o eterno problema da falta de habitação pública quando existem milhares de milhões para o absurdo aeroporto de Alcochete.

23:00 horas – Parque das Nações

– Boa noite!

– (voz arrastada) Boooa nooooite… o qué que quer?

– Você precisa de comida ou alguma bebida?

– Nããão…

– Posso saber a razão porque está aqui?

– Vooocê ééé bóóófia??

– Não, sou jornalista.

– Pooor acaaaso sãão uns gaaajos porreeeeiros…

– Você veio para aqui, por quê?

– Ora, pooorque quaaaando saí da prisããão prometeeeeram-me uma data de coooisas e afinal eeeera tudo aldraaaabice…

– Quer dizer que a tão falada reintegração dos reclusos na sociedade não é uma verdade, certo?

– Issooo de que falaaa é uma treeeta, é uma meeeerda…

– E quem é que lhe traz a comida?

– São umas senhoooras numa carrriiiinha que eu nem seeeei quem sããão…

– Oiça, porque é que arrasta a voz? Está doente?

– Não… é do álcool… já estouuu muita mal… bebo comó car….!

– Precisa de algum cobertor?

– Nããão… agora vem aíííí o calor e esta meeeerda melhoooora…

– Como é que se chama?

– Sou o Alfreeedo…

– Posso falar na Câmara Municipal em si?

– Ó amigo, se conseguir tirar-me desta meeeerda até lhe ofereciiiia uma banana…

22:40 – Terreiro do Paço

– Boa noite, amigo!

– Boa noite, ia a começar a dormir…

– Peço desculpa, eu sou jornalista e estou a fazer uma reportagem sobre a vossa situação…

– Fazes bem, meu!… Isto é um sofrimento que ninguém imagina…

– Por que é que está aqui deitado mesmo no meio desta gente toda?

– Eu quero que os gajos se fo…! Este chão é lisinho e dorme-se bem… eu estou aqui porque a minha companheira mandou-me de frosque só por que lhe disseram que eu andava com outra… ela tinha umas boas massas, um bom emprego, carro e eu vivia um pouco à custa dela…

– Então, acha-se culpado de ser sem-abrigo?

– Em parte, sim, fod.-..!… Mas sonho em ter uma casinha…

– Quem é que vem aqui dar-lhe ajuda?

– As senhoras da Câmara… são muito boa gente…

– Como é que se chama?

– Chamam-me o Docas… um nome do car….!

– Muita sorte para si e durma lá!

– Sorte, meu! Vai como o Deus…

05.30 – Avenida Almirante Reis

– Bom dia, amigo!

– Viva… o que é que se passa?…

– Nada de mal, apenas estou a fazer umas perguntas para um jornal sobre o vosso drama de serem sem-abrigo.

– Com vocês, falo… com a bófia nem sonhar!

– Eu sou o André e você?

– Os meus pais que não sei onde param deram-me o nome de Alberto…

– Não sabe dos pais por quê?

– Porque deram-me um pontapé e atiraram-me para fora de casa… eu comecei no chuto e a roubar-lhe as jóias lá de casa e eles, toma! Vai-te curar…

– A droga que compra é verdadeira?

– Eu sei lá?!… os gajos vendem e sei lá se é treta… se a gente refila ainda levamos porrada…

– E não há hipótese de deixar a droga?

– Nem pensar, meu! Tu sabes lá o que é uma ressaca… um gajo até quase que morre…

– E tem apoio de quem aqui?

– É uma associação de defesa dos drogados que nos vai safando…

– Não tem frio?

– Porra, isso foi em Dezembro… agora daqui a dois meses já temos aí o calor…

– Obrigado e desejo-lhe a maior sorte…

– Para ti, igual!

01.45 – Avenida de Roma

– Boa noite! Então está acordado?

– Tou e estarei!

– Eu sou o André e ando em reportagem sobre os sem-abrigo. Aqui na Avenida de Roma há muita polícia. Nunca o aborreceram?

– Não! Eles passam e são humanos, fingem que não veem e debandam… mas depois da meia-noite só andam de carro…

– Posso saber por que é que está aqui… como é que se chama?

– Marco… estou aqui porque a vida é uma merda… eu vivia num T1 com uma garina e quando eu comecei a juntar-me a uma malta que não interessava a ninguém, ela foi-se embora para Inglaterra e ao fim de seis meses de rendas em atraso, o senhorio mandou-me embora… a assistência social disse-me que havia mil pessoas em lista de espera para uma casota e aqui estou…

– Mas tem aqui um papelão que de um lado pede ajuda e do outro diz “Ajude-me que tenho fome”…

– É porque tenho… só vivo das esmolas e por acaso aqui as pessoas são muito generosas… e já me conhecem…

– Quer que eu vá buscar um hambúrguer e batatas fritas?

– Bem… isso era um banquete…

– Até já!

Percorremos outros locais e a tragédia humana obriga-nos a ter muita força anímica para ouvir certas passagens que nos abstraímos de vos transmitir para não chocar possíveis sensibilidades mais frágeis dos amigos leitores.

P.S. – Desejo ao Director Carlos Morais José e a todos os que trabalham neste jornal os meus parabéns pela passagem do 24º aniversário.

8 Set 2025

Trotinetas são um perigo

Bons tempos em que os nossos pais nos construíam uma trotineta de madeira e íamos até ao jardim ter o prazer de as empurrar com um dos pés. Nos dias de hoje as trotinetas eléctricas são uma praga em quase todo o mundo. Uma praga perigosa. Os acidentes mortais com trotinetas sucedem-se em Portugal. Na semana passada morreu um utilizador de trotineta quando caminhava para o emprego e foi atropelado por um condutor criminoso porque fugiu após o embate no veículo de duas rodas. Em Paris, o uso de trotinetas já foi proibido. Em Lisboa, a praga assusta os passeantes porque os “pilotos” de trotineta andam pelos passeios a grande velocidade e já embateram contra idosos, crianças, deficientes com cadeiras de rodas, invisuais e carrinhos de bebés. Todos os dias assiste-se a um acidente de trotineta. Os condutores das mesmas nada respeitam, especialmente os sinais de trânsito. Passam com o sinal vermelho, atravessam os cruzamentos em diagonal, andam dois e até três numa trotineta e conduzem com auscultadores a ouvir música. Há dias, um condutor de autocarro viu-se impossibilitado de evitar o acidente contra uma trotineta com um casal a bordo. Ele partiu o braço e perna. Ela foi de ambulância para o hospital com traumatismo craniano. Isto, porque a maioria dos utentes de trotinetas anda a grande velocidade pelo meio dos carros sem usar capacete de protecção. Para que tenham uma ideia, em 2024, registaram-se 1.658 acidentes com trotinetas eléctricas em Portugal, resultando em quatro mortes, 72 feridos graves e 1.677 feridos ligeiros. Estes dados foram divulgados em Junho deste ano pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, reflectindo uma tendência de agravamento nos sinistros envolvendo trotinetas eléctricas nos últimos anos.

