Xi Jinping em Lisboa | Analistas prevêem investimentos em portos e ferrovias

Arnaldo Gonçalves, especialista em relações internacionais, e José Luís Sales Marques, economista, disseram à agência Lusa que os acordos assinados entre a China e Portugal podem originar novos investimentos nas áreas dos portos e ferrovias, sem esquecer as ligações a África e América Latina

 

[dropcap]E[/dropcap]specialistas em relações internacionais disseram à agência Lusa que a visita oficial do Presidente chinês a Portugal é uma oportunidade para garantir investimento em portos e na ferrovia, mas também em projectos tripartidos em África e América Latina.

Os portos de Leixões e de Sines, a modernização da linha ferroviária que pode até passar pela privatização parcial ou total da Comboios de Portugal (CP), cooperação tripartida entre a China, Portugal e países africanos ou da América Latina para assegurar investimentos de grande escala são alguns dos exemplos dados por docentes e investigadores numa antevisão da visita oficial do Presidente chinês, Xi Jinping, a Lisboa.

“Esta é uma oportunidade para se passar das palavras aos actos, de dar uma expressão económica às boas relações entre Portugal e a China”, sublinha o presidente do Fórum Luso-Asiático, Arnaldo Gonçalves, lembrando que “Portugal, só entre 2010 e 2016, tornou-se no sétimo país europeu em que se registou mais investimento chinês”.

“Na área das infra-estruturas, está em cima da mesa a possibilidade de a China investir nos portos portugueses. O porto de Roterdão [Holanda] está sobrecarregado. Se a China quer prosseguir o esforço no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ vai ter que ter um porto alternativo. Os portos de Leixões e Sines podem ser alternativas interessantes”, sustenta o professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Politécnico de Macau.

Por outro lado, acrescenta, “Portugal precisa, mais tarde ou mais cedo, de modernizar a sua linha ferroviária”, defendendo que o país necessita de adoptar uma postura mais pró-activa.

“Para além dos portos, a privatização total ou parcial da CP poderia ser uma opção”, adianta o investigador, lembrando, contudo, que a aposta chinesa em vias de comunicação terrestres e marítima “coloca problemas políticos delicados à União Europeia [UE]”, sobretudo “num quadro de reemergência do poder russo e da aproximação entre Xi [Jinping] e [Vladimir] Putin”. Ou seja, explica, Portugal tem que ter algum cuidado” e “acertar bem as agulhas com a União Europeia para, no fundo, não ser uma ‘lebre’ posta a correr por Pequim contra a própria política externa da UE”.

A possibilidade de Portugal receber novos investimentos nestas áreas foi anunciada por Augusto Santos Silva, ministro português dos Negócios Estrangeiros, aquando da sua recente visita a Macau. Santos Silva disse que a assinatura de um memorando de entendimento no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota” poderia ser assinado durante a presença de Xi Jinping na capital portuguesa, entre os dias 4 e 5 de Dezembro, ainda que este não será assinado “a qualquer preço”.

O ministro português deixou também claro que o Porto de Sines é “o melhor ponto” para que a “nova Rota da Seda ancore na Europa”.

“Um grande simbolismo”

Já o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), José Sales Marques, acredita que ainda há espaço “para reforçar de forma significativa a cooperação” e que, também por isso, a visita de Xi Jinping a Portugal “é de grande simbolismo” porque “acontece num momento em que as relações estão num ponto muito alto” e após uma década “de forte expressão económica”.

Sales Marques expressa a sua convicção de que, “a ser assinado um memorando de entendimento no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’” durante a visita de Xi Jinping, é possível que se verifique um entendimento conjunto “sobre projectos como o porto de Sines e a ligação ferroviária [de alta velocidade] até Espanha”.

O docente e investigador alerta, também, que os compromissos entre Portugal e a China não podem colidir com os interesses europeus, devendo “estar sujeitos a regras definidas pelo Tratado de Lisboa relativas a acordos sobre investimento estrangeiro”.

O presidente do IEEM destaca a importância da “nova realidade ao nível das relações bilaterais entre os dois países”, mas admite que será interessante verificar “até que ponto podem surgir, em concreto, projectos de investimento trilateral entre Portugal, China e um país africano, lusófono ou não”.

Uma opinião partilhada por Arnaldo Gonçalves, que junta a possibilidade de Lisboa e Pequim poderem acordar “investimentos tripartidos (…) não só em África, como também na América Latina”.
Afinal, exemplifica, “houve investimentos brutais chineses que fizeram disparar a dívida interna brasileira e que aparentemente vão ser congelados pelo Presidente [Jair] Bolsonaro”, pelo que “Portugal pode limar, aí, algumas arestas”.

Por seu lado, José Sales Marques, que faz questão em enumerar as manifestações das relações sino-portuguesas, como os ‘vistos gold’, aquisição da EDP, crescente fluxo turístico e até as celebrações em Portugal do Dia da China e do Ano Novo chinês como provas de que Lisboa “tem de continuar a olhar sem preconceitos e com naturalidade para o investimento” de Pequim.

