Grande Plano MancheteInteligência Artificial | Estudo destaca meta de liderança da China Andreia Sofia Silva - 11 Fev 2025 A China pretende liderar o mercado global da inteligência artificial, “tanto em termos de teoria, como de aplicações”, procurando auto-suficiência neste domínio. Esta é uma das conclusões da tese de doutoramento de Muhammed Can, “A inteligência artificial como recurso: Uma Avaliação das Estratégias de Mobilização e Extração da China”, defendida na Universidade do Minho Poucos meses antes do lançamento da plataforma “DeepSeek” na China, que revolucionou o mercado da Inteligência Artificial (IA) em concorrência com o “ChatGPT”, foi defendida na Universidade do Minho (UM) uma tese de doutoramento que conclui, precisamente, os passos que Pequim está a dar para buscar a liderança global nessa área. O trabalho, de Muhammed Can, intitula-se “Artificial Intelligence as a Resource: An Appraisal of China’s Mobilization and Extraction Strategies” [A inteligência artificial como recurso: Uma Avaliação das Estratégias de Mobilização e Extração da China], e analisa a conexão da IA às relações internacionais, bem como a estratégia que o país tem adoptado neste domínio nos últimos anos. A tese, na área da ciência política e relações internacionais, foi defendida na Escola de Economia e Gestão da UM. Assim, conclui-se que o Partido Comunista Chinês (PCC) “tem como objectivo tornar-se líder mundial tanto em termos de teoria como de aplicações de IA”, tendo sido delineados alguns objectivos principais para “o processo de mobilização de recursos e desenvolvimento da IA”. Segundo o autor, estes passam pela “busca da auto-suficiência, uma visão concretizada na estratégia de 2015, ‘Made in China 2025′”, assim como “a transformação económica, com vista a integrar perfeitamente a IA e a automatização na economia nacional”. De resto, o autor considera que Pequim procura tornar-se um concorrente e líder na área da IA com vista a combater os avanços noutros mercados, nomeadamente nos Estados Unidos, recorrendo a iniciativas como a “Rota da Seda Digital da China e esforços de definição de padrões como caminho para a validação externa”. Desta forma, “as estratégias de extração de recursos externos da China são facilitadas pelos vários mecanismos económicos, visando a transferência de conhecimento e aquisição de talentos, com o objectivo de preencher a lacuna de recursos com os Estados Unidos”. O “tecno-nacionalismo” A tese fala ainda da noção de “tecno-nacionalismo”, ligada à área das relações internacionais, como “a variável mais importante no quadro da política de IA da China”, podendo também “ser visto como uma continuação e manifestação da estratégia de ‘dois mercados, dois recursos’ do PCC”. Com esta abordagem, a China pretende “proteger o mercado interno e, simultaneamente, expandir-se para o estrangeiro, promover a venda de produtos fabricados na China e extrair recursos como dados, talento, ‘know-how’ e muitos outros”. Além disso, “as implicações do tecno-nacionalismo também se estendem às empresas tecnológicas estrangeiras que operam na China”, uma vez que, “no contexto das empresas comuns, a China utiliza várias barreiras e tira partido do seu quadro jurídico nacional como instrumento para a transferência estratégica de tecnologia e conhecimentos especializados”. O trabalho académico tem em conta as políticas e leis implementadas entre 2012 e 2023, concluindo que após o lançamento do “Plano de Desenvolvimento da Nova Geração de Inteligência Artificial” [NAIDP, na sigla inglesa], em 2017, a estratégia chinesa para a IA ganhou um novo rumo. “A tese demonstra que o ritmo a que os recursos foram mobilizados aumentou acentuadamente após o anúncio do NAIDP em 2017”, tendo sido revelado um conjunto “de iniciativas e planos relacionados com a IA, destinados à mobilização sistemática de recursos essenciais para o desenvolvimento da IA”. Nos anos a que se refere o estudo, “o PCC promulgou uma série de políticas e legislações relacionadas com os dados, incluindo leis relativas à privacidade dos dados individuais”, introduzindo “quadros jurídicos especificamente relacionados com segurança nacional, que têm implicações directas na governação e regulamentação dos dados”. O autor descreve ainda a forma que Pequim tem adoptado para mobilizar todos os recursos disponíveis em torno da política da IA, com o Conselho de Estado “a promulgar planos estratégicos abrangentes pertinentes para a IA ou assuntos relacionados com a IA – como o Plano de Acção Trienal Internet + Inteligência Artificial”. São estes documentos que vão “articular objectivos e normas a curto e longo prazo, servindo de percurso para um desenvolvimento coordenado neste domínio”. Os recursos