Em Lisboa, construíram-se ciclovias, algumas absurdas porque não têm seguimento. Percorre-se uma determinada distância e terminou a ciclovia. Todavia, mesmo nas ciclovias, algumas com semáforos, os “trotineiros” nada respeitam e embatem contra as bicicletas. Estes números de acidentes são assustadores e preocupantes para as autoridades. Autoridades que têm de tomar medidas sérias sobre o uso das trotinetas, apesar de já ter sido decidido o seguro obrigatório para bicicletas e trotinetas.

Em princípio, o uso do capacete devia passar a ser obrigatório. Seria do melhor bom senso a proibição total do movimento de trotinetas nos passeios das cidades e a proibição de a trotineta ser usada por mais de um utente. Estas três medidas são urgentes, acrescentando que os utentes de trotinetas e bicicletas deviam ter uma licença de circulação, a qual seria retirada para sempre no momento em que um utilizador de trotineta fosse apanhado a andar nos passeios, sem capacete, sem seguro ou a não respeitar a luz vermelha dos semáforos. Um especialista em questões de segurança rodoviária transmitiu-nos que as trotinetas são um verdadeiro perigo no movimento global do tráfego rodoviário citadino, por não respeitarem minimamente as regras do trânsito. Mais nos acrescentou que, dois ‘crash-tests’ realizados pela Fundação Mapfre, em Espanha, revelam que uma colisão, mesmo que apenas a 25 km/h, de uma trotineta eléctrica contra um peão ou um veículo pode causar ferimentos graves ao condutor da trotineta e aos peões. Os especialistas destes estudos indicam como factores que mais influenciam um acidente fatal, prende-se com conduzir trotinetas sem capacete (40 por cento), imprudência cometida por outros veículos (20 por cento) e circular em estradas interurbanas (20 por cento). Não temos dúvidas, de que os acidentes só podem ser reduzidos se passar a ser obrigatório o uso do capacete e colete retro-reflector ou roupa de alta visibilidade, respeitar a sinalização do trânsito, não utilizarem auriculares quando circulam quando chegamos a ver utilizadores de trotinetas a falar ao telemóvel através desses auriculares, não circular nos passeios e quando atravessam uma passagem de peões deverão descer da trotineta.

Imaginem, que as trotinetas eléctricas até foram assunto de primeira página na imprensa porque um dos incendiários das últimas chamas devastadoras andou a pegar fogo em vários locais de trotineta eléctrica… Este assunto das trotinetas é mais grave do que possa parecer. Já é preocupante para o cidadão comum que sai à rua. As pessoas com deficiência visual estão a ter medo de sair de casa perante o risco de sofrerem lesões provocadas por trotinetas eléctricas e pelo seu mau estacionamento nos passeios e nas passagens de peões. A verdade, é que podemos ver trotinetas abandonadas em qualquer lado dos passeios. O presidente da Associação dos Cegos e Amblíope de Portugal (ACAPO), Rodrigo Santos, sublinhou que este meio de transporte tem “prejudicado gravemente um direito fundamental dos invisuais, e não só, que é o de poder sair à rua”. A mesma personalidade adiantou que a ACAPO tem tido contactos com cidadãos cegos que passam por “coisas surreais”, nomeadamente quedas que têm origem num tropeção contra trotineta deitada no meio do passeio ou abalroamento após a saída de uma paragem de autocarros, havendo também vários casos de bengalas partidas e de invisuais que têm ido para o hospital. Entendemos que igualmente devia ser implementada uma lei que limitasse a velocidade das trotinetas eléctricas a 30 km/h em zonas com elevada utilização de veículos de micromobilidade, porque a circulação com trotinetas apresenta maior risco de lesões na cabeça, face e pescoço. Por outro lado, a maioria de utilizadores de trotinetas eléctricas é de jovens que não têm a mínima noção das regras de trânsito. O paradigma deste problema tem de mudar radicalmente, para benefício e segurança dos milhares de peões que frequentam as ruas do país.

1 Set 2025

Jornalistas desprezados

O país continua a arder. As chamas não dão tréguas. Um ex-autarca e candidato a presidente de uma Junta de Freguesia, de 40 anos, estava a tentar combater as chamas e salvar animais na sua aldeia morreu carbonizado. Cinco bombeiros da Covilhã a caminho do combate às chamas viram o carro tombar numa ravina e um dos bombeiros morreu, outro, luta pela vida em estado grave e três estão feridos no hospital. Um operador de máquinas de arrasto com larga experiência morreu quando realizava combate às chamas na zona de Mirandela. Um carro de bombeiros foi engolido pelas chamas e enquanto ardia por completo os soldados da paz conseguiram fugir resultando um bombeiro ferido gravemente.

Milhares de moradores de aldeias e vilas combatem os incêndios à porta das suas casas com baldes e pequenas mangueiras sem qualquer apoio aéreo ou por falta de bombeiros que não são suficientes para atender a todo o lado. Os moradores desabafam paras as televisões que o inferno nunca visto tem como culpados os criminosos incendiários, uns doentes mentais, outros pagos e os governantes que nos últimos anos não levaram a efeito o planeamento que há muito está delineado para reduzir a catástrofe. No funeral do bombeiro da Covilhã que faleceu, o primeiro-ministro foi apupado e gritaram “Vai-te embora! Não mereces estar aqui!”. Portugal não possui nem um avião Canadair para o combate eficiente às chamas. Dezenas de casas arderam e vários hectares de produtos agrícolas desapareceram.

A ministra da Administração Interna, antiga provedora de Justiça, não possui a mínima ideia do que é combater um incêndio e, em princípio, chamou os jornalistas para uma conferência de imprensa. Depois de proclamar umas baboseiras e limitar-se a anunciar que o estado de alerta iria continuar, quando os jornalistas se preparavam para confrontar a ministra com várias perguntas pertinentes, a governante disse: “Vamos embora!”. Absurdo, insolente, revoltante a atitude da ministra ao desprezar os jornalistas. Muitos deles que têm arriscado a vida em reportagem no meio das chamas, obrigados a fugir, dia e noite a comer e dormir sem condições. A atitude da ministra já mereceu o apelo da maioria dos portugueses ao primeiro-ministro para a demitir. Luís Montenegro faz ouvidos de mercador e depois de se pôr a nadar nas ondas do mar algarvio e de realizar a festa do Pontal enquanto o país ardia, as redes sociais foram palco dos maiores insultos ao chefe do Executivo obrigando-o a interromper as férias e a mostrar que estava preocupado com a situação de tragédia no país. O Governo tem sido igualmente criticado por não ter pedido apoio europeu quando o drama estava no auge.

