Sexanálise VozesQuem tem medo do ginecologista? Tânia dos Santos - 19 Nov 2025 Assim que uma pessoa com vulva inicia a sua vida sexual, as idas ao ginecologista tornam-se obrigatórias. Há quem sugira consultas de ano a ano, há quem recomende intervalos de três em três anos — depende muito da situação médica. Durante a consulta, o médico observa a vulva e o interior da vagina, realiza exames e avalia o estado de saúde das partes íntimas. Ainda que o contacto com o ginecologista possa ser frequente, há quem sinta extrema ansiedade nestas visitas. Afinal, a pessoa fica exposta e vulnerável. Para além de ter de partilhar detalhes sobre a sua vida sexual e lidar com silêncios constrangedores — facilmente interpretados como julgadores —, há também a discussão sobre fluidos corporais e o uso do espéculo vaginal, por vezes metálico e frio, para que a vagina se abra e a visibilidade seja melhor. Há desconforto associado e as pessoas descrevem diferentes níveis de desconforto, e até de dor. O que é certo é que, para muitas, estas intervenções podem ser dolorosas — e, por isso, a ansiedade dispara. Há quem até prefira não ir ao ginecologista de todo. Começando pelo espéculo vaginal, por exemplo: mantém praticamente o mesmo formato e funcionamento há 185 anos. Alguns médicos ainda utilizam o modelo metálico e frio, mas acredita-se que, atualmente, se use mais o de plástico descartável, que, embora um pouco mais confortável, não é a solução ideal. Duas mulheres, nos Países Baixos, na Universidade de Técnica de Delf desenvolveram uma alternativa com um mecanismo menos agressivo, que, em estudos iniciais, se revelou muito favorável — não só ao conforto das pacientes, mas também aos médicos, que relataram melhor visibilidade. Lilium, como se chama, é, sem dúvida, uma invenção promissora, mas até chegar aos consultórios ginecológicos de todo o mundo poderá demorar algum tempo. O material é mais suave e a forma de abertura mais gentil, permitindo até que as pacientes controlem a abertura — o que pode ser relevante para quem sofra de extrema ansiedade, tenha vivido experiências sexuais traumáticas ou até experiências negativas anteriores no ginecologista. Algumas pessoas encaram a consulta com naturalidade; outras evitam-na completamente. A maioria, porém, resigna-se à ideia de que a consulta de rotina é necessária, apesar do mal-estar que possa causar. Pelo bem da saúde, sujeitamo-nos, por vezes, a procedimentos desagradáveis — e está tudo bem com isso: é assim que a medicina funciona. Contudo, há aspetos que podem ser geridos para que a ida ao ginecologista não seja um “bicho de sete cabeças”. Esta é a parte que nos devolve alguma agência na relação com o ato ginecológico. Como é que podemos cuidar do desconforto? Estabelecer uma relação de confiança. Para que a experiência seja tranquila, é essencial que a pessoa estabeleça uma relação de confiança com o médico. Convém partilhar ansiedades e medos em relação à visita, explicando o que causa desconforto. Juntos, podem desenvolver estratégias que tornem os exames mais suportáveis (por exemplo, no caso da citologia). É possível pedir ao médico que explique cada passo do procedimento. Nem todos os profissionais são sensíveis a estas questões, mas é importante encontrar um com quem nos sintamos à vontade e com quem a comunicação seja fácil e descomplicada. Se for a primeira visita, vale a pena pedir referências a amigas ou pessoas de confiança — e procurem médicos que sejam empáticos e disponíveis para ouvir preocupações. Acompanhar-se de objetos ou circunstâncias confortantes. Na ida à consulta, leve algo que a faça sentir-se segura e que lhe recorde que o desconforto é passageiro. Por exemplo, ouvir música relaxante antes de entrar ou usar um perfume ou aroma familiar. É importante identificar esses pontos de bem-estar e não ter receio de recorrer a eles numa situação stressante. Pode também ser útil levar um acompanhante de confiança que fique consigo na sala de espera e a receba quando sair. Estes momentos de segurança ajudam a que a experiência desconfortável não fique emocionalmente desamparada. O mundo da medicina ginecológica tem ainda muito espaço para melhorar no que toca ao atendimento e à compreensão do desconforto que este tipo de consulta pode gerar. Mesmo na reformulação dos procedimentos e dos instrumentos de exame, haverá certamente avanços que considerem mais o conforto das pessoas com vulva. Resta-nos, por enquanto, falar sobre o desconforto com o profissional de saúde e procurar aquele com quem sintamos maior confiança. Apesar do lugar-comum de que a ida ao ginecologista é “apenas um pouco desconfortável”, percebemos cada vez mais que, para muita gente, pode ser muito mais do que isso — e não há nada como desenvolver estratégias que reconheçam o desconforto, mas que cuidem dele da melhor forma possível.