essenciais no desenvolvimento de projectos e políticas de IA são “dados, algoritmos e capacidade de computação”. De frisar que existe uma “estratégia de mobilização de recursos do PCC” que tem a “abordagem de ‘toda a sociedade’ e ‘todo o Governo'”. Tal “implica que todos os segmentos da sociedade, incluindo instituições governamentais, empresas privadas e indivíduos, podem ser envolvidos no esforço de desenvolvimento da IA, se tal for considerado necessário”. Trata-se, segundo a tese, de “uma abordagem integrada que permite uma estratégia mais coesa e abrangente para a mobilização de recursos no contexto do desenvolvimento da IA”. Após “a introdução de estratégias globais”, o PCC “inicia o processo de mobilização de recursos através de instituições governamentais designadas”, nomeadamente ministérios, o Gabinete de Promoção da IA e a Administração do Ciberespaço da China”. “Para melhorar a sua estratégia de mobilização de recursos, o PCC incorpora activamente actores privados no ecossistema de desenvolvimento da IA. Ao designar certas grandes empresas tecnológicas como campeãs nacionais da IA, o Governo não só mobiliza estas empresas, como também as incentiva a mobilizar mais recursos de acordo com os objectivos estratégicos do Estado”, lê-se ainda. Importância dos governos locais Tal como noutros campos, a China percebeu desde cedo que a IA constituía uma área importante para investir e que teria de fazer parte das estratégias económicas e políticas. Assim, a tese de Muhammed Can “demonstra que as mudanças do PCC na política tecnológica alinham-se de forma estreita com o ambiente estratégico”, pois o partido “percebeu as oportunidades e ameaças em desenvolvimentos globais significativos”. Ainda no tocante à mobilização de recursos para o desenvolvimento da IA, o autor fala de um processo “complexo e distribuído em vez de uma abordagem singular, de cima para baixo, liderada apenas pelo PCC ou pelo Conselho de Estado”. “Embora o PCC estabeleça as normas e directrizes gerais, envolve activamente um vasto leque de partes interessadas – incluindo empresas, universidades e organismos ministeriais – no processo de mobilização. Essa estratégia distribuída pode ser entendida no contexto do tamanho da China, tanto em termos de população quanto de extensão geográfica, que exige uma abordagem mais dispersa.” O autor destaca o “papel preponderante que os governos locais desempenham no desenvolvimento da IA”, pois “funcionam como extensões da autoridade central, e o seu envolvimento activo implica a mobilização directa de recursos”, nomeadamente ao nível de algoritmos e capacidade de computação. “A tese conclui que os governos locais também instituíram diversas estratégias para melhorar as políticas associadas a dados, algoritmos e capacidade de computação”, pode ler-se. “Alguns governos locais tomaram a iniciativa de formular as suas próprias estratégias de IA antes das autoridades centrais terem emitido directrizes oficiais. Posteriormente, estas estratégias locais foram revistas para se conformarem com as directivas centrais”. Para analisar as políticas locais de IA, o autor analisou os casos de Xangai e Shenzhen. De resto, a ideia de mobilização em torno da área da IA prende-se com questões históricas, pois Pequim sempre buscou a vanguarda na área da tecnologia, nomeadamente desde os tempos da Guerra Fria. Conforme se lê na tese, “a China começou por confiar fortemente na tecnologia exportados da União Soviética após a criação da República Popular da China”, mas “o ambiente estratégico restritivo começou a evoluir com a visita histórica do Presidente norte-americano, Richard Nixon, em 1972”, tendo representado “uma oportunidade inestimável para a China e os EUA contrabalançarem a ameaça soviética”. Graças a pesquisa de arquivo, o autor conclui que “o ambiente estratégico da China transitou para um estado parcialmente permissivo por volta de 1978, coincidindo com o início das políticas de reforma e abertura do líder Deng Xiaoping”. A partir desse ano decorreu “uma expansão dramática das oportunidades para o PCC no domínio do desenvolvimento tecnológico”. Em termos gerais, “o conceito de mobilização está intrinsecamente ligado ao papel de vanguarda de longa data do PCC, um papel que facilitou a rápida mobilização de recursos durante momentos-chave de sua história”. Nem de propósito, a China participa desde ontem na cimeira sobre IA que decorre em Paris, a Cimeira de Acção sobre IA, tendo enviado o vice-primeiro-ministro Zhang Quoqing. Nesta cimeira, que termina hoje, estão presentes “chefes de Estado, investigadores e líderes de empresas tecnológicas que vão debater a forma como os governos devem responder aos rápidos avanços neste domínio”, segundo a Lusa.