Biblioteca Central | Instituto Cultural vai “avaliar” o projecto vencedor do arquitecto Carlos Marreiros

Após as dúvidas sobre o plágio, a resposta. O arquitecto enviou ontem uma carta a pedido do IC a explicar o seu projecto e a negar ter copiado o Auditório da Cidade de León

[dropcap]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) pediu explicações ao arquitecto Carlos Marreiros sobre o projecto da Biblioteca Central no Antigo Tribunal, devido às questões levantadas nas redes sociais de que poderia ter havido plágio do Auditório da Cidade de León. A situação foi revelada, ontem, pela presidente do Instituto Cultural Mok Ian Ian, que defendeu igualmente o resultado do concurso público.

“Estamos a estudar este caso e contactámos de imediato a empresa que ganhou o concurso público. Mas no Instituto Cultural fizemos sempre uma apreciação de forma justa, imparcial e transparente”, afirmou Mok.

A responsável pelo IC explicou também que ficou a conhecer o caso pelas redes sociais, na manhã de ontem: “Como sabem as redes sociais divulgam as informações de uma forma muita rápida. Tivemos conhecimento por esse meio e logo que ficámos a saber deste caso contactámos com a empresa adjudicada”, acrescentou.

Este foi um pedido a que o atelier de arquitectura Marreiros Arquitectos e Associados respondeu ainda ontem, como explicou Carlos Marreiros. O arquitectou marcou igualmente uma conferência de imprensa para voltar a negar as acusações, como tinha feito em declarações ao HM.

“O IC não me disse nada porque ainda é cedo [para estudarem a nossa resposta]. Mas está tudo em condições para se prosseguir com os trabalhos, e termos a adjudicação para fazer o projecto, no prazo dos 268 dias”, afirmou Marreiros.

Durante uma hora o arquitecto esteve em conversa com os jornalistas a explicar todo o seu projecto e a justificar algumas das escolhas durante a concepção.

“Sou uma pessoa que gosta de agarrar o boi de frente”, começou por justificar na sessão de clarificações. “Como se trata do concurso público da Biblioteca Central, apressei-me a esclarecer a opinião pública. Se fosse uma coisa privada não estava muito preocupado, mas tratando-se de uma obra com a importância que tem e de estar a ser paga com o Erário Público, as pessoas merecem ser informadas rapidamente”, sublinhou.

O atelier de Carlos Marreiros foi um dos nove que apresentaram propostas para o projecto da Biblioteca Central e o trabalho acabou adjudicado por um valor de 18,68 milhões de patacas, que serão pagos pelo Governo.

Línguas semelhantes

Ainda ao longo da explicação técnica, Carlos Marreiros afirmou que as linhas das janelas do seu projecto recorrem à arquitectura militar, um estilo que já havia utilizado anteriormente no Quartel de São Francisco, e que a separação entre as janelas não é feita de forma recta, como na obra dos arquitectos espanhóis Emilio Tuñón Álvarez e Luís Moreno Mansilla.

O macaense mostrou depois imagens do interior Capela de Notre Dame du Haut em Ronchamp (França), do arquitecto Le Corbusier, onde foi buscar inspiração para o projecto que foi a concurso.

“É uma peça muito bonita e é das coisas que nós arquitectos temos sempre em mente. E eu, particularmente, porque o Corbusier, além de ser arquitecto, engenheiro e urbanista, era pintor, poeta, escritor. Ele tinha uma mundividência que eu admiro muito”, revelou.

Foi também através da literatura que Carlos Marreiros explicou eventuais semelhanças entre o seu projecto com o dos arquitectos espanhóis: “A linguagem vocabular da arquitectura como uma forma de expressão é como uma língua, tem as suas regras, as suas construções frásicas, o seu vocabulário próprio […] E se há algumas construções frásicas que possam ter alguma sugestão de similitude, é um caso que às vezes acontece em todo o mundo, no movimento moderno e na arquitectura contemporânea”, apontou.

