Macau Visto de Hong Kong VozesLições da tragédia de Hong Kong David Chan - 2 Dez 2025 O incêndio devastador no Hung Fook Court, em Tai Po, Hong Kong, deflagrou em sete ou oito edifícios. Nestes prédios estavam a decorrer obras de manutenção e os empreiteiros usavam espuma expansiva altamente inflamável para vedar janelas e os andaimes utilizados eram de bambu, o que permitiu que o fogo alastrasse rapidamente depois de ter começado num dos edifícios. Os ventos fortes e o tempo seco provocaram a intensificação das chamas, que posteriormente atingiram todo o bloco habitacional. Os alarmes de incêndio não dispararam, contribuindo para a tragédia. Cerca de 48 horas depois do acidente, o Governo de Hong Kong tinha extinguido praticamente o fogo. Com a ajuda do Governo Central, que enviou recursos substanciais para Hong Kong, e de inúmeras empresas que doaram dinheiro e provisões, as necessidades foram atendidas, permitindo que as vítimas tivessem um descanso temporário. No momento em que escrevo este artigo, o Governo de Hong Kong acabou de anunciar que se registam 146 mortes, 79 feridos e 40 desaparecidos. Entre os mortos encontra-se um heroico bombeiro que faleceu a combater as chamas. Antes de continuarmos a nossa análise, observemos um minuto de silêncio por aqueles que perderam a vida e rezemos pelos sobreviventes, esperando que possam em breve superar as suas dificuldades. Manifestamos ainda o nosso mais elevado respeito a todos os trabalhadores e voluntários que participaram nas operações de resgate, elogiando a sua coragem e dedicação face à adversidade. Além de cuidar das vítimas, o Governo de Hong Kong também tratou rapidamente de procurar identificar os responsáveis pelo acidente. Por exemplo, a pessoa responsável pela manutenção do Hung Fook Court foi presa e é suspeita de homicídio involuntário. A Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC sigla em inglês) também mandou prender indivíduos suspeitos de corrupção. O Governo de Hong Kong realizou imediatamente inspecções surpresa a todas as redes de protecção usadas na manutenção de edifícios para garantir que cumpriam os padrões de segurança contra incêndios. As seguradoras que trabalhavam com as empresas de manutenção do edifício também declararam publicamente que tinham activado mecanismos de emergência e que forneceriam a compensação adequada de acordo com os contratos celebrados. Em Hong Kong, algumas pessoas sugeriram que de futuro as empresas de manutenção deveriam usar andaimes de metal em vez de usarem andaimes de bambu. Como é que as vítimas irão lidar com as consequências deste desastre? Em primeiro lugar, os feridos têm de receber tratamento imediato. Em segundo lugar, deverão contactar imediatamente as famílias para os informar que estão a salvo. Vimos na televisão muitas pessoas preocupadas com os familiares, a chorar e à espera de notícias. Enviar-lhes uma mensagem para os tranquilizar é indispensável. Em terceiro lugar, vão ter de resolver o problema de alojamento. Se tiverem outro lugar para morar ou se puderem ficar com familiares ou amigos, terão de dar seguimento a essas diligências. Não se sabe quando é que poderão voltar a casa. Se não tiverem nenhuma solução, terão de ingressar no programa de alojamento temporário do Governo de Hong Kong. Em quarto lugar, assumindo que a inspecção governamental considera que a casa ainda é habitável, deverão os proprietários renová-la? O Hung Fook Court foi inaugurado em 1983, há mais de 40 anos, e as obras de reparação já tinham começado. Este incêndio devastador acelerou a desvalorização da propriedade. Os proprietários devem considerar se vale a pena fazer grandes investimentos em renovação, tendo em vista o valor futuro das casas e a probabilidade de serem vendidas com sucesso. Para lá das diferentes reacções do Governo de Hong Kong, do público e das vítimas, este devastador acidente levantou, de facto, outras questões que preocupam a sociedade. Primeiro, Hong Kong é por natureza uma cidade com elevado custo de vida. Um trabalhador que consiga comprar uma casa com o salário que aufere durante a vida activa alcança um feito significativo. Depois de duas ou três décadas a pagar a hipoteca, o edifício já se desgastou e precisa de obras de fundo. Nessa altura, os proprietários precisam de fazer grandes investimentos na manutenção, fazendo com que a casa e os problemas que levanta pareçam um poço sem fundo, um buraco negro impossível de preencher. A relação dos proprietários com as suas casas lembra o título de uma série de televisão – “escravos da propriedade.” Segundo, a seguir a este acidente raro, os empreiteiros vão ter mais cuidado com os materiais que usam. As seguradoras também vão estar mais atentas quando fizerem contratos com empresas de manutenção e vão impor requisitos mais rigorosos. Isto significa que os prémios de seguro podem aumentar. Os proprietários que adquiriram seguros de habitação e de incêndio podem também ver os seus prémios alterados. Todos estes factores vão recair sobre os proprietários das habitações, significando que irão arcar com mais despesas. Para os proprietários que ainda trabalham, esta situação é agravada com encargos adicionais. E os proprietários reformados? Poderão ter feito um fundo para manutenção antes da reforma, mas com a sua situação financeira pós reforma, podem ter deixado de conseguir cobrir essas despesas. Isto deve ser um assunto a considerar por todos os proprietários que não foram directamente afectados pelo incêndio e por potenciais compradores de casa. Embora as propriedades em Hong Kong sejam valiosas, também dão origem a muitos problemas. Este acidente devastador trouxe novas perspectivas ao Governo de Hong Kong, à sociedade, às vítimas e aos potenciais compradores de casa. Esperemos que estas novas ideias beneficiem a sociedade de Hong Kong e previnam tragédias semelhantes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau