Escritor brasileiro Ozias Filho fala do papel da literatura

O escritor brasileiro Ozias Filho afirmou na sexta-feira que a literatura é um acto político e de resistência e que a poesia produzida por inteligência artificial nunca será igual, porque lhe falta a “intangível e insubstituível” vivência. Ozias Filho falava durante o XIII Encontro de Escritores da Língua Portuguesa, que decorreu até sábado na capital cabo-verdiana, num painel dedicado à literatura e desenvolvimento.

O também fotógrafo e editor de livros, que nasceu no Rio de Janeiro, mas vive em Portugal há vários anos, afirmou que se vive hoje “um paradoxo notável: nunca tivemos tanto acesso à informação, mas nunca, por outro lado, estivemos tão expostos à desordem e à manipulação”. “As notícias falsas, os algoritmos que moldam a nossa percepção e a efemeridade das interações digitais transformaram a linguagem num verdadeiro campo de batalha”, adiantou.

Para Ozias Filho, a literatura é “um acto de resistência contra qualquer poder instituído pela força, uma arma para a consciência que, uma vez despertada, não mais se cala”. “Ler é apreender o mundo e compreender o seu contexto. E não basta viver numa ditadura, para compreender o sentido deste pensamento”, afirmou.

Na opinião de Ozias Filho, vive-se hoje “sob a égide da ditadura do imediatismo, do consumismo, das mentiras e dos revisionismos históricos”. “Não é por acaso que a leitura, a aprendizagem, a educação e a cultura são frequentemente desvalorizadas em regimes ditatoriais”, observou, acrescentando: “Mesmo quando a leitura é incentivada nesses sistemas, é porque cumpre e veicula a ideologia do poder vigente”.

Poesia artificial

Ozias Filho abordou depois na sua intervenção um dos temas deste encontro de escritores, a inteligência artificial, lançando a pergunta: “Pode uma máquina criar poesia?”. “Sim, a inteligência artificial é capaz de produzir versos metrificados, metáforas coerentes e até poemas que emocionam. Pode reproduzir a forma, mas falta-lhe algo intangível e insubstituível: a vivência”.

E concluiu que “um algoritmo não sente o luto, a perda, não conhece a resistência, não vive a paixão ou a saudade, nem luta contra a opressão. Pode simular, mas nunca possuirá a alma, fruto de uma experiência humana singular, imperfeita e contraditória”.

Neste painel participaram ainda Teresa Moure, da Galiza, Joaquim Ng Pereira (Macau/China), Daniel Medina e Vera Duarte, ambos de Cabo Verde. O encontro arrancou com a apresentação do Prémio de Revelação Literária UCCLA-Câmara Municipal de Lisboa, este ano atribuído ao actor Cláudio da Silva, que nasceu em Angola e vive em Portugal. A apresentação esteve a cargo de Germano de Almeida, o escritor cabo-verdiano que venceu o Prémio Camões em 2018.

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