O arquitecto defendeu igualmente que os dois projectos não podem ser comparados só através da fachada principal: “Não se pode concluir que há cópia, plágio, simplesmente porque uma parte do discurso arquitectónico, do edifício, é relevado para se comparar com outra parte de outro edifício. É preciso, em arquitectura, ter uma análise global de todos os aspectos”, frisou.

Desconhecimento do auditório

Por outro lado, o arquitecto confessou que desconhecia o projecto do Auditório da Cidade de León, tal como os arquitectos. Marreiros explicou que só foi alertado para o trabalho em causa, após ter sido contactado, na quarta-feira à noite, pelo HM.

“Não conhecia os dois arquitectos em causa e a obra deles, de que até gostei. E muito menos conhecia este auditório de León. Por isso, nunca poderia ser uma inspiração e muito menos uma cópia ou plágio. Nem sequer conhecia o edifício”, revelou.

Ainda por último, Marreiros questionou o que tinha a ganhar em plagiar num concurso com um grande escrutínio, uma vez que está para ser construído desde 2007. “Não faz sentido pensar-se que ia plagiar num concurso público com tanta exposição, mais a mais a Biblioteca Central, que há 10 se arrasta como um pesado fardo…”, frisou. “Comecei a projectar e a construir, quando ainda estava a estudar em Lisboa. O que é que eu ganhava se começasse a plagiar aos 61 anos?”, perguntou.

Inspirações semelhantes

Após ter sido revelado o caso, o arquitecto Jonathan Wong comentou a título pessoal os dois projectos. Apesar de ser presidente da Associação dos Arquitectos, Wong fez questão de sublinhar que só comentava o caso a nível pessoal.

“Penso que ambos os projectos, do arquitecto Marreiros e dos arquitectos de León, tiveram como inspiração o mesmo autor, o arquitecto Le Corbusier e a Capela de Notre Dame du Haut em Ronchamp”, começou por dizer, ao HM. “Também penso que nestes casos não existe uma forma padrão para avaliar se um edifício é uma cópia ou uma inspiração directa de outro projecto”, acrescentou.

Wong admite igualmente que há semelhanças: “Talvez possa existir a percepção, quando se olha para o projecto da Biblioteca Central, que já tinha sido visto em algum lado. Até porque quando olhamos para um edifício falamos na cor e na forma. Aqui a cor é a mesma, o branco, e a forma também é semelhante, basicamente é um rectângulo horizontal”, considerou.

Em relação ao procedimentos que o IC pode adoptar, no caso de considerar que poderá haver um cópia, Jonathan Wong defende que há pouca margem de manobra. “A única forma que pode alterar os resultados do concurso é a existência de um problema técnico, que não esteja contemplado. Mas à partida parece que não há problemas neste sentido”, indicou.

Proposta autêntica

O presidente da Associação dos Arquitectos revelou ainda que não recebeu qualquer queixa por parte dos diferentes associados, face às denúncias online.

O HM ouviu ainda a opinião do arquitecto Rui Leão, um dos interessados no concurso, que não quis responder se estava a equacionar impugnar o concurso ou apresentar qualquer tipo de queixas junto do IC. Porém, apontou que o projecto que apresentou era “autêntico”.

“A única coisa que posso dizer é que fizemos uma proposta que tem um desenho autêntico, não é copiado de lado nenhum. Dá muito trabalho ter ideias de raiz, e o nosso projecto, do meu ponto de vista, é muito mais interessante e bonito do que o vencedor. É a única coisa que tenho a dizer”, disse Rui Leão, ao HM.

A proposta que Rui Leão apresentou, com o nome LBA, Arquitecto e Planeamento, tinha um valor de 16,13 milhões de patacas e um prazo de execução de 250 dias. A proposta de Carlos Marreiros tem um valor de 18,68 milhões de patacas e um prazo de 268 dias.

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