Os incêndios têm sido devastadores. Muitas habitações de uso permanente arderam, os idosos são evacuados para pavilhões desportivos ou para instalações das Juntas de Freguesias. A logística de apoio à alimentação dos bombeiros e dos militares da GNR tem sido muito deficiente. A coordenação entre a Proteção Civil e os bombeiros não existe e o presidente da Liga dos Bombeiros já reivindicou um comando nacional autónomo para os bombeiros combaterem os incêndios. Pensamos que o presidente da Liga dos Bombeiros anda a falar para o boneco.

Na televisão temos assistido aos mais diversos especialistas sobre ordenamento do território, sobre soluções para o planeamento futuro de soluções positivas, sobre o que está errado na floresta portuguesa. E por que razão o Governo não chama esses especialistas e reúne com eles para que em Outubro se iniciassem já acções tendentes a resolver muito do que não está certo e que tem colocado a vida de milhares de portugueses em risco? Seria urgente ouvir essa gente para depois agir em conformidade.

Os bombeiros em número insuficiente estão exaustos. Caem no chão e dormem uns minutos, desidratados e, por vezes, a água não existe. Nas aldeias nem água nem electricidade. As intervenções dos responsáveis pela Proteção Civil nunca registam esses dramas e, muito menos, encontram soluções. É o deixa arder e fé em Deus. Não pode continuar a ser assim. Algo tem de mudar drasticamente, caso contrário, para o próximo ano teremos a mesma cena. O povo está triste, desolado, sem confiança nos políticos e, mais uma vez, quem aproveita disto tudo é a demagogia e o populismo do Chega. Ventura tem cada vez mais boa imprensa e não há um dia que não apareça na televisão a proferir aquilo que os desolados gostam de ouvir. É assim que aumenta o número de votantes. Os democratas vão gozar férias para a praia e nem se apercebem do mal que estão a fazer a eles próprios e aos seus partidos para um futuro a curto prazo quando chegarem mais eleições.

Não se gastam milhões de euros a evitar estas tragédias, mas continua-se a admitir o gasto astronómico de milhares de milhões de euros num aeroporto em Alcochete, quando o aeroporto de Beja podia resolver o problema. De tal forma é assim, que muitas equipas de futebol nas suas deslocações para competições europeias já partem e chegam usando o aeroporto de Beja. E isto, sem existir um pequeno empreendimento que ligasse Beja a Lisboa e vice-versa de TGV. Assistimos a governantes preocupados com os milhões de euros que têm de enviar para a Ucrânia e não há dinheiro para salvar os portugueses.

A revolta do povo atingido pelos incêndios é enorme e perto de Seia-Covilhã ouvimos um desabafo de um morador que diz tudo: “Se apanhasse aqui algum político atirava-o para o meio das chamas!”. A situação é grave, gravíssima e ficamos com a ideia que os responsáveis estão completamente impotentes para resolver o problema.

As cartas abertas ao primeiro-ministro têm sido inúmeras. Tivemos acesso a uma carta escrita pelo cidadão Mário Gonçalves, na qual a dado passo, refere que: “Escrevo-lhe em nome da revolta, da indignação e do mais profundo desprezo pelo espectáculo a que assistimos nos últimos dias. Enquanto o País ardia, enquanto famílias perdiam casas, memórias e vidas, enquanto bombeiros se arrastavam exaustos no terreno a lutar contra as chamas incontroláveis, V. Exa apareceu em público a falar de “esgotamento”. Esgotado de quê, senhor Primeiro-Ministro? De farras, de praia, de inaugurações inúteis e de discursos vazios? Esgotados estão os bombeiros que, com meios insuficientes, dormem no chão, comem quando podem e arriscam a vida diariamente. Esgotadas estão as famílias portuguesas que veem arder aquilo que construíram com o suor de uma vida inteira. Esgotado está um povo que tem de aturar a sua indiferença mascarada de encenação política”.

25 Ago 2025

Beatas eternas

Não, não vou escrever sobre as beatas que frequentam as sacristias das igrejas e que se insinuam junto dos sacerdotes para provocar sexo, porque, isso, daria uma crónica muito polémica e não vou por aí. Venho salientar o que se passa de norte a sul por todas as cidades, vilas e aldeias deste país sobre as beatas dos cigarros consumidos pelos fumadores.

As beatas dos cigarros chegam a levar entre 10 a 12 anos para se deteriorar na natureza nunca chegando a decompor-se na totalidade. E se os filtros das beatas tiverem plástico, as beatas levam mais de 100 anos a desaparecer. Durante esse período, as beatas libertam substâncias químicas tóxicas no solo e na água, contaminando o meio ambiente e prejudicando a vida selvagem e urbana. Já não consideramos o facto de os fumadores prejudicarem a sua saúde, cada um toma a decisão que pretender. Mas os fumadores têm de compenetrarem-se deste facto grave que são as beatas serem atiradas para o chão ou para a água.

Em qualquer cidade, vila ou aldeia podemos ver beatas no chão. São aos milhões. Bem sabemos que alguns cafés não colocam cinzeiros nas mesas das esplanadas, apesar de já haver pessoas que possuem o seu cinzeiro de reduzida dimensão para colocarem as suas beatas que mais tarde atiram para o lixo. Muitas vezes os cidadãos estão a andar pelas ruas, passam por um recipiente próprio para colocarem as beatas e atiram-nas para o chão. Estão no exterior de um bar na conversa e atiram as beatas para o chão. Encontram-se a passear de barco e atiram as beatas para a água. Vão para a praia e enfiam as beatas na areia ou atiram-nas para o mar. Vão a conduzir automóvel fumando e no fim atiram as beatas pela janela tendo cinzeiro no carro. Estão num piquenique em zona florestal e atiram as beatas para qualquer lado, esquecendo-se do perigo de se iniciar um incêndio. As ruas estão cheias de milhões de beatas. Em conversa com um trabalhador municipal que limpa as ruas, este disse-nos que é praticamente impossível recolher todas as beatas porque algumas encontram-se entre as pedras das calçadas.

