Uma pergunta controversa

[dropcap]D[/dropcap]epois do regresso de Macau à soberania chinesa, tem sido realizada todos os anos uma exposição de fotos do “Incidente de 4 de Junho”, nesta data. Mas, este ano por causa da covid-19, o Instituto para os Assuntos Municipais e alguns membros do Governo não aprovaram a mostra. O organizador do evento não apresentou recurso contra a decisão. Será que esta atitude marca o fim do progresso democrático em Macau? Mas em Hong Kong, a situação é ainda mais devastadora, como se pode verificar pelos seguintes acontecimentos: a eleição do Presidente da Casa do Comité do Conselho Legislativo não obedeceu às regras de procedimento; a RTHK (Radio Television Hong Kong) teve de interromper a produção do programa “Headliner” e apresentou desculpas a todos os agentes da polícia que se possam ter sentido ofendidos pelos seus conteúdos; uma pergunta do exame de História do Ensino Secundário levantou sérias preocupações na opinião pública. Tendo em conta a morte recente de Allen Lee Peng-fei, industrial, veterano da política e comentador, irá Hong Kong cumprir a sua missão histórica a curto prazo?

Quando estudamos História, devemos compreender os factos e aprender as lições que ela nos ensina, ou devemos aprender a ser politicamente correctos e subservientes? Há quem afirme que a História é escrita pelos vencedores e que os livros didácticos se limitam a estandartizar as respostas para que os alunos as memorizem mais facilmente. Mas isso não é rigoroso. Para além dos livros didácticos, existem inúmeros outros que se podem consultar. Os vencedores só registam o que os pode enaltecer. Mas existem muitos outros registos escritos e orais que os vencedores não conseguem controlar. Por causa desta incapacidade de controlo, o primeiro imperador da Dinastia Qin, Qin Shihuang, ordenou “a queima de livros e o sepultamento de intelectuais”; a Dinastia Qing implementou a “inquisição literária”, mas existiram muitos movimentos políticos na história moderna da China. Embora muitos intelectuais e historiadores tenham sido executados, os factos e a verdade não podem ser ocultados.

Mas voltemos à pergunta do exame de História do Secundário (HKDSE) que desencadeou muitas críticas e ataques em Hong Kong. Algumas pessoas afirmaram que a pergunta era tendenciosa, que “embelezava” a invasão japonesa da China e que ofendia seriamente os sentimentos e a dignidade dos chineses que sofreram imenso durante esta invasão. Estas acusações pareciam reunir em si todos as técnicas usadas durante a Revolução Cultural, no apogeu da “luta de classes”.

Na realidade, a pergunta que tanta controvérsia desencadeou era uma pergunta de desenvolvimento que requeria análise, um tipo de pergunta que aparece frequentemente nos exames. Pretendia testar a capacidade dos alunos para analisar o texto proposto, e não a sua concordância ou discordância, e também testar os seus conhecimentos da história desse período. A pergunta era formulada da seguinte maneira, “O Japão foi mais benéfico do que prejudicial para a China no período de 1900-45. Concordas? Justifica a tua resposta fazendo referência a [dois textos incluídos] e recorrendo ao teu próprio conhecimento.” Era suposto os estudantes fazerem uso do pensamento crítico para responderem à pergunta.

De uma forma geral, a não ser que o estudante fosse apoiante incondicional do militarismo japonês, ou um autómato que apenas lesse as perguntas e respondesse sem pensar, a resposta deverá ter sido “discordo”.

Os dois textos de apoio só incluiam documentos do período compreendido entre 1905 e 1912, não mencionando a invasão japonesa que decorreu entre 1931 e 1945. A intenção do examinador deve ter sido deixar esse período (1931 a 1945) à consideração dos estudantes, para que pudessem exprimir livremente as suas opiniões, e para que dessa forma os seus conhecimentos pudessem ser avaliados. A maior parte dos estudantes respondeu, “discordo”, na medida em que possuem bons conhecimentos sobre o período da invasão japonesa da China.

Alguns membros do Governo de Hong Kong criticaram esta pergunta porque a consideraram “politicamente incorrecta”, o que só demonstra falta de profissionalismo e autismo em relação às opiniões dos peritos. Os principais alvos das críticas são os professors que conceberam a pergunta e os que a avaliaram. Dois membros da Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong demitiram-se devido a estas críticas. Algumas pessoas exigiram que a pontuação da pergunta fosse excluída da avaliação final do exame, o que é muito injusto para os estudantes, já que esta questão apenas põe à consideração os conceitos de “bem e mal” para quem tiver pensamento crítico.

Hoje em dia, a Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong possui um processo rigoroso de verificação da formulação e dos conteúdos das perguntas dos exames públicos, no qual participam muitos profissionais. Por isso, pergunto-me qual teria sido a intenção destes profissionais ao aprovarem esta pergunta, que tanta polémica desencadeou. Além disso, cada pergunta vem acompanhada de um guia de classificação, que serve à avaliação dos revisores. Desta forma, não teria sido difícil aperceberem-se de que esta pergunta poderia ser considerada uma ofensa à dignidade do povo chinês. Se tivéssemos visto o guia de classificação da resposta, e estivesse lá assinalado “concordo” como resposta correcta, isso seria uma prova de que tinha havido intenção de ofender.

Quando interpretamos tudo politicamente, podemos ver problemas em toda a parte. Não é o colapso da educação que destrói um país, mas sim as pessoas que provocam o colapso da educação.

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