Não nomeado

 

Sabemos, sim, que não podemos nomear o inominado até por uma exclusão de partes que não é mencionável, e mesmo assim, nós que fizemos da linguagem o agente criador de realidade, ficamos aquém do dizer que a palavra transmite, que em última instância a linguagem não se quer agente para demonstração lógica de factos, mas sim para uma inventividade que é necessária para ultrapassar o limite- todos os limites- que a sua própria corroboração nos ordenara. Entre a intenção do dizer, e o “trans- dizer” existe ruptura e novo diálogo. O domínio da sua transfiguração cabe aos poetas, aqueles da insondável formatação por vertentes não equacionáveis, recusando-se talvez aos do bem – dizer nas suas bases de mero exercício formal, que em última instância só têm linhas tortas. Sempre será preciso muito além para se prescindir de aspectos seguros e bem acabados, rompendo por dentro a expectativa de se ser compreendido.

O poeta, por que o é, será sempre o ser de fronteira e do limite das coisas, e ao mencioná-lo enquanto elemento transgressor não o devemos servir a frio numa plataforma de quentes centralidades e inspiradas melodias. Nada disso lhe é subjacente, ou então ninguém saberá para o que vai, dado que depois de todas as conquistas e actividades laborais, cada ser, quer afinal, e no topo de seu desejo absurdo, ser um poeta. Ainda bem que tais desejos não implicam resoluções, e que nesta dobragem um tanto ou quanto falaciosa, vamos encontrar uma massa do grande SNI em nossos “artistas de fim de semana”. « Sentimentos todos nós temos» F.Pessoa.- Sim, e depois? Estranhamente não são os sentidos e os sentimentos que fazem poetas, mas como dizê-lo numa sociedade que se pensa livre e que “livremente” exercita a sua anedota de grupo de maneira tão libertinantemente natural? Creio que a grande resposta é enfim não dizer nada, mas sempre retirando qualquer vestígio de soberba e de cinismo.

Kabir exemplifica este ser só no meio da jornada onde em vão se deseja colocar a natureza entre uma e outra influência, este poeta cuja primeira edição aparece na Europa na tradução inglesa de Tagore em 1915, foi um poeta de uma India Medieval nascido no século XV que muitos crêem ter sido uma síntese sincrética do Hinduísmo e do Islamismo. Mas não! Foi deles um crítico, indo até ao insuspeito Sufismo. De todas elas, por educação e herança cultural teria de ter total conhecimento, mas que transformou em outra visão e iniciação. Mais tarde reindivicaram todos a sua posse decididos a chamar para si o poeta que ousara não ser nenhum deles. E eis então que nos surge entre as mãos um maravilhoso título «O Nome daquele que não tem nome», Kabir, numa pequena e preciosa edição, e sabemos qualificar a dimensão de um poeta assim. Basta ter saído das estruturas que fabricam talvez essa ilusão do ente criador, para sem dúvida ter sofrido alguma opressão no tempo que lhe fora dado viver, e depois, talvez se tivesse inexoravelmente colocado nessa parte silenciosa do difícil poder criativo.

Não o vamos porém encontrar circunscrito ao nada niilístico gratuito e solitário. Não! Esse não foi o caso – ele fizera parte de um grande movimento iniciático da Índia, no conceito de Absoluto, e por aí trilhou caminhos cujo alcance estão fora da rota canónica e das grades das vontades alheias, crê-se que no seu caixão foram encontrados manuscritos de negação a essas duas correntes teológicas bem como um “bouquet” com as suas flores preferidas, isto porque, uns queriam cremá-lo segundo os costumes hindus, e outros enterrá-lo de acordo com os costumes muçulmanos, mas nunca ninguém viu o seu corpo morto. Talvez que entre céu e terra e muitas certezas, muitas outras coisas existam que desconhecemos e que preparam o tempo de serem vistas. «O nome daquele que não tem nome» continuará a ser uma busca na definição de coisas outras ( não em forma de metáfora) e de um além não nomeado: os Hebreus sabiam lidar com esta componente por meio de uma exegese magistral dando sempre nomes vários, dezenas, mesmos, mas em nenhum se retiveram, procurando sempre, o que os tornou sem dúvida muito fortes ao nível da inteligência pura, os católicos também sabem por inerência que não se deve pronunciar o nome de Deus em vão, mas vã foi esta determinação na Família Católica.

Há no entanto a ressalvar que na antiga Pérsia os povos oravam aos poetas, e talvez essa prática tenha passado para o Islão. Não havia separação entre estas coisas cuja simplicidade Kabir deu testemunho extraordinário, talvez por serem os mais próximos daquilo que não pode ser encontrado, ou seja, nomeado.

 

 Lendo livro após livro o mundo inteiro morreu

e nunca ninguém aprendeu!

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