Entrevista MancheteRuby Hui, presidente da Associação de Autismo de Macau: “Autismo difere de pessoa para pessoa” Andreia Sofia Silva - 19 Mar 2025 Criada em 2012, a Associação de Autismo de Macau continua a lutar por mais cuidados destinados a crianças e jovens com esta perturbação de desenvolvimento. Mas a presidente da associação, Ruby Hui, alerta para a necessidade de políticas mais incisivas para adolescentes e as suas necessidades específicas, sobretudo no acesso ao emprego Que balanço faz do trabalho realizado pela associação nos últimos anos? O meu trabalho é sobretudo estabelecer uma ligação com todas as entidades e recursos disponibilizados pelo Governo e também com a indústria do jogo, pois as autoridades passaram a pedir [no contexto dos novos contratos de concessão de jogo] que desenvolvam mais actividades de apoio social. Portanto, reunimos todos esses recursos para que sejam organizadas actividades recreativas para crianças e jovens. Além disso, organizamos sessões de terapia para os nossos membros. Habitualmente, pedimos apoios financeiros a empresas privadas e ao Governo, cobrindo 30 a 50 por cento dessas despesas. O apoio do sector do jogo é, portanto, bastante importante. Sim, mas na verdade não tem sido um apoio muito grande. Por exemplo, o Governo cobre parte das nossas despesas mensais, cerca de 40 mil patacas. Mas esse montante chega apenas para contratar dois funcionários a tempo inteiro e um funcionário a tempo parcial. São eles que organizam todas as actividades, tratam da parte burocrática, onde se inclui a apresentação de muitos relatórios ao Governo, porque pedimos subsídios para quase metade das nossas despesas. Assim sendo, considera que são precisos mais apoios do Executivo para poder contratar mais profissionais? Sim, seria o ideal. Associações como a nossa estão a ficar maiores e as crianças a que damos apoio estão a crescer. Diria que 60 por cento dos nossos membros têm 11 ou mais anos, e cerca de 20 por cento são ainda maiores, com mais de 14 anos. Temos de pensar no futuro deles e das necessidades em termos de terapia e tratamento para adolescentes, pois não são só os miúdos pequenos que precisam de terapias, como terapia da fala ou ocupacional. São jovens que ainda estão no liceu e precisam de adquirir diferentes tipos de competências sociais, os rapazes precisam de saber lidar com raparigas e vice-versa. Depois, quando se tornam adultos, precisam de saber lidar com os chefes, no emprego. Há muitas valências a explorar e sim, neste momento diria que os apoios não são suficientes. As escolas ainda não estão preparadas para receber estes alunos, por exemplo? O autismo pode ser diferente de pessoa para pessoa. Os alunos com autismo, mas que têm melhores capacidades de aprendizagem, estão em escolas normais. Mas os pais dizem-me que não há professores suficientes com determinadas competências para lidar e ensinar estas crianças. Há professores que têm ainda uma mentalidade muito tradicional para tratar deste tipo de jovens, que muitas vezes têm de lidar sozinhas com situações de bullying, por exemplo. Diria que existem muitas crianças e jovens com autismo com problemas psicológicos por causa da escola. Quando fala da mentalidade tradicional, o que significa isso em concreto? No caso do meu filho, por exemplo, ele é obrigado a estar sempre sentado na escola, mas muitas vezes gosta de se mexer e levantar da cadeira. Do ponto de vista dos pais que têm filhos com este problema, não haveria problema, desde que não incomodasse os outros, mas para os professores não pode ser, e queixam-se. Dizem coisas do género: “Ele vai bater na mesa, vai mexer no quadro, faz muito barulho”. Todos os dias recebo queixas dos pais na ligação com a escola, e por situações pequenas como esta. Quais são as principais dificuldades ou desafios que as famílias de Macau enfrentam quando lidam com um filho autista? No meu caso, a minha família é de classe média, e financeiramente estamos bem. Mas quando o meu filho era mais novo precisou de fazer terapia e ficou muito caro. Agora essas terapias custam ainda mais. No tempo em que o meu filho andava no ensino primário, pagava-se 600 a 700 patacas por cada sessão de terapia, mas há dias um pai disse-me que as sessões custam agora cerca de 1000 patacas por aula, o que é muito caro. Famílias de classes sociais mais baixas não conseguem pagar. Portanto, esse apoio é um dos grandes objectivos da nossa associação, angariar dinheiro para podermos fornecer explicações, sessões de terapia ou outro tipo de apoio. Tudo para que os nossos membros possam frequentar as aulas com 50 por cento de desconto, em que a associação paga metade do valor. Quando a associação foi criada, quais eram os seus principais objectivos? Em 2012 o autismo não era um tema muito falado. Por isso, juntámo-nos [alguns pais e famílias] e começámos a pedir apoio ao Governo e a tentar chamar a atenção para o assunto. Conseguimos algumas coisas, porque o Governo agora dá mais apoio a estes jovens, pelo menos para os que têm menos de 12 anos. O problema que sentimos é que esses jovens estão a crescer e para os adolescentes são necessários outros tipos de apoios, que não existem. O que é preciso mudar nas mentalidades e na sociedade em relação ao autismo? Em Macau não há muitas empresas dispostas a contratar jovens com autismo. Situação que não se verifica em Hong Kong, onde existem vários programas de contratação com empresas de cariz social. Macau precisa seguir esse caminho. Um dia no rio O Dia Mundial da Consciencialização do Autismo celebra-se a 2 de Abril e, nesse contexto, a Associação de Autismo de Macau juntou-se à Sands China para uma série de actividades com crianças e pais, que decorreu no passado dia 10 de Março. Através do Programa “Sands Cares”, a operadora de jogo proporcionou uma visita à exposição “Coastal Fantasia”, com a figura do “Rei Lagosta”, uma criação do artista Philip Colbert, e um passeio de barco pelo Delta do Rio das Pérolas. No total, participaram 70 pessoas. Citada por um comunicado da operadora de jogo, Ruby Hoi disse que o passeio “permitiu às crianças desfrutarem ao máximo da viagem”. “Agradeço por todo o apoio prestado às pessoas com autismo em Macau, e espero que todos os sectores da sociedade possam continuar a apoiar o desenvolvimento destas pessoas e a promover a sua inclusão na sociedade”, referiu. Para a operadora de jogo, este tipo de eventos pode ajudar a “reforçar a coesão das famílias que lidam com o autismo, mas também promover a sensibilização da sociedade e o apoio à comunidade de pessoas com autismo fomentando um ambiente social mais inclusivo e solidário”.