As beatas são um prejuízo grave para o meio ambiente e para a saúde dos humanos. A maioria dos fumadores tem de se compenetrar que tem de mudar o seu hábito de atirar as beatas para o chão ou para as águas de um rio ou do mar. É um gesto de civismo e de solidariedade pela saúde do próximo se o fumador não colocar as beatas em recipientes próprios para o efeito. Parece um facto de menos importância, mas não o é. Grave é termos milhões de beatas pelas ruas a céu aberto. Um especialista em assuntos do meio ambiente transmitiu-nos que um dos piores males para a saúde de quem vagueia pelas ruas é a existência de milhares de beatas na sua cidade, vila ou aldeia. Este paradigma é importante que seja paulatinamente mudado e que os fumadores deixem de atirar as beatas para onde não devem.

Segundo o Programa de Monitorização de Portugal Continental promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente, em 2022, as beatas e os filtros de cigarros ocuparam o terceiro lugar no top 10 do lixo marinho, correspondendo a 13,1% de todo o lixo apanhado. Leiam bem: estima-se que por minuto sejam atiradas 7000 beatas para o chão. As beatas de cigarro são a parte que resta após os cigarros serem fumados. São constituídas por restos de tabaco e um filtro. Os restos de tabaco contêm cerca de 4000 substâncias químicas, das quais mais de 50 são comprovadamente cancerígenas. Dir-me-ão que conhecem fumadores com 80 anos de idade e que fumam um maço por dia e não apanharam cancro. E nós respondemos que também já morreram pessoas fumadoras, com 40 e 50 anos, e que os médicos diagnosticaram que o cancro contraído se deveu ao tabaco.

Acontece que, os filtros incluem uma parte central de acetato de celulose (uma fibra sintética que parece algodão, mas é constituída essencialmente por plástico e daí, a possibilidade de poder levar 100 anos a desfazer-se), envolvida em duas camadas de papel ou outras fibras sintéticas. Enquanto o cigarro é fumado, os filtros acumulam parte dos poluentes presentes no fumo. Quando as beatas se degradam, os filtros libertam esses poluentes, como por exemplo, a nicotina e metais pesados como o ferro e o cobre. Uma beata de cigarro pode contaminar até seis litros de água. Pensamos que se trata de um assunto sério e a ter em conta, que não podemos continuar a atirar com as beatas para o chão ou para a água. É um apelo que deixamos aos potenciais fumadores, que pensem duas vezes antes de se desfazerem da beata que têm nos dedos. Para o chão, para o rio ou para o mar, por favor, não!

P. S. – A nossa solidariedade por quantos em Macau foram prejudicados pelas recentes e graves inundações que se registaram na RAEM.

17 Ago 2025

Imigrantes mais-valia

Em qualquer cidade do país se frequentamos ou nos deparamos com um hotel, restaurante, hipermercado, obra de construção civil, apoio domiciliário, hospital, loja comercial, fábrica, vindima, colheita da azeitona ou de outros frutos, encontramos imigrantes de Angola, Guiné-Bissau, São Tomé, Brasil, Cabo Verde, Índia, Nepal ou Bangladesh. Todos a falar português, integrados na grande necessidade que Portugal tem de falta de mão-de-obra e a contribuir para a sustentação da Segurança Social. É com grande satisfação que somos atendidos num bom restaurante onde os funcionários, vestidos a rigor, de uma educação extrema e amabilidade exemplar nos transmitem que são de Angola, da Guiné-Bissau ou do Brasil.

São seres humanos como os portugueses que optaram por Espanha, França, Alemanha, Finlândia, EUA, Austrália, Canadá ou Timor-Leste. Portugueses que foram aprendendo a língua local, integrando-se na sociedade e, essencialmente, recebidos com os benefícios sociais em vigor nesses países. Em Portugal, ainda não recebemos os imigrantes com a dignidade que mereciam. A maioria ainda tem de arrendar um quarto ou uma casa ou, depois de integrados, assumirem um crédito bancário para adquirirem um imóvel.

Alguns imigrantes que já trabalham, que descontam para a Segurança Social são ainda dominados pela impossibilidade de viver dignamente porque aguardam o título de residência, caem nas mãos das mafias que lhes vendem uma barraca nos arredores das grandes cidades. Muitas vezes, existem autarcas que antes de construírem habitação social enveredam pela demolição das barracas deixando essas famílias sem tecto e a dormir ao relento, num gesto de grande crueldade e incompreensão.

Naturalmente que os imigrantes que se desloquem para Portugal com um visto de turismo e que depois ficam por aqui ilegalmente e a viverem 20 num quarto, esses, não podem pensar em adquirir o estatuto de residentes. Vivem na penúria, explorados por próprios compatriotas e ilegais perante a lei portuguesa. Neste particular, o governo está a tomar medidas de regulação para a entrada de imigrantes. No entanto, essa regulação não pode ser radical como defende André Ventura, que, por sua vez, apenas deseja que não entre em Portugal nem mais um imigrante e por vontade do neofascista até seriam expulsos todos os imigrantes. Ventura tem alegado que a criminalidade em Portugal se deve à presença dos imigrantes. Nada mais errado.

A teoria de que a imigração é responsável pelo aumento do crime, de que a mais recente vaga de imigração, qualquer que seja a sua nacionalidade, é menos desejável que as anteriores, de que todos os recém-chegados devem ser encarados com uma atitude de suspeição é uma teoria quase tão antiga como as colónias criadas pelos ingleses na costa da Nova Inglaterra. Recentemente, o director da Polícia Judiciária citou números referentes à criminalidade violenta, a qual tem vindo a diminuir desde há 20 anos e o facto de o rácio de estrangeiros reclusos ter evoluído na razão inversa do aumento da população imigrante.

O mesmo tipo de evolução sucedeu com os detidos pela polícia que Luís Neves dirige. Assim, se em 2009, quando a população estrangeira residente somava menos de meio milhão (454 191), a PJ deteve 631 estrangeiros (correspondendo a 138,9 detidos por 100 mil imigrantes), em 2023, com o número de estrangeiros residentes mais que duplicado (1 044 605), foram 513 os detidos, correspondendo a 49,1 por 100 mil residentes.

Para consubstanciar as suas afirmações, o director da PJ explicou mais: não só esta redução do rácio de detidos estrangeiros face ao número de residentes não portugueses foi consistente nos últimos 14 anos, como uma parte considerável dos detidos e reclusos estrangeiros, sobretudo relacionados com tráfico de estupefacientes, não são imigrantes, mas elementos daquilo a que dá o nome de “criminalidade transnacional” – com relevo para as “mulas de droga”.

Um outro facto demonstrativo de que o aumento da criminalidade não está directamente ligada aos imigrantes são as provas que os municípios têm divulgado. Municípios com maior peso de imigrantes têm menos criminalidade.