“A visita coloca Portugal no mapa”, conclui por sua vez Arnaldo Gonçalves, alertando para uma outra prioridade, a de que os responsáveis políticos portugueses têm de acautelar situações como a entrada de empresas lusas no mercado chinês.

 

Visita presidencial antecipa Ano da China em Portugal

O Presidente chinês, Xi Jinping, chega a Lisboa em visita oficial, na terça-feira, antecipando o arranque do ano da China em Portugal e preparando a comemoração de 40 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

Quando for proclamado o Ano do Porco, a 5 de Fevereiro do próximo ano, uma enorme festa popular animará as ruas de Lisboa, não apenas para celebrar a chegada do novo ano chinês, mas também para recordar os 40 anos de história das relações diplomáticas entre Portugal e a China.

A visita de Xi Jinping, que termina na próxima quarta-feira, vem antecipar e preparar essas celebrações, que terão o seu contraponto na China, com a declaração do ano de Portugal na China, em simultâneo, como foi anunciado em Julho passado pelo então ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.

A deslocação do Presidente chinês foi avançada pela primeira vez por Marcelo Rebelo de Sousa, em Junho, e então classificada pelo Presidente português como “muito importante” e espelho da “capacidade de diálogo e de entendimento”.

Xi vai reunir-se, em Lisboa, com o homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. A delegação de Xi Jinping inclui Yang Jiechi, membro do Gabinete Político do Comité Central do Partido Comunista Chinês, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Conselheiro de Estado, Wang Yi, e o presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o órgão máximo de planeamento económico do país, He Lifeng.

As celebrações do ano de Portugal na China e do ano da China em Portugal incluem apresentações de companhias de bailado, concertos e exposições, num programa que foi meticulosamente estudado entre os dois governos, durante uma visita do ministro da Cultura português à China, em Julho.

Primeira desde Hu

As relações diplomáticas entre Portugal e a China estabeleceram-se a 8 de Fevereiro de 1979, depois de as negociações formais entre representantes de Portugal e da China se terem iniciado, em Paris, em 1978, três anos depois de o novo regime democrático em Portugal ter reconhecido o governo da República Popular da China, em Janeiro de 1975.
As celebrações também recordam os 20 anos da transferência da soberania de Macau para a República Popular da China, que aconteceu a 20 de Dezembro de 1999. “Macau joga um papel de grande importância” na relação entre os dois países, afirmou em Julho o então ministro da Cultura, mencionando a forma positiva como os dois países se entenderam para a transição de soberania daquele território.
A visita de Estado de Xi Jinping é a primeira desde Novembro de 2010, quando o então Presidente da China, Hu Jintao, esteve em Lisboa. Em 2017, no momento de celebração do Novo Ano chinês, o Ano do Galo, um galo de Barcelos com 10 metros de altura, da autoria da artista Joana Vasconcelos, foi enviado para a China, simbolizando “a amizade entre os povos e os países”, como disse na altura o primeiro-ministro português, António Costa.

 

Números capitais

3.393 milhões – Valor em dólares do saldo da balança comercial entre Portugal e a China, entre Janeiro e Julho deste ano. Durante aquele período, Portugal comprou ao país asiático bens no valor conjunto de 2.099 milhões de dólares (+1,43 por cento, em termos homólogos), e vendeu mercadorias num total de 1.294 milhões de dólares (+16,87 por cento).

13.º – A China era, em Julho deste ano, o 13.º cliente de Portugal e o seu sexto fornecedor.

10.000 milhões de euros – Montante investido em Portugal pela China, desde que, em 2012, a China Three Gorges (CTG) comprou uma participação de 21,35 por cento no capital da EDP.

256.735 – Turistas chineses que visitaram Portugal, em 2017, um acréscimo de 40,7 por cento, face ao ano anterior.

130 milhões de euros – Montante gasto pelos turistas chineses durante a sua estada em Portugal, no ano passado.

27.854 – Vistos emitidos pelas secções consulares portuguesas na China continental (exclui Macau e Hong Kong), em 2017. A China é o segundo país onde Portugal mais emite vistos, a seguir a Angola.

15 – Centros de vistos que Portugal tem na China, a cargo do grupo privado VFS Global.

3.952 – Cidadãos chineses que obtiveram a Autorização de Residência para a actividade de Investimento (ARI), os chamados vistos ‘gold’, desde que o programa entrou em vigor, em Outubro de 2012.

1.110 – Portugueses que residiam na China, em 2016.

100 – Treinadores portugueses de futebol a trabalhar na China. O ‘desporto-rei’ será a área que mais portugueses emprega no país, reflectindo a ambição de Pequim de elevar a selecção chinesa ao estatuto de grande potência.

25 – Universidades da China continental com licenciatura em língua portuguesa.

4 – Número de universidades portuguesas – Aveiro, Coimbra, Lisboa e Minho – onde o Instituto Confúcio, organismo patrocinado por Pequim para assegurar o ensino da língua e cultura chinesas, está já implantado.

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