Via do MeioOs Retratos de Estrangeiros de Xie Sui Paulo Maia e Carmo - 14 Mar 2025 Da Yu, Yu o grande, uma figura lendária que se acredita ter sido o fundador da dinastia Xia (2059 – 2025 a. C.) de acordo com a tradição, dirigiu um grande esforço colectivo durante treze anos, conseguindo por fim controlar uma imensa inundação do rio Huanghe (o rio Amarelo) que cobria colinas e arrasava povoados. Uma «pressão excessiva» do bem precioso que é a água, razão da escolha dos lugares para habitar, que quando em excesso causa um desequilíbrio. Um pintor da corte de Qianlong (r.1735-96) chamado Xie Sui tratou esse tema da luta para viver com a natureza desmedida de um modo notável em vários rolos verticais, como em O grande Yu domestica a inundação (tinta e cor sobre papel, 188,6 x 115,4 cm, vendido na Sothebys) onde ressalta a figuração de uma grande quantidade de trabalhadores pintados de forma genérica. Mas o seu labor de recriar personagens em pinturas para a corte seria mais detalhado quando realizou uma série de quatro rolos horizontais com trezentas e uma figuras de pessoas, representativas dos mais diversos povos que vinham dos quatro cantos do Mundo prestar tributo ao Filho do Céu. Inseria-se essa figuração na antiga tradição de Retratos das oferendas períodicas que vinha já da dinastia Tang e explicitada em 1636 pelo cartógrafo Chen Zushou, já em diálogo com conhecimentos que traziam Europeus: «Todos os povos bárbaros dentro dos quatro mares devem vir prestar tributo ao nosso imperador. Embora eles (os jesuítas) possam descrever o Mundo como compreendendo cinco continentes, são no entanto quatro deles que devem rodear o núcleo do Império.» Uma curiosa influência na figuração desse ceremonial vê-se numa pintura anónima de 1761, existente no Museu do Palácio em Pequim (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 299 x 207 cm) intitulada Dez mil nações chegam para prestar tributo, em que se nota um realismo no tratamento das figuras que as aproxima do estilo exótico, europeu, introduzido na corte pelo missionário jesuíta Italiano Giuseppe Castiglione (1688-1766) que estava ao serviço do imperador. Xie Sui nos seus quatro rolos (c. 133,9 x 1402,2 cm, cada um,tinta e cor sobre papel, no Museu do Palácio Nacional, Taipé) mostra pares de figuras de estrangeiros, geralmente homem e mulher da mesma proveniência, alguns deles inventados. Entre eles encontra-se um casal que um título acima deles, como acontece com todas as outras figuras, escrito em caracteres sínicos e manchus, indica serem provenientes de Daxiyangguo, como então era designado Portugal. E que um texto descreve: «Os homens têm corpos longos com narizes proeminentes e bocas como as das corujas», as mulheres «prendem o cabelo para cima, usam ganchos, têm decotes quadrados e corpetes expostos, usam blusas curtas e saias longas com dois ou três arcos por baixo e muitas vezes levam um xaile a cobrir as suas cabeças.»