Alguns exemplos de municípios onde a população estrangeira tem um impacto significativo na população residente, com dados de 2023: Vila do Bispo (onde os imigrantes representam 43,68% da população total), Odemira (41,8%) e Lisboa (28,7%). Se houvesse uma relação directa entre imigração e criminalidade, a expectativa seria de que o aumento dos estrangeiros residentes se reflectisse directamente numa subida dos crimes registados pelas autoridades policiais.

Porém, nada mais errado. Municípios com maior peso de imigrantes têm menos criminalidade. Em relação ao Porto, onde têm aumentado os crimes contra imigrantes reportados na comunicação social, a evolução crescente dos residentes estrangeiros também não é acompanhada por um aumento da criminalidade, verificando-se até uma diminuição da criminalidade nos anos de maior aumento da imigração. Em 2009 foi registado um total de 17.383 crimes, ano em que ali residiam 8809 estrangeiros. Em 2019, os crimes desceram para 15.422 e os estrangeiros residentes aumentaram para quase o dobro: 14.558. Em 2023, os estrangeiros residentes no Porto voltaram a duplicar – para 35.653 – e o total de crimes registados foi de 14.552. No Porto, os estrangeiros representam neste momento 14,3% da população.

De tudo isto, podemos depreender que o que André Ventura e o seu partido propagandeiam a toda a hora relacionando o aumento de criminalidade com os imigrantes não passa de uma balela racista com vista a igualar as atitudes dos neonazis que tudo têm feito violentamente contra imigrantes.

11 Ago 2025

Aí estão eles

Portugal está a ferro e fogo há mais de uma semana. Aí estão eles, os fogos. Os fogos da inoperância, da demagogia, do desleixo, da incompetência, do altruísmo, da corrupção, dos incendiários criminosos, dos madeireiros interesseiros e da legislação absurda. Arouca, Ponte da Barca, Gondomar, Nisa, Santarém, Penafiel, Castelo de Paiva, Cinfães e dezenas de aldeias são o palco das chamas descontroladas, do desespero de populações, de casas a arder, de animais a morrer, de bombeiros heróicos exaustos, de aeronaves que caem, de moradores a tentar apagar chamas com mais de 10 metros de altura com uns baldes ou umas pás. São 131 Concelhos em risco máximo. A área ardida já é o triplo de 2024. Já foram detidos pelo excelente trabalho da Polícia Judiciária cerca de 30 suspeitos de fogo posto. A maioria das vezes pagos por madeireiros a quem interessa madeira queimada para vender rapidamente e obterem rendimentos destes crimes. Numa noite, viu-se um carro passar junto a uma floresta, passados cinco minutos deu-se início a um fogo enorme que ainda lavra na zona de Ponte da Barca. Os fogos são iniciados por incendiários criminosos, que na maior parte das vezes os tribunais mandam em liberdade.

Mantivemos contacto com um prestigiado geólogo que nos disse que existe uma legislação absurda, no que respeita à limpeza dos terrenos ao redor das casas. Legislação que obriga a limpar uma área circundante das casas com 50 metros. O geólogo explicou que 30 metros seria o suficiente e que a obrigação de limpeza de 50 metros é caríssima para pessoas que vivem do pouco que têm. Resultado: pouca gente limpa os terrenos e o combustível ali está à espera dos incendiários. O mesmo geólogo salientou-nos que o terreno em Portugal contém uma quantidade de biomassa que levará a termos incêndios durante mais uma década, no mínimo. O Governo apareceu com uma nova ministra da Administração Interna que pode saber de coser meias, mas de incêndios é um zero à direita. Nem sequer abordou o problema enorme de continuar adiada a compra de novos helicópteros que tanta falta fazem.

Este ano, à semelhança de outros anos, já tivemos bombeiros feridos, aldeias evacuadas, idosos, mulheres e crianças a dormir no chão em pavilhões polidesportivos, aeronaves a cair e várias casas ardidas. A propósito de casas, uma crítica contundente para os emigrantes que constroem vivendas de três pisos, gastando centenas de milhares de euros, no meio da floresta e depois querem os bombeiros em todo o lado onde as chamas colocam em perigo essas vivendas. A situação é trágica para milhares de portugueses, mas todos os anos é a mesma coisa: permitem a plantação de eucaliptos e pinheiros em todo o lado, quando deveria existir um planeamento global com terrenos apropriados à plantação ordenada de pinheiros, carvalhos, eucaliptos, sobreiros e outras árvores. A falta do referido ordenamento geológico e demográfico leva à desgraça a que assistimos. No sábado passado, dia em que vos escrevi estas palavras, já mais de 20 moradores tinham ido para o hospital e 10 bombeiros receberam tratamento hospitalar. Há mais de uma década que ouvimos dizer que tem de se fazer qualquer coisa. Obviamente que há soluções, mas a maioria dos projectos fica nas gavetas governamentais. E como ninguém o refere, nós salientamos a acção arriscada e profissional dos jornalistas repórteres que têm arriscado a vida de dia e noite a uma temperatura que tem rondado os 45 graus, fugindo das chamas, a dormir e a comer deficientemente. Deixo-vos imagens contundentes deste drama que Portugal está a viver com mais um cenário global de incêndios.

4 Ago 2025

Governo caloteiro

Ser caloteiro é muito feio e prejudicial. Muito pior, quando é o próprio Governo a dever milhões de euros a bombeiros. Os bombeiros são pau para toda a obra: apagam fogos, socorrem acidentes rodoviários onde muitas vezes têm de desencarcerar vítimas, socorrem pessoas no interior de elevadores, socorrem em inundações, transportam os mais variados doentes, socorrem mulheres grávidas que têm o parto no interior das ambulâncias. Chamam-lhes os soldados da paz.

Mas, nas ambulâncias é que está o busílis. O Governo tem uma dívida milionária para com as corporações de bombeiros de cerca de 20 milhões de euros e só em Taxa Social Única – obrigatória para a Segurança Social – as corporações têm de pagar 35 milhões por ano. A maioria das ambulâncias usadas no socorro são do INEM e é este instituto que terá de pagar o calote.

Os bombeiros avisaram com muita antecedência que se a verba não for paga que deixarão de utilizar as ambulâncias do INEM e passam apenas a usar as ambulâncias próprias das suas associações, apesar de uma saída com ambulância do INEM custar 21 euros ao Estado enquanto o mesmo serviço com ambulância dos bombeiros custar 45 euros – mais do dobro. No entanto, a Liga dos Bombeiros Portugueses garantiu que a população não será deixada sem resposta em casos de emergência porque as tripulações são as mesmas. Um dos problemas que encarece o transporte de doentes é a situação caótica que se verifica no país relativamente ao encerramento de diversas urgências hospitalares um pouco por todo o país.

