Estudo | “Uma Faixa, Uma Rota” pode colocar em risco Acordo de Paris

Um estudo do Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade Tsinghua analisou o custo ambiental da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e concluiu que pode ser fatal para os objectivos estabelecidos no Acordo de Paris. O impacto ambiental pode comprometer o esforço conjunto para inverter a marcha no combate às alterações climáticas, graças às práticas dos países envolvidos no projecto, numa altura em que Pequim aposta na economia verde

 
[dropcap]Q[/dropcap]uando os Estados Unidos saíram do Acordo de Paris, estabelecido em 2015 para combater o aquecimento global e as alterações climáticas, tudo indicava que a China teria a porta aberta para assumir um papel de liderança em questões ambientais. Ainda para mais, face à irónica tese conspirativa que Donald Trump repetiu diversas vezes, em campanha eleitoral e ainda antes, de que as alterações climáticas eram uma fraude perpetuada por Pequim.
Segundo um estudo do Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade Tsinghua divulgado ontem, a realidade parece apontar no sentido contrário, muito por culpa da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. O desenvolvimento económico de países que fazem parte da política global depende energeticamente em grande parte do carvão, o que pode tornar impossível de atingir os objectivos estabelecidos em 2015 pelo Acordo de Paris.
A gigantesca teia de portos, caminhos-de-ferro, redes rodoviárias e parques industriais espalhados pela Ásia, África, Médio Oriente e Europa representa um investimento brutal, distribuído por 126 países. Enquanto Pequim entra com uma parte significativa do dinheiro, os projectos vão também contar com injecções de capitais de outros actores nacionais públicos e privados, aumentando as preocupações quanto às eventuais consequências ambientais.
O estudo da Universidade Tsinghua traça um mau resultado da pegada de ecológica, quanto às emissões de carbono, da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, concluindo que existe um risco significativo de apenas com base nas emissões de gases de efeito estufa originadas pela construção das infra-estruturas do mega-projecto os objectivos do Acordo de Paris irem por água abaixo.

Quase um terço

O Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade Tsinghua diz na sua análise que 126 dos países envolvidos no projecto “Uma Faixa, Uma Rota” representam 28 por cento das emissões de gases de efeito de estufa resultantes de acção humana. O estudo teve em conta os efeitos de diferentes abordagens na construção de megaportos, condutas de transporte de combustíveis, caminhos-de-ferro e autoestradas em 17 países abrangidos pela iniciativa de Pequim. Neste aglomerado de nações, estima-se que países como a Rússia, Irão, Arábia Saudita e Indonésia teriam de baixar as emissões de carbono em 68 por cento até 2050, comparado com as actuais trajectórias, de forma a cumprir os objectivos traçados em Paris.
“Estamos num cenário em que nada mudou. Se continuarmos nesta direcção, mesmo que todos os outros países do planeta cumpram, incluindo os Estados Unidos, China e Índia, ainda assim as emissões de carbono vão rebentar a escala”, aponta Simon Zadek, investigador convidado da Universidade Tsinghua.
“A dinâmica de crescimento da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ é tão grande, que se as emissões de carbono abrangidas pelo programa não cumprirem o acordo, não interessa se os restantes países cumprem ou não”, acrescenta o investigador.
O estudo indica que, até 2050, as emissões de gases estufa produzidas pelos países da iniciativa poderiam ser 39 por cento mais baixas, se fossem seguidas as melhores práticas industriais, recorrendo a tecnologias mais amigas do ambiente.

Oportunidade única

Importa referir que a China continua a ser o maior poluidor no que diz respeito às emissões de carbono, produzindo cerca de 30 por cento de todo carbono de origem humana, mesmo que per capita as emissões andem a par das emitidas pela Europa.
Apesar de Pequim ter firmado uma posição forte em termos de política doméstica de controlo da poluição atmosférica, tem sido alvo de críticas graças ao investimento baseado em combustíveis fósseis em projectos fora das suas fronteiras.
O investigador do Centro de Finanças e Desenvolvimento da Universidade Tsinghua indica que é necessário que Pequim tenha uma “política consistente”, tanto em casa, como fora, no que toca às emissões de carbono.
Segundo uma estimativa das Nações Unidas, cerca de dois terços das infra-estruturas projectadas até 2050 ainda estão por construir. Neste aspecto, Zadek adianta que a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” constitui uma oportunidade global para “descarbonizar”, ao mesmo tempo que se expande o comércio e o crescimento económico. Para tal, o investigador sugere que se estabeleça uma plataforma internacional de apoio e financiamento “verde” aos países abrangidos pela iniciativa que procura replicar a antiga rota da seda, musculada e com fiscalizações ambientais obrigatórias aos investimentos chineses. “Será fácil? Será que conseguimos atingir este objectivo até amanhã às 9h? Claro que não. Mas se mostrarmos qual o caminho para atingir estes objectivos, creio que será exequível”, estima o investigador.

Em brasa

Empresas chinesas estão envolvidas em, pelo menos, 240 estações de produção de energia baseadas na combustão de carvão em 25 países abrangidos pela iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, entre eles Bangladesh, Paquistão, Sérvia, Quénia, Gana, Maláui e Zimbabué. Pequim está também a financiar perto de metade das estações que usam carvão no Egipto, Tanzânia e Zâmbia. Apesar de a China estar a construir no Bangladesh uma estação de “carvão limpo”, as restantes assentam em tecnologia menos avançada e que não tem em conta o controlo das emissões de carbono.
Importa recordar que a indústria da energia e do carvão estiveram no centro da revolução industrial e económica chinesa. De 1990 para 2015, o consumo anual de carvão na China passou das 1.05 mil milhões de toneladas para 3.97 mil milhões de toneladas, garantindo mais de 70 por cento da produção energética, factor determinante no rápido crescimento do PIB chinês.
O preço pago pelo vício do carvão foi elevado levando à escassez de água, chuvas ácidas e níveis alarmantes de poluição atmosférica.
Hoje em dia, a liderança política de Pequim aposta na “eco-civilização”, conceito inscrito na constituição do Partido Comunista Chinês, que assenta na protecção ambiental e numa nova fase do desenvolvimento económico do país.
Os planos de mudança da estratégia assente na forte industrialização para uma economia baseada no sector dos serviços, acompanhada por grandes investimentos em energias renováveis, pode permitir à China atingir reduções substanciais na “intensidade energética” baseada em combustíveis fósseis. Até lá, espera-se que o consumo de carbono atinja o seu auge, antes de começar a baixar.
Porém, a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” ameaça amarrar a China a parceiros económicos responsáveis por elevadas emissões de carbono, num momento em que a segunda maior economia do mundo, a passos de se tornar na maior, se distancia deste tipo de práticas que ameaçam fazer escalar o aquecimento global.
Em 2016, o Presidente Xi Jinping projectou o desejo de ver a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” como um projecto “verde, saudável, inteligente e pacífico”, ao mesmo tempo que incentivou os países participantes a aprofundarem a cooperação em termos de protecção ambiental. Foram divulgadas directrizes nesse sentido, mas sem carácter obrigatório, levando à fraca aplicabilidade. O problema permanece, com ou sem Acordo de Paris.
 
Com AP

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