Muitas vezes os bombeiros têm de andar de cidade em cidade devido ao encerramento de urgências e o facto do aumento de quilometragem obviamente que encarece o transporte. Na realidade, por causa da crise nas urgências, os bombeiros têm trabalhado mais no socorro pré-hospitalar, mas o Governo não pagou o que deve. A isto, define-se ser caloteiro. Se o Governo não pagar os 20 milhões de euros em causa, as ambulâncias do INEM podem ficar paradas.

As diversas crises registadas no Ministério da Saúde versus INEM têm sido um caos, com diversas personalidades a pedir a demissão da ministra e os trabalhadores do INEM a reivindicarem a demissão do presidente do instituto. Com a greve no INEM morreram cidadãos por falta de socorro. Vários cidadãos e bebés têm morrido por socorro demorado. Os helicópteros que já deviam estar ao serviço do INEM nem vê-los. Todavia, o ridículo aconteceu. O INEM pagou na semana passada 3,5 milhões de euros de dívidas do serviço de urgência pré-hospitalar, confirmou a Liga dos Bombeiros. Esta quantia é irrisória. O INEM o que diz é que, da sua parte, todo o processo burocrático está pronto, a única coisa que precisa é que o Ministério da Saúde transfira para o INEM os valores para eles poderem pagar. A “única coisa”…

O responsável pela Liga dos Bombeiros, António Nunes, salientou que este é um “período do ano bastante complicado” para as associações de bombeiros, que têm de pagar os subsídios de férias, além da Taxa Social Única, um encargo mensal que tem de ser pago à Segurança Social. Tudo isto, parece uma brincadeira com algo muito sério. Por vezes não se tem a noção de que as 464 associações de bombeiros pagam, por ano, à Segurança Social 35 milhões de euros e que se as associações não efectuarem o referido pagamento no dia 20 de cada mês entram em incumprimento e deixam de poder tirar certidões de não dívida, o que impede receber as verbas do Estado. A seriedade da situação é gravíssima se atendermos que os corpos de bombeiros fazem o transporte de 1,2 milhões de utentes por ano, por mobilização do INEM.

Os bombeiros portugueses encontram-se num beco sem saída, simplesmente pela inoperância do Ministério da Saúde e do seu INEM. Estamos perante uma gestão incompetente dos dinheiros públicos que são obrigatoriamente destinados a quantos tudo fazem por nos salvar a vida. De dia e de noite os bombeiros respondem sempre e arriscam a sua vida nas situações mais perigosas e drásticas. Onde está a consideração da ministra da Saúde pelos soldados da paz? Quando se deixam 20 milhões de euros por pagar a quem é fundamental no quotidiano do país, não existe classificação para esta forma de governar.

Os bombeiros portugueses não mereciam ser tratados como pedintes, facto deplorável e chocante que constatamos de acontecer no seio de quem tem o poder de gerir o nosso dinheiro direcionado a quem por lei nunca deveria ter qualquer pagamento governamental em atraso. Ai, Portugal, Portugal…

28 Jul 2025

Socialista com prática do Chega

Jorge Sampaio, João Soares e Isaltino Morais mandaram demolir centenas de barracas enquanto presidentes de Câmara Municipal em Lisboa e Oeiras, mas edificaram antes habitação social para os potenciais desalojados na sequência das demolições.

Aconteceu que, na semana passada, o socialista presidente da Câmara de Loures chocou o país ao mandar demolir várias barracas de madeira e de alumínio existentes no Bairro do Talude Militar, de um momento para o outro, deixando cerca de 50 famílias sem eira nem beira. O autarca socialista Ricardo Leão deixou idosos, mulheres e crianças a dormir ao relento sem lhes proporcionar qualquer alternativa de alojamento.

O Tribunal Administrativo ordenou de imediato a suspensão das demolições. A crueldade de Ricardo Leão – o mesmo autarca que já tinha tentado despejar moradores de habitações sociais por terem as rendas em atraso – foi de tal ordem que, as pessoas desalojadas não eram imigrantes ilegais. Tratavam-se de pessoas que vivem em Portugal há mais de 10 anos vindas de Angola, Moçambique, Cabo Verde ou São Tomé. Pessoas que trabalham diariamente e descontam para a segurança social. Algumas que têm três empregos para poderem criar os filhos. Pessoas que viviam em apartamentos e que pagavam rendas na ordem dos 250 euros e cujos senhorios aumentaram as rendas para cerca de mil euros e que, naturalmente essas pessoas, não podiam pagar optando por ter que viver numa barraca do Talude. Num terreno abandonado essas pessoas foram construindo casas precárias e de enorme dificuldade de vida com o mínimo de qualidade.

A autarquia de Loures nunca proibiu a construção das barracas e desta feita, o acto de demolição, com a presença de agentes policiais, foi de tal forma surpreendente que até o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tomou uma posição pública interrogando-se se a edilidade de Loures tinha solução para aqueles portugueses. A atitude do autarca Ricardo Leão foi contestada ainda pelas mais diversas associações de defesa de menores na sequência de inúmeras crianças terem ficado a dormir ao ar livre ou em tendas que outros portugueses ofereceram aos desalojados.

Várias personalidades políticas foram unânimes em afirmar que Ricardo Leão tomou uma atitude eleitoralista na caça do voto no seu Concelho porque deu-se conta que o partido Chega tinha aumentado a votação nas últimas eleições devido à campanha contra imigrantes. Aliás, André Ventura veio a público valorizar a acção do edil de Loures afirmando que nas Câmaras Municipais onde o Chega consiga eleger o presidente fará o mesmo que Ricardo Leão, ou seja, o Chega irá demolir todas as barracas existentes nessas autarquias.

O caso provocou uma revolta total por parte dos portugueses porque Ricardo Leão insistiu que continuará a demolir todas as barracas sem ter uma alternativa para alojar os pobres residentes.

No interior do Partido Socialista a repulsa foi significativa e vários militantes e simpatizantes socialistas, alguns antigos governantes, subscreveram uma Carta Aberta, a qual denuncia a demolição de barracas sem soluções alternativas, criticando a falta de resposta social e apelando à coerência com os valores humanistas do partido. Como aconteceu o mesmo com a autarquia da Amadora, na Carta Aberta pode ler-se a acusação a autarcas socialistas que ignoram o direito constitucional à habitação e pedem ao Partido Socialista que retome o seu compromisso com a justiça social e a dignidade humana, exigindo políticas que coloquem as pessoas no centro das decisões.

O documento foi assinado por dezenas de socialistas, nomeadamente por sete ex-governantes, três deputados e dois ex-deputados. São eles João Costa, Catarina Silva, Frederico Francisco, Maria João Dornelas, António Mendonça Mendes, Margarida Marques, Catarina Marcelino, João Albuquerque, Isabel Moreira, António Leite e Rosa Monteiro. O texto em causa é demolidor, salientando a dado passo que “Assistimos com desagrado à demolição do tecto de dezenas de famílias, autorizada por autarcas do Partido Socialista, sem que tivesse sido previamente acautelada a protecção destas famílias empurradas para a condição de sem-abrigo.

Vimos, assim, expressar a nossa profunda indignação e preocupação. O direito à habitação está consagrado como um direito fundamental de todos os cidadãos, bem como o dever do Estado em promover as condições para a concretização deste direito garantindo habitação condigna e acessível. É, igualmente, obrigação do Estado e das autarquias locais assegurar a protecção social e o apoio às pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Portugal precisa de um Partido Socialista que, mesmo em tempos difíceis, não abdique da sua missão de construir um país mais justo e mais humanista. Estes são os nossos princípios – não queremos outros.”

A verdade, é que numa altura em que forças da extrema direita pretendem uma revisão constitucional que retire a palavra “socialismo” da Constituição, assistimos a pseudo socialistas a praticar uma política de tal forma desumana que já retira o socialismo da sua cartilha.

21 Jul 2025

Totourgências

Antes, tínhamos o Totobola e o Totoloto. Agora, temos o Totourgências. Nada mais, nada menos, que o caos nas urgências dos hospitais do país. Há sempre mais que uma urgência encerrada. Aos fins de semana o povinho fica doido, especialmente as mulheres grávidas. O escândalo está instalado quando ficamos chocados que uma grávida perdeu o filho porque andou de hospital em hospital a ver qual é que tinha a urgência de Obstetrícia aberta.

No mínimo, em cada fim de semana estão seis urgência encerradas e já estiveram dez. Não há compreensão para que o ministério da Saúde gaste milhões de euros e não resolva um problema premente e de importância vital num país onde a natalidade só tem baixado. As mulheres grávidas deviam ser as únicas cidadãs que não deveriam ter uma urgência sequer encerrada.

Chega-se ao ponto de muitas grávidas terem o parto no interior das ambulâncias, porque o Totourgências é andar de hospital em hospital a ver qual é que lhe cai em sorte de modo a aparecer um com a urgência obstétrica aberta. O aumento é notável devido ao encerramento de serviços de urgência obstétrica e de Pediatria em vários hospitais.

Em alguns casos, grávidas são transportadas para hospitais mais distantes devido a essas indisponibilidades, e o parto ocorre durante o transporte. No último ano, cerca de meia centena de bebés nasceram em ambulâncias. E por falarmos em ambulâncias, estamos perante outro grave problema porque um grande número de ambulâncias está num estado de risco elevado de acidente. Há ambulâncias sem revisão e manutenção, com pneus a pedirem substituição e com os motoristas a protestar junto dos responsáveis do INEM que não é mais possível conduzir ambulâncias em tão mau estado de conservação. Mais uma vez, a tutela faz ouvidos de mercador e a propaganda governamental só sabe anunciar que está a gastar muito mais dinheiro na Saúde.

Em quê? Em dermatologistas que ganham num dia 50 mil euros? Em gestores que são demitidos por suspeita de corrupção na aquisição de material hospitalar? Em salários miseráveis a bons médicos cirurgiões que acabam por se transferirem para o privado?… Os milhões desaparecem e o socorro aos cidadãos está cada vez pior. Continuam a decorrer inquéritos às mortes de pessoas sem socorro durante uma greve do INEM. Quando na nossa opinião, INEM, médicos e enfermeiros nunca poderiam fazer greve. Há dias, em Bragança, uma mulher de 69 anos morreu por alegada falha no socorro do INEM, depois de ter sofrido um AVC.

A doente demorou mais de duas horas a dar entrada no hospital, por não haver ambulâncias disponíveis em Alfândega da Fé, no distrito de Bragança, tendo a paciente vindo a morrer. Ainda na passada quinta-feira, uma grávida esperou 40 minutos por socorro do INEM, quando a grávida era levada para o hospital o bebé nasceu na ambulância, mas viria a morrer. Os casos sucedem-se e a ministra da Saúde não se demite e foi reconduzida no novo governo por Luís Montenegro. Isto, quando o último caso escandaloso de falta de socorro tem a ver com a falta de helicópteros ao serviço do INEM. Um concurso público anunciado o ano passado ainda não levou à compra de qualquer aeronave. Actualmente, está apenas um heli do INEM operacional no país, algo inacreditável.

E o que fez a ministra? Combinou com o seu colega da Defesa que houvesse um acordo com a Força Aérea a fim de que os helicópteros militares pudessem transportar os doentes. Em princípio podia ser uma solução provisória. Só que, reina a incompetência e a falta de conhecimento da realidade. Um helicóptero militar levantou voo, socorreu um doente e dirigiu-se ao hospital mais próximo, ali chegado não aterrou porque o heliporto era de pequenas dimensões, edificado para os pequenos helicópteros que o INEM possuía. O heli militar seguiu para outro hospital e a cena repetiu-se até que aterrou em local próximo de um hospital e uma ambulância transportou o doente. Imaginem quanto tempo se perdeu com toda esta manobra e deixando-se de poder contar com os helis da Força Aérea. E isto, não é vergonhoso? Não é motivo para a demissão da ministra?

Para terem uma ideia do Totourgências, no passado fim de semana, sete urgências estiveram encerradas no sábado e oito no domingo, sendo uma de Pediatria e as restantes de Ginecologia e Obstetrícia, indicou o Portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS). As urgências de Obstetrícia e Ginecologia dos hospitais do Barreiro, Setúbal, Vila Franca de Xira, Santarém, Aveiro e Leiria estiveram encerradas no sábado e domingo, enquanto as do Hospital de Abrantes fecharam no domingo. Nos hospitais de Amadora-Sintra, Loures, São Francisco Xavier-Lisboa e Braga encerraram as urgências das especialidades referidas durante a noite ao fim de semana.

Com este panorama nacional, a preocupação governamental continua a ser a venda da TAP, o aeroporto de Alcochete e o TGV para Espanha. Já não há cu que aguente…

P. S. – O semanário ‘Expresso’ publicou em manchete na sua edição de sábado passado, precisamente o que o ‘Hoje Macau’ anunciou aqui há duas semanas, que militares no activo deram instrução a um grupo neonazi com o fim de acções muito violentas e terroristas no país.

14 Jul 2025

Sócrates é um fenómeno

A vida de José Sócrates Pinto Sousa dava um filme. Sócrates é um fenómeno de ideias rentáveis, de mentira, de corrupção, de altruísmo e de sobrevivência sem problemas financeiros. Sócrates iniciou a sua actividade na Covilhã como agente técnico. Apresentava à edilidade projectos horríveis de casas a edificar. Logo aí, aprendeu como se obtinham licenças de construção civil pela via “mais rápida. Cedo aderiu ao PSD ingressando na Juventude Social Democrata. Mais tarde, deu-se conta que o partido político com mais representatividade em tudo o que fosse ter uma posição de elite era o Partido Socialista. E aderiu como militante socialista. Começou a subir degraus e Mário Soares simpatizou com o seu dinamismo dando-lhe a mão, ao ponto de degrau em degrau chegar a secretário-geral. Pretendeu que o tratassem por engenheiro, mas rapidamente veio a saber-se que não possuía nenhum curso superior de engenharia. Houve escândalo quando veio a lume que tentou obter o diploma com exames de certas cadeiras ao domingo…

O seu partido elegeu-o secretário-geral e ganhou eleições. No primeiro dia que entrou em São Bento como primeiro-ministro muitos dos seus amigos interrogaram-se como é que tinha conseguido subir ao terceiro lugar mais importante da hierarquia política portuguesa. Durante o seu governo teve ideias de aplaudir, nomeadamente reformas na área da Saúde. Passou a ser um dos políticos mais populares no espectro político nacional. Mas, há sempre um “mas”. Sócrates sempre foi um homem ambicioso e não olhava a meios para atingir os fins. E a partir do palanque de chefe do Executivo começou a valer tudo no que tocava a cambalachos. O dono disto tudo, Ricardo Salgado, mandou logo um funcionário seu, Manuel Pinho, para o governo de Sócrates. Manuel Pinho era o ponta-de-lança de Salgado junto do primeiro-ministro e ao que se sabe Ricardo Salgado “comprou” Sócrates com cerca de 30 milhões de euros. Quanto à construtora Lena, que ninguém conhecia, o primeiro-ministro Sócrates começou a adjudicar directamente grandes obras e, fontes do Ministério Público, transmitiram-nos que no processo “Operação Marquês” consta que a Lena fez entregar muitos milhões a Sócrates. O primeiro-ministro viajou para a Venezuela com a empresa Lena na mochila e Hugo Chávez recebeu muito bem a ideia que a Lena construísse naquele país milhares de casas de habitação social e um porto de águas profundas. Grandes contratos, grandes acordos, grandes contrapartidas. E mais uma vez, Sócrates conseguiu reembolsar avultadas quantias, segundo o que alegadamente consta dos diferentes processos.

Um dia, Sócrates deixou o país de boca aberta. Convidou Muammar Gaddafi, presidente da Líbia, para visitar Portugal. Sócrates pretendia investimentos libaneses em Portugal e o seu convidado, a troco de muito milhões, conseguiu armar uma tenda gigante no interior do Forte de São Julião da Barra, património nacional que os portugueses muito respeitam. O povo não queria acreditar que estava ali uma tenda gigante, com todos os luxos, para que Gaddafi permanecesse durante a visita. O que se sabe é que a ligação Sócrates-Gaddafi veio a ser imensamente frutuosa para o político português. Na agenda de Sócrates não podia faltar o Brasil e o seu amigo Lula da Silva. Um jornalista brasileiro chegou a escrever que o primeiro-ministro português estava a ganhar muito dinheiro com os acordos comerciais luso-brasileiros. Chegou-se a uma altura que o líder da extrema direita Mário Machado divulgou que José Sócrates tinha já uma fortuna de 330 milhões de dólares americanos e que um primo seu tinha ido a Macau depositar num banco local cerca de 30 milhões de euros.

A verdade é que Sócrates passou a ter uma vida faustosa com carros topo de gama, melhores restaurantes e financiamento a várias mulheres. Adquiriu um andar em um dos edifícios mais valiosos da urbe lisboeta junto ao Marquês de Pombal, daí a intervenção policial e judicial ter dado o nome de “Operação Marquês” a toda a investigação à vida de Sócrates. Este, tinha também comprado um monte no Alentejo para a ex-mulher e para completar os sinais de riqueza viajou para Paris com o seu filho e comprou uma casa no bairro mais caro da capital francesa. A comunicação social daquele tempo salientou que a presença de Sócrates em Paris e os milhões que gastava era “um escândalo”. Quando veio a Portugal tinha a polícia no aeroporto à sua espera e foi logo detido.

As investigações judiciais já tinham provas da sua corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais e transferência bancárias dolosas por parte do seu amigo Carlos Silva. Sócrates entrou na prisão de Évora. Era conhecido no interior do presídio como o 44. Mas, como Sócrates sabia muito e tinha dado muito dinheiro a ganhar aos seus camaradas, assistiu-se a um corrupio de personalidades a caminho de Évora para abraçar Sócrates, incluindo Mário Soares. Mais tarde, viria a ser libertado e deu início à sua defesa judicial. Chegou a responder várias vezes aos procuradores do Ministério Público. O que não deve ter sofrido quando os magistrados o tratavam por “senhor Sousa”… As acusações criminosas eram muitas, no entanto, Sócrates rodeou-se de bons advogados pagos a peso de ouro e de recurso em recurso, já lá vão mais de 10 anos (é inacreditável) sem se realizar qualquer julgamento.

Sócrates não para de pensar um minuto como é que tudo isto poderá prescrever ou sair como inocente. Vai daí, na semana passada deu um golpe de mestre. Viajou para Bruxelas e deu uma conferência de imprensa na qual anunciou que ia apresentar uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Sócrates justificou os motivos que o levaram a denunciar os tribunais que disse terem sido “manipulados” para persegui-lo na “Operação Marquês”.

Regressa de Bruxelas e tinha o Campus de Justiça, em Lisboa, à sua espera para pela primeira vez se sentar no banco dos réus num julgamento agendado para a passada quinta-feira. Um julgamento que irá durar meses ou anos, onde estiveram presentes 15 arguidos e os advogados de defesa de Sócrates a requerem a anulação do julgamento por alegadas irregularidades judiciais. Bem, Sócrates ou é maquiavélico ou o humano mais inteligente do planeta. Já há quem diga que será inocentado e que ainda receberá uma indemnização do Estado pelo mal que lhe causou em deixar arrastar o seu caso durante mais de uma década. Ora, digam lá que a vida de Sócrates não dava um bom filme…

7